RESUMO: Trata-se de parecer favorável à constitucionalidade do orçamento sigiloso no regime diferenciado de contratações públicas - RDC.
RELATÓRIO
O presente parecer tem por objetivo sustentar a viabilidade constitucional de utilização do orçamento sigiloso nas contratações no Regime Diferenciado de Contratações Públicas-RDC.
FUNDAMENTAÇÃO
Fundamento Constitucional das Licitações Públicas
O fundamento constitucional das contratações públicas encontra-se plasmado no texto da Carta Republicana de 1988, em seu art. 37, XXI, conforme abaixo transcrito:
ressalvados os casos especificados na legislação, as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes, com cláusulas que estabeleçam obrigações de pagamento, mantidas as condições efetivas da proposta, nos termos da lei, o qual somente permitirá as exigências de qualificação técnica e econômica indispensáveis à garantia do cumprimento das obrigações.
Assim, tendo em vista a salvaguarda da coisa pública, um dos principais baluartes da forma republicana de governo, o constituinte originário prescreveu a necessidade de observância do procedimento licitatório como pressuposto das contratações públicas. Com efeito, ressalvados determinados casos previstos em lei, em rol taxativo, ressalte-se, o administrador público deverá realizar procedimento licitatório, a fim de que seja possível a contratação de obras, serviços, compras, entre outras utilidades para o Poder Público.
Nesse sentido, posiciona-se José dos Santos Carvalho Filho:
[..] a Constituição também enunciou o princípio da obrigatoriedade de licitação. No art. 37, XXI, estabelece que, fora os casos expressos em lei, “as obras, serviços, compras e alienações serão contratados mediante processo de licitação pública que assegure igualdade de condições a todos os concorrentes.” Diante de semelhante princípio, não pode a Administração abdicar do certame licitatório antes da celebração de seus contratos, salvo em situações excepcionais definidas em lei. (CARVALHO FILHO, JOSÉ DOS SANTOS., MANUAL DE DIREITO ADMINISTRATIVO. 25. Ed. rev., ampl. e atual. São Paulo: Atlas, 2012., p. 235).
Acerca do tema, o autor cita como exemplo importante decisão do Supremo Tribunal Federal:
Por tal motivo, já se decidiu ser inadmissível lei de unidade federativa em que se permita que pequenas empresas pagassem seus débitos tributários através de dação em pagamento de materiais para a Administração, e isso porque a aquisição desses bens demanda obrigatoriamente licitação prévia nos termos do art. 37, XXI, da Constituição.
STF, ADI 1917/DF, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, em 26.4.2007 (Informativo STF 464, abr. 2007). O foco da decisão foi a Lei nº 1.624/1997, do Distrito Federal.
Breve análise da Lei Geral de Licitações Públicas-LGLP e a previsão de obrigatoriedade de prévia publicidade editalícia da estimativa orçamentária
A Lei 8.666/93 surgiu no intuito de concretizar o comando constitucional previsto no art. 37, XXI, da Constituição Federal de 1988.
Assim, a Administração pública, além da sujeição ao citado dispositivo, deverá observar alguns princípios constitucionais insculpidos no caput do art. 37 da Carta Republicana, no intuito de resguardar o interesse público, corolário do princípio republicano.
Nesse sentido, a Lei Geral de Licitações Públicas, em seu art. 3º, reproduziu o princípio constitucional da publicidade (art. 37, caput, da CF), nos seguintes termos:
Art. 3o A licitação destina-se a garantir a observância do princípio constitucional da isonomia, a seleção da proposta mais vantajosa para a administração e a promoção do desenvolvimento nacional sustentável e será processada e julgada em estrita conformidade com os princípios básicos da legalidade, da impessoalidade, da moralidade, da igualdade, da publicidade, da probidade administrativa, da vinculação ao instrumento convocatório, do julgamento objetivo e dos que lhes são correlatos. (grifo nosso)
Assim, como forma de subsidiar os licitantes com informações para a elaboração de suas propostas, a lei 8.666/93, traz a previsão de prévia divulgação editalícia dos orçamentos:
Art. 40. O edital conterá no preâmbulo o número de ordem em série anual, o nome da repartição interessada e de seu setor, a modalidade, o regime de execução e o tipo da licitação, a menção de que será regida por esta Lei, o local, dia e hora para recebimento da documentação e proposta, bem como para início da abertura dos envelopes, e indicará, obrigatoriamente, o seguinte: (grifos nossos)
[...]
§ 2o Constituem anexos do edital, dele fazendo parte integrante:
[...]
II - orçamento estimado em planilhas de quantitativos e preços unitários; (grifos nossos)
[...]
Observa-se a obrigatoriedade no que toca à publicidade em anexos do edital, de estimativa orçamentária para o objeto a ser licitado.
Contudo, é importante frisar que um dos objetivos da Licitação é selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração Pública, como meio apto a resguardar o interesse público.
Com efeito, para que a proposta escolhida seja, de fato, a mais vantajosa, faz-se necessária a utilização de mecanismo que viabilize tal anseio. Ao que tudo indica, o RDC trouxe instrumento inovador apto a concretizar esse objetivo.
