RESUMO: O planejamento tributário é uma forma de diminuição da carga tributária, pautada em condutas lícitas. Por outro lado, o Estado, no interesse de arrecadar, busca restringir o planejamento tributário, utilizando, para tanto, diversos argumentos. No presente trabalho, realizar-se-á uma pesquisa, na tentativa de se determinar os limites para a realização do planejamento tributário. Inicialmente serão feitas considerações gerais sobre o tema, definindo seu conceito, seus fundamentos, bem como será mostrada a diferença entre elisão e evasão fiscal. Em seguida, será abordada a norma geral antielisão. E, finalmente, serão estudados alguns institutos, que vêm sendo bastante discutidos, no intuito de impor limites para o planejamento tributário.
Palavras-chave: Planejamento tributário. Evasão fiscal. Elisão fiscal. Norma geral antielisão.
ABSTRACT: Tax planning is a form of reduction of the tax burden, based on licit conduct. On the other hand, the State, in the interest of collecting, seeks to restrict tax planning, using, for that, several arguments. In the present work, a research will be carried out, in an attempt to determine the limits for the accomplishment of the tax planning. Initially general considerations will be made on the subject, defining its concept, its fundamentals, as well as showing the difference between tax evasion and avoidance. Next, the general anti-sentencing rule will be addressed. And, finally, some institutes will be studied, which are being discussed in order to impose limits for tax planning.
Keywords: Tax planning. Tax evasion. Tax Elision. General standard anti-injury.
SUMÁRIO: 1 Introdução; 2 Planejamento tributário; 2.1 Considerações iniciais; 2.2 Fundamentos constitucionais e legais; 2.3 Elisão e evasão fiscal; 2.4 Planejamento x evasão; 3 Norma geral antielisão; 3.1 Critica ao termo “antielisão”; 3.2 Necessidade de regulamentação; 3.3 Críticas à norma geral antielisão; 3.4 Simulação; 3.5 Simulação; 4 Institutos limitadores do planejamento tributário; 4.1 Princípio da capacidade contributiva; 4.2 Abuso de forma; 4.3 Abuso de direito; 4.4 Negócio jurídico indireto; 4.5 Fraude à lei; 5 Conclusão; Referências.
1. Introdução
O Brasil é um país cuja carga tributária é bastante elevada, sendo composta por diversos impostos, taxas e os demais tributos.
Essa elevada carga tributária se tornou, e ainda é, um grande problema para os contribuintes, mais especificamente para as empresas que, para sobreviverem, precisam minimizar seus encargos tributários, tendo em vista a grande variedade de tributos a serem pagos, bem como as altas alíquotas.
Em face de uma carga tributária tão alta e cada vez mais onerosa, as empresas, na busca de reduzirem seus encargos, muitas vezes, realizaram (e ainda realizam) a chamada evasão fiscal, que consiste em conduta, comissiva ou omissiva, que objetiva fugir ao pagamento de tributos, sempre após a ocorrência do fato gerador. A evasão é sempre ilegítima, uma vez que o sujeito que a pratica pretende fugir da obrigação do pagamento do tributo por meios ilícitos, entre eles, a fraude e a simulação.
Porém, além da mencionada opção, o particular pode optar por reduzir sua carga tributária por meios lícitos, ou seja, por meio da elisão fiscal, de um bom planejamento tributário.
O planejamento tributário pode ser conceituado como o conjunto de condutas lícitas que visam evitar a ocorrência do fato gerador da tributação, deixando de existir a obrigação de pagar o tributo, reduzindo, portanto, o ônus gerado pelo tributo.
Referido planejamento possui suporte na própria Constituição Federal, especificamente no princípio da livre iniciativa, no direito de fazer ou deixar de fazer o que não seja vedado ou exigido pela lei, no direito de propriedade e no princípio da tipicidade da tributação.
O planejamento fiscal, a princípio, parece uma ótima saída para reduzir os ônus fiscais, já que o mesmo se traduz em condutas lícitas, evitando problemas com o Fisco.
No entanto, em 2004, foi editada a Lei Complementar nº 104/2004, que acrescentou o parágrafo único ao artigo 116 do Código Tributário Nacional, a chamada norma geral antielisão (deveria ser chamada de norma geral antievasão), que faculta à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com o objetivo de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo.
Ocorre que, a referida norma não possui regulamentação. Daí surge o grande problema de se encontrar o limite do planejamento tributário face ao direito do Fisco de desconsiderar ato ou negócio jurídico previsto na norma mencionada.
Assim, no decorrer do presente trabalho, procurar-se-á responder aos seguintes questionamentos: Em que consiste o planejamento tributário? O que diferencia o planejamento tributário da evasão fiscal? Quais os fundamentos constitucionais e legais do planejamento tributário? Em que consiste a norma geral antielisão? Quais os limites de realização do planejamento tributário face à existência da norma geral antielisão?
A justificativa para a realização do trabalho está no fato de que, cada vez mais as empresas buscam realizar o planejamento fiscal para se manterem competitivas no mercado, e, também, para se manterem no mesmo, e o Fisco cada vez mais busca fechar o cerco contra a referida prática, mesmo tendo sido realizado em consonância com os ditames legais, sob argumento de que os atos praticados pelo contribuinte ferem princípios constitucionais como o da capacidade contributiva, por exemplo.
Diante de tais situações, é fundamental discutir sobre os interesses dos particulares em reduzir seus encargos tributários e sobre o interesse do Fisco em realizar a arrecadação, buscando determinar até onde aqueles podem usufruir do direito de realizar o planejamento tributário, e do início do direito do Fisco de desconsiderar atos praticados com a finalidade de reduzir os encargos dos tributos.
Dessa forma, o objetivo geral do trabalho é analisar o instituto do planejamento tributário, conceituando-o, definindo seus fundamentos e analisando os argumentos contra e a favor de sua realização. Já os objetivos específicos são: definir em que consiste o planejamento tributário, diferenciar o planejamento tributário da evasão fiscal, definir os fundamentos constitucionais e legais do planejamento tributário, discorrer acerca da norma geral antielisão e definir quais os limites da realização do planejamento tributário face à existência da norma geral antielisão.
Quanto aos aspectos metodológicos, a metodologia a ser utilizada basear-se-á em um estudo descritivo analítico, desenvolvido através de pesquisa bibliográfica, mediante explicitações embasadas em trabalhos publicados sob a forma de livros, revistas, artigos etc., que abordem direta ou indiretamente o tema em análise.
Quanto à utilização dos resultados, a pesquisa será pura, à medida que terá como único fim a ampliação de conhecimentos. Quanto à abordagem será qualitativa, buscando apreciar a realidade do tema no ordenamento jurídico pátrio.
No que diz respeito aos objetivos, a pesquisa será descritiva, posto que buscará descrever, explicar, classificar, esclarecer o problema apresentado; e exploratória, objetivando aprimorar as ideias através de informações sobre o tema em foco.
No primeiro capítulo será feita uma abordagem geral acerca do planejamento tributário, determinando seus fundamentos constitucionais e legais. Serão abordados também os conceitos de elisão e evasão fiscal, diferenciando-os, bem como mostrando sua relação com o planejamento tributário.
No segundo capítulo serão abordados alguns aspectos relacionados com a norma geral antielisão, como a questão do termo “antielisão”, a necessidade de sua regulamentação, críticas ao seu conteúdo, especialmente quanto à constitucionalidade (ou inconstitucionalidade). Serão também abordados os conceitos de simulação e de dissimulação.
No terceiro capítulo serão estudados alguns institutos quem vem sendo estudados pela doutrina na tentativa de colocar limites no planejamento tributário, como o abuso de forma, abuso de direito, princípio da capacidade contributiva e fraude à lei.
2 Planejamento tributário
Em uma relação conflituosa entre Fisco e contribuinte, surge o planejamento tributário, utilizado pelo último para reduzir seus encargos fiscais. Já o Fisco, buscando sempre a arrecadação, busca restringir o planejamento. Diante desse conflito, de grande importância se torna o estudo do referido planejamento.
2.1 Considerações Iniciais
O Brasil possui uma elevada carga tributária, composta por diversos impostos, taxas e demais tributos.
Esta elevada carga tributária se tornou, e ainda é, um grande problema para os contribuintes, especialmente para as empresas que precisam minimizar seus encargos tributários, tendo em vista a grande variedade de tributos a serem pagos, bem como as altas alíquotas.
Nesse contexto de uma carga tributária bastante elevada e de um mercado altamente competitivo, tomou grande importância o Planejamento Tributário, que vem sendo realizado pelas empresas, buscando reduzir seus ônus fiscais.
Sobre o tema, tem-se a definição de Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.107): “O planejamento tributário é a atividade desenvolvida por pessoa física ou jurídica, pública ou privada, de forma estritamente preventiva e transparente, a fim de alcançar licitamente a economia tributária.”
Por se tratar de atividade de cunho preventivo, de grande importância é a análise do elemento tempo, uma vez que só há que se falar em planejamento tributário antes de ocorrido o fato gerador da obrigação tributária. Marco Aurélio Greco (2008, p.113) ressalta a importância do critério cronológico:
O primeiro de caráter cronológico, no sentido de que os atos do contribuinte que implicassem redução da carga tributária deveriam ser realizados antes da ocorrência do fato gerador, pois, se posteriores, surgiriam quando já nascida a obrigação tributária ou, quando menos, a situação jurídica positiva do Fisco que o autoriza a agir no sentido da respectiva cobrança. (grifo do autor)
Caso o contribuinte deixe de efetuar o pagamento do tributo após o nascimento da obrigação de fazê-lo, não incorrerá em planejamento tributário.
