ANDRÉIA AYRES GABARDA ROSA
(Orientadora)[1]
resumo: O presente estudo tem como objetivo analisar as consequências psicológicas e jurídicas do abandono afetivo. Este artigo está dividido em três capítulos, os quais abordam a temática por intermédio de pesquisa bibliográfica. No estudo, em sua primeira metade, foram abordados os aspectos inerentes ao abandono afetivo e suas causas. Ainda, na sua outra metade, foram verificadas as questões pertinentes ao abandono afetivo e a aplicação da responsabilidade civil. Observou-se que a ausência de afeto poderá trazer transtornos sérios para aqueles que não recebem o carinho e atenção necessária dos pais, podendo ensejar problemas de cunho psicológico, pedagógico, entre outros. Com isso, os Tribunais aceitam a possibilidade de responsabilidade civil por abandono afetivo.
PALAVRAS-CHAVE: Abandono Afetivo - Dano Moral - Responsabilidade civil
ABSTRACT: The present study aims to analyze the psychological and legal consequences of affective abandonment. This article is divided in three chapters, which approach the theme through bibliographic research. In the study, in its first half, the aspects inherent to affective abandonment and its causes were discussed. Still, in the other half, the issues related to affective abandonment and the application of civil responsibility were verified. It was observed that the absence of affection may cause serious disorders for those who do not receive the affection and necessary attention of the parents, which can lead to psychological, pedagogical problems, among others. With this, the Courts accept the possibility of civil responsibility for affective abandonment.
Key Words: Affective Abandonment - Moral Damage - Civil liability
Este trabalho, busca abordar a seguinte temática: os efeitos psicológicos e jurídicos do abandono afetivo. Assim, serão considerados no presente estudo, os aspectos doutrinários e jurisprudenciais quanto ao tema proposto, levando em consideração os principais julgados quanto à matéria e as causas para a ocorrência do abandono familiar.
A Constituição Federal e, em especial, o Código Civil são claros no que tange às obrigações dos pais em relação aos filhos. Assim, diversas dúvidas podem surgir tais como: em que consiste o abandono afetivo? O que é afeto, nos termos do Direito? São questionamentos que o estudo buscará responder. O poder familiar é exercido pelo pai e pela mãe, os pais deverão exercê-lo em sincronia, com concessões recíprocas, para que não causem desestabilização em seu poder dever. Essa sincronia possui exceções, como as inerentes às convicções religiosas e morais. O poder familiar também traz consequências jurídicas, haja vista os deveres dos pais frente aos seus filhos.
Na modernidade, as famílias são submetidas a deveres para com os seus, devendo cuidar para que os que se encontram no mesmo teto se sintam bem, em prol da felicidade em comum. É esse o maior objetivo e função da família, que é proporcionar a união e a atenção recíprocas. No entanto a criança poderá se ver abandonada por um dos genitores. E isso pode causar uma série de danos de cunho moral nos infantes.
Uma das causas do abandono afetivo é o distanciamento natural da criança por aquele que não tem a sua guarda. Por outro ângulo, o abandono afetivo poderá surgir de desavenças entre o pai e a mãe, visto que o pai, por exemplo, ao se afastar da mãe, também poderá se afastar dos filhos, ou vice-versa. A falta de contato físico poderá acarretar em distanciamento e abandono, fato que poderá trazer danos e transtornos à criança e ao adolescente. Entretanto, em virtude de diversas situações, tais como separação ou cotidiano cansativo dos pais, as crianças e os adolescentes se veem isolados em razão da omissão do afeto, fato que acarreta danos inestimáveis aos aspectos psicossociais da criança e do adolescente.
Em virtude disso, pode-se dizer que, a despeito da discussão doutrinária acerca da possibilidade de reparar ou não pelo dano causado em virtude da ocorrência do abandono afetivo, diversos tribunais caminham no sentido de aceitar essa possibilidade jurídica. Com isso, a partir de estudos de diversos julgados, notou-se a possibilidade de uma nova modalidade de responsabilidade civil, qual seja: a reparação por abandono afetivo. A base para tais posicionamentos se encontra no princípio constitucional da dignidade da pessoa humana, na violação do artigo 227 da Constituição Federal de 1988 e, dos artigos 3º, 4º, 5º, 7º e 22 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
O Abandono Afetivo é uma matéria polêmica, que vem sendo muito discutida nos últimos anos, possuindo vários casos de ações judiciais. O surgimento da expressão é incerto, mas o abandono afetivo originou-se da própria valorização do afeto no âmbito do Direito da Família.
