RESUMO: Este artigo tem como objetivo apresentar os aspectos jurídicos do controle jurisdicional das políticas econômicas, a fim de delimitar a competência do Poder Judiciário em relação ao tema, bem como analisar a decisão do STF no bojo da ADPF 45, considerado um leading case da jurisprudência sobre a problemática. A forma metodológica do trabalho foi pautada na consulta a explicações científicas que delineassem os conceitos envolvidos na discussão em epígrafe.
Palavras-chave: Direito Econômico; Política econômica; Controle judicial; Mérito administrativo; Separação dos poderes
ABSTRACT: This article aims to present the legal aspects of economics policies of judicial review in order to delimit the competence of the judiciary in relation to the theme and to examine the decision of the Supreme Court - ADPF 45 - , considered one of the leading case jurisprudence on the issue. The methodological form of the work was based on examinations of scientific explanations that take outlining the concepts involved in the discussion in question.
Key-words: Economic law; Economic policy; Judicial review; Administrative merit; Separation of powers
Sumário: 1. Introdução. 2. Conceito de política econômica. 3. Atos discricionários e política econômica. 4. Mérito administrativo e controle jurisdicional das políticas econômicas. 5. Políticas econômicas e o entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45. 6. Conclusão. 7. Referências.
1. Introdução.
O presente artigo visa realizar um estudo sobre os limites do controle jurisdicional sobre as políticas econômicas.
O tema reveste-se de grande importância prática, visto que pretende estabelecer critérios para que o controle seja legítimo, sem que haja usurpação de competências pelo Poder Judiciário em relação ao Poder Executivo e Poder Legislativo.
Do mesmo modo, o Poder Executivo, que possui a competência típica de realizar as políticas econômicas, deve ter sua atuação pautada nos limites legais, não podendo ser ilimitada, sob pena de voltarmos aos períodos ditatoriais, em que se percebia uma atuação desregulada desse Poder.
Nesse sentido, o controle do Judiciário, representado pelo princípio da inafastabilidade da jurisdição, é de suma importância para efetivar o regime democrático, que configura a tônica da atual Constituição Federal.
Ademais, realizar-se-á a análise da decisão do STF na ADPF 45, em que se delineou diversos conceitos relacionados ao tema do controle das políticas públicas, incluindo-se as políticas econômicas, sendo considerado um leading case que mudou a jurisprudência sobre a temática.
Dessa forma, primeiramente, será feita a conceituação de política econômica, conforme ensinamentos doutrinários. Após, demonstrar-se-á a classificação das políticas econômicas como atos administrativos discricionários.
Prosseguindo no estudo, será feita a conceituação de mérito administrativo e a sua relação com o controle judicial das políticas econômicas.
Por fim, serão estudados os principais aspectos da decisão do Pretório Excelso na ADPF 45.
2. Conceito de política econômica
Primeiramente, faz-se necessário perquirir sobre o conceito de política econômica, a fim de compreender o significado desse instituto que é objeto de estudo do presente artigo.
Segundo Souza (2005, p.25), política econômica é:
o conjunto de medidas postas em prática para atender a objetivos econômicos. Deve ser juridicamente tratada, sob pena de prática arbitrária do poder, sem o devido respeito aos direitos indispensáveis à vida social. Determinados exageros ou abusos do poder econômico, tanto público quanto privado, justificam plenamente a necessidade dessa juridicização que se efetiva pelo Direito Econômico.
No mesmo sentido, Clark (2016):
política econômica estatal é um conjunto de decisões públicas dirigidas a satisfazer as necessidades sociais e individuais, com um menor esforço, diante de um quadro de carência de meios. É, ainda, uma das espécies do gênero políticas públicas (grifo nosso).
Como exemplo de políticas econômicas, podemos citar a função extrafiscal dos tributos, compra e venda de moeda estrangeira, emissão de títulos públicos no sistema financeiro, concessão de créditos subsidiados a setores econômicos e etc. (CLARK, 2016).
