RESUMO: O presente artigo propõe-se a analisar a obrigatoriedade de identificação por parte dos cidadãos durante abordagem policial, desde que justificada. De início o estudo passará por uma abordagem ao direito constitucional de locomoção e ao princípio da legalidade. Realizar-se-á um breve estudo sobre a abordagem policial e a fundada suspeita. Em seguida serão analisadas as possibilidades de medidas a serem tomadas pelos agentes de segurança pública quando da negativa de identificação por parte do cidadão abordado. Tais medidas fundamentadas na Lei de Contravenções Penais podem ser aplicadas pela polícia durante a abordagem, podendo inclusive amparar posterior pedido de Prisão Preventiva pela autoridade de polícia judiciária, com base em previsão do Código de Processo Penal. Verificar-se-á o posicionamento dos tribunais superiores quando da análise destas medidas, além de análise a respeito da identificação criminal. Por fim, será analisada a nova lei de identificação civil nacional, tema importante e atual.
Palavras-chave: Abordagem. Identificação. Polícia. Prisão.
SUMÁRIO: 1. Considerações iniciais. 2. Referencial teórico: 2.1 Limitações das Liberdades; 2.2 Direito de ir e vir; 2.3 Princípio da Legalidade; 2.4 Abordagem Policial; 2.5 Obrigação de identificação do cidadão abordado; 2.6 Identificação criminal; 2.7 Supremo Tribunal Federal; 2.8 Prisão preventiva; 2.9 Identificação Civil Nacional. 3. Considerações finais. 4. Referências.
1 CONSIDERAÇÕES INICIAIS
O presente artigo tem por finalidade principal estudar a obrigatoriedade do indivíduo de identificar-se durante abordagem policial. Tal situação pode gerar prisão em flagrante, e em determinados casos, pedido de prisão preventiva por parte da autoridade policial, quando não ocorrer a identificação do cidadão abordado.
Este tema precisa ser analisado sob a ótica da abordagem justificada, àquela amparada legalmente na fundada suspeita ou outra situação legal, como o flagrante delito, cumprimento de mandado de prisão, entre outras.
Nesse contexto serão apresentados os conceitos relacionados à autoridade policial, fundada suspeita e identificação, para que se possa entender o motivo de tal norma e suas consequências jurídicas.
Ainda será exposto o entendimento do não cabimento de arguir defesa constitucional para a não-identificação, baseando-se no direito de permanecer calado, tal situação já com entendimento do Supremo Tribunal Federal.
A rigor, em que pese não haver a necessidade de apresentação de documento por parte do cidadão durante uma abordagem policial, haja vista não haver obrigação para o porte de documentos em situações normais (exigem-se documentos em situações extraordinárias: condução de veículo automotor, porte de armas de fogo, entre outras), serão analisadas as formas de identificação, as quais se tornam bastante simplificadas quando da posse do documento com fotografia.
Por derradeiro, demonstra ser de grande importância o tema (identificação do cidadão), a ponto de termos recente aprovação da Lei de Identificação Civil, que tem por objetivo padronizar as formas de verificação dos dados de qualificação do cidadão.
2 REFERENCIAL TEÓRICO
2.1 LIMITAÇÕES DAS LIBERDADES
O Estado, embasado no texto Constitucional e objetivando a preservação dos direitos da coletividade, limitará algumas liberdades do cidadão em determinadas situações que se adequem a legislação.
“a atividade da administração pública dirigida a concretizar, na esfera administrativa, independentemente da sanção penal, as limitações que são impostas pela lei à liberdade dos particulares ao interesse da conservação da ordem, da segurança geral, da paz social e de qualquer outro bem tutelado pelos dispositivos penais.” [1]
A execução de cerceamento dessas liberdades caberá aos órgãos do Poder Executivo, se enquadrando como atividade de Administração Pública.[2]
2.2 DIREITO DE IR E VIR
A Constituição Federal de 1.988 prevê em seu artigo 5º, inciso XV que “é livre a locomoção no território nacional em tempo de paz, podendo qualquer pessoa, nos termos da lei, nele entrar, permanecer ou dele sair com seus bens;” [3], o consagrado “direito de ir e vir”, que assegura, em situações normais, a não interferência do Estado à liberdade de locomoção do indivíduo.