O Abandono Afetivo ocorre quando um ou ambos os genitores passam a não prestar o dever de dar assistência moral e afetiva aos seus filhos, podendo acontecer em famílias em que os pais são separados de fato ou divorciados, e o genitor que não possui a guarda do menor passa apenas a contribuir com o apoio material eximindo-se das outras obrigações; ou também em casos em que os pais convivem juntos, mas que, por negligência, o genitor não presta seus deveres afetivos devidamente (DIAS, 2015). Nesses fatos residem as causas do abandono afetivo.
De início, frisa-se que o abandono afetivo parental fere vários princípios previstos na legislação brasileira, entre eles destacam-se o da afetividade e o da dignidade da pessoa humana.
Paulo Lôbo (2014, p. 12) define o abandono afetivo como sendo o inadimplemento dos deveres jurídicos de paternidade. Walkyria Carvalho Nunes Costa em seu artigo “Abandono Afetivo Parental: A traição do dever de apoio moral” versa sobre o prejuízo do abandono afetivo, afirmando que o abandono afetivo é tão prejudicial quanto o abandono material. A carência material pode ser superada com a dedicação dos genitores ao trabalho; a de afeto não, porquanto corrói princípios morais se estes não estão consolidados na personalidade da criança ou do adolescente, (REVISTA CONSULEX, 2012, Nº276, P.49).
Vale ressaltar o prejuízo causado ao menor pela falta de afeto (o qual consiste em uma das causas do abandono afetivo), visto que ele se encontra em estado de desenvolvimento, não somente físico, mas também psicológico, trazendo, portanto, à criança ou ao adolescente traumas e distúrbios psicológicos.
A falta de convívio dos pais com os filhos, em face do rompimento do elo de afetividade, pode gerar severas sequelas psicológicas e comprometer seu desenvolvimento saudável. [...] A omissão do genitor em cumprir os encargos decorrentes do poder familiar, deixando de atender ao dever de ter o filho em sua companhia, produz danos emocionais merecedores de reparação, (DIAS, 2015, p. 416).
O poder familiar deve ser exercido não somente para atender às necessidades materiais do menor, mas deve também suprir suas carências psicológicas e intelectuais. A Carta Magna dispõe e assegura direitos à criança e ao adolescente, que os pais têm o dever de cumprir:
Art. 227 - É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.
O abandono afetivo dos genitores, por não reconhecer como sendo seu filho, o menor, também poderá acarretar sequelas psicológicas. Isso porque a criança cresce em sua vida de relação com uma pecha de que não tem pai. Na escola entre vizinhos e até no trabalho, é vista com o estigma de quem não foi reconhecido pelo pai. O dano moral fica assim, evidente, sendo perfeitamente indenizável (CARVALHO NETO, 2007, p. 473).
Interessante observar a contextualização de Antônio Jeová dos Santos:
O abandono é a ausência da presença. Como regra, é o homem que deixa de dar atenção ao filho. Seja no casamento frustrado pelo divórcio em que ele deixa o lar conjugal, seja com a existência de filho com a parceira ou convivente e ocorre a ruptura da vida em comum, o homem sai de casa, por vezes cumpre a obrigação de pagar a pensão alimentícia e desaparece. Os filhos nunca mais o veem ou tal ocorre de forma espaçada, demorada, de tal arte que ficam se na proteção e agasalho da referência paterna. Por descuido, desleixo ou raiva porque ocorreu a separação, o pai se afasta gradativamente até a ausência completa e total, (SANTOS, 2015, p. 220).
O apoio moral dos pais não traz nenhuma garantia que seus filhos não produzirão nenhum desvio psicológico, mas provavelmente ele desenvolverá esse distúrbio caso venha a ser abandonado afetivamente.
Analisa-se primeiramente o princípio do respeito da dignidade da pessoa humana, disposto no artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988.
Conforme explica Maria Helena Diniz (2015, p. 37), o artigo 1º, inciso III, da Constituição Federal de 1988, constitui a base da comunidade familiar, seja ela formada biologicamente ou de forma sócio afetiva, calcando-se sempre na afetividade, a fim de garantir o pleno desenvolvimento e realização de seus membros, em especial, a criança e ao adolescente.