Assim, conforme se percebe pelas explicações expostas acima, a política econômica é uma espécie de política pública, sendo, dessa forma, derivada de uma decisão política discricionária do Governante de intervir na economia, de acordo com as necessidades do mercado, mas sempre devendo obedecer aos parâmetros estabelecidos pela Constituição Federal de 1988 e pela legislação infraconstitucional.
3. Atos discricionários e política econômica
Feita a conceituação de política econômica, percebe-se que, como deriva de uma ação estatal, sua natureza jurídica é de um ato administrativo, que é conceituado pela doutrina como:
Declaração do Estado (ou de quem lhe faça as vezes – como, por exemplo, um concessionário de serviço público), no exercício de prerrogativas públicas, manifestada mediante providências jurídicas complementares da lei a título de lhe dar cumprimento, e sujeitas a controle de legitimidade por órgão jurisdicional. (MELLO, 2007, p. 378)
Dentro da classificação dos atos administrativos, podemos enquadrá-la como ato discricionário, já que o Administrador do ente federativo que utilizar a política econômica para intervir na economia, procederá de acordo com o juízo de conveniência e oportunidade, ou seja, terá liberdade de utilizar o meio que considerar mais eficaz para alcançar o objetivo almejado, mas sempre, repita-se, respeitando os parâmetros legais.
Nesse sentido, Hely Lopes Meirelles (2011, p. 176) alerta que os atos discricionários não se confundem com atos arbitrários, in verbis:
ato discricionário não se confunde com ato arbitrário. Discrição e arbítrio são conceitos inteiramente diversos. Discrição é liberdade de ação dentro dos limites legais; arbítrio é ação contrária ou excedente da lei. Ato discricionário, portanto, quando permitido pelo Direito é legal e válido; ato arbitrário é sempre e sempre, ilegítimo e inválido.
Dessa forma, exemplificando, a própria Constituição Federal, no artigo 153, § 1º, permite que o Poder Executivo altere as alíquotas do II, IE, IPI e IOF, por meio de um decreto, como meio de intervenção no domínio econômico, já que esses tributos são eminentemente extrafiscais.
O Presidente fará a sua escolha, conforme as necessidades da economia nacional, mas a CF alerta que essa possibilidade não é ilimitada, pois deve respeitar as condições e os limites estabelecidos em lei. Veja-se:
Art. 153. Compete à União instituir impostos sobre:
I - importação de produtos estrangeiros;
II - exportação, para o exterior, de produtos nacionais ou nacionalizados;
III - renda e proventos de qualquer natureza;
IV - produtos industrializados;
V - operações de crédito, câmbio e seguro, ou relativas a títulos ou valores mobiliários;
VI - propriedade territorial rural;
VII - grandes fortunas, nos termos de lei complementar.
§ 1º É facultado ao Poder Executivo, atendidas as condições e os limites estabelecidos em lei, alterar as alíquotas dos impostos enumerados nos incisos I, II, IV e V
Portanto, caso haja um aumento de alíquota maior do que a permitida por lei, haverá arbitrariedade, que poderá ser corrigida no âmbito do Poder Judiciário.
No entanto, respeitados os parâmetros legais, estar-se-á fazendo uso correto da discricionariedade administrativa, pois se estará dentro do mérito administrativo, não, havendo, em regra, espaço para o controle jurisdicional, nesse caso, sob pena de violação ao princípio da separação dos poderes (CF, artigo 2º).
4. Mérito administrativo e controle jurisdicional das políticas econômicas
Os atos discricionários, como é o caso das políticas econômicas, possuem um núcleo subjetivo, denominado mérito administrativo, composto pela conveniência e oportunidade da prática do ato.
A esse respeito, Diógenes Gasparini (2011, p.149) leciona que:
Mérito é a indagação da oportunidade e da conveniência do ato; é a zona franca em que a vontade do agente decide sobre as soluções mais adequadas ao interesse público; é a sede do poder discricionário do administrador, que se orienta por critérios de utilidade, conforme ensina José Cretella Júnior. Por fim, diga-se que o mérito não é requisito do ato administrativo nem se confunde com o mérito do Direito Processual Civil (grifo nosso).