Há de se noticiar, contudo, que o direito de ir, vir ou permanecer no território nacional em tempo de paz não pode ser visto como absoluto, afinal trata-se de uma norma constitucional de eficácia contida - o que possibilita que a própria Constituição, ou a legislação complementar, restrinja sua amplitude, a partir de critérios proporcionais e justificáveis. [4]
Por óbvio, portanto, que a liberdade de ir e vir poderá sofrer restrição por parte do Estado em algumas situações, tais como "a imposição legal de penas privativas de liberdade ou a autorização legislativa conferida à Administração Pública para disciplinar a forma de circulação das pessoas em determinados locais, como ocorre na regulamentação do uso de vias e logradouros públicos." [5]
2.3 PRINCÍPIO DA LEGALIDADE
Obviamente que para cercear o direito do cidadão é necessário algum dispositivo legal, pois conforme nossa Carta Magna preconiza em seu Art. 5º, inciso II “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude de lei.”[6]
Tal princípio visa combater o poder arbitrário do Estado. Só por meio das espécies normativas devidamente elaboradas conforme as regras de processo legislativo constitucional podem-se criar obrigações para o indivíduo, pois são expressão da vontade geral. Com o primado soberano da lei, cessa o privilégio da vontade caprichosa do detentor do poder em benefício da lei. [7]
Trata-se, portanto de uma garantia com o objetivo de limitar o Estado, atribuindo-lhe apenas poderes disciplinados em legislação. Esse princípio aplica-se ao particular, desobrigando-o de proceder a condutas que não estejam amparadas na lei, mas também dirigindo a ação do agente estatal, de modo a permitir que aja somente se assim dispuser a norma jurídica.
No âmbito das relações particulares, pode-se fazer tudo o que a lei não proíbe, vigorando o princípio da autonomia da vontade, lembrando a possibilidade de ponderação desse valor com o da dignidade da pessoa humana e, assim, a aplicação horizontal dos direitos fundamentais nas relações entre particulares, conforme estudado.
Já no que tange à administração, esta só poderá fazer o que a lei permitir. Deve andar nos "trilhos da lei", corroborando a máxima do direito inglês: rule oj law, not of men. Trata-se do princípio da legalidade estrita, que: por seu turno, não e absoluto! Existem algumas restrições, como as medidas provisórias, o estado de defesa e o estado de sítio (...). [8]
Salienta-se ainda a importância de outro princípio, com previsão Constitucional e igual descrição no código penal, que dentro desta matéria é chamado de Principio da Legalidade (Penal), apresentado em seu art. 1º que diz: “Não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal.”[9], com a mesma definição na CF/88, em seu art. 5º, inciso XXXIX.
Observa-se que, além da exigência expressa de lei formal para tipificar crimes e cominar sanções penais, deflui do dispositivo que a lei somente se aplicará, para qualificar como crime, aos atos praticados depois que ela tenha sido publicada. Da mesma forma, a previsão legal abstrata da pena (cominação da pena) deve existir, estar publicada, antes da conduta que será apenada. Trata-se do denominado princípio da anterioridade penal, aplicável aos delitos e às penas. [10]
Tal entendimento remete-se a analise dos crimes e contravenções, ditando que para configurar-se o delito, necessário se faz a existência de anterior previsão na norma penal.
2.4 ABORDAGEM POLICIAL
O Código de Processo Penal prevê em seu artigo 244:
Art. 244 - A busca pessoal independerá de mandado, no caso de prisão ou quando houver fundada suspeita de que a pessoa esteja na posse de arma proibida ou de objetos ou papéis que constituam corpo de delito, ou quando a medida for determinada no curso de busca domiciliar. [11]
Percebe-se nesse procedimento a necessidade da “fundada suspeita”, termo duramente criticado pelo Professor Aury Lopes Júnior:
Mas, o que é “fundada suspeita”? Uma cláusula genérica, de conteúdo vago, impreciso e indeterminado, que remete à ampla e plena subjetividade (e arbitrariedade) do policial. Pouco se tem manifestado a jurisprudência sobre o tema, até mesmo pela dinâmica dos fatos, que não permite uma pronta intervenção jurisdicional em direito de defesa técnica e pessoal. [12]
No entendimento de Renato Marcão:
Qualquer que seja a hipótese, a dispensa de mandado só restará autorizada diante de fundada suspeita, e não mera intuição ou capricho policial despido da necessária preocupação que se deve ter com a integridade das garantias fundamentais dispostas objetivamente na Carta Política.