Com efeito, embora tal princípio seja fundamental, não há ramo do Direito privado em que a dignidade da pessoa humana tenha mais ingerência ou atuação do que o Direito de família.
Assim, diante da demasiada subjetividade a que remete a dignidade da pessoa humana, torna-se difícil a conceituação deste princípio, restando evidente apenas a supremacia dele sobre os demais, isto é, serve como pilar a todos os demais princípios constitucionais.
Sarmento (2010, p. 60), conceitua o princípio em questão afirmando que “[...] É o macro princípio do qual se irradiam todos os demais”. Pode-se dizer então que o princípio da dignidade da pessoa humana é plenamente aplicável nas mais diversas situações enfrentadas pelo indivíduo, servindo como um escudo às violações de seus direitos individuais e coletivos. Extrai-se daí que o princípio da dignidade da pessoa humana é o que permite uma ampla discussão acerca do Direito de família, eliminando posicionamentos arcaicos e possibilitando o surgimento de novos, principalmente no que tange as indenizações de ordem moral.
O princípio da dignidade da pessoa humana consiste em valor constitucional sobre o qual dominam outros direitos, sendo considerado o princípio fundamental que estabelece valor essencial da ordem jurídica do Estado Democrático de Direito, pois é um valor jurídico fundamental da sociedade.
Rolf Madaleno ensina que:
A dignidade humana é o princípio fundamental na Constituição Federal de 1988, conforme artigo 1º, inciso III. Quando cuida do Direito de Família, a Carta Federal consigna no artigo 226, § 7º, que o planejamento familiar está assentado no princípio da dignidade da pessoa humana e da paternidade responsável. Já no artigo 227, prescreve ser dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de coloca-lo a salvo de toda a forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão, pois que são as garantias e os fundamentos mínimos de uma vida tutelada sob o signo da dignidade da pessoa, merecendo especial proteção até pelo fato de o menor estar formando a sua durante o estágio de seu crescimento e desenvolvimento físico e mental, (MADALENO, 2013, p.43).
Sobre esse princípio, é analisado como característica complementar e irrenunciável da condição humana, obrigação a ser reconhecida, reverenciada, efetivada e resguardada. Por ser inseparável a toda e qualquer pessoa, não devendo ser mera concessão do Direito, motivo por que constitui em cláusula pétrea.
Maria Berenice Dias (2015) conceitua o princípio em tela:
O princípio da dignidade da pessoa humana é o mais universal de todos os princípios. É um macroprincípio do qual se irradiam todos os demais: liberdade, autonomia privada, cidadania, igualdade e solidariedade, uma coleção de princípios éticos, (DIAS, 2015, p.44-45).
A dignidade da pessoa humana envolve essencialmente respeito e proteção da probidade física e psíquica das pessoas em geral, não podendo ser aceito qualquer ação ou omissão que afronte o homem em sua honra e dignidade.
A afetividade, por ser princípio, deverá ser obedecida no âmbito do Direito da Família. Também deverá nortear os pais no que tange ao trato com os seus filhos. Sua conotação é intimamente ligada ao conceito da própria dignidade da pessoa humana.
Maria Berenice Dias complementa que a aplicação no plano afetivo é extremante necessário, visto que é o “princípio de manifestação primeira dos valores constitucionais, carregado de sentimentos e emoções” (...)“qualidades mais relevantes entre os familiares: o afeto, a solidariedade, a união, o respeito, a confiança, o amor, o projeto de vida comum, permitindo o pleno desenvolvimento pessoas e social de cada partícipe”, (DIAS 2015, p. 45).
Dessa forma, esse princípio é o orientador do sistema jurídico brasileiro, refere-se à dignidade da pessoa humana dentro do direito de família, que vem buscando desenvolvimento para sua personalidade e aperfeiçoamento de um intenso e saudável convívio familiar.
O abandono afetivo pode afetar a dignidade da pessoa humana visto que: ‘‘o argumento favorável à indenização está amparado na dignidade humana. Ademais. Sustenta-se que o pai ou mãe tem o dever de gerir a educação do filho, conforme o artigo 229 da Constituição Federal e o artigo 1.634 do Código Civil’’, (TARTUCE, 2015, p. 11).