Seabra Fagundes, citado por Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2012, p. 224), traz-nos o seguinte ensinamento sobre o tema:
O mérito se relaciona com a intimidade do ato administrativo, concerne ao seu valor intrínseco, à sua valorização sob critérios comparativos. Ao ângulo de merecimento, não se diz que o ato é ilegal ou legal, senão que é ou não é o que devia ser, que é bom ou mau, que é pior melhor do que outro. E é por isto é que os administrativistas o conceituam, uniformemente, como o aspecto do ato administrativo, relativo à conveniência e a oportunidade, à utilidade intrínseca do ato, à sua justiça, à finalidade, aos princípios da boa gestão, à obtenção dos desígnios genéricos e específicos, inspiradores da atividade estatal. (grifo nosso).
À vista disso, a alegação da reserva do possível, feita pelas Administrações Públicas para justificar a impossibilidade de realizar esta ou aquela ação governamental pela falta de recursos, refletem a valoração do juízo de conveniência e oportunidade, já que não podem ser realizadas em certo momento e em determinadas condições (CARVALHO, 2014).
Quanto ao controle judicial do mérito, doutrina e jurisprudência entendem que esse núcleo da conveniência e oportunidade é de exclusiva apreciação da Administração Pública, sendo vedado, em regra, ao Poder Judiciário se imiscuir nessa valoração, já que se assim agisse, estaria violando o princípio da separação dos poderes previsto na Carta Magna, no artigo 2º.
No entanto, não se pode confundir com a impossibilidade de controle dos atos discricionários. O que é vedado é o exame do mérito do ato administrativo discricionário, mas, caso haja algum vício de legalidade, o Poder Judiciário poderá intervir, já que estará no exercício de sua competência jurisdicional (GASPARINI, 2011).
Deve-se salientar, ainda, que, atualmente, tem-se relativizado essa impossibilidade absoluta de controle do mérito administrativo. Isso acontece porque, à pretexto do exercício da mencionada discricionariedade administrativa, a Administração comete abusos, argumentando estar sendo o ato praticado sob o manto da legalidade (CARVALHO, 2014).
Nas palavras de Celso Antônio Bandeira de Mello (2007, p. 976):
Com efeito: a lei tanto pode ser ofendida à força aberta como à capucha. No primeiro caso o administrador expõe-se afoitamente à repulsa; no segundo, por ser mais sutil não é menos censurável. Vale dizer: a ilegitimidade pode resultar de manifesta oposição aos cânones legais ou de violação menos transparente, porém tão viciada quanto a outra. Isto sucede exatamente quando a Administração em nome do exercício da atividade discricionária, vai além do que a lei lhe permitia e, portanto, igualmente a ofende. (grifo nosso)
Dessa forma, ao se analisar os motivos, as finalidades e causas do ato, percebe-se a verdadeira intenção do Administrador. Ausente tais elementos, ofende-se os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, justificando a nulidade do ato administrativo (CARVALHO, 2014).
Nesse sentido, a moderna doutrina e os tribunais têm possibilitado o exame da discricionariedade quanto aos princípios da proporcionalidade e razoabilidade, permitindo o controle, por exemplo, de políticas públicas, que eram consideradas, anteriormente, inalcançáveis pelo controle jurisdicional.
No entanto, deve-se ter bem claro que o mérito administrativo continua sendo intangível, conforme a doutrina clássica, pois, na verdade, o que ocorre é um controle de legalidade. Ao se violar os princípios da razoabilidade e proporcionalidade, está se violando o próprio princípio da legalidade.