Por fundada suspeita entenda-se a convicção lastreada ao menos em algum elemento indiciário, mínimo que seja. [13] (grifo nosso)
Baseando-se nesse entendimento, não pode simplesmente o agente público realizar busca pessoal sem o mínimo lastro de possiblidade de prática ilegal. Nesse diapasão o Professor Guilherme de Souza Nucci aduz:
Fundada suspeita: é requisito essencial e indispensável para a realização da busca pessoal, consistente na revista do indivíduo. Suspeita é uma desconfiança ou suposição, algo intuitivo e frágil, por natureza, razão pela qual a norma exige fundada suspeita, que é mais concreto e seguro. Assim, quando um policial desconfiar de alguém, não poderá valer-se, unicamente, de sua experiência ou pressentimento, necessitando, ainda, de algo mais palpável, como a denúncia feita por terceiro de que a pessoa porta o instrumento usado para o cometimento do delito, bem como pode ele mesmo visualizar uma saliência sob a blusa do sujeito, dando nítida impressão de se tratar de um revólver. Enfim, torna-se impossível e impróprio enumerar todas as possibilidades autorizadoras de uma busca, mas continua sendo curial destacar que a autoridade encarregada da investigação ou seus agentes podem – e devem – revistar pessoas em busca de armas, instrumentos do crime, objetos necessários à prova do fato delituoso, elementos de convicção, entre outros, agindo escrupulosa e fundamentadamente. [14]
Essa busca, desde que justificada, realizar-se-á em vários momentos por meio de abordagem policial. Trata-se este instituto de ato praticado pelos policiais atuando como agentes do Estado, com conceito apresentado em vários manuais que orientam a atuação desses agentes. Apresenta-se para este estudo a definição existente no Caderno Doutrinário nº 1 da Polícia Militar do Estado de Minas Gerais:
Trata-se de um conjunto de ações policiais ordenadas e qualificadas para que o policial possa se aproximar de pessoas, veículos ou edificações com o intuito de orientar, identificar, advertir, realizar buscas e efetuar detenções. Para tanto, utiliza-se de técnicas, táticas e meios apropriados que irão variar de acordo com as circunstâncias e com a avaliação de risco. [15]
Durante a prática da abordagem realizará o policial a identificação do cidadão com intuito de conferir sua qualificação, verificando a existência de mandado de prisão dentre outras possibilidades.
2.5 OBRIGAÇÃO DE IDENTIFICAÇÃO DO CIDADÃO ABORDADO
A Lei de Contravenções Penais, em seu artigo 68, tipifica como ilegal a conduta da pessoa que nega o fornecimento de informações sobre sua qualificação ao policial, quando justificada tal solicitação:
Art. 68. Recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente solicitados ou exigidos, dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência:
Pena – multa, de duzentos mil réis a dois contos de réis. [16]
Gonçalves e Baltazar Júnior expõem entendimento de que a tipicidade ocorrerá desde que a ação da autoridade seja legítima:
O que se pune é a recusa em se identificar, desde que a autoridade competente (policial, judiciária ou administrativa) tenha previamente solicitado (pedido) ou exigido (determinado). É de se ver que só existe a contravenção quando a ação da autoridade é legítima, conforme determina a descrição típica. [17] (grifo nosso)
Enquadra-se em legítima aquela hipótese com previsão legal e adequadas a situação de fiscalização. Por óbvio que a “abordagem de rotina”, ou por outro motivo diverso e infundamentado não será justificável.
Independente do motivo da negativa de prestação de informação, tal conduta praticada pelo cidadão será considerada ilegal:
A consumação independe de qualquer outro resultado. A propósito: “A recusa de dados sobre a própria identidade ou qualificação, por si só, caracteriza a infração contravencional, quando solicitada por autoridade” (Tacrim/SP, Rel. Heitor Prado, RT 683/321); e “O ilícito previsto no art. 68 da LCP se consuma no momento da negativa. Para a imputabilidade basta que a negativa seja voluntária. Não importam os motivos” (Tacrim/SP, Rel. Barbosa Pereira, RT 319/323). [18]
A análise do núcleo do tipo por parte do Professor Guilherme de Souza Nucci demonstra não haver a necessidade de apresentação documental para tal identificação.