Acerca da licitude do planejamento, devemos ressaltar que a escolha por um caminho válido, porém menos oneroso, não pode ser vista pelo Fisco como a prática de ato ilícito. Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.113-114) assim explica:
A prática de atos ou negócios jurídicos com finalidade de economia de tributos não pode ser tida como ilícito. O Poder Público não pode tolher um caminho validamente escolhido por uma pessoa, física ou jurídica, que optou por não adentrar as situações legalmente definidas em lei como hipótese de incidência de um determinado tributo. Existe sim, a possibilidade válida de se evitar tornar-se devedor da Fazenda Pública, e mesmo assim praticar atos ou negócios jurídicos que não constituam fatos jurídicos tributáveis.
O planejamento tributário possui as seguintes finalidades: evitar a incidência do tributo, com a adoção de medidas que buscam evitar que ocorra o fato gerador; reduzir o montante do tributo, tomando-se providências que impliquem em redução, seja da base de cálculo, seja da alíquota do tributo e, por fim, retardar o pagamento do tributo, através de medidas que adiem o pagamento do tributo, sem incorrer em multa.
É importante ressaltar que o planejamento tributário possui suporte na própria Carta Magna, especialmente no direito à propriedade privada (art. 5º, XXII), nos princípios da livre iniciativa (art. 1º, IV), da estrita legalidade tributária (art. 150, I), e no direito de fazer ou deixar de fazer o que não seja vedado ou exigido pela lei (princípio da legalidade geral, previsto no art. 5º, II).
2.2 Fundamentos constitucionais e legais
Ao estudarmos o planejamento tributário, faz-se necessário o estudo dos princípios que lhe servem de alicerce.
Um dos fundamentos do planejamento tributário é o princípio da legalidade (geral), previsto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal, in verbis:
Art. 5º. Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
II. Ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de Lei. (grifo nosso)
Por força do princípio da legalidade, o Estado somente pode intervir na propriedade privada, caso esteja a intervenção amparada pela lei. Sobre a legalidade, ensina o professor Roque Antonio Carrazza (2009, p.254):
O inciso II do art. 5º da CF encerra, pois, um dispositivo fundamental, que impede que o Estado aja com arbítrio em suas relações com o indivíduo, que, afinal, tem o direito de fazer tudo quanto a lei não lhe proíbe, nos termos do clássico brocardo: cuique facer licet nisi quid iure prohibitur.
Em matéria tributária, além do dispositivo constitucional citado, temos também o artigo 150, inciso I, também da Constituição Federal, segundo o qual veda a exigência ou o aumento de tributos sem que lei o estabeleça.
Tal dispositivo legal é chamado também de princípio da estrita legalidade tributária, segundo o qual a cobrança de tributos, sejam estes impostos, taxas, contribuições sociais etc., deve advir de lei em sentido estrito.
A estrita legalidade não se limita à mera autorização para a cobrança de tributos. Nesse sentido, tem-se a lição de Luciano Amaro (2011, p.134):
O conteúdo do princípio da legalidade tributária vai além da simples autorização do Legislativo para que o Estado cobre tal ou qual tributo. É mister que a lei defina, in abstracto, todos os aspectos relevantes para que, in concreto, se possa determinar quem terá que pagar, quanto, a quem, à vista de que fatos ou circunstâncias. A lei deve esgotar, como preceito geral e abstrato, os dados necessários à identificação do fato gerador da obrigação tributária e à quantificação do tributo, sem que restem à autoridade poderes para, discricionariamente, determinar se ‘A’ irá ou não pagar tributo, em face de determinada situação. Os critérios que definirão se ‘A’ deve ou não contribuir, ou que montante estará obrigado a recolher, devem figurar na lei e não no juízo de conveniência e oportunidade do administrador público. (grifos do autor)
O princípio da legalidade tributária também está disposto no artigo 97 do Código Tributário Nacional, segundo qual somente a lei pode estabelecer a instituição ou extinção de tributos.
Além da legalidade, temos também o princípio da tipicidade tributária. Para maiores esclarecimentos, recorre-se novamente aos ensinamentos de Luciano Amaro (2011, p.175):
Isso leva a uma outra expressão da legalidade dos tributos, que é o princípio da tipicidade tributária, dirigido ao legislador e ao aplicador da lei. Deve o legislador, ao formular a lei, definir, de modo taxativo (numerus clausus) e completo, as situações (tipos tributáveis), cuja ocorrência será necessária e suficiente ao nascimento da obrigação tributária, bem como os critérios de quantificação (medida) do tributo. Por outro lado, ao aplicador da lei veda-se a interpretação extensiva e a analogia, incompatíveis com a taxatividade e determinação dos tipos tributários. (grifos do autor)
De acordo com a doutrina, a tipicidade tributária pode ser aberta ou cerrada (fechada).
No Brasil é aplicado o tipo fechado, tendo em vista que a norma tributária define todos os elementos e critérios de forma exaustiva. O fato concreto deve preencher todos os requisitos previstos na norma para que esta efetivamente se aplique ao caso.
Uma consequência do princípio da tipicidade tributária é a vedação da tributação por analogia, nos termos do artigo 108, § 1º do Código Tributário Nacional, segundo o qual não se pode empregar a analogia para exigir tributos não previstos em lei.
Sendo assim, não há espaço para discricionariedade por parte da autoridade fiscal, quando da exigência de exações, não podendo a mesma criar tributos não tipificados na lei.
A tipicidade tributária relaciona-se diretamente com a liberdade do contribuinte de contratar, que, segundo Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.133), “[...] está reconhecido no direito de liberdade econômica, de livre iniciativa ou de liberdade de empresa como fundamento da República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da CF) e da ordem econômica (art. 170 da CF).”
Pelo próprio princípio da tipicidade, o particular possui a liberdade de praticar quaisquer atos sem se preocupar em ter que pagar exação, desde que não estejam amparados pela lei tributária. Leciona Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.133):
A liberdade fiscal tem limitação no princípio da tipicidade tributária, deixando que os outros comportamentos não previstos legalmente para que os cidadãos possam agir livremente, pratiquem atos jurídicos e realizem negócios sem a preocupação de estarem insertos num tipo tributário. A liberdade de ação dos cidadãos está garantida também pelo princípio da tipicidade, como uma extensão de seu direito subjetivo, denominada pela doutrina alemã direito de defesa (Abwehrrecht). (grifo do autor)
O particular, portanto, só poderá ser compelido a recolher tributo caso incorra na hipótese de incidência de determinado tributo regulado em lei. Complementando o entendimento acima, o professor Roque Antonio Carrazza (2009, p.272) afirma que:
[...] os princípios da tipicidade fechada e da estrita legalidade impedem a tributação ou a condenação do contribuinte por presunções, ficções ou indícios. Muito menos por razões de conveniência social ou atendendo aos anseios da opinião pública. (grifos do autor)
Os princípios da legalidade geral, da estrita legalidade e da tipicidade tributária são de grande importância para o planejamento tributário, uma vez que, por força dos referidos princípios, o particular poderá realizar atos ou negócios jurídicos independentemente do pagamento de tributos, caso não incorra na hipótese de incidência do mesmo, ou seja, caso não realize o fato gerador da obrigação tributária. Sobre o assunto, esclarece Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p.430):
Em síntese, a pessoa pode procurar e pode ocupar os espaços vazios de tributação, isto é, aqueles espaços não preenchidos pelas hipóteses legais de incidência ou pelas respectivas bases de cálculo, não sendo obrigada a seguir cegamente, ou diretamente, no rumo do fato gerador, ou do fato gerador mais oneroso.
Assim, caso o contribuinte pratique condutas lícitas, porém não reguladas pela lei, não poderá ser compelido a pagar tributos, uma vez que é papel do Poder Legislativo a criação de novos tipos tributários. Além disso, o Fisco está adstrito à estrita legalidade e à tipicidade, princípios que impedem o emprego de qualquer interpretação extensiva, analogia ou qualquer outro meio de interpretação que gere a cobrança de tributos cuja hipótese de incidência não esteja disciplinada no texto legal.
2.3 Elisão e evasão fiscal
De suma importância para o planejamento tributário é a distinção entre elisão e evasão fiscal.
Antes de adentrarmos ao tema, de suma importância é definir em que consiste o fato gerador. Fato gerador é o fato concreto que enseja o nascimento da obrigação tributária, seja ela principal ou acessória.
A seguir, tem-se as definições para fato gerador previstas no Código Tributário Nacional:
Art. 114. Fato gerador da obrigação principal é a situação definida em lei como necessária e suficiente a sua ocorrência
Art. 115. Fato gerador da obrigação acessória é qualquer situação que, na forma da legislação aplicável, impõe a prática ou a abstenção de ato que não configure obrigação principal.
Somente existe obrigação ao pagamento de tributo caso se vislumbre a ocorrência do fato imponível. Acerca da elisão (ou evasão lícita), explica Roque Antonio Carrazza (2009, p.338):
A elisão fiscal pode ser definida como a conduta lícita, omissiva ou comissiva, do contribuinte, que visa impedir o nascimento da obrigação tributária, reduzir seu montante ou adiar seu cumprimento. A elisão fiscal é alcançada pela não realização, pura e simples do fato imponível (pressuposto de fato) do tributo ou pela prática de negócio jurídico tributariamente menos oneroso, como, por exemplo, a importação de um produto, via Zona Franca de Manaus. Tais manobras, embora beneficiem o contribuinte, não são condenadas por nosso direito positivo. (grifos do autor)
A elisão, portanto, consiste em redução da carga tributária por meios legítimos, sempre antes da ocorrência do fato gerador da obrigação tributária.