Pela clareza das palavras, traz-se à baila a lição de José dos Santos Carvalho Filho (2014, p. 41):
Assim, na esteira da doutrina mais autorizada e rechaçando algumas interpretações evidentemente radicais, exacerbadas e dissonantes do sistema constitucional vigente, é preciso lembrar que, quando se pretender imputar à conduta administrativa a condição de ofensiva ao princípio da razoabilidade, terá que estar presente a ideia de que a ação é efetiva e indiscutivelmente ilegal. Inexiste, por conseguinte, conduta legal vulneradora do citado princípio: ou a ação vulnera o princípio e é ilegal, ou se não o ofende, há de ser classificada como legal e inserida dentro das funções normais cometidas ao administrador (grifo do autor).
E continua:
Dissentimos, por conseguinte, da doutrina que advoga a eliminação do poder discricionário da Administração diante da aplicação do princípio da razoabilidade. Se é verdade que este abranda o excesso do poder administrativo, não é menos verdadeiro que o administrador continua detendo o poder jurídico de valorar condutas e decisões, pois que essa é a sua atribuição (CARVALHO, 2014, p.41) (grifo nosso).
Portanto, conclui-se que, em regra, as políticas econômicas não poderão ser analisadas pelo Poder Judiciário, tendo em vista serem elas fruto da discricionariedade do Administrador, que irá analisar as condições do mercado, e, no momento oportuno, aplicará as medidas cabíveis.
No entanto, sempre que ocorrer ilegalidades por parte do Administrador, seja quanto ao princípio da razoabilidade e proporcionalidade, seja quando ferir patentemente alguma norma legal, o Poder Judiciário, ao ser acionado, deve corrigir o vício, em obediência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição, previsto na Constituição Federal no artigo 5º, XXXV.
5. Políticas econômicas e o entendimento do Supremo Tribunal Federal na ADPF 45
Feita a análise do controle jurisdicional das políticas econômicas, a partir de uma análise da doutrina sobre o tema, passa-se ao estudo da decisão que irá demonstrar como o Supremo Tribunal Federal está enfrentando essa problemática.
O controle das políticas econômicas pelos tribunais brasileiros é bastante recente. A maior parte dos casos envolvendo as políticas públicas econômicas começam a aparecer somente no início dos anos 80, quando da transição para o regime democrático, o que dificulta o estudo aprofundado do tema (AGUILLAR, 2009).
Não obstante a dificuldade, apresentar-se-á uma decisão do STF que demonstra a evolução na jurisprudência relacionada ao tema.
Trata-se da ADPF - 45, relatado pelo Ministro Celso De Mello, que é considerada um leading case na matéria referente ao controle jurisdicional das políticas públicas, incluindo aqui as políticas econômicas, já que tratou da efetividade dos direitos fundamentais de segunda geração, quais sejam, os sociais, econômicos e culturais.
Pela importância da decisão, transcreve-se os trechos mais relevantes ao estudo em questão.
EMENTA: ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO DE PRECEITO FUNDAMENTAL. A QUESTÃO DA LEGITIMIDADE CONSTITUCIONAL DO CONTROLE E DA INTERVENÇÃO DO PODER JUDICIÁRIO EM TEMA DE IMPLEMENTAÇÃO DE POLÍTICAS PÚBLICAS, QUANDO CONFIGURADA HIPÓTESE DE ABUSIVIDADE GOVERNAMENTAL. DIMENSÃO POLÍTICA DA JURISDIÇÃO CONSTITUCIONAL ATRIBUÍDA AO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL. INOPONIBILIDADE DO ARBÍTRIO ESTATAL À EFETIVAÇÃO DOS DIREITOS SOCIAIS, ECONÔMICOS E CULTURAIS. CARÁTER RELATIVO DA LIBERDADE DE CONFORMAÇÃO DO LEGISLADOR. CONSIDERAÇÕES EM TORNO DA CLÁUSULA DA "RESERVA DO POSSÍVEL". NECESSIDADE DE PRESERVAÇÃO, EM FAVOR DOS INDIVÍDUOS, DA INTEGRIDADE E DA INTANGIBILIDADE DO NÚCLEO CONSUBSTANCIADOR DO "MÍNIMO EXISTENCIAL". VIABILIDADE INSTRUMENTAL DA ARGÜIÇÃO DE DESCUMPRIMENTO NO PROCESSO DE CONCRETIZAÇÃO DAS LIBERDADES POSITIVAS (DIREITOS CONSTITUCIONAIS DE SEGUNDA GERAÇÃO).