Análise do núcleo do tipo: recusar (negar-se a alguma coisa) à autoridade (funcionário público investido de determinado poder) dados relativos à própria qualificação (elementos individualizadores, como estado civil, profissão, domicílio etc.). A conduta típica volta-se ao poder estatal de exigir do cidadão identificação, vale dizer, saber de quem se trata, para qualquer finalidade (servir como testemunha ou mostrar-se procurado pela polícia). [19] (grifo nosso)
A falta do porte documentos não configura qualquer contravenção ou crime, bastando à informação dos dados justificadamente solicitados para suprir o dever do cidadão pra com a autoridade.
A identificação do cidadão é necessária pra individualizar a pessoa. Independente da forma de prestação da informação é questão de segurança importante para o convívio social:
A identidade humana é fator de segurança jurídica essencial à vida em sociedade. Sua ausência, imprecisão, falsidade ou dissimulação pode repercutir negativamente, notadamente em sede processual penal, quando, exemplificativamente, um inocente pode ser preso em virtude de o verdadeiro autor do delito ter se identificado falsamente. Por conta disso, incumbe ao Estado desenvolver métodos e procedimentos capazes de individualizar e distinguir a pessoa, sem que isso represente violação a direitos fundamentais. [20]
A criminalização da conduta, portanto se justifica, inclusive para preservar aqueles que carregam consigo a inocência de práticas criminosas.
Verificada a prática criminosa, será o cidadão conduzido a repartição policial, para ser lavrado o termo circunstanciado, conforme preconiza a Lei 9.99/95:
Art. 61. Consideram-se infrações penais de menor potencial ofensivo, para os efeitos desta Lei, as contravenções penais e os crimes a que a lei comine pena máxima não superior a 2 (dois) anos, cumulada ou não com multa.
Art. 69. A autoridade policial que tomar conhecimento da ocorrência lavrará termo circunstanciado e o encaminhará imediatamente ao Juizado, com o autor do fato e a vítima, providenciando-se as requisições dos exames periciais necessários. (grifo nosso) [21]
Identificado o cidadão e lavrado o termo, será o indivíduo liberado sob a prestação dos compromissos legais.
2.6 IDENTIFICAÇÃO CRIMINAL
Não se deve confundir a identificação, prestação de informações - a qual o cidadão é subordinado durante uma abordagem policial - com a identificação criminal prevista na lei 12.037/2009, que traz em seu art. 5º a definição desta:” A identificação criminal incluirá o processo datiloscópico e o fotográfico, que serão juntados aos autos da comunicação da prisão em flagrante, ou do inquérito policial ou outra forma de investigação.” [22]
A identificação civil ocorrerá pela apresentação de documentos de identificação, conforme previsão da lei supramencionada:
Art. 2º A identificação civil é atestada por qualquer dos seguintes documentos:
I – carteira de identidade;
II – carteira de trabalho;
III – carteira profissional;
IV – passaporte;
V – carteira de identificação funcional;
VI – outro documento público que permita a identificação do indiciado. [23]
A identificação civil aqui prevista não se confunde com a prestação de dados, apresentada na lei de Contravenções Penais em seu art. 68, porém a apresentação de dados de qualificação por meio de documentos de identificação se torna bem mais fácil e traz melhor credibilidade sobre o que se está informando.
Aplicando o já estudado princípio da legalidade, entende-se não haver possibilidade de obrigar o cidadão a algo que não possua previsão legal, portanto o fornecimento de dados não precisa obrigatoriamente ser por intermédio da apresentação de documento de identificação.