Desse modo, é necessário que o direito de família tenha não somente protegido o núcleo família, mas também, que a família tenha efetivamente a dignidade do dia a dia garantida, buscando assim que se tenha uma igualdade real na construção de uma sociedade mais justa.
O princípio da convivência familiar diz respeito ao direito que o menor tem de conviver com todos aqueles que formam o seu grupo, sua identidade, enfim, seus laços afetivos. Indispensável ao desenvolvimento saudável do menor, a convivência familiar permite o estabelecimento de laços afetivos, sendo, portanto, de extrema relevância a busca por tal convivência. Nele, também, é garantido que o dever da família é o de estar ao lado do Estado e da sociedade, como também o de assegurar à criança e ao adolescente o direito à convivência familiar. Desse princípio decorre o direito de filiação e o reconhecimento dos filhos.
Neste contexto é importante destacar a relevância da presença do pai para o desenvolvimento geral da criança, seja ele emocional, físico, escolar, no dia a dia, ou até mesmo no desenvolvimento espiritual, pois é como uma referência de segurança para a criança, (DIAS, 2010, p. 43).
Assim, o principal objetivo do Poder Familiar é o de garantir que os genitores tenham iguais deveres de proteger os filhos quanto aos perigos que por ventura possam vir a ocorrer. De igual modo, a convivência deve ser baseada no diálogo, respeito e compreensão de ambas as partes.
Cabe aos genitores, também, a responsabilidade de contribuir para uma boa formação da prole, para que esta possa ter boas condições futuras de vida e sustento pessoal. Também é válido reforçar que os filhos possuem também obrigações em relação aos seus genitores. Assim, devem obedecer ao pai e a mãe, podendo estes impor limites e regras, com a finalidade de obter uma boa conduta nas crianças, (RIZZARDO, 2016, p. 115).
Com a nova ordem constitucional, e em razão do Estatuto da Criança e do Adolescente, nota-se que a família possui um rol maior de deveres recíprocos, principalmente no que tange ao poder familiar.
Além de garantido pela Constituição Federal de 1988, esse princípio foi consolidado também pela Convenção dos Direitos da Criança, ratificada pelo Brasil através do Decreto de nº 99.710 de 21 de novembro de 1990, o qual estabelece em seu artigo 9º que:
1. Os Estados Partes deverão zelar para que a criança não seja separada dos pais contra a vontade dos mesmos, exceto quando, sujeita à revisão judicial, as autoridades competentes determinarem, em conformidade com a lei e os procedimentos legais cabíveis, que tal separação é necessária ao interesse maior da criança. Tal determinação pode ser necessária em casos específicos, por exemplo, nos casos em que a criança sofre maus tratos ou descuido por parte de seus pais ou quando estes vivem separados e uma decisão deve ser tomada a respeito do local da residência da criança.
2. Caso seja adotado qualquer procedimento em conformidade com o estipulado no parágrafo 1 do presente Artigo, todas as Partes interessadas terão a oportunidade de participar e de manifestar suas opiniões.
3. Os Estados Partes respeitarão o direito da criança que esteja separada de um ou de ambos os pais de manter regularmente relações pessoais e contato direto com ambos, a menos que isso seja contrário ao interesse maior da criança.
O rompimento da relação conjugal, portanto, não deve constituir para a criança uma reserva ao seu direito à convivência familiar. Neste contexto, analisa-se que os filhos necessitam dessa relação de proximidade com os pais. Isso porque o divórcio acarreta mudanças nas estruturas e dinâmicas familiar. Porém, ele não acaba com a família, mas traz novas configurações no relacionamento da família devido ao rompimento da vida conjugal, entretanto, a família se mantém, mas com uma nova dinâmica, pois a separação traz novas experiência onde ocorre perdas que geram sofrimento.
A convivência familiar é fundamental para o desenvolvimento saudável do filho menor. Dias expõe que:
A convivência dos filhos com os pais não é direito do pai, mas do filho. Com isso, quem não detém a guarda tem o dever de conviver com ele. Não é direito de visitá-lo, é obrigação de visitá-lo. O distanciamento entre pais e filhos produz sequelas de ordem emocional e reflexos no seu desenvolvimento. O sentimento de dor e de abandono pode deixar reflexos permanentes em sua vida, (DIAS, 2015, p. 407).