Regime Diferenciado de Contratações Públicas-RDC e o orçamento sigiloso
A lei 12.462/2011 trouxe importantes inovações na seara das Licitações Públicas. Conforme Rafael Oliveira (2017, p. 203), o Regime Diferenciado de Contratações Públicas surgiu “como o principal objetivo de alterar as regras tradicionais de Licitação, notadamente para as contratações relativas aos eventos esportivos (Copa do Mundo de 2014 e Olimpíadas de 2016).”
Segundo o autor, a constitucionalidade da referida lei vem sendo questionada, além de no meio acadêmico, também no STF. Dentre os vícios de conteúdo apontados, encontra-se a possibilidade de restringir a publicidade do orçamento previamente estimado para a contratação (orçamento sigiloso), em suposta ofensa aos princípios da publicidade e da moralidade.
Nesse diapasão, vejamos a referida previsão legal da Lei do RDC:
Art. 6o Observado o disposto no § 3o, o orçamento previamente estimado para a contratação será tornado público apenas e imediatamente após o encerramento da licitação, sem prejuízo da divulgação do detalhamento dos quantitativos e das demais informações necessárias para a elaboração das propostas. (grifos nossos)
[...]
§ 3o Se não constar do instrumento convocatório, a informação referida no caput deste artigo possuirá caráter sigiloso e será disponibilizada estrita e permanentemente aos órgãos de controle externo e interno. (grifos nossos)
Observa-se da previsão legal que o sigilo do orçamento poderá prevalecer até o encerramento da licitação, mais precisamente enquanto não encerrada a fase competitiva para a escolha da melhor proposta.
Denota-se que tal mecanismo não visa abolir a publicidade de ato licitatório, mas de facultar ao administrador, em determinadas ocasiões, que se valha da publicidade de modo diferido, tendo em vista o resguardo do interesse público.
Nesse sentido, Maria Sylvia Zanella Di Pietro defende que:
A medida – não divulgação do orçamento estimado antes do encerramento do procedimento de licitação – parece útil, sendo conveniente que se estenda a todas as modalidades de licitação, porque a sua divulgação influência os licitantes na apresentação de suas propostas, podendo resultar em resultados danosos para a escolha da melhor proposta. [...] (DI PIETRO, MARIA SYLVIA ZANELLA., DIREITO ADMINISTRATIVO. 28. Ed. – São Paulo: Atlas, 2015, p. 493).
Rafael Carvalho Rezende Oliveira também perfilha de mesmo entendimento, senão vejamos:
A necessidade de modificação da regra tradicional de licitação, com a previsão do orçamento sigiloso, sempre foi defendida por parcela da doutrina, especialmente para evitar que a divulgação do orçamento influenciasse a elevação dos valores constantes das propostas e a formação de cartel entre os licitantes, dado que, sem a ciência do preço estimado pela Administração, fica mais difícil de fazer combinações entre concorrentes. (OLIVEIRA, RAFAEL CARVALHO REZENDE., LICITAÇÕES E CONTRATOS ADMINISTRATIVOS. 6º ed. rev., atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO, 2017, pgs. 218 e 219).
Nota-se que o mecanismo de restringir a publicidade do orçamento no RDC é medida que se impõe como mecanismo de salvaguarda do interesse público, e de efetivação de princípios caros ao Estado Democrático de Direito, como o princípio Republicano, principio da isonomia entre os licitantes, e o princípio da indisponibilidade do interesse público, dentre outros.
Assim, o sigilo orçamentário durante o período competitivo da licitação, viabiliza a salvaguarda do interesse público, na medida em que possibilita a garantia à isonomia entre os licitantes (ao inviabilizar a formação de cartéis), e, ainda, propicia condições de seleção da proposta mais vantajosa para a administração.
CONCLUSÃO
Por todo o exposto, defende-se que a inovação trazida pelo Regime Diferenciado de Contratações Públicas (sigilo orçamentário) consegue resguardar o interesse público, na medida em que viabiliza a concorrência isonômica entre os licitantes. Com efeito, será possível ampliar a competitividade entre os interessados em contratar com o Poder Público, e, consequentemente, concretizar o objetivo de selecionar a proposta mais vantajosa para a Administração.
Desse modo, sustenta-se que a previsão legal de restrição à publicidade orçamentária durante o interregno licitatório competitivo, é dotada de notória constitucionalidade. Assim, ela visa concretizar princípios caros ao Estado Democrático de Direito, notadamente, o princípio da isonomia, o princípio da indisponibilidade do interesse público e o princípio republicano, pautado na concretização do resguardo da coisa pública.
É o parecer, salvo melhor juízo.
Faculdade Metropolitana da Grande Recife (Localizada no Município de Jaboatão dos Guararapes) e Pós graduação em direito constitucional: Faculdade de Estudos Administrativos de MG (instituto Elpídio Donizete) Localizada em Belo Horizonte-MG.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: GOMES, Joelson da Silva. Parecer favorável à constitucionalidade do orçamento sigiloso nas contratações no Regime Diferenciado de Contratações Públicas-RDC Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 nov 2017, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50967/parecer-favoravel-a-constitucionalidade-do-orcamento-sigiloso-nas-contratacoes-no-regime-diferenciado-de-contratacoes-publicas-rdc. Acesso em: 23 dez 2024.
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