De modo diverso, temos a evasão fiscal, meio ilícito de redução da carga tributária. Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.13) assim a define: “A evasão tributária [...] é o ato de frustrar a satisfação do tributo devido. Corresponde, portanto, à modalidade dolosa, ilícita, ou seja, à intenção de não pagar um tributo devido.” (grifo do autor)
A evasão sempre se configura depois da ocorrência do fato gerador, quando já existe a obrigação do pagamento do tributo, não havendo como fugir da mesma.
Em face do exposto, o que se pode vislumbrar é que o momento da prática do ato que visa à redução dos encargos tributários é de grande importância para identificar se o que houve foi a elisão (lícita) ou a evasão fiscal (ilícita).
Ao contrário do que ocorre na elisão, na evasão o particular se utiliza de meios como o dolo, fraude e simulação para não pagar o tributo devido em decorrência da obrigação tributária já existente. São claros os exemplos de evasão fiscal citados por Roque Antonio Carrazza (2009, p.337):
Facilmente podemos dar exemplos típicos destas condutas reprováveis. Um deles é o da venda de mercadoria sem emissão da imprescindível nota fiscal (venda a descoberto de nota fiscal), levada a efeito com o evidente intuito de deixar de documentar a operação mercantil realizada e, assim, com maior facilidade, ilaquear o Fisco. Outro, é o da não declaração de rendimentos, que leva à sonegação do imposto respectivo (o imposto sobre a renda). Outro, ainda, é o da lavratura de escritura de venda e compra de imóvel, nela fazendo consignar preço menor do que o efetivamente praticado, com o propósito de diminuir o quantum de ITBI (Sisa) a pagar. (grifos do autor)
Na elisão ainda não existe a obrigação do pagamento do tributo. A pessoa busca evitar o nascimento da respectiva obrigação, ou pelo menos adiá-lo.
Um exemplo claro de elisão fiscal é quando uma pessoa, sabendo que os rendimentos obtidos através de caderneta de poupança são isentos de imposto sobre a renda, opta por este investimento, ao invés de outro mais oneroso. Nesse caso, o particular não terá a obrigação de pagar referido imposto.
O aspecto temporal, apesar de sua enorme importância, não deve ser utilizado como único critério para se distinguir a elisão da evasão. Por exemplo, se um comerciante emite nota fiscal, em princípio não comete nenhum ilícito. Porém, com o objetivo de diminuir a carga tributária, emite nota fiscal adulterada, incorre em fraude, caracterizando evidente evasão fiscal. Nesse caso, o comerciante cumpriu a exigência formal da lei. Ocorre que, o mesmo, de forma dolosa, pratica conduta que não se coaduna com o ordenamento jurídico pátrio.
Em face do exposto, podemos concluir que o contribuinte, ao realizar o planejamento tributário, busca sempre a elisão fiscal, meio lícito de economia tributária.
2.4 Planejamento x evasão
O planejamento tributário não se confunde com a evasão fiscal, uma vez que esta decorre de ato ilícito e aquela de ato lícito.
Importa ressaltar que, segundo Marco Aurélio Greco (2008, p.81), “[...] planejamento e elisão são conceitos que se reportam à mesma realidade, diferindo apenas quanto ao referencial adotado e à tônica que atribuem a determinados elementos.”
Na verdade, quando se fala em planejamento, o foco é a conduta do particular. Já quando se fala em elisão, o foco é o efeito gerado pela conduta do particular. Nesse sentido, recorre-se novamente aos ensinamentos de Marco Aurélio Greco (2008, p.81-82):
Quando se menciona ‘planejamento’, o foco da preocupação é a conduta de alguém (em geral, o contribuinte); por isso, a análise desta figura dá maior relevo para as qualidades de que se reveste tal conduta, bem como para os elementos: liberdade contratual, licitude da conduta, momento em que ela ocorre, [...].
Quando se menciona ‘elisão’, o foco da análise é o efeito da conduta em relação à incidência e cobrança do tributo; por isso, sua análise envolve debate sobre os temas da capacidade contributiva, da isonomia [...]
Sendo assim, o que se vislumbra é que o planejamento tributário tem por objetivo a elisão fiscal.
Apesar do entendimento acima ser bem fundamentado e coerente, a maior parte da doutrina utiliza planejamento tributário e elisão fiscal como termos sinônimos.
Para efeitos práticos, no decorrer do presente estudo, os termos elisão e planejamento tributário serão utilizados como idênticos.
Assim, caso a pessoa não realize o fato gerador da obrigação de pagar tributo, incorre em elisão fiscal, o que caracteriza um planejamento tributário lícito.
Todavia se, após o nascimento da obrigação tributária, o particular se utiliza de meios fraudulentos, como, por exemplo, a simulação, não estará realizando um planejamento tributário, mas sim uma evasão fiscal, condenada pelo ordenamento jurídico.
Assim, a diferença entre planejamento tributário/elisão fiscal e evasão fiscal está na licitude do ato praticado ou do negócio jurídico realizado. Caso o ato ou negócio esteja de acordo com as normas vigentes, vislumbramos um planejamento/elisão. Porém, caso se trate de ato ou negócio praticado de forma fraudulenta, maliciosa, com o intuito de se furtar ao pagamento do tributo (este já devido em face da obrigação tributária), haverá a evasão fiscal.
3 Norma geral antielisão
O presente capítulo é dedicado ao estudo da norma prevista no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional, acrescentado pela Lei Complementar nº 104 de 2001, conhecida como norma geral antielisão (ou antielisiva).
Referida norma até hoje gera discussões relevantes, inclusive sobre a terminologia “antielisão”, como será visto adiante.
3.1 Crítica ao termo “antielisão”
A norma objeto do presente estudo está contida no artigo 116, parágrafo único, do art. 116 do CTN, in verbis:
Art. 116. Salvo disposição de lei em contrário, considera-se ocorrido o fato gerador e existentes os seus efeitos:
I – tratando-se de situação de fato, desde o momento em que se verifiquem as circunstâncias materiais necessárias a que produza os efeitos que normalmente lhe são próprios;
II – tratando-se de situação jurídica, desde o momento em que esteja definitivamente constituída, nos termos do direito aplicável.
Parágrafo único. A autoridade administrativa poderá desconsiderar atos ou negócios jurídicos praticados com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária.
Referido dispositivo legal faculta à autoridade administrativa desconsiderar atos ou negócios jurídicos que possuam a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador da obrigação tributária. Visa, portanto, coibir a prática de ilícito.
Como foi visto no capítulo anterior, a elisão fiscal é lícita, pois se caracteriza por ser anterior ao nascimento da obrigação tributária, ao contrário da evasão, que é a tentativa de fugir ao pagamento do tributo após o nascimento da obrigação de pagá-lo. Nesse sentido, ensina o jurista Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p.478):
No campo de estudo da matéria aqui objetivada, a elisão é lícita e seu contrário – a evasão – é ilícita, de tal modo que não existe sentido lógico e jurídico em se falar em ‘norma antielisão’, isto é, em norma contra o lícito ou ‘norma antilícito’. É como se, ao invés de haver uma norma de desconsideração da personalidade jurídica para punir o uso indevido da mesma, como é o caso do art. 50 do Código Civil de 2002, houvesse uma ‘norma geral antipersonalidade jurídica’.
De maneira semelhante, entende Vittorio Cassone (2001 apud CARVALHO, 2008, p.90-91):
Pelo que se extrai da norma em exame (Parágrafo único do art.116, CTN), não nos parece correta a denominação que a doutrina vem atribuindo à LC 104 - de ‘norma antielisão’.
É, propriamente, ‘norma antievasão fiscal’, ou seja, uma norma que procura coibir a evasão fiscal, nas suas múltiplas espécies [...].
Em face da distinção entre elisão e evasão fiscal e do conteúdo do dispositivo legal contido no CTN, o que existe é uma norma antievasão, uma vez que o que se procura combater é a prática dos atos ilícitos que culminem em não pagamento dos tributos devidos.
Portanto, afigura-se impróprio o termo “antielisão”.
Apesar de impróprio, o termo acima mencionado será utilizado no decorrer do presente trabalho para se referir ao artigo 116, parágrafo único do CTN.
3.2 Necessidade de regulamentação
A norma em estudo não é autoaplicável, uma vez que a mesma determina que sejam observados os procedimentos a serem estabelecidos em lei ordinária específica. Sobre o tema, tem-se os ensinamentos de Regina Helena Costa (2009 apud Paulsen, 2010, p.911):
‘[...] aguarda-se a edição de lei regulamentadora dos procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa, como também das hipóteses de aplicação da desconsideração de atos e negócios jurídicos, pois, do contrário, ficará a critério da autoridade administrativa decidir se o ato ou o negócio jurídico foi ou não praticado com a finalidade de dissimular a ocorrência do fato gerador do tributo ou a natureza dos elementos constitutivos da obrigação tributária, o que representa ameaça à desejada segurança jurídica, [...] nos termos em que hoje está posta, sustentamos, seja a norma geral antielisiva representativa de inadequada aplicação de praticabilidade fiscal, porquanto, embora de forma induvidosa, torne mais facilmente exequível o controle de atos e negócios jurídicos pelo Fisco, revela-se ofensiva à segurança jurídica, como salientado [...].’