E dessa maneira surge uma problemática grave, que é a questão do abandono afetivo - se o genitor que perdeu contato com o filho poderá ser punido por tal ato, ou se, pelo fato de ter o outro genitor causado a deflagração do abandono, o primeiro não poderá sofrer punição.
Paulo Lôbo explica que:
a convivência familiar é a relação afetiva diuturna e duradoura entretecida pelas pessoas que compõem o grupo familiar, em virtude de laços de parentesco ou não, no ambiente comum. Supõe o espaço físico, a casa, o lar, a moradia, mas não necessariamente, pois as atuais condições de vida e o mundo do trabalho provocam separações dos membros da família no espaço físico, mas sem perda da referência ao ambiente comum, tido como pertença de todos. É o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças, (LOBÔ, 2014, p. 74).
o princípio da convivência familiar ou o direito a convivência familiar é necessário para o desenvolvimento saudável do menor, é muito importante que haja o convívio entre os pais e filhos, e é por essa convivência que o afeto, o amor, o carinho nasce.
Juntamente com o princípio da dignidade da pessoa humana, mas status um pouco menor, aparece o da princípio da afetividade, que vem a ser também um dos principais fundamentos das relações familiares. Diz-se que seu status é um pouco menor, pois a palavra afeto não se encontra transcrita na Constituição Federal.
Dessa forma, Lôbo se manifestou sobre o princípio da afetividade:
O princípio da afetividade tem fundamento constitucional, não é petição de princípio, nem fato exclusivamente sociológico ou psicológico. Projetou-se, no campo jurídico-constitucional, a afirmação da natureza da família como grupo social fundado essencialmente nos laços de afetividade, (LÔBO, 2014, p. 43).
Contudo, fica evidente que o afeto decorre da valorização do princípio basilar das relações de família, que é o da dignidade da pessoa humana. Neste contexto, de acordo com Maria Helena Diniz (2015, p. 38), a evolução da família, tornou-a cada vez menos organizada hierarquicamente, calcando-se na comunhão de vidas através da afeição entre seus entes, mudança esta que atende as exigências da atualidade que em busca da plena felicidade, revela uma constante necessidade de mútua cooperação que somente se torna possível diante da afetividade de seus membros.
O afeto é primordial para o bem-estar da criança e do adolescente. Não basta aos pais proporcionarem apenas condições de subsistências para sua prole, a atenção e o carinho são fundamentais para o desenvolvimento moral, educacional e psíquico dos filhos.
Atualmente, pode-se correlatar uma nova espécie do dano moral, conhecida como dano moral afetivo. O dano moral de forma ampla é aquele em que o dano advém sobre o ânimo psíquico, moral e intelectual de uma pessoa, ocorrendo de forma ofensiva à honra e a intimidade, ou seja, este dano incide sobre as relações afetivas, que são reguladas pelas leis de direito de família, como por exemplo, a adoção, que são relações puramente afetivas.
Pode-se analisar que o afeto é um cuidado fundamental para uma criança, pois, é impossível mensurar o amor, porém é possível verificar o cumprimento e descumprimento da obrigação judicial de cuidar e zelar do menor.
No que tange a importância do afeto no âmbito familiar, discorre Madaleno:
O afeto é mola propulsora dos relacionamentos familiares e das relações interpessoais movidas pelo sentimento e pelo amor, para ao fim e ao cabo dar sentido e dignidade à existência. A afetividade deve estar presente nos vínculos de filiação e de parentesco, variando tão-somente na sua intensidade e nas especificidades do caso concreto, (MADALENO, 2013, p.98-99).
Não está em discussão o amor. Não se pode obrigar a amar, porém é controvertida a imposição biológica e jurídica de cuidar que é dever intrínseco e personalíssimo dos pais.
Giselda Hironaka ressalta pontos importantes acerca do abandono afetivo, considerando que não se trata de circunstância simplesmente individual, mais de um comportamento social danoso.
Conforme a autora:
O dano causado pelo abandono afetivo é antes de tudo um dano à personalidade do indivíduo. Macula o ser humano enquanto pessoa, dotada de personalidade, sendo certo que esta personalidade existe e se manifesta por meio do grupo familiar, responsável que é por incutir na criança o sentimento de responsabilidade social, por meio do cumprimento das prescrições, de forma a que ela possa, no futuro, assumir a sua plena capacidade de forma juridicamente aceita e socialmente aprovada, (HIRONAKA, 2016, p. 34).