2.7 SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL
O parágrafo único do art. 68 traz uma forma qualificada para a conduta:
Parágrafo único. Incorre na pena de prisão simples, de um a seis meses, e multa, se o fato não constitui infração penal mais grave, quem, nas mesmas circunstâncias, faz declarações inverídicas a respeito de sua identidade pessoal, estado, domicílio e residência. [24]
Esta modalidade se aplica aos casos em que não é visada pelo indivíduo uma vantagem, trata-se da simples negativa de fornecimento de informação:
Essa forma qualificada da contravenção se diferencia do crime de falsa identidade do art. 307 do Código Penal, porque, neste, o sujeito visa obter vantagem para si ou para terceiro, enquanto na contravenção a recusa é uma finalidade em si mesma, ou seja, o agente não visa à obtenção de qualquer espécie de vantagem. [25]
Esta prática já foi alvo de análise pelo STF, conforme disposto por Gonçalves e Baltazar Júnior em sua obra:
Pacificou-se no Supremo Tribunal Federal o entendimento de que comete o crime de falsa identidade o agente que, ao ser preso em flagrante, mente sua qualificação para esconder seu passado criminoso e evitar o cumprimento de anteriores mandados de prisão contra ele expedidos por outros delitos ou a fim de se passar por primário e conseguir mais facilmente a liberdade em relação ao crime pelo qual foi flagrado: “Constitucional. Penal. Crime de falsa identidade. Artigo 307 do Código Penal. Atribuição de falsa identidade perante autoridade policial. Alegação de autodefesa. Artigo 5º, inciso LXIII, da Constituição. Matéria com repercussão geral. Confirmação da jurisprudência da corte no sentido da impossibilidade. Tipicidade da conduta configurada. O princípio constitucional da autodefesa (art. 5º, inciso LXIII, da CF/88) não alcança aquele que atribui falsa identidade perante autoridade policial com o intento de ocultar maus antecedentes, sendo, portanto, típica a conduta praticada pelo agente (art. 307 do CP). O tema possui densidade constitucional e extrapola os limites subjetivos das partes” (RE 640.139/DF, Rel. Min. Dias Toffoli, julgado em 22/09/2011, DJE 198, 14/10/2011, p. 668-674). [26]
Em seu voto o ministro Dias Toffili deixa claro o entendimento do Tribunal, no sentido de não entender possível a aplicação do art. 5º inciso LXIII da CF/88: “LXIII - o preso será informado de seus direitos, entre os quais o de permanecer calado, sendo-lhe assegurada a assistência da família e de advogado.” [27]
Desta forma, calar-se o cidadão com o fim ou não de obter vantagem, durante justificada solicitação de informação de qualificação pessoal realizada pela autoridade policial, não encontra amparo constitucional, constituindo crime ou contravenção, conforme o caso.
2.8 PRISÃO PREVENTIVA
O Código de Processo Penal em seu Art. 313, parágrafo único reitera a necessidade de prestação de informação de qualificação pelo indivíduo:
Art. 313. Nos termos do art. 312 deste Código, será admitida a decretação da prisão preventiva:
Parágrafo único. Também será admitida a prisão preventiva quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la, devendo o preso ser colocado imediatamente em liberdade após a identificação, salvo se outra hipótese recomendar a manutenção da medida. [28]
Analisando tal dispositivo, Norberto Avena expõe entendimento pela constitucionalidade de tal prática, citando inclusive os dispositivos já estudados neste trabalho:
Finalmente, deve-se atentar que, de acordo com a segunda parte do art. 313, parágrafo único, do CPP, a prisão preventiva poderá ser decretada quando o indivíduo não fornecer elementos suficientes para o esclarecimento das dúvidas existentes sobre a sua identidade. Neste contexto, poder-se-ia questionar a constitucionalidade desta previsão tendo em vista o princípio nemo tenetur se detegere, significando que o acusado não pode ser constrangido a produzir provas contra si. Nada há, porém, de inconstitucional na disposição. O direito ao silêncio, corolário do privilégio nemo tenetur se detegere, é aquele que se relaciona com a prestação de informações que podem incriminar o agente ou agravar a sua condição jurídica, não se relacionando ao fornecimento de dados relativos à própria qualificação (no que se inclui sua identificação). Tanto é que o art. 68 da Lei das Contravenções Penais tipifica a conduta de recusar à autoridade, quando por esta, justificadamente, solicitados ou exigidos dados ou indicações concernentes à própria identidade, estado, profissão, domicílio e residência. Portanto, está o agente obrigado a fornecer os dados relativos à sua qualificação. Não o fazendo, incide na contravenção referida – isto se o fato não constituir delito mais grave, v.g., o fornecimento de nome errado, o que acarretaria a tipificação na conduta de falsa identidade prevista no art. 307 do Código Penal e, se houver apresentação de documento falso, também o delito previsto no art. 304 do mesmo diploma, condutas estas que não podem ser consideradas formas de autodefesa, como querem alguns. [29]