A primeira e única tentativa de regulamentação ocorreu com a edição da Medida Provisória nº 66/02.
Sobre o rito estabelecido pela referida norma, valiosa é a lição de Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.103):
A referida medida provisória estabeleceu um rito próprio, de natureza inquisitória, com o fito de desconsiderar ato ou negócio jurídico praticado pelo contribuinte e, por conseguinte, praticar o ato de lançamento do tributo entendido como devido. O iter procedimental era formado pelos seguintes elementos, nesta ordem: a) início do procedimento de fiscalização, por meio de Mandado de Procedimento Fiscal – MPF, emitido pela autoridade competente (coordenador, superintendente, delegado ou inspetor); b) notificação prévia ao contribuinte; c) relatório de desconsideração do auditor fiscal; d) notificação ao contribuinte do mencionado relatório e oportunidade para sua manifestação; e) representação de desconsideração pelo auditor fiscal; f) despacho de desconsideração/requalificação por parte da autoridade administrativa que tenha emitido o MPF; g) ato de lançamento do auditor fiscal; h) auto de infração; i) impugnação administrativa do contribuinte; e j) processo administrativo nos termos do Decreto nº 70.235/72 (delegacias de julgamento, conselhos de contribuinte, Câmara Superior de Recursos Fiscais).
A MP 66/02 foi convertida na Lei nº 10.637/02. Contudo, quando da conversão, os artigos que disciplinavam a matéria (13 a 19) foram suprimidos.
O fato é que, atualmente, o artigo 116, parágrafo único do CTN, não se encontra regulamentado, não sendo capaz de gerar seus efeitos de forma plena. Assim entende Hugo de Brito Machado (2004, p.365):
Como consequência, tem-se que a vigência da norma do parágrafo único do art. 116, do Código Tributário Nacional, com redação dada pela LC nº 104, somente será plena quando entrar em vigor a lei ordinária na mesma referida. É uma norma cuja aplicação depende de disciplina, em lei ordinária, dos procedimentos a serem observados pela autoridade administrativa.
Por se tratar de norma de eficácia limitada, depende de lei específica para produzir todos os seus efeitos.
3.3 Críticas à norma geral antielisão
O dispositivo legal objeto de estudo vem sendo alvo de diversas críticas por parte da doutrina. Alguns autores afirmam não ser necessária a norma geral antielisiva, em face do disposto no artigo 149, inciso VII, do CTN, in verbis:
Art. 149. O lançamento é efetuado e revisto de ofício pela autoridade administrativa, nos seguintes casos:
[...]
VII – quando se comprove que o sujeito passivo, ou terceiro, em benefício daquele, agiu com dolo, fraude ou simulação;
Nesse sentido, entende o ilustre jurista Paulo de Barros Carvalho (2002, p.271-272):
O ordenamento brasileiro, a meu ver, já autorizava a desconsideração de negócios jurídicos dissimulados, a exemplo do disposto no art. 149, VII, do Código Tributário Nacional. O dispositivo comentado veio apenas ratificar regra existente no sistema em vigor. Por isso mesmo, assiste razão a Heleno Torres, ao asseverar que a referida alteração tão-só aperfeiçoa o que já se encontra previsto, de modo genérico, afastando quaisquer dúvidas concernentes à possibilidade da Administração em desconsiderar os negócios fictícios ou dissimulados.
O artigo 149, inciso VII, do CTN, voltará a ser abordado adiante, dentro da temática da simulação.
Outros já entendem que a norma em estudo é apenas um reforço aos poderes da administração tributária. Dessa maneira, entende Hugo de Brito Machado (2009, p.132):
Qualquer que seja a posição que se adote, tem-se de admitir que uma norma geral antielisão nada mais é do que um reforço aos poderes da administração tributária. Colocada, como está, em texto de lei complementar, pode ter sua constitucionalidade contestada, pois colide com o princípio da legalidade, que tem como um de seus desdobramentos essenciais a tipicidade, vale dizer, a exigência de definição, em lei, da situação específica, cuja concretização faz nascer o dever de pagar tributo.
No que diz respeito à colisão entre a norma geral antielisiva e os princípios da legalidade e da tipicidade, Sacha Calmon Navarro Coelho (2010, p.595) assim se posiciona:
O método da desqualificação administrativa, a partir de uma permissão genérica (norma geral antielisiva ou general rules). Nesse método, o uso da analogia e a prevalência do Estado-Administração são imprescindíveis. A partir de teses como a do teste de Finalidade Negocial (Business Purpose Test), a do Disregard (Desconsideração da Pessoa Jurídica), a da fraude à lei ou de abuso de direito, confere-se aos fiscais o poder, independentemente de ser lícita a forma determinativa adotada, de DESQUALIFICAR E REQUALIFICAR o negócio extratípico, aplicar-lhe a tributação do negócio típico que ele, subjetivamente, entende ser devido. Entre nós, os princípios da legalidade, tipicidade e proibição da analogia impedem a norma geral antielisiva.
Em sentido semelhante, Alberto Xavier (2002, p.85) afirma que:
As cláusulas gerais antielisivas são normas que têm por objetivo comum a tributação, por analogia, de atos ou negócios jurídicos extratípicos, isto é, não subsumíveis ao tipo legal tributário, mas que produzem efeitos econômicos equivalentes aos dos atos ou negócios jurídicos típicos sem, no entanto, produzirem respectivas consequências tributárias.
Apesar de coerentes os entendimentos mencionados acima, existem também os autores que sustentam que a norma antielisão não consagra a tributação por analogia. Dessa maneira, explica Marco Aurélio Greco (2008, p.464):
[...] O dispositivo tem como referencial básico o fato gerador ocorrido, tal como previsto na lei de regência. Não se trata de aplicar a lei, por extensão analógica, a outro fato não previsto. Trata-se de aplicar a lei tributária ao fato efetivamente ocorrido e assim comprovado pelo Fisco. Trata-se, única e exclusivamente, de afastar a cobertura que disfarça, dissimula o fato gerador ocorrido.
Outra discussão relevante é a que existe acerca da constitucionalidade (ou inconstitucionalidade da norma geral antielisiva.
No que diz respeito à constitucionalidade formal da norma, Marco Aurélio Greco (2008, p.455) leciona:
Quanto ao aspecto da constitucionalidade formal, não vejo razões que apontem no sentido de ter sido infringido algum dispositivo constitucional. Com efeito, tem a União competência para editar lei complementar nessa matéria, a teor do artigo 146, III, a e b da CF/88 e o dispositivo insere-se no âmbito da disciplina do fato gerador, no bojo das normas sobre obrigação tributária. Portanto, desse ângulo, não vejo objeções constitucionais. (grifos do autor)
Dessa forma, como a norma respeitou todas as regras constitucionais para sua edição, não há que se falar em inconstitucionalidade da norma antielisiva.
A questão controversa (e realmente relevante) reside na constitucionalidade (ou inconstitucionalidade) do dispositivo legal em estudo.
Há quem sustente a inconstitucionalidade do artigo 116, parágrafo único do CTN, sob argumento de que o mesmo violaria a separação de poderes, uma vez que o agente fiscal poderia deixar de aplicar a lei ao fato concreto e aplicar aquela que resulte em maior ônus ao contribuinte.
Assim sustenta o ilustre autor Ives Gandra da Silva Martins (2001 apud PAULSEN, 2010, p.914-915):
[...]. ‘[...] o referido dispositivo [...] despoja o Congresso Nacional do poder de produzir a lei tributária e transforma o agente fiscal em verdadeiro legislador, para cada caso, aplicando, não a lei parlamentar, mas aquela que escolher. Afeta o art. 116, uma outra cláusula pétrea [...], que é a separação de poderes, pois autoriza o representante do Fisco a escolher, no arsenal de dispositivos legais, aquele que resulte mais oneroso, a partir de presunção de que o contribuinte pretendeu utilizar-se da ‘lei’ para pagar menos tributos. Como, pelo novo artigo 116, não é a lei que deverá ser aplicada à hipótese impositiva, mas sim a intenção do agente de obter mais tributos, qualquer lei, apesar de rigorosamente seguida pelo contribuinte, poderá ser desconsiderada, para dar lugar à aplicação daquela que representar maior incidência. A figura da ‘elisão fiscal’, diversa da ‘evasão’ – aquela objetivando a economia legal de tributos e esta a ilegal – deixa de existir no direito brasileiro. Pela nova norma, nenhum contribuinte terá qualquer garantia, em qualquer operação que fizer, pois, mesmo que siga rigorosamente a lei, sempre poderá o agente fiscal, à luz do despótico dispositivo, entender que aquela lei não vale e que o contribuinte pretendeu valer-se de uma ‘brecha legal’ para pagar menos tributos, razão pela qual, mais do que a lei, a sua opinião prevalecerá. Se não vier a ser suspensa a eficácia dessa norma pelo S.T.F., em eventual exercício de controle concentrado, o direito tributário brasileiro não mais se regerá pelo princípio da legalidade, mas pelo princípio do ‘palpite fiscal’.
Como se vislumbra, o artigo do CTN ora estudado confere poderes ao agente fiscal para atuar de modo a deixar de aplicar determinada lei “X” para aplicar a lei “Y”, esta mais onerosa, mesmo que a primeira tenha sido cumprida em todos os seus moldes.
