Resumo: O presente artigo propõe uma análise da possibilidade ou não de responsabilização do Poder Concedente por verbas trabalhistas devidas pela Concessionária de Serviço Público, sob a ótica do RE nº 760931 e ADC nº 16.
Keywords: Administrative law. Labor Law. Public Service Concessions. Liability of the Granting Authority.
Abstract: This article proposes an analysis of whether or not the Granting Authority can be held liable for labor claims owed by the Public Service Concessionaire under RE nº 760931 and ADC Nº. 16.
Sumário: 1. Introdução 2. Responsabilidade do Poder Concedente pelos encargos da Concessionária 3. Distinção entre Concessão de Serviço Público e Contrato de gerenciamento de mão-de-obra 4. Da Falta de Previsão no Ordenamento Jurídico que possibilite a responsabilização do Poder Concedente 5. Conclusão 6. Referências
Palavras-Chave: Direito Administrativo. Direito do Trabalho. Concessões de Serviço Público. Responsabilidade do Poder Concedente.
Tema que merece reflexão não só na seara do Direito Administrativo, como na do Direito do Trabalho é a possibilidade de condenação do Poder Concedente por conta de verbas trabalhistas devidas por concessionárias de serviço público.
De fato, o tema ressurgiu após, recentemente, o STF ter firmado a tese de Repercussão Geral no Recurso Extraordinário nº 760931, no sentido de que “O inadimplemento dos encargos trabalhistas dos empregados do contratado não transfere ao poder público contratante automaticamente a responsabilidade pelo seu pagamento, seja em caráter solidário ou subsidiário, nos termos do artigo 71, parágrafo 1º, da Lei 8.666/1993.”[1]
Insta frisar que o STF reafirmou o entendimento já explicitado na ADC nº 16. O fato de ter sido novamente decidida a matéria, agora sob a sistemática da repercussão geral, deu-se no intuito de não só reafirmar o entendimento, como também de evitar a condenação automática do ente público, sem que o reclamante se desincumbisse do ônus de comprovar que houve efetivamente a culpa in elegendo ou in vigilando.
Desse modo, pretende-se analisar se os referidos julgados devem ser aplicados e como influem na possibilidade do Poder Concedente ser responsabilizado pelos encargos trabalhistas da concessionária.
Por sua vez, no que se refere especificadamente as concessões, prevê a lei nº 8987 de 1995 que:
“Art. 25. Incumbe à concessionária a execução do serviço concedido, cabendo-lhe responder por todos os prejuízos causados ao poder concedente, aos usuários ou a terceiros, sem que a fiscalização exercida pelo órgão competente exclua ou atenue essa responsabilidade.
§ 1º Sem prejuízo da responsabilidade a que se refere este artigo, a concessionária poderá contratar com terceiros o desenvolvimento de atividades inerentes, acessórias ou complementares ao serviço concedido, bem como a implementação de projetos associados.
§ 2º Os contratos celebrados entre a concessionária e os terceiros a que se refere o parágrafo anterior reger-se-ão pelo direito privado, não se estabelecendo qualquer relação jurídica entre os terceiros e o poder concedente.
§ 3º A execução das atividades contratadas com terceiros pressupõe o cumprimento das normas regulamentares da modalidade do serviço concedido.
Continua, o art. 31, Parágrafo único, da Lei 8987/95, afirmando que:
“Art. 31 (...), Parágrafo Único as contratações, inclusive de mão-de-obra, feitas pela concessionária serão regidas pelas disposições de direito privado e pela legislação trabalhista, não se estabelecendo qualquer relação entre os terceiros contratados pela concessionária e o poder concedente.”.
Contudo, apesar do que está expressamente previsto na referida lei, há julgados na justiça trabalhistas que buscam a responsabilização do Poder Concedente sobre os seguintes argumentos:
“A controvérsia dos autos reside se a concedente do serviço público responde por eventuais créditos trabalhistas inadimplidos do concessionário perante seus empregados. Isso porque não é só na terceirização que o poder público pode ser responsabilizado. Indubitavelmente, o concessionário responde pelas obrigações com terceiros ou por danos causados, prestando serviço público (art. 37, § 6º, da Constituição da República Federativa do Brasil), aplicando-se a teoria da responsabilidade objetiva. E o poder público deve responder, subsidiariamente, quando faltar bens do concessionário, sob pena de se deixar a mercê da própria sorte aquele que o concessionário contratou. Isso porque o empregado do concessionário exercia atividade inerente ao próprio Estado (prestação de serviço público), e o Estado continua sendo o fiscal e o fiador dos serviços. […] Se assim não fosse, seria muito fácil para o poder concedente, já que poderia se esquivar de eventual responsabilidade utilizando-se do instituto da concessão. E, em que pese existir contrato celebrado entre a primeira e a segunda ré, isto não é suficiente para retirar a responsabilidade desta, já que o art. 43 do Código Civil inclusive permite a responsabilização do ente público. Quanto ao disposto no art. 38, § 6º, da Lei 8.987/95, a fim de isentar o poder concedente, não pode prevalecer, sob pena de não se cumprir o princípio da dignidade da pessoa humana (art. 1o, inciso III) e o princípio da valorização do trabalho (art. 170, caput), ambos consubstanciados no bojo da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Por último, é assente na doutrina e jurisprudência que o poder concedente responde pelos serviços públicos prestados pela concessionária perante os usuários. Desta maneira, nada mais lógico que responder, igualmente, pelos eventuais créditos do trabalhador que operacionalizou o serviço público propriamente dito.”.[2]
A referida decisão foi cassada por meio de reclamação ao Supremo Tribunal Federal[3], uma vez que houve desrespeito ao que foi decidido na ADC nº 16.