[...]
a ação constitucional em referência, considerado o contexto em exame, qualifica-se como instrumento idôneo e apto a viabilizar a concretização de políticas públicas, quando, previstas no texto da Carta Política, tal como sucede no caso (EC 29/2000), venham a ser descumpridas, total ou parcialmente, pelas instâncias governamentais destinatárias do comando inscrito na própria Constituição da República.
Essa eminente atribuição conferida ao Supremo Tribunal Federal põe em evidência, de modo particularmente expressivo, a dimensão política da jurisdição constitucional conferida a esta Corte, que não pode demitir-se do gravíssimo encargo de tornar efetivos os direitos econômicos, sociais e culturais - que se identificam, enquanto direitos de segunda geração, com as liberdades positivas, reais ou concretas (RTJ 164/158-161, Rel. Min. CELSO DE MELLO) -, sob pena de o Poder Público, por violação positiva ou negativa da Constituição, comprometer, de modo inaceitável, a integridade da própria ordem constitucional:
[...]
É certo que não se inclui, ordinariamente, no âmbito das funções institucionais do Poder Judiciário - e nas desta Suprema Corte, em especial - a atribuição de formular e de implementar políticas públicas (JOSÉ CARLOS VIEIRA DE ANDRADE, "Os Direitos Fundamentais na Constituição Portuguesa de 1976", p. 207, item n. 05, 1987, Almedina, Coimbra), pois, nesse domínio, o encargo reside, primariamente, nos Poderes Legislativo e Executivo.
Tal incumbência, no entanto, embora em bases excepcionais, poderá atribuir-se ao Poder Judiciário, se e quando os órgãos estatais competentes, por descumprirem os encargos político-jurídicos que sobre eles incidem, vierem a comprometer, com tal comportamento, a eficácia e a integridade de direitos individuais e/ou coletivos impregnados de estatura constitucional, ainda que derivados de cláusulas revestidas de conteúdo programático.
[...]
Não obstante a formulação e a execução de políticas públicas dependam de opções políticas a cargo daqueles que, por delegação popular, receberam investidura em mandato eletivo, cumpre reconhecer que não se revela absoluta, nesse domínio, a liberdade de conformação do legislador, nem a de atuação do Poder Executivo.
É que, se tais Poderes do Estado agirem de modo irrazoável [...] aí, então, justificar-se-á, como precedentemente já enfatizado - e até mesmo por razões fundadas em um imperativo ético-jurídico -, a possibilidade de intervenção do Poder Judiciário, em ordem a viabilizar, a todos, o acesso aos bens cuja fruição lhes haja sido injustamente recusada pelo Estado. Extremamente pertinentes, a tal propósito, as observações de ANDREAS JOACHIM KRELL ("Direitos Sociais e Controle Judicial no Brasil e na Alemanha", p. 22-23, 2002, Fabris):
Em princípio, o Poder Judiciário não deve intervir em esfera reservada a outro Poder para substituí-lo em juízos de conveniência e oportunidade, querendo controlar as opções legislativas de organização e prestação, a não ser, excepcionalmente, quando haja uma violação evidente e arbitrária, pelo legislador, da incumbência constitucional.
No entanto, parece-nos cada vez mais necessária a revisão do vetusto dogma da Separação dos Poderes em relação ao controle dos gastos públicos e da prestação dos serviços básicos no Estado Social, visto que os Poderes Legislativo e Executivo no Brasil se mostraram incapazes de garantir um cumprimento racional dos respectivos preceitos constitucionais.