Para Nestor Távora e Rosmar Alencar Rodrigues, a medida prevista no Art. 313, parágrafo único, será excepcional, pois no caso de não identificação civil do indivíduo aplica-se a já estudada identificação criminal:
(...) quando exista dúvida sobre a identidade civil da pessoa, e o agente não fornece elementos suficientes para esclarecê-la: ora, a ausência de identificação civil idônea, e a insistência na omissão de elementos que possam esclarecê-la, autoriza, com amparo no art. 3º da Lei nº 12.037/09 (que revogou a Lei nº 10.054/2000), a sua identificação criminal, incluindo o
processo datiloscópico e fotográfico, não sendo caso, a nosso sentir, de prisão. [30]
E finalizam, entendendo como excepcional a aplicação da prisão preventiva nesses casos:
Esta hipótese de decretação, da forma como colocada, só incidirá em situação excepcional, tal como se pode imaginar pela recusa do indiciado em se submeter, inclusive, à identificação criminal, gerando risco à garantia da aplicação da lei penal ou a própria instrução. [31]
Para Fernando Capez, aplica-se o disposto na lei de identificação criminal quando não puder ser o cidadão civilmente identificado:
(...) quando houver dúvida sobre a identidade civil da pessoa; ou quando esta não fornecer elementos suficientes para esclarecê-la: pouco importa a natureza do crime ou a quantidade da pena. A Lei n. 12.037/2009 prevê as situações em que, embora apresentado o documento de identificação, a identificação criminal é autorizada e deve servir de parâmetro para configuração da presente hipótese. A nova redação não fala mais em réu ou indiciado vadio. Feita a identificação, o sujeito deverá ser colocado imediatamente em liberdade. [32]
Desta forma entende-se que será o indivíduo conduzido a repartição policial, após sua identificação, será liberado.
2.9 IDENTIFICAÇÃO CIVIL NACIONAL
Com o objetivo de sanar as dificuldades em identificar o cidadão em suas relações sociais, criou-se em maio de 2017 a Lei 13.444, que dispõe sobre a identificação civil nacional:
Art. 1o É criada a Identificação Civil Nacional (ICN), com o objetivo de identificar o brasileiro em suas relações com a sociedade e com os órgãos e entidades governamentais e privados. [33]
Esta legislação vem para apresentar um padrão de registro para as pessoas, fazendo com que fique facilitada a prática de identificar o cidadão independente de sua origem (ente federativo), pois trará um cadastro único:
Art. 9º O número de inscrição no Cadastro de Pessoas Físicas (CPF) será incorporado, de forma gratuita, aos documentos de identidade civil da União, dos Estados e do Distrito Federal.
Art. 10. O documento emitido por entidade de classe somente será validado se atender aos requisitos de biometria e de fotografia estabelecidos para o DNI. [34]
Obviamente para sua total aplicação, far-se-á necessário um longo prazo, que quando superado, possivelmente excluirá a conduta do art. 68 da Lei de Contravenções Penais, em virtude de possibilitar a identificação do cidadão pelo sistema biométrico.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
Preliminarmente, nota-se claramente que trata-se de obrigação do cidadão identificar-se ao agente policial, desde que lhe seja solicitada a prestação de dados de forma justificada.
Em primeiro lugar, deve-se embasar tal solicitação na fundada suspeita, que apesar de tema polêmico, não se confunde com a “abordagem de rotina” ou o bel-prazer do agente policial.
Em segundo, não se verifica em nenhum momento no estudo, a necessidade de apresentação de documento em situações normais, servido para saciar a necessidade estatal de informações, a simples comunicação dos dados solicitados, de maneira verbal, por parte do cidadão.
A condução do individuo a repartição policial será possível, porém, conforme entendimento das legislações em vigor em nosso país, será confeccionado o termo circunstanciado, e identificado o cidadão este será liberado.
No caso de não ser possível a identificação solicitar-se-á prisão preventiva, cessada a incógnita a respeito da qualificação, será o cidadão posto em liberdade.