Tal forma de aplicação da lei vem gerando enorme insegurança jurídica, uma vez que o contribuinte, mesmo praticando ato ou negócio em plena conformidade com a lei vigente, está sujeito ao arbítrio da autoridade fiscal, que poderá aplicar outra lei, mais onerosa.
É possível ver também evidente afronta ao princípio da legalidade, contido no artigo 150, inciso I da Constituição Federal, tendo em vista que o que a norma antielisiva permite é uma relativização do referido princípio. Ocorre que, referido princípio não pode ser relativizado dessa maneira, por se tratar de uma estrita legalidade (grifo nosso).
Em sentido diverso, há quem entenda que a norma antielisiva, ao invés de afastar a estrita legalidade, prestigia a mesma, como afirma Marco Aurélio Greco (2008, p.456):
Analisando o dispositivo introduzido ao CTN, entendo que comporta interpretação que, ao invés de agredir, prestigia a legalidade e a tipicidade (quaisquer que sejam as respectivas amplitudes), bem como não altera os limites da aplicação da analogia e não consagra a interpretação econômica.
Diante do que preceitua o parágrafo único do artigo 116 do CTN, parece bem claro que o que existe, de fato, é uma agressão à Constituição Federal, mais especificamente ao artigo 60, § 4º, inciso II (separação de poderes) e ao artigo 150, inciso I. A respeito da insegurança jurídica, Ives Gandra da Silva Martins (2005 apud PAULSEN, 2010, p.915):
[...]. ‘Ora, admitir que o agente fiscal possa desconsiderar uma operação legítima, praticada pelo contribuinte, por entendê-la como a solução mais eficiente, do ponto de vista econômico e empresarial, apenas porque, para o Fisco, o melhor seria que o garantisse aos cofres públicos maior arrecadação, é gerar, permanentemente, a insegurança jurídica. É fazer com que o contribuinte viva em constante estado de incerteza, podendo ser surpreendido, a qualquer tempo, durante o lapso decadencial – ou além dele – pela desconsideração de seus atos fundada em mero palpite da fiscalização, em violação manifesta à estabilidade das relações jurídica e da ordem social e econômica, queridas pela lei suprema, a julgar pelas normas nela plasmadas. [...] O certo é que a segurança jurídica impõe o texto da lei como única fonte do Direito, nos limites da Constituição, como determinante das hipóteses de imposição, e não a vontade ou a exegese – quase sempre ‘pro domo sua’ – do Governo, para afastar a lei aplicável e determinar que outra deve ser aplicada ao caso concreto.’
A questão da segurança (ou insegurança) jurídica será novamente mencionada no capítulo subsequente, onde serão abordados alguns institutos que vêm sendo utilizados, na tentativa de restringir o planejamento tributário.
A norma em estudo faz menção à dissimulação, o que vem gerando debates acerca do que esta seria, chegando inclusive a se confundir com a simulação (para alguns autores). Para se entender em que consiste a dissimulação, de grande importância é fazer considerações sobre a simulação, que será abordada no tópico seguinte.
3.4 Simulação
A simulação é um defeito do negócio jurídico que acarreta sua nulidade. Trata-se de um instituto previsto no Código Civil de 2002, mais especificamente em seu artigo 167, que, embora não a conceitue, menciona as hipóteses de simulação do negócio jurídico. O jurista Alberto Xavier (2002, p.52) assim define a simulação:
A simulação é um caso de divergência entre a vontade (vontade real) e a declaração (vontade declarada procedente de acordo entre o declarante e o declaratório e determinada pelo intuito de enganar terceiros). Os seus elementos essenciais são a intencionalidade da divergência entre a vontade e a declaração, o acordo simulatório e o intuito de enganar terceiros.
Por se tratar de instituto oriundo do direito privado, tem-se também as palavras do civilista Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.440):
Simular significa fingir, enganar. Negócio simulado, assim, é o que tem aparência contrária à realidade. A simulação é produto de um conluio entre os contratantes, visando obter efeito diverso daquele que o negócio aparenta conferir. Não é vício do consentimento, pois não atinge a vontade em sua formação. É uma desconformidade consciente da declaração, realizada de comum acordo com a pessoa a quem se destina, com o objetivo de enganar terceiros ou fraudar a lei. (grifo do autor)
A doutrina fazia a distinção entre a simulação inocente e maliciosa (ou fraudulenta). A primeira se configurava quando não há o intuito de prejudicar terceira pessoa, mas somente enganá-la. Não se tratava de um defeito do ato ou negócio jurídico, uma vez que não trazia qualquer prejuízo ao terceiro enganado.
Já na simulação maliciosa ou fraudulenta, existe a intenção de enganar terceiro, acrescida do animus de lhe causar um dano ilícito. Esta sim era considerada um defeito do negócio ou ato jurídico.
A simulação, na esfera tributária, segundo essa classificação, é a maliciosa ou fraudulenta, pois tem por objetivo prejudicar terceiro, no caso, o Fisco.
Atualmente a classificação da simulação como maliciosa ou inocente encontra-se superada, como explica Carlos Roberto Gonçalves (2005, p.44):
Não mais se distingue a simulação inocente da fraudulenta ou maliciosa. O art. 113 do Código Civil revogado considerava inocente a simulação quando não houvesse intenção de prejudicar a terceiros, ou de violar disposição de lei. Seria fraudulenta, e defeito do negócio jurídico, quando houvesse essa intenção (art. 104). No primeiro caso, não constituía defeito do negócio jurídico [...].
Hoje se entende que, tanto a simulação maliciosa como a inocente levam à nulidade do negócio celebrado, sendo irrelevante fazer sua distinção.
Outra distinção importante é a que existe entre a simulação absoluta e a relativa. Recorre-se novamente aos ensinamentos de Alberto Xavier (2002, p.53-54):
A mais importante classificação das espécies de simulação é a que distingue a simulação absoluta da simulação relativa: na simulação absoluta aparenta-se celebrar um negócio jurídico quando, na realidade, não se pretende realizar negócio algum; na simulação relativa, as partes celebram, efetivamente, um contrato, mas, para enganar terceiros, o ocultam com um contrato aparentemente distinto do primeiro pela sua natureza ou pelas suas cláusulas e condições. E daí que, enquanto na simulação absoluta existe apenas um negócio jurídico correspondente à vontade declarada – o contrato simulado – na simulação relativa existem dois negócios jurídicos: o negócio simulado, correspondente à vontade declarada enganadora e o contrato, por baixo dele oculto ou encoberto – o negócio dissimulado, correspondente à vontade real dos seus autores. (grifos do autor)
Feitas essas considerações acerca da simulação, passaremos à análise da dissimulação.
3.5 Dissimulação
Importante é a abordagem da dissimulação, tendo em vista as divergências doutrinárias acerca do que consiste a mesma.
Parte da doutrina entende que a dissimulação nada mais é que a simulação relativa. Veja-se a lição de Caio Mário da Silva Pereira (2004, p.637):
A simulação se diz relativa, também chamada dissimulação, quando o negócio tem por objeto encobrir outro de natureza diversa (e. g., uma compra e venda para dissimular uma doação), ou quando aparenta conferir ou transmitir direitos a pessoas diversas daquelas às quais realmente se conferem ou transmitem (e. g., a venda realizada a um terceiro para que este transmita a coisa a um descendente do alienante, a quem este, na verdade, tencionava desde logo transferi-la). (grifos do autor)
Por outro lado, Luciano Amaro (2011, p.264) afirma:
Não se argumente que dissimulação é diferente de simulação; e, por isso, o legislador talvez tenha querido dizer algo mais. Quando se fala em simulação, refere-se, como objeto dessa ação (de dissimular), uma situação de não incidência. Já ao falar em dissimulação, ao contrário, a referência objetiva é uma situação de incidência. Dissimula-se o positivo (ocorrência do fato gerador), simulando-se o negativo (não ocorrência do fato gerador). (grifos do autor)
Como se observa, a dissimulação e a simulação, embora bastante parecidas, são conceitos diferentes. Na dissimulação, busca-se ocultar situação que já existe, enquanto na simulação se objetiva enganar, fazendo com que se acredite em situação que, na verdade, não existe. Com efeito, importa mencionar o entendimento do ilustre civilista Washington de Barros Monteiro (2009, p.269):
Cumpre não confundir simulação com dissimulação. [...]: na simulação, faz-se aparecer o que não existe; na dissimulação oculta-se o que é; a simulação provoca uma crença falsa num estado não real, a dissimulação oculta ao conhecimento dos outros uma situação existente; aquela procura uma ilusão externa, busca esta uma ocultação interna (dissimula-se o ódio, o rancor). Mas, em ambas, o agente quer o engano; na simulação, quer enganar sobre a existência de situação não verdadeira, na dissimulação, sobre a inexistência de situação real. Se a simulação é um fantasma, a dissimulação é uma máscara.
Por todo o exposto, percebe-se que, tecnicamente, a dissimulação e a simulação são termos com significados diferentes.
Em virtude da diferença terminológica, e do fato de que a norma prevista no artigo 116, parágrafo único do CTN fazer referência à dissimulação, mais coerente entendê-la como diferente da simulação, no sentido de que seu objetivo é evitar a ocorrência dos atos ou negócios que busquem acobertar o fato gerador do tributo (este já configurado). Nesse sentido, explica Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p.487):
Com efeito, in casu, o termo ‘dissimular’, empregado na sua acepção certa segundo a linguagem comum, e no seu sentido técnico segundo o direito privado, revela que o parágrafo único do art. 116 do CTN trata de levantar o véu do disfarce para descobrir a verdade, ou, mais especificamente, ele visa desconsiderar o ato dissimulatório para encontrar o verdadeiro fato gerador, tal como previsto na respectiva descrição legal. (grifos do autor)
Dessa forma, não parece coerente o entendimento de que a norma geral antielisiva seria desnecessária, em razão de a mesma já estar contida no artigo 149, inciso VII do CTN, uma vez que esta faz referência à simulação, e aquela à dissimulação, termos que possuem significados distintos.