Contudo, defende-se aqui que, no caso de concessionária de serviço público, sequer a Administração Pública poderia ser considerada Tomadora de Serviços, conforme será analisado no próximo tópico.
Com efeito, a concessão é, em verdade, uma delegação de serviço público, através da qual, determinada empresa, presta serviço público à sociedade. Consequentemente, não há nada que caracterize a concessão como um contrato de gestão de mão-de-obra nos moldes do art. 25, §1º, Lei nº 8666, isto é, não se trata de terceirização. De fato, segundo Rafael Carvalho Rezende Oliveira:
“O contrato de concessão de serviço público é o instrumento por meio do qual a Administração Pública (concedente) transfere a execução do serviço público a terceiro (concessionário) por determinado prazo.”[4]
Insta frisar que a súmula nº 331 do TST refere-se ao tomador dos serviços:
IV - O inadimplemento das obrigações trabalhistas, por parte do empregador, implica a responsabilidade subsidiária do tomador dos serviços quanto àquelas obrigações, desde que haja participado da relação processual e conste também do título executivo judicial.
V - Os entes integrantes da Administração Pública direta e indireta respondem subsidiariamente, nas mesmas condições do item IV, caso evidenciada a sua conduta culposa no cumprimento das obrigações da Lei n. º 8.666, de 21.06.1993, especialmente na fiscalização do cumprimento das obrigações contratuais e legais da prestadora de serviço como empregadora. A aludida responsabilidade não decorre de mero inadimplemento das obrigações trabalhistas assumidas pela empresa regularmente contratada.”.
De fato, ao se realizar uma concessão de serviço público o Estado permite que o Particular preste determinada serviço à sociedade, sob sua conta risco, sendo remunerado através de tarifas cobradas do próprio usuário.
Não está a concessionária oferecendo mão-de-obra para o Estado, muito menos está prestando um serviço ao Estado. Está, em verdade, prestando um serviço público aos usuários.
Percebe-se, portanto, que é totalmente descabida a condenação do Poder Concedente por encargos trabalhistas da concessionária.
Ademais, não há o que se falar em responsabilidade objetiva decorrente do art. 37, § 6º, da CF, uma vez que essa se refere a responsabilidade extracontratual, enquanto que as verbas trabalhistas são decorrentes da relação de emprego, isto é, verbas de natureza contratual entre a concessionária e seus empregados.
Com efeito, não há nenhuma lei que atribua expressamente ao Poder Concedente responsabilidade pelas verbas trabalhistas devidas pela concessionária.
Por sua vez, a aplicação atomizada de princípios como o da dignidade da pessoa humana (art. 1º, inciso III) e da valorização do trabalho (art. 170, caput), sem levar em conta as regras presentes na legislação de regência (Art. 25, § 2º e art. 31, § único), mostra-se despropositada, não podendo referidos princípios, por si só, serem, através de um exercício de hermenêutica, o fator determinante de criação de uma obrigação ao poder concedente.
A relação que há, de fato, entre o previsto na ADC nº 16 e o que ocorre entre concessionária e poder concedente é que, em ambos os casos, não só há uma lei expressamente afastando a responsabilidade da Administração Pública, como também, sendo os referidos dispositivos constitucionais, não devem ser “esquecidas” a fim de se criar a responsabilização do Ente Administrativo quanto as verbas trabalhistas dos empregados de suas contratadas.
Percebe-se, portanto, que no caso das concessionárias, a condenação do Poder Concedente é descabida. Nesse caso, não poderia o Poder Público ser condenado pelas verbas trabalhistas, uma vez que não estaria contratando um serviço de gerenciamento de mão-de-obra, mas sim delegando um serviço público à determinado particular. Com efeito, condenar o Poder Concedente seria criar obrigação não prevista em lei.
Sendo assim, entende-se pela constitucionalidade dos artigos Art. 25, § 2º e art. 31, § único, e da ausência de responsabilização do Poder Concedente pelos encargos trabalhistas das concessionárias.
OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos – 6ª ed. –. Rio de Janeiro: forense, São Paulo: MÉTODO, 2017.
STF, RE 760931, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Relator(a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 11-09-2017 PUBLIC 12-09-2017
___, Rcl 18141, Relator(a): Min. LUIZ FUX, julgado em 12/08/2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 14/08/2014 PUBLIC 15/08/2014
[1] RE 760931, Relator (a): Min. ROSA WEBER, Relator (a) p/ Acórdão: Min. LUIZ FUX, Tribunal Pleno, julgado em 26/04/2017, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-206 DIVULG 11-09-2017 PUBLIC 12-09-2017
[2] STF, Rcl 18141, Relator (a): Min. LUIZ FUX, julgado em 12/08/2014, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-157 DIVULG 14/08/2014 PUBLIC 15/08/2014
[3] Op. Cit.
[4] OLIVEIRA, Rafael Carvalho Rezende. Licitações e contratos administrativos – 6ª ed. –. Rio de Janeiro: forense, São Paulo: MÉTODO, 2017.
Bacharel pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Procurador da Estatal Companhia Pernambucana de Saneamento.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FILHO, Marcelo Grassi de Gouveia. Da impossibilidade de responsabilização do Poder Concedente por verbas trabalhistas devidas pela Concessionária Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 out 2017, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50757/da-impossibilidade-de-responsabilizacao-do-poder-concedente-por-verbas-trabalhistas-devidas-pela-concessionaria. Acesso em: 23 dez 2024.
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