Observa-se que o dano causado no âmbito afetivo prejudica seriamente na personalidade da criança. Isso porque a sua personalidade e o seu caráter serão manifestadores por intermédio da convivência, do carinho e do cuidado familiar. O afeto é fundamental para o crescimento e desenvolvimento comportamental e psíquico dos infantes.
Ao fazer um elo entre o princípio da afetividade e a construção da personalidade do indivíduo, encontra-se respaldado no artigo 11 do Código Civil, classificando como um direito inalienável, intransmissível, imprescritível e irrenunciável:
Art. 11 -Com exceção dos casos previstos em lei, os direitos da personalidade são intransmissíveis e irrenunciáveis, não podendo seu exercício sofrer limitação voluntária”. Diante do exposto, o conflito aqui mencionado e o direito à personalidade, sendo estes violados, e acarretando danos imensuráveis e indescritíveis, passou-se a dá a devida importância acerca da responsabilização civil pelo abandono afetivo. O princípio da dignidade da pessoa humana está em nossa essência desde início da existência do homem, sendo este objeto de discussões em diferentes épocas.
O afeto, no âmbito da infância diz respeito a condições mínimas de sobrevivência, haja vista a necessidade do mesmo para que os filhos possam crescer de forma saudável e sejam inseridos na sociedade como pessoas com direitos e obrigações. A ausência de afeto, nessa premissa, na infância é totalmente afrontosa ao princípio em tela.
As decisões judiciais buscam reparar com indenizações pecuniárias o abandono sofrido pelo filho, na fase da formação de sua personalidade, diante dos pais que se abstêm total ou parcialmente do contato com seus filhos.
Ressalta-se que, a condenação não busca reparar a falta de amor, ou desamor, ou a preferência de um pai por um ou outro filho, mas sim, procura penalizar a violação dos deveres morais, o qual é direito do filho rejeitado, (MADALENO, 2013).
A conduta, geralmente paterna, em não proporcionar o carinho, a atenção, o cuidado e afeto, tem motivado diversas demandas em juízo, em virtude de alguns juristas entenderem que o abandono afetivo do pai, ou mesmo da mãe, em relação aos seus filhos consiste em uma conduta não lícita.
A título de ilustração, para se entender o dano causado no que tange à ausência, geralmente paterna, necessário se faz traçar uma análise psicológica da importância da figura paterna na vida do infante (OTONI, 2010).
A sensação de desamparo dos genitores e as consequências destes para os aspectos de fórum íntimo dos infantes, naturalmente, passam a ser motivo de litígios judiciais de amplos descensos, haja vista tratar sobre os sentimentos, onde apenas diante dos fatos inerentes a cada caso, o magistrado poderá verificar se o comportamento do genitor (ou genitora) originou ou não danos de cunhos psíquicos ao filho negligenciado, (DINIZ, 2015). Uma decisão marcante foi a relacionada ao caso julgado pela juíza Simone Ramalho Novaes, da 1ª Vara Cível de São Gonçalo, região metropolitana do Rio de Janeiro, a qual condenou um pai a indenizar seu filho, por abandono afetivo. De acordo com a magistrada:
se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não tê-lo educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei”. E mais: “O poder familiar foi instituído visando à proteção dos filhos menores, por seus pais, na salvaguarda de seus direitos e deveres. Sendo assim, chega-se à conclusão de ser perfeitamente possível a condenação por abandono moral de filho com amparo em nossa legislação, (NOVAES, 2012, p. 3).
Ainda, conforme contextualiza Charles Bicca:
Em 10 de setembro de 2003, na comarca de Capão da Canoa, Rio Grande do Sul, houve a primeira condenação por danos morais decorrentes do abandono afetivo no Brasil. A sentença do juiz Mario Romano Maggioni, da 2° Vara Cível, condenou um pai a pagar 200 salários mínimos por abandono e danos psicológicos causados a sua filha. Entre outros importantes fundamentos, a decisão consignou que a educação abrange não somente a escolaridade, mas também a convivência familiar, o afeto, o amor, carinho, ir ao parque [...] a referida decisão transitou em julgado sem a interposição de recurso, (BICCA, 2015, p. 77).