Por fim, cabe ressaltar que tanto a simulação quanto a dissimulação, por serem vedadas pelo ordenamento jurídico pátrio, são limites ao planejamento tributário, configurando evidente evasão fiscal.
No capítulo seguinte serão abordados alguns dos demais institutos aplicados na tentativa de restringir o planejamento tributário.
4 Institutos limitadores do planejamento tributário
Alguns institutos, especialmente os do direito privado, vêm sendo aplicados na tentativa de estabelecer limites ao planejamento tributário realizado pelo contribuinte. A aplicação desses institutos vem gerando, na prática, enorme insegurança jurídica, em razão do conflito entre seus fundamentos e o que está disposto em lei, como ficará demonstrado a seguir.
4.1 Princípio da capacidade contributiva
O princípio da capacidade contributiva está consagrado no artigo 145, § 1º da Constituição Federal, in verbis:
Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos:
§1º Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte, facultados à administração tributária, especialmente para conferir efetividade a esses objetos, identificar, respeitados os direitos individuais e nos termos da lei, o patrimônio, os rendimentos e as atividades econômicas do contribuinte.
Sobre o tema, tem-se os ensinamentos do professor Sacha Calmon Navarro Coelho (2010, p.71):
A capacidade contributiva é a possibilidade econômica de pagar tributos (ability to pay). É subjetiva quando leva em conta a pessoa (capacidade econômica real). É objetiva quando toma em consideração manifestações objetivas da pessoa (ter casa, carro do ano, sítio numa área valorizada etc.). Aí temos ‘signos presuntivos de capacidade contributiva’. Ao nosso sentir, o constituinte elegeu como princípio a capacidade econômica real do contribuinte.
Em sentido diverso, Roque Antonio Carrazza (2009, p.97) entende que a capacidade contributiva aludida na Constituição é a objetiva:
A capacidade contributiva à qual alude a Constituição e que a pessoa política é obrigada a levar em conta, ao criar, legislativamente, os impostos de sua competência, é objetiva, e não subjetiva. É objeiva porque se refere não às condições econômicas reais de cada contribuinte, individualmente considerado, mas às suas manifestações de riqueza (ter um imóvel, possuir um automóvel, ser proprietário de jóias ou obras de arte, operar em Bolsa, praticar operações mercantis etc.). (grifos do autor)
Parece mais acertado o entendimento de que o artigo 145 § 1º da Constituição Federal se refere à capacidade econômica objetiva.
Um exemplo esclarecedor é o de uma pessoa física que mensalmente percebe a quantia mensal de R$ 500,00 (quinhentos reais) e vem a receber um imóvel por transmissão causa mortis, cujo IPTU é no valor de R$ 2000,00 (dois mil reais). Nesse caso não será levada em consideração a capacidade econômica do contribuinte, mas somente o valor venal do imóvel, ou seja, não é levada em consideração a capacidade econômica subjetiva (real).
Assim, é de se concluir que a capacidade contributiva prevista na Constituição Federal é a objetiva.
Na doutrina, há uma teoria de que mesmo que o planejamento tributário seja lícito e válido, ele estará limitado pelo princípio da capacidade contributiva. Sobre essa teoria, diz Marco Aurélio Greco (2008, p.307):
Ou seja, mesmo que os atos praticados pelo contribuinte sejam lícitos, não padeçam de nenhuma patologia; mesmo que estejam absolutamente corretos em todos os seus aspectos (licitude, validade), nem assim o contribuinte pode agir da maneira que bem entender, pois sua ação deverá ser vista também da perspectiva da capacidade contributiva.
Sendo assim, a liberdade de o contribuinte praticar atos ou negócios com o intuito de reduzir seus encargos fiscais estaria limitada pela sua capacidade econômica.
Referida teoria, embora mereça respeito, não parece que deva prevalecer, uma vez que a capacidade contributiva só se manifesta, para efeitos de tributação, após a ocorrência do fato gerador do tributo. Assim ensina Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p.426):
Também é preciso dizer que a capacidade contributiva não é um atributo intrínseco, originário ou hereditário da pessoa, ou do simples fato de ter patrimônio ou riqueza, pois é atributo que lhe advém da ocorrência do fato gerador de alguma obrigação tributária e da densidade econômica do mesmo, dado que a grandeza econômica da matéria que se constitui no fato gerador é a própria dimensão quantitativa ou valorativa – o verdadeiro índice e limite – da respectiva capacidade contributiva.
Ademais, a capacidade contributiva não é princípio constitucional que tem poder de obrigar a pessoa a ser contribuinte. Caso esta pratique atos eivados de licitude com o objetivo de reduzir seus ônus tributários, mesmo que possua grande quantidade de riqueza, não poderá ser compelida a pagar quantia a maior do que a realmente devida.
Dessa forma, o princípio em estudo jamais poderá ser utilizado com o objetivo de limitar o planejamento tributário realizado pelo contribuinte.
4.2 Abuso de forma
Para os defensores desta teoria, o abuso de forma ocorre quando o particular, na busca de reduzir seus encargos fiscais, utiliza forma jurídica atípica para a realização do negócio jurídico. Sobre o assunto, leciona Luciano Amaro (2011, p.256):
O abuso de forma consistiria na utilização, pelo contribuinte, de uma forma jurídica atípica, anormal ou desnecessária, para a realização de um negócio jurídico que, se fosse adotada uma forma ‘normal’, teria um tratamento tributário mais oneroso. (grifo do autor)
Vale mencionar ainda o que ensina Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p.435):
O abuso de forma consistiria em dar formalização jurídica aparente para uma situação econômica realmente diversa, sendo a forma jurídica representativa de uma situação não tributada, ou tributada menos onerosamente, ao passo que a situação econômica real seria tributada, ou tributada mais onerosamente.
Assim, caso o contribuinte utilize de forma jurídica de modo que venha a lesar a Fazenda Pública em razão de essa forma resultar em não pagamento ou no seu pagamento a menor, deve sofrer a tributação como se tivesse praticado o fato jurídico realmente sujeito à tributação.
A doutrina em estudo possui um alto grau de subjetivismo, uma vez que o aplicador da lei tributária também a interpreta. Nesse sentido, como explica Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.195):
A doutrina da prevalência da substância sobre a forma jurídica adotada é uma questão de interpretação e aplicação da lei. Seu intérprete e seu aplicador poderão determinar se os fatos enquadram-se ou não ao regime jurídico da lei tributária. A lei será interpretada de forma restrita, de modo a não incidir o tributo correspondente ao fato jurídico a que se propunha, ou de forma ampla, aplicando-se a regra-matriz de incidência relativa ao tributo correspondente à substância do ato ou negócio praticado pelo contribuinte, mesmo que não adotada a forma própria à hipótese de incidência que deveria ter sido respeitada.
No caso de o particular, na prática de ato ou negócio jurídico, fazer uso de uma forma que não é a adotada mais comumente, no intuito de reduzir seus encargos fiscais, poderá sofrer tributação da mesma maneira que se tivesse utilizado a forma habitual. Recorre-se novamente aos ensinamentos do professor Luciano Amaro (2011, p.257):
A teoria do abuso de forma (a pretexto de que o contribuinte possa ter usado uma forma ‘anormal’ ou ‘não usual’, diversa da que é ‘geralmente’ empregada) deixa ao arbítrio do aplicador da lei a decisão sobre a ‘normalidade’ da forma utilizada. Veja-se que o foco do problema não é a legalidade (licitude) da forma, mas a ‘normalidade’, o que fere, frontalmente, os postulados da certeza e da segurança do direito. Sempre que determinada forma fosse adotada pelo contribuinte para implementar certo negócio, ele teria de verificar se aquele modelo é o que mais frequentemente se utiliza para a realização daquele negócio; o critério jurídico seria substituído pelo critério estatístico, e as variadas formas que o direito criou para instrumentar as atividades econômicas dos indivíduos seriam reduzidas a uns poucos modelos que fossem ‘validados’ fiscalmente. (grifos do autor)
Portanto, a teoria do abuso de forma não merece ser acolhida, uma vez que o particular não pode ter sua liberdade de utilizar a forma que bem entender (desde que lícita) tolhida, sob pena de sofrer tributação semelhante àquela que sofreria se utilizasse a forma típica ou usual para aquele negócio.
Outro argumento contra a teoria do abuso de forma é o de que, segundo Ricardo Mariz de Oliveira (2008, p.437), “[...] o ordenamento jurídico brasileiro não contém norma que autorize, como regra, que o fato gerador seja interpretado e declarado existente pelos efeitos econômicos das ações das pessoas, independentemente de sua conformação jurídica.”
Há quem defenda que a teoria do abuso de formas pode ser aplicada em razão do artigo 118 do CTN, in verbis:
Art. 118. A definição do fato gerador é interpretada abstraindo-se:
I – da validade jurídica dos atos efetivamente praticados pelos contribuintes, responsáveis, ou terceiros, bem como da natureza do seu objeto ou dos seus efeitos;
II – dos efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
O argumento de que o abuso de formas encontra-se respaldado pelo dispositivo legal mencionado é carente de fundamentos, tendo em vista que o inciso I preceitua, em sua parte final, que o fato gerador é interpretado, abstraindo-se dos efeitos dos atos praticados. Já o inciso II é claro ao dizer que o fato gerador é interpretado sem levar em consideração os efeitos dos fatos efetivamente ocorridos.