Sem dúvida a legislação de identificação civil nacional trata-se de grande avanço em nosso país, facilitando a atuação do Estado nesses casos. Uma vez operacionalizada, a norma afastará a necessidade de aplicação do artigo 68 da Lei de Contravenções Penais, além da medida de prisão preventiva estudada nesse trabalho, facilitando esta prática importante para a manutenção do pacífico convívio social.
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[3] BRASIL. CONSTITUIÇÃO FEDERAL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br>. Acesso em: 25 set. 17.
[4] MASSON, Nathalia. Manual de direito constitucional. 3 ed. Salvador: Juspodivm, 2015, p. 248.
[5] NOVELINO, Marcelo. Direito constitucional. 91 ed. São Paulo: Método, 2014, p. 530.
[6] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 25 set. 17.
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[10] PAULO, Vicente. ALEXANDRINO, Marcelo. Direito constitucional descomplicado. 16. ed. Rio de Janeiro: Método, 2017. p. 165.
[11] BRASIL. Código de Processo Penal, Decreto nº 3.689 de 3 de Outubro de 1941, Brasília, DF, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em 28 set. 2017.
[12] LOPES JUNIOR, Aury. Direito processual penal. 13. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 431.
[13] MARCÃO, Renato. Código de processual penal comentado. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 746.
[14] NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 15. ed. rev. atual. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2016. p. 484.
[15] MINAS GERAIS, Polícia Militar de. Prática policial básica. Caderno Doutrinário 1 - intervenção policial, verbalização e uso da força. Belo Horizonte: Academia da Polícia Militar, 2010. p. 48.
[16] BRASIL. Lei de Contravenções Penais, Decreto nº 3.688 de 3 de Outubro de 1941, Brasília, DF, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm> Acesso em 28 set. 2017.
[17] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Legislação penal especial esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 246.
[18] Op. cit. p. 247.
[19] NUCCI, Guilherme de Souza. Leis penais e processuais penais comentadas – vol I. 8. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2014. p. 209.
[20] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação especial criminal comentada: volume único. 4. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 117
[21] BRASIL. Lei dos juizados especiais cíveis e criminais, Lei nº 9.099 de 26 de Setembrode de 1995, Brasília, DF, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L9099.htm> Acesso em 05 nov. 2017.
[22] BRASIL. Lei 12.037 de 1º de Outubro de 2009, Brasília, DF, Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2007-2010/2009/lei/l12037.htm> Acesso em 29 set. 2017.
[23] Op. cit.
[24] BRASIL. Lei de Contravenções Penais, Decreto nº 3.688 de 3 de Outubro de 1941, Brasília, DF, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3688.htm> Acesso em 28 set. 2017.
[25] GONÇALVES, Victor Eduardo Rios. BALTAZAR JUNIOR, José Paulo. Legislação penal especial esquematizado. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 247.
[26] Op. cit.
[27] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm>. Acesso em: 29 set. 17.
[28] BRASIL. Código de Processo Penal, Decreto nº 3.689 de 3 de Outubro de 1941, Brasília, DF, Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del3689.htm> Acesso em 28 set. 2017.
[29] AVENA, Norberto. Processo penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Forense, 2017. p. 679.
[30] TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 11. ed. Salvador: JusPodivm, 2016. p. 1259.
[31] Op. cit.
[32] CAPEZ, Fernando. Curso de processo penal comentado. 23. ed. São Paulo: Saraiva, 2016. p. 242.
[33] BRASIL. Lei 13.444, de 11 de Maio de 2017, Brasília, DF, Disponível em:
< http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2015-2018/2017/lei/L13444.htm> Acesso em 30 set. 2017.
[34] Op. cit.
Servidor Público do Estado do Paraná, Mestre em Ciência Jurídica - Universidade Estadual do Norte do Paraná, Especialista em Direitos Humanos e Cidadania - Universidade Estadual de Ponta Grossa, Bacharel em Direito - Faculdade Estácio de Curitiba,
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CARNEIRO, Robyson Danilo. A obrigação do cidadão de identificar-se durante abordagem policial justificada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 nov 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51019/a-obrigacao-do-cidadao-de-identificar-se-durante-abordagem-policial-justificada. Acesso em: 23 dez 2024.
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