Quando se fala de uma pessoa em crescimento físico e psíquico, o que exige cuidado e vigilância dos genitores para se chegar ao pleno desenvolvimento, baseado em sua formação emotiva, de tal maneira a integrá-la inteiramente ao convívio com a sociedade, deve se mensurar que a atitude se configura ato ilícito por tratar determinado filho seu de maneira totalmente distinta seus irmãos, no que tange aos cuidados materiais e, mesmo, afetivos.
Em uma decisão de 2015, o Tribunal de Justiça de Roraima assim decidiu, aceitando como possível a indenização:
Ementa: Apelação cível. Pensão alimentícia. Alimentante. Capacidade financeira. Não demonstração. Majoração indevida. Danos Morais decorrentes de abandono afetivo. Constrangimento (dor e sofrimento). Não demonstração. Indenização indevida. Sentença mantida. A majoração do valor fixado como pensão alimentícia não dispensa a demonstração concreta pela alimentada da capacidade financeira do alimentante. A indenização por danos morais decorrente de abandono afetivo é juridicamente possível, mas esbarra na necessidade de comprovação da efetiva existência de constrangimento a que se submeteu o filho (a) em razão do referido abandono. TJ-RO - Apelação APL 00117426720138220102 RO 0011742-67.2013.822.0102 (TJ-RO)Data de publicação: 16/07/2015.
A criança e o adolescente deverão ser sempre inseridas no seio do afeto familiar, entre outras qualidades desse tipo de convívio, haja vista que é no âmago da família que se desenvolverá o seu caráter, sua autoestima e seu convívio social.
Assim, conforme Trindade:
Deixando a família de ser concebida estritamente como núcleo econômico e reprodutivo (entidade de produção.), e avançando para uma dimensão sócio afetiva (como expressão de uma unidade de afeto e entreajuda.), surgem naturalmente, novas representações sociais, novos arranjos familiares [...] A família [...] abandona o seu caráter de instituição jurídica e passa a ser compreendida como um instrumento de realização pessoal do ser humano, de promoção da felicidade das pessoas nela envolvidas, deixando de ser um fim para ser o meio, (TRINDADE, 2011 p. 319).
As experiências afetivas na família produzem marcas que as pessoas levam para a vida toda, determinando comandos no modo de ser com os outros indivíduos, determinando, de certa forma, a sua postura frente a sociedade. Esse ser com os outros, prolonga-se por muitos anos e repetidamente projeta-se nas famílias formadas posteriormente, (SZYMANSKI apud PAIVA, 2012).
No entanto, em diversas famílias nota-se que o afeto resta como gravemente prejudicado. As causas são as mais diversas possíveis: cotidiano atarefado dos pais, crianças cada vez mais tempo nas escolas, separação, entre outros.
Quanto à separação Hironaka ensina:
Muitos pais, durante e após a separação, travam uma terrível batalha em que não se conhecem vencedores. Pior que isso, atiram sua prole no meio do fogo cruzado, seja por atitudes vingativas, seja pelo reflexo da própria contenda. Infelizmente, na maioria das vezes, são os filhos os maiores prejudicados pelas inconsequências dos atos dos genitores. O abandono afetivo configura-se pela omissão dos pais ou de um deles, pelo menos relativamente ao dever de educação, entendido este na sua concepção mais ampla, permeada de afeto, carinho, atenção e desvelo. É inquestionavelmente, um direito personalíssimo. [...] os pais devem assim, desempenhar as funções de educadores e de autoridades familiares para que a criança possa se formar enquanto pessoa humana, (HIRONAKA, 2016, p. 136).
Nota-se que em virtude da batalha pela separação, os pais incluem seus filhos no fogo cruzado. O abandono afetivo poderá surgir dessa ‘guerra’ entre o pai e a mãe, visto que o pai, por exemplo, ao se afastar da mãe, também poderá se afastar dos filhos, ou vice-versa. A falta de contato físico poderá acarretar em distanciamento e abandono, fato que poderá trazer danos e transtornos à criança e ao adolescente.
De acordo com Antônio Jeová dos Santos:
O poder-dever do progenitor que não detém a guarda do filho o obriga a supervisionar a forma como seu rebento está sendo educado. Se falha a esse dever, afastando-se e deixando de se comunicar com o filho, evidente o menoscabo espiritual a que