Resumo: Artigo com objetivo de explorar, de maneira objetiva, a hipótese de utilização de produção antecipada de prova para propositura de Ação Popular, dada a sistemática legal complexa no que se refere aos cumprimentos de seus requisitos objetivos. Partindo-se da análise de princípios para dirimir eventuais antinomias aparentes, desenvolve-se a problemática sob prisma eminentemente interpretativo, buscando a comunicação do Código de Processo Civil e da Ação Popular pelas vias de direito intertemporal. Conclui-se pela possibilidade da utilização da produção antecipada.
Palavras-chave: Prova antecipada. Código de Processo Civil. Ação Popular.
Abstract: This article aims to explore, in a simply way, the hypothesis of the use of the anticipated production of evidence to propose a Popular Action, given the complex legal systematics regarding the fulfillment of its objective requirements. Starting from the analysis of principles to resolve any apparent antinomies, the problem is developed from an interpretive point of view, seeking the communication of the Code of Civil Procedure and Popular Action through intertemporal law. The possibility of the use of the anticipated production is avaiable.
Keyword: Anticipation’s Proof. Code of Civil Procedure. Ação Popular.
Sumário: Introdução. 1. Das singularidades, limites e extensões da Ação Popular. 2. Da prova antecipada na Ação Popular. 3. Do posicionamento jurisprudencial. Conclusão. Referências bibliográficas.
Introdução
Com a promulgação do Código de Processo Civil de 2015, uma série de mudanças procedimentais foram sedimentadas no ordenamento jurídico fazendo com que normas anteriores à sua vigência plena encontrem supostos obstáculos interpretativos.
Evidente que existem remédios legais que visam mitigar a dificuldade de adequação legislativa, notadamente a Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) ou aplicações doutrinárias de técnicas de identificação e resolução de antinomias jurídicas. No entanto, ao analisar a Ação Popular (Lei 4.717/65) como adequá-la ao novo modus operandi do Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015)? Especificamente, de que forma as provas típicas ou atípicas listadas na lei instrumental podem penetrar no microssistema formado pela Lei de Ação Popular já que, no bojo desta última, normas de direito material e processual se mesclam?
Neste cenário, começam a surgir questionamentos sobre a legitimidade, interesse processual, aplicação de ritos ou mesmo de mero processamento.
Assim, mister salientar que a discussão tem lugar na interdisciplinaridade do direito, na medida que as limitações de atuação de uma lei frente à outra irão fornecer parâmetros equânimes e seguros de efetiva prestação jurisdicional colimando com a finalidade precípua da Lei de Ação Popular, cujo teor corresponde ao resguardo da coisa pública fronte sua violação pela Administração Pública lato sensu.
Superado o exórdio, Gasparini (1993, p. 25)[i] define Ação Popular como “instrumento judicial posto à disposição de qualquer cidadão para invalidar atos e outras medidas da Administração Pública e de suas autarquias, das entidades da administração indireta ou das entidades subvencionadas pelos cofres públicos, ilegais e lesivos aos respectivos patrimônios, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural”, partindo desta conceituação pontos iniciais relevantes.
Depreende-se da definição que qualquer cidadão é legitimado para propor Ação Popular com a finalidade de invalidar atos da Administração Pública eivados de irregularidades. Claro que a lei positivada, seguindo a sistemática de delimitação a ela inerente, condiciona, por exemplo, o exercício do jus postulandi à posse de título de eleitor, afastando a possibilidade de qualquer estrangeiro ou menor de 16 (dezesseis) anos propor Ação Popular.
Neste ponto, pouco importa se o legitimado ativo possui domicílio eleitoral onde se vislumbra a lesão ao patrimônio público. Em julgado do Superior Tribunal de Justiça (STJ) esclarece-se de maneira cristalina a questão de legitimidade com conexões processuais remissivas ao Código de Processo Civil de 1973.
PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. ELEITOR COM DOMICÍLIO ELEITORAL EMMUNICÍPIO ESTRANHO ÀQUELE EM QUE OCORRERAM OS FATOS CONTROVERSOS.IRRELEVÂNCIA. LEGITIMIDADE ATIVA. CIDADÃO. TÍTULO DE ELEITOR. MEROMEIO DE PROVA. 1. Tem-se, no início, ação popular ajuizada por cidadão residente e eleitor em Itaquaíra/MS em razão de fatos ocorridos em Eldorado/MS. O magistrado de primeiro grau entendeu que esta circunstância seria irrelevante para fins de caracterização da legitimidade ativa ad causam, posição esta mantida pelo acórdão recorrido - proferido em agravo de instrumento. 2. Nas razões recursais, sustenta a parte recorrente ter havido violação aos arts. 1º, § 3º, da Lei n. 4.717/65 e 42, p.único, do Código Eleitoral, ao argumento de que a ação popular foi movida por eleitor de Município outro que não aquele onde se processaram as alegadas ilegalidades. 3. A Constituição da República vigente, em seu art. 5º, inc. LXXIII, inserindo no âmbito de uma democracia de cunho representativo eminentemente indireto um instituto próprio de democracias representativas diretas, prevê que "qualquer cidadão é parte legítima para propor ação popular que vise a anular ato lesivo ao patrimônio público ou de entidade de que o Estado participe, à moralidade administrativa, ao meio ambiente e ao patrimônio histórico e cultural, ficando o autor, salvo comprovada má-fé, isento de custas judiciais e do ônus da sucumbência". 4. Note-se que a legitimidade ativa é deferida a cidadão. A afirmativa é importante porque, ao contrário do que pretende o recorrente, a legitimidade ativa não é do eleitor, mas do cidadão. 5. O que ocorre é que a Lei n. 4717/65, por seu art. 1º, § 3º, define que a cidadania será provada por título de eleitor. 6. Vê-se, portanto, que a condição de eleitor não é condição de legitimidade ativa, mas apenas e tão-só meio de prova documental da cidadania, daí porque pouco importa qual o domicílio eleitoral do autor da ação popular. Aliás, trata-se de uma exceção à regra da liberdade probatória (sob a lógica tanto da atipicidade como da não-taxatividade dos meios de provas) previsto no art. 332, CPC. 7. O art. 42, p. único, do Código Eleitoral estipula um requisito para o exercício da cidadania ativa em determinada circunscrição eleitoral, nada tendo a ver com prova da cidadania. Aliás, a redação é clara no sentido de que aquela disposição é apenas para efeitos de inscrição eleitoral, de alistamento eleitoral, e nada mais. 8. Aquele que não é eleitor em certa circunscrição eleitoral não necessariamente deixa de ser eleitor, podendo apenas exercer sua cidadania em outra circunscrição. Se for eleitor, é cidadão para fins de ajuizamento de ação popular. 9. O indivíduo não é cidadão de tal ou qual Município, é "apenas" cidadão, bastando, para tanto, ser eleitor. 10. Não custa mesmo asseverar que o instituto do "domicílio eleitoral" não guarda tanta sintonia com o exercício da cidadania, e sim com a necessidade de organização e fiscalização eleitorais. 11. É que é entendimento pacífico em doutrina e jurisprudência que afixação inicial do domicílio eleitoral não exige qualquer vínculo especialmente qualificado do indivíduo com a circunscrição eleitoral em que pretende se alistar (o art. 42, p. único, da Lei n. 4.737/65 exige tão-só ou o domicílio ou a simples residência, mas a jurisprudência eleitoral é mais abrangente na interpretação desta cláusula legal, conforme abaixo demonstrado)- aqui, portanto, dando-se ênfase à organização eleitoral. 12. Ainda de acordo com lições doutrinárias e jurisprudenciais, somente no que tange a eventuais transferências de domicílio é que a lei eleitoral exige algum tipo de procedimento mais pormenorizado, com demonstração de algum tipo de vínculo qualificado do eleitor que pretende a transferência com o novo local de alistamento (v. art. 55 da Lei n. 4.737/65)- aqui, portanto, dando-se ênfase à fiscalização para evitação de fraude eleitoral. 13. Conjugando estas premissas, nota-se que, mesmo que determinado indivíduo mude de domicílio/residência, pode ele manter seu alistamento eleitoral no local de seu domicílio/residência original. 14. Neste sentido, é esclarecedor o Resp.15.241/GO, Rel. Min. Eduardo Alckmin, DJU 11.6.1999. 15. Se é assim - vale dizer, se não é possível obrigar que à transferência de domicílio/residência siga a transferência de domicílio eleitoral -, é fácil concluir que, inclusive para fins eleitorais, o domicílio/residência de um indivíduo não é critério suficiente para determinar sua condição de eleitor de certa circunscrição. 16. Então, se até para fins eleitorais esta relação domicílio-alistamento é tênue, quanto mais para fins processuais de prova da cidadania, pois, onde o constituinte e o legislador não distinguiram, não cabe ao Judiciário fazê-lo - mormente para restringir legitimidade ativa de ação popular, instituto dos mais caros à participação social e ao controle efetivos dos indivíduos no controle da Administração Pública. 17. Recurso especial não provido.[ii]
Vale ressaltar que da leitura da ementa, resta clara a possibilidade de aplicação da lei processual de forma supletiva ao disposto na Lei de Ação Popular, até porque o artigo 22 da Lei 4.717/65 faz menção expressa a tal hipótese. Então, qual o limite de complemento? Existe algum critério objetivo?