Portanto, o que se pode vislumbrar é que não há qualquer referência ao abuso de formas, ou seja, à predominância da substância do negócio jurídico sobre sua forma.
Ademais, a incidência de tributo está adstrita aos princípios da estrita legalidade e da tipicidade. Em razão destes princípios, caso o particular não realize a hipótese de incidência do tributo tal e qual está prevista em lei, não incorrerá no pagamento de tributo. Assim, caso o contribuinte utilize determinada forma (lícita) na prática de certo negócio jurídico que leve ao não pagamento de tributo em razão da não configuração do seu fato gerador, não poderá ser compelido a pagá-lo, sob argumento de que se utilizou forma não usual, anormal ou atípica. Tem-se o exemplo citado por Luciano Amaro (2011, p.257):
Ninguém pode ser obrigado, por exemplo, a utilizar a forma da compra e venda para transferir um imóvel para uma empresa (que seria uma operação sujeita a imposto de transmissão), e o indivíduo tem o direito de utilizar outra forma (igualmente lícita), que é a conferência do imóvel na integralização de capital da sociedade (operação que não estaria sujeita àquele imposto).
Por todo o exposto, conclui-se que não há espaço para a teoria do abuso de formas no ordenamento jurídico brasileiro.
4.3 Abuso de direito
A teoria do abuso de direito é adotada pelo Código Civil de 2002, mais especificamente em seu artigo 187, segundo o qual comete ato ilícito aquele que, ao exercer seu direito, excede os limites impostos por seu fim social ou econômico, pelos bons costumes ou pela boa-fé.
Como consequência da referida teoria, as normas jurídicas passaram a ser interpretadas sob um prisma social, e não individual, limitando o exercício dos direitos individuais, os quais não podem ser exercidos de modo absoluto.
Parte da doutrina entende que essa teoria deve ser aplicada no âmbito tributário, na busca de limitar o planejamento tributário realizado pelo particular.
Para os defensores da aplicação do abuso de direito ao direito tributário, os atos praticados de modo abusivo são considerados, como no direito civil, atos ilícitos, não havendo mais que se falar em planejamento tributário, que tem como base a prática de atos lícitos. Assim, o que ocorreria seria uma evasão tributária.
O primeiro argumento utilizado para sustentar a utilização da teoria do abuso de direito em matéria fiscal é o de que o planejamento tributário, para ser inteiramente lícito, não pode ter a finalidade meramente fiscal. Ou seja, os atos praticados, mesmo que formalmente lícitos, não podem ter como único fim a redução da carga tributária.
Assim, os atos praticados pelo particular com a finalidade de reduzir seus ônus fiscais, devem possuir também uma motivação extratributária.
Outro argumento utilizado é o de que são abusivos os atos praticados que ultrapassem os limites do princípio da capacidade contributiva.
A capacidade contributiva como limite ao planejamento tributário já foi superada no tópico 3.1 do presente capítulo.
Além de todo o exposto, há quem sustente que, em razão da existência no Brasil e um Estado Democrático de Direito, o contribuinte não possui uma liberdade absoluta de praticar atos que levem a uma redução de seus encargos tributários. Sobre o tema, ensina Marco Aurélio Greco (2008, p.193):
[...] num Estado Democrático de Direito, a interpretação e aplicação do ordenamento jurídico supõem a conjugação e compatibilidade entre os valores típicos do Estado de Direito (liberdade negativa, legalidade formal, proteção à propriedade) com os inerentes ao Estado Social (igualdade, liberdade positiva, solidariedade) sem que isto, obviamente, implique institucionalizar mecanismos de dominação disfarçada ou destruição das garantias fundamentais da pessoa humana.
Assim, o direito individual do contribuinte de se auto-organizar encontra como limites os princípios da igualdade e da solidariedade.
Embora bem fundamentada, a teoria do abuso de direito não pode ser utilizada na esfera fiscal.
Primeiramente, o que se observa é que a aplicação da teoria em estudo possui elevadíssimo grau de subjetivismo, uma vez que o agente fiscal terá ampla liberdade para decidir se a conduta foi elisiva ou evasiva.
Ademais, o contribuinte pode sim praticar atos que tenham como único objetivo a economia tributária, desde que preservem sua licitude, em razão dos requisitos previstos em lei.
Nesse sentido, a título de exemplificação, Ivo César Barreto de Carvalho (2008, p.190) explica que “[...] não é vislumbrada ilegalidade quando um pai doa, ainda que em vida, seus bens aos filhos, com a finalidade única de elidir a incidência do imposto sobre transmissão causa mortis, por ser mais onerosa do que o imposto sobre transmissão inter vivos.”
Como se sabe, o agente fiscal somente pode agir dentro dos limites impostos pelos princípios da estrita legalidade e da tipicidade da tributação. Tais princípios impedem que o agente fiscal interprete o ato praticado pelo cidadão, de modo a qualificá-lo como abusivo ou não, elisivo ou não.
Além do mais, a teoria do abuso de direito somente tem aplicação às relações privadas. Alberto Xavier (2002, p.107) diz o porquê:
Sucede, pois, que as relações entre indivíduo e Estado não são relações paritárias, situadas horizontalmente no mesmo plano, nem o Estado é titular de direitos subjetivos suscetíveis de serem lesados pelo exercício de direitos dos particulares. As relações entre indivíduo e Estado são entre ‘administrados’ e titulares de poderes de autoridade, sendo, por conseguinte, relações, não entre direitos subjetivos, mas entre liberdades e competências ou poderes funcionais. (grifos do autor)
Portanto, como a doutrina do abuso de direito somente pode ser utilizada nas relações horizontais/paritárias (como as privadas), não pode ser utilizada na relação entre Poder Público e contribuinte, tendo em vista que os mesmos não se encontram em pé de igualdade.
Enfim, pelo fato de a relação entre contribuinte e Estado não se tratar de relação que envolve direitos subjetivos, e pelo fato de que o agente fiscal somente pode agir dentro dos limites da legalidade estrita e da tipicidade, princípios estes que não dão margem para qualquer subjetividade, a doutrina do abuso de direito não pode ser utilizada na seara tributária.
4.4 Negócio jurídico indireto
Outro instituto oriundo do direito privado que vem sendo objeto de discussões quando se fala em planejamento tributário é o negócio jurídico indireto, definido por Alberto Xavier (2002, p.59) como “[...] o negócio jurídico que as partes celebram para, através dele, atingir fins diversos dos que realmente representam a estrutura típica daquele esquema negocial”
No negócio indireto, as partes buscam, através de um determinado negócio, atingir um fim próprio de outro. Sobre o tema, tem-se o exemplo citado por Marco Aurélio Greco (2008, p.279-280):
Exemplo clássico apresentado pela doutrina é a mudança havida na forma contratual dos que emprestavam a juros que, durante certo período, celebravam empréstimos com garantia hipotecária e passaram a celebrar contratos de compra e venda com pacto de retrovenda. Empréstimo com garantia hipotecária e compra e venda com pacto de retrovenda são figuras que, de certa ótica, apresentam efeitos equivalentes. Esta hipótese seria um exemplo de uso de um negócio jurídico típico para atingir o efeito equivalente ao efeito próprio de outro negócio, que é ter a garantia de receber o crédito ou o imóvel. O negócio jurídico típico, assim utilizado, é denominado negócio indireto.
Importante também é fazer a diferenciação entre negócio indireto e simulação.
No negócio indireto as partes celebram determinado negócio para atingir fim próprio de outro, submetendo-se a todos os requisitos impostos àquele, que é o negócio declarado. Neste existe apenas um negócio.
Já na simulação existe uma divergência entre o que é declarado e o que ocorre na realidade. Na verdade, na simulação existem dois contratos, um simulado/aparente (declarado) e um real (não declarado).
Assim, uma diferença básica está no fato de que, no negócio indireto existe apenas um negócio. Já na simulação o que se observa é que há um negócio declarado, que é apenas aparente, e um não declarado, que é o real.
No negócio jurídico indireto não existe a intenção de enganar terceiro, mas apenas a de obter resultado semelhante ao de outro negócio.
Dessa forma, se as partes celebram um negócio “X” com o intuito de se chegar ao fim que normalmente se atinge celebrando o negócio “Y”, os contratantes, para tanto, terão que se submeter também aos ônus próprios daquele negócio.
Na esfera tributária, muitos particulares vêm se utilizando desse tipo de negócio para atingir determinado objetivo e ao mesmo tempo evitar a ocorrência do fato gerador do tributo, deixando assim de ter a obrigação de pagá-lo, reduzindo sua carga tributária.