[...] (grifo nosso)
Destarte, percebe-se que o aresto acima defende uma posição mais ativa do Poder Judiciário na implementação das políticas públicas, fenômeno este amplamente conhecido como “politização da justiça” ou “ativismo judicial”, a fim de garantir a efetividade dos direitos de 2ª geração que exigem um facere do Estado, diferentemente dos direitos de 1ª geração que impõem uma atuação negativa ou um non facere.
No entanto, verifica-se que, como demonstrado anteriormente, a execução de políticas econômicas é de competência discricionária do Poder Executivo, em juízo de conveniência e oportunidade, mas que, atualmente, considera-se que essa liberdade não é absoluta, admitindo-se a intervenção do Poder Judiciário quando a atuação se revestir de irrazoabilidade.
Essa decisão do STF confirma o entendimento doutrinário exposto alhures, estando em maior conformidade com o atual entendimento da extensão da jurisdição constitucional.
É importante, entretanto, alertar que esse controle jurisdicional das políticas econômicas deverá sempre ser observado no caso concreto para aferir se o Judiciário está analisando indevidamente o mérito administrativo ou se está fazendo o legítimo controle de legalidade e legitimidade, o qual constitui sua função típica. O liame, muitas vezes, pode se configurar tênue, mas tal cuidado é de rigor, a fim de manter a harmonia entre os três poderes.
6. Conclusão
Como explanado no presente artigo, considerando política econômica como ato administrativo discricionário, o controle jurisdicional das políticas econômicas deve respeitar o limite do controle sobre o mérito dos atos administrativos, núcleo de exclusiva competência da Administração Pública.
No entanto, conforme demonstrado, isso não significa que as políticas econômicas estão blindadas ao controle jurisdicional. Longe disso.
Sempre que houver ilegalidade, seja pela afronta manifesta à lei, seja pela violação aos princípios da razoabilidade e proporcionalidade, que, como demonstrado pelo doutrinador administrativista José dos Santos Carvalho Filho, também é considerado um vício de legalidade, haverá a possibilidade de o Poder Judiciário realizar o seu legítimo controle, sem que isso signifique violação ao princípio da separação dos poderes e ao sistema de checks and balance previsto na Constituição Federal.
Somente com a observação do caso concreto poderá ser avaliado se o controle é legítimo ou se estará ocorrendo ofensa à tripartição de poderes, com a intromissão indevida do Judiciário na atividade administrativa.
Tratando da temática, o STF confirmou o entendimento aqui esposado na ADPF 45, apresentando conceitos essenciais ao presente estudo, entendendo que, para a efetivação dos direitos de segunda geração, é necessário que o Poder Judiciário atue de forma mais ativa, revolucionando a concepção anterior de controle judicial de políticas econômicas, fenômeno que ficou conhecido no mundo jurídico como “politização da justiça” ou “ativismo judicial”, mas reconhecendo que essa atividade deve ser excepcional.
7. Referências
AGUILLAR, Fernando Herren. Direito Econômico. 2ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2009.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado, 1988.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. ADPF nº 45 Relator: Ministro Celso de Mello. Diário Oficial da União. Brasília, 04 de maio 2004.
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2014.
CLARK, Giovani. Política Econômica e Estado. Disponível em: . Acesso em: 01 fev. 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 25ª edição. São Paulo: Editora Atlas, 2012.
GASPARINI, Diogenes. Direito Administrativo. 16ª edição. São Paulo: Saraiva, 2011.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 38ª edição. São Paulo: Malheiros, 2011.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de Direito Administrativo. 25ª edição. São Paulo: Malheiros, 2007.
Advogado. Graduado em Direito pela Universidade Federal do Ceará.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PORTO, Iago Dias. Controle judicial das políticas econômicas e a decisão do STF na ADPF 45 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 17 out 2017, 08:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50755/controle-judicial-das-politicas-economicas-e-a-decisao-do-stf-na-adpf-45. Acesso em: 23 dez 2024.
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