Quanto ao ponto de suposto conflito e mensuração de limites e extensões interdisciplinares, Tércio Sampaio FERRAZ JÚNIOR tece comentários sobre antinomia jurídica, cujo critério será utilizado para comprovação da possibilidade de produção de prova antecipada em Ação Popular.
“Para se constatar a existência de uma contradição entre normas, são necessários os seguintes pressupostos: a) que sejam jurídicas; b) que estejam vigorando; c) que estejam concentradas em um mesmo ordenamento jurídico; d) que emanem de autoridades competentes num mesmo âmbito normativo, prescrevendo ordens ao mesmo sujeito; e) que tenham comandos opostos, por exemplo, que uma permita e a outra obrigue dada conduta, de forma que uma constitua a negação da outra; f) que o sujeito a que se dirigem fique numa situação insustentável”[iii].
Em prosseguimento, nesta primeira fase de constatação de antinomia, notória a incidência do instituto quando da análise da Lei de Ação Popular face ao Código de Processo Civil. Todas as alíneas suscitadas no trecho colacionado são identificáveis quando da realização da análise. Ciente dessa possibilidade continua o doutrinador.
“Vários são os critérios para a solução de antinomias no direito interno, a saber: a) Critério Cronológico: na existência de duas normas incompatíveis, prevalece a norma posterior. Este critério é anunciado pelo brocardo jurídico: lex posterior derogat legi priori. Essa regra se explica pelo fato de a eficácia da lei no tempo ser limitada ao prazo de sua vigência, que começa com a sua publicação e perdura até a sua revogação. Assim, a lei só começa a produzir seus efeitos após entrar em vigência e deixa de produzi-los depois de revogado; b) Critério Hierárquico: também chamado de Lex superior, porque inspirado na expressão latina ‘lex superior derogat legi inferiori’. Por esse critério, na existência de normas incompatíveis, prevalece a hierarquicamente superior. O contrário, uma norma inferior revogar uma superior é inadmissível; c) Critério da Especialidade: também denominado ‘Lex specialis’, em função da expressão latina ‘lex specialis derogat legi generali’. Por esse critério, se as normas incompatíveis forem geral e especial, prevalece a segunda. O entendimento que norteia esse critério diz respeito à circunstância de a norma especial contemplar um processo natural de diferenciação das categorias, possibilitando, assim, a aplicação da lei especial aquele grupo que contempla as peculiaridades nela presentes, sem ferir a norma geral, ampla por demais. Além do mais, a aplicação da regra geral importaria no tratamento igual de pessoas que pertencem a categorias diferentes, e, portanto, numa injustiça”[iv].
Se mesmo com a aplicação dos preceitos resolutivos citados, o conflito de normas persistir, está-se diante de antinomia real. Porém, caso algum dos critérios seja capaz de dirimir a dúvida, está-se diante de um conflito aparente de norma, denominado doravante como antinomia aparente.
Trazendo a metodologia apresentada à problemática objeto deste artigo, conclui-se que a antinomia existente entre a Lei de Ação Popular e o Código de Processo Civil é aparente. Tal afirmação é palpável ao analisar a questão de legitimidade ativa inserida nas duas legislações. Por tratar-se a Ação Popular de lei especial face ao Código de Processo Civil, aplica-se a lei especial. Assim, o jovem de 16 (dezesseis) anos é legitimado ativo pleno para propor Ação Popular, mas não o é para propor qualquer ação de procedimento comum previsto no Código de Processo Civil.
Veja-se, portanto, que a Ação Popular deve ser interpretada primeiramente dentro de seu microssistema composto por normas de direito processual e material. Se o caso concreto restar positivado expressamente na lei especial, esta prevalece. Contudo, se não há previsão ou existe incompatibilidade com o sistema jurídico vigente, aplica-se a lei infraconstitucional de forma supletiva, seja por fundamento lógico-sistemático, seja por fundamento expresso previsto no artigo 22 da Lei 4.717/65.