Um exemplo de negócio indireto em matéria fiscal é o de uma incorporação de empresas com o objetivo de transmitir bem imóvel. Nesse sentido, Lúcia Helena Briski Young (2011, p.171) cita o seguinte exemplo:
A empresa ‘Alfa Ltda’ é uma grande siderúrgica e a empresa ‘Beta Ltda’ dedica-se à plantação de eucalipto. A empresa Alfa deseja adquirir um extenso terreno pertencente à empresa Beta (seu único ativo), onde é plantado eucalipto para a utilização em alto-forno da empresa Alfa. Caso a empresa fosse efetuar a compra do terreno, ela teria que desembolsar o valor do terreno, incluídas as benfeitorias e, ainda, teria que pagar o ITBI mais as despesas cartoriais. A empresa Alfa, entretanto, desejando livrar-se do imposto e das pesadas despesas com o registro de imóveis, opta por incorporar a empresa Beta. Fazendo a incorporação, a empresa Alfa apenas pagará aos sócios da sociedade Beta o valor de mercado do bem, sendo que o dito terreno passará a integrar o patrimônio da sociedade Alfa. Não haverá a transferência do bem imóvel, uma vez que tal bem pertencia à Beta, que agora pertence à Alfa. Não havendo transferência, não há fato gerador do ITBI, logo não há que se falar em pagar imposto. [...]
No caso citado, observa-se que não houve qualquer meio ardiloso, doloso ou fraudulento no negócio realizado, mas tão somente a utilização de um meio diverso do que normalmente é adotado para se adquirir o bem imóvel desejado. Portanto, como o negócio foi inteiramente lícito, não há que se falar em evasão tributária, mas sim em elisão/planejamento fiscal.
Diante do exposto, é de se concluir que, tanto na esfera privada como na esfera tributária, a realização de negócio indireto, por si só, não leva ao ilícito, uma vez que a vontade declarada é a vontade real das partes, existindo apenas um negócio, diversamente da simulação, que presume a existência de dois negócios (um real e um apenas aparente).
Não sendo o negócio indireto eivado de qualquer vício, pode ser utilizado na busca por uma economia tributária, tendo em vista que não existe qualquer lei que proíba seu uso, e que o direito tributário está norteado pelos já mencionados princípios da legalidade e tipicidade da tributação.
4.5 Fraude à lei
A fraude à lei é uma das causas de nulidade do negócio jurídico, com previsão expressa no artigo 166, inciso VI do Código Civil de 2002. Sobre o tema, ensina Alberto Xavier (2002, p.63):
O instituto da fraude à lei [...] é uma figura pela qual certos ordenamentos determinam a nulidade ou a ilicitude dos atos jurídicos praticados, com o fim mediato de se subtraírem ao âmbito da aplicação da norma proibitiva ou perceptiva, atingindo no entanto um resultado equivalente ao vedado por esta norma.
Ou seja, para que se configure a fraude à lei, o ato praticado não pode ser expressamente proibido em lei, sendo, contudo, o resultado desse ato semelhante (ou mesmo igual) ao resultado contemplado pela norma proibitiva.
A conduta praticada com fraude à lei é considerada uma violação indireta à mesma, em que o negócio celebrado está amparado e disciplinado em uma lei (norma de cobertura ou de contorno), buscando evitar que incida a norma proibitiva (norma contornada). O resultado almejado pelo negócio é semelhante ao que se obteria com a prática da conduta proibida pela norma contornada/proibitiva. Alberto Xavier (2002, p.65) ensina que a fraude à lei possui os seguintes pressupostos:
São quatro os pressupostos da fraude à lei no Direito Civil: a existência de um resultado proibido; a prática de ato jurídico ou conjunto de atos jurídicos não previstos na lei proibitiva; a obtenção, através desses atos, de um resultado equivalente ao proibido; o fim de subtrair o ato ou conjunto de atos ao âmbito de aplicação da norma proibitiva.
A fraude à lei também vem sendo objeto de discussões doutrinárias quando se fala em planejamento/elisão fiscal.
Parte da doutrina entende que os atos praticados pelo particular dentro dos moldes da doutrina em estudo, constituem ilícitos também na esfera tributária.
Um exemplo de fraude à lei tributária é o caso de um contribuinte que importou todas as peças e partes de um automóvel e o montou no Brasil. Na época, existia uma norma (norma 1) que vedava a importação de automóveis, cujo objetivo era a proteção da industria nacional. Entretanto, existia também uma norma que permitia a importação somente de partes e peças de automóveis, destinadas a uma determinada frota de veículos, para que esta permanecesse funcionando (norma 2).
No caso concreto, um particular se aproveitou da existência da norma 2 para importar todo o necessário para montar um automóvel no País.
O caso foi julgado pelo Supremo Tribunal Federal, o qual entendeu que houve fraude à lei. Para Marco Aurélio Greco (2008, p. 243), em comentário ao mencionado caso, afirma que o contribuinte:
[...] agrediu o conjunto formado pelo ordenamento porque, em detrimento dele, manipulou uma regra. Através da manipulação de uma norma, chegou a um resultado que o conjunto não quer, pois a finalidade da norma 2 era apenas assegurar a reposição, a manutenção da frota ou a produção de veículos no País e não a importação de um veículo; então infringiu o ordenamento e não a lei.
Como se pode ver, do exemplo citado, o autor entende que a fraude à lei configura ilícito, sendo, portanto, um caso de evasão fiscal.
Para a doutrina, a fraude à lei pode ser fiscalizada por meio dar normas antielisivas. Na esfera privada, referida norma é a prevista no artigo 166, inciso VI, do Código Civil. Já na seara tributária, a norma é a prevista no artigo 116, parágrafo único, do Código Tributário Nacional.
Não parece coerente o entendimento de que a doutrina em estudo é aplicável ao direito tributário, uma vez que a norma geral antielisão fere frontalmente o princípio da estrita legalidade (art. 150, I da CF/88), além de gerar enorme insegurança jurídica, tendo em vista que dá uma grande margem de interpretação para a autoridade fiscal.
Ademais, a aplicação do instituto da fraude à lei permite que o Fisco se utilize de analogia para realizar a tributação. Sobre o assunto, explica Alberto Xavier (2002, p. 99):
[...] a qualificação de um ato como ‘elisivo’ não tem qualquer reflexo na validade das relações privadas entre as partes, tendo como única consequência a ineficácia relativa ou inoponibilidade de tais atos em relação ao Fisco, de modo a permitir a este aplicar por analogia a um ato ou negócio extratípico, norma tributária aplicável a ato ou negócio economicamente equivalente.
Assim, em razão da enorme insegurança jurídica gerada pela norma geral antielisão, pressuposto para a aplicação da doutrina ora estudada, bem como da já superada inconstitucionalidade e da vedação da tributação por analogia, atualmente não existe espaço para essa teoria dentro do ordenamento jurídico pátrio.
5 Conclusão
O Brasil é um país que possui uma das mais elevadas cargas tributárias em todo o mundo. Dentro desse contexto, uma maneira que os contribuintes possuem de diminuir seus encargos fiscais é realizando o planejamento tributário, meio lícito de economia fiscal, que procura evitar que se configure o fato gerador da obrigação tributária.
Para se fazer um bom planejamento tributário, é preciso atenção aos conceitos de elisão e evasão fiscal.
A elisão é composta por um conjunto de condutas, omissivas ou comissivas, que procuram impedir que o fato gerador do tributo ocorra, não havendo assim a necessidade de pagá-lo.
Na evasão, o contribuinte busca se furtar da obrigação de pagar tributo, através de meios ilícitos, quando já nascida a obrigação tributária, uma vez que o fato gerador já ocorreu no caso concreto. Trata-se de meio ilícito de economia tributária, vedado em nosso ordenamento jurídico.
Assim, somente há que se falar em planejamento tributário quando ocorre a elisão fiscal.
O planejamento tributário é um direito do contribuinte que possui amparo em lei e também na própria Constituição Federal, especialmente no princípio da estrita legalidade tributária (art. 150, inciso I) e da legalidade geral (art. 5º, inciso II).
Com a entrada em vigor da norma geral antielisão, prevista no artigo 116, parágrafo único do Código Tributário Nacional, muitos atos praticados pelo particular passaram a ser vistos como ilícitos, sem, contudo, macularem a lei, gerando enorme insegurança jurídica.
Referida norma, por dar grande margem de discricionariedade para a autoridade fiscal interpretar cada caso, chegando a conflitar com o princípio da estrita legalidade tributária, é inconstitucional, uma vez que o agente fiscal pode deixar de aplicar uma lei (menos onerosa) e aplicar outra (mais onerosa), sem, no entanto, existir qualquer critério objetivo para tanto. Ademais, viola também o princípio da separação de poderes, pois dá à autoridade administrativa o poder de atuar como verdadeiro legislador no caso concreto.
A doutrina menciona vários institutos, como, por exemplo, o abuso de direito, abuso de forma e a fraude à lei, para serem aplicados na tentativa de limitar o planejamento tributário lícito realizado pelo contribuinte, e, consequentemente, aplicar a norma geral antielisão.
Ocorre que, nenhuma dessas teorias possui qualquer fundamento concreto para que possam ser aplicadas, tampouco qualquer fundamento legal, entrando em conflito direto com os princípios da tipicidade da tributação e da estrita legalidade, gerando enorme insegurança jurídica.
Sendo assim, tendo em vista que o artigo 116, parágrafo único do CTN é inconstitucional e que as teorias oriundas do direito privado carecem de fundamentos para serem aplicadas no âmbito fiscal, o planejamento tributário somente pode ser limitado pelo que se encontra disposto em lei, não podendo haver tributação por analogia ou por interpretação extensiva, devendo haver simplesmente a subsunção da norma ao caso concreto.
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Advogado. Graduado em direito pela Universidade de Fortaleza. Pós-graduado em Direito e Processo Tributários pela Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOãO AFRâNIO MONTENEGRO JúNIOR, . O planejamento tributário em face da norma geral antielisão Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 nov 2017, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/50973/o-planejamento-tributario-em-face-da-norma-geral-antielisao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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