Notório que o Código de Processo Civil de 2015 trouxe inovações legislativas, mostrando-se atualizado com as tendências do direito brasileiro no que se refere à finalidade dos atos processuais, regulamento de procedimentos eletrônicos e participação cooperativa entre todos os sujeitos e auxiliares do processo. Todavia, mesmo o Código de Processo Civil de 1973 é posterior a Ação Popular. Então, de que forma era feita a compatibilização normativa?
Viu-se que as técnicas de resolução das antinomias aparentes são um método eficaz, mas como superar entraves eminentemente burocráticos que, em grande medida, impedem a propositura da Ação Popular que positiva necessidade premente de inserção de todos os entes ou pessoas jurídicas de direito público citados no artigo 6º da Lei 4.717/65 no polo passivo da lide, sob pena de indeferimento da inicial?
Ora, a própria Lei da Ação Popular faz menção a algumas facilidades[v], porém omissa ao não vislumbrar a possibilidade de produção antecipada de provas. Contudo, nada obsta que o autor da ação proponha uma tutela cautelar em caráter antecedente para obter as provas necessárias à propositura da ação principal (Ação Popular) no prazo fixado no artigo 308 do Código de Processo Civil, por exemplo.
Ainda, tal providência em última análise, facilitaria a composição do polo passivo da demanda, pois com a indicação precisa nos documentos angariados da Administração Pública lato sensu a chance de indeferimento de inicial por inépcia reduz-se drasticamente, já que o citado artigo 6º será completamente observado com a indicação precisa de todos os réus[vi].
Assim, se não há qualquer interferência direta no procedimento externado na lei especial, também não há impedimento para produção antecipada de provas em sede de Ação Popular.
No entanto, repise-se, é necessário respeitar os ditames procedimentais da lei especial e em caso de compatibilidade aplicar o Código de Processo Civil de maneira supletiva. Nesta toada, não parece razoável a propositura de Ação Popular sem qualquer indício de irregularidade, até porque, proposta de forma temerária o autor poderá ser penalizado com multa processual decorrente da caracterização de má-fé nos termos da Lei da Ação Popular.
Esclarecida a questão e demonstrada sua controvérsia, interessante trazer-se posicionamentos jurisprudenciais com o fito de demonstrar, de maneira clara, julgados que considerem como deve se dar a conexão entre o Código de Processo Civil e a Ação Popular.
Aqui, pelo baixo índice de proposição de Ações Populares precedidas de pedido antecipado de prova, serão colacionados julgados análogos que enfrentam a questão da aplicação de artigos frente a dispositivos antagônicos positivados no antigo Código de Processo Civil.
PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO POPULAR. PROCURADORES DIVERSOS. PRAZO PARA RECORRER, CONTESTAR E FALAR NOS AUTOS. APLICAÇÃO SUBSIDIÁRIA DO ART. 191, DO CPC. 1 – Diante da omissão da Lei 4.717/65 quanto ao prazo para contestar, recorrer e falar nos autos quando os litisconsortes tiverem procuradores diversos, cabível é a aplicação subsidiária do CPC. 2- Aplicação do art. 191, já que tal procedimento não contraria os dispositivos da Lei da Ação Popular, nem a natureza específica da ação. 3 – Agravo de instrumento provido (BRASIL. TRF3. AI n. 2256 SP 9603002256-0. 3ª Turma. Relator: Des. Ana Scartezzini. Julgamento: 07/11/1997).
REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO CÍVEL. DIREITO PROCESSUAL CIVIL. AÇÃO POPULAR. PRELIMINAR, AVENTADA PELA PROCURADORIA DE JUSTIÇA, DE AUSÊNCIA DE REGULARIDADE FORMAL DO APELO VOLUNTÁRIO. RAZÕES RECURSAIS SINGELAS. OBJEÇÃO À SENTENÇA RECORRIDA. PRELIMINAR NÃO ACOLHIDA. APELAÇÃO VOLUNTÁRIA CONHECIDA. TEMPESTIVIDADE DA CONTESTAÇÃO DA EMPRESA PÚBLICA. MÉRITO. DECISÃO COLEGIADA DA TERRACAP CONTENDO AUTORIZAÇÃO PARA DESISTÊNCIA DE CUMPRIMENTO DE SENTENÇA REINTEGRATÓRIA DA POSSE DE IMÓVEL OCUPADO POR TERCEIRO. INTERESSE DO AUTOR POPULAR NA MESMA ÁREA RURAL OBJETO DE PROCESSO DE REGULARIZAÇÃO. AÇÃO POPULAR, NO CASO, NÃO DESTINADA À DEFESA DOS INTERESSES DIFUSOS PRÓPRIOS DESSE VEÍCULO CONSTITUCIONAL (ART. 5º, LXXIII, CF/88) E INÓCUA, FACE AOS TERMOS EM QUE FORMULADA, PARA ALTERAR QUALQUER TITULARIDADE QUANTO À OCUPAÇÃO, POSSE OU PROPRIEDADE DO IMÓVEL DISPUTADO. NÃO DEMONSTRAÇÃO DE ILEGALIDADE DO ATO ATACADO E LESIVIDADE AO PATRIMÔNIO PÚBLICO. REMESSA OFICIAL E APELAÇÃO CONHECIDOS E NÃO PROVIDOS. SENTENÇA MANTIDA. 1. Em que pese a singeleza das razões recursais, os fundamentos deduzidos, ainda que de forma perfunctória, objetam a sentença recorrida, sendo possível concluir pelo preenchimento da regularidade formal do Apelo voluntário, que deve ser conhecido. 2. A Contestação da TERRACAP foi apresentada no prazo legal, o qual, no caso de Ação Popular, é de 20 (vinte) dias (art. 7º, IV da Lei nº 4.717/65), devendo-se frisar, ainda, que a especial natureza dessa demanda, em que os interesses em litígio são indisponíveis, determina regramento distinto quanto à revelia e seus efeitos (inteligência do § 3º do art. 6º da Lei 4.717/65 e do art. 320, II, c/c o art. 319, ambos do Código de Processo Civil). 3. O ato inquinado de lesivo é apontado como sendo a decisão da Diretoria Colegiada da Apelada TERRACAP, quanto à desistência de cumprimento de sentença proferida pelo Juízo da 2ªVarada Fazenda Pública, em 17/10/2000, que determinara a reintegração de posse de imóvel rural ocupado por terceiro, cujo não cumprimento favoreceria o “casal invasor de terras da TERRACAP. 4. O imóvel foi objeto de disputa possessória entre o Autor da Ação Popular e terceiros, fazendo presumir o evidente interesse pessoal do daquele no ajuizamento desta ação, como, aliás, também se constata do próprio pedido inicial, quando se declara “diretamente prejudicado” pela decisão da Diretoria Colegiada da Apelada, embora seja importante frisar que eventual procedência desta ação em nada alteraria a situação relativa à titularidade da ocupação, posse ou propriedade do bem em questão. 5. A Ação Popular está destinada a garantir a qualquer cidadão o exercício do direito de postular a proteção do patrimônio público, histórico e cultural ou lesão ao meio ambiente e à moralidade administrativa, bens e interesses que são, por sua própria natureza, titularizados pela coletividade (art. 5º, LXXIII, da Constituição Federal e art. 2º e incisos, da Lei 4.717/65). 6. A autorização constitucional e legal foi conferida ao cidadão para o manejo da Ação Popular em defesa desses interesses eminentemente difusos, não podendo se valer da nobre Ação para alcançar pretensão meramente privada, embora, no caso em tela, a demanda, como se anotou alhures, tal como posta, não estivesse sequer propensa a trazer qualquer benefício direto ao Autor Popular, salvo a satisfação de ver o desapossamento da área rural daqueles com quem mantém, como se registrou, antiga disputa pela área imobiliária cuja reintegração da posse pretende ver efetivada pela Apelada. 7. O que importa para esta demanda é a demonstração da existência de ilegalidade do ato atacado (decisão colegiada da TERRACAP) do qual decorra lesão ao patrimônio público, o que determinaria a sua nulidade (não revogação, como pretendido na inicial), o que não se verifica nos autos, pois não ficou demonstrada qualquer ilegalidade do ato atacado, tampouco lesividade ao patrimônio público, ainda que do ponto de vista da moralidade administrativa. 8. Remessa Oficial e Apelo Voluntário conhecidos e não providos, mantendo-se intacta a sentença recorrida. (BRASIL. TJDF. Apelação n. 20130111590722. 1ª Turma Cível. Relator: Rômulo de Araújo Mendes. Julgamento: 26/08/2015).
No primeiro aresto há a confirmação do posicionamento adotado. Na ausência de regulamentação específica na Lei de Ação Popular sobre hipótese ventilada no Código de Processo Civil, prevalece a disposição deste último. Perceba-se que a lógica utilizada quanto aos procuradores de litisconsortes é a mesma ao ventilar-se a possibilidade de produção antecipada de provas sendo factível a utilização deste julgado por analogia em caso de eventual propositura de Ação Popular nos termos aqui discutidos.
Já em relação ao segundo, um dos assuntos objeto de devolução ao Tribunal de Justiça do Distrito Federal, correspondeu à tempestividade da contestação apresentada pela empresa pública Terracap. O colegiado entendeu pela aplicação do prazo da lei especial frente ao prazo da lei procedimental pela disposição expressa de 20 (vinte) dias na Lei de Ação Popular.
Logo, quando da interpretação conjunta dos dois arestos, é possível reafirmar com clareza a aplicação de princípios, limites e extensões da lei especial e forma de incidência supletiva do Código de Processo Civil tratados em tópicos anteriores.
Conclusão
Dada a técnica aplicada calcada em método hermenêutico pré-definido é possível concluir que:
a) A interdisciplinaridade entre legislações especiais e infraconstitucionais é viável no ordenamento jurídico brasileiro, de modo que respeitadas e superadas aparentes antinomias a atualização da lei mais antiga frente as novas possibilidades trazidas pela lei mais recente não há óbice para produção antecipada de prova em sede de Ação Popular.
b) Tanto por força do artigo 22 da Lei 4.717/65, quanto pelas disposições da Lei de Introdução ao Código Civil (LICC) utilizar o Código de Processo Civil de 2015 como norma supletiva as omissões identificadas na Lei de Ação Popular é imperativo legal.
c) O posicionamento jurisprudencial consagra tanto a questão da especificidade quanto a supletividade, de modo que as decisões judiciais ao invocar tais princípios devem ser fundamentadas com vasto arcabouço jurídico-argumentativo.
d) A matéria é controvertida com ampla discussão jurídica, em que pese positivação expressa na Constituição Federal (art. 5º, LXXIII), de modo que a casuística poderá sedimentar novos entendimentos com julgados remissivos ao Código de Processo Civil de 2015.
Cumpre esclarecer que as conclusões obtidas decorrem da interpretação sistemática e teleológica dos institutos jurídicos com respaldo jurisprudencial favorável, não sendo objeto do presente o esgotamento do tema.
Referências Bibliográficas
[i] GASPARINI, Diógenes, Direito Administrativo, 3ª edição, revista e ampliada, São Paulo: Saraiva, 1993. p. 25.
[ii] BRASIL. STJ. REsp n. 1242800/MS. 2ª Turma. Relator: Min. Mauro Campbell Marques. Julgamento: 07/07/2011
[iii] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Introdução ao Estudo do Direito: técnica, decisão, dominação. 2ª ed. São Paulo: Atlas, 1994, p. 211.
[iv] FERRAZ JÚNIOR, Tércio Sampaio. Obra citada. p. 206
[v] Recomenda-se a leitura do artigo 1º, § § 4º a 7º, artigo 7º, inciso I, alínea “b” e § 1º, artigo 15 e 16 da Lei 4.717/65, nos quais é possível vislumbrar meios facilitadores de obtenção de provas e de prosseguimento da demanda quando da inércia dos sujeitos do processo originários.
[vi] Imaginando-se uma colheita de prova como medida preparatória à propositura da demanda, nada obsta o autor a buscar por meio de requerimentos administrativos, externados nas espécies de controle da Administração Pública ou impetrar Habeas Data para ter acesso à informação necessária, caso esta não esteja disponível ou seja negada nos termos da Lei de Acesso à Informação (Lei 12.527/2011).
Advogado. Bacharel pela Universidade São Judas Tadeu São Paulo/SP. Especialista em Direito Civil pelo Instituto Presbiteriano Mackenzie. Articulista de sites jurídicos.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PALACIOS, Miguel Ferreira. Da utilização da produção antecipada de prova em Ação Popular Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 05 out 2017, 06:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50735/da-utilizacao-da-producao-antecipada-de-prova-em-acao-popular. Acesso em: 23 dez 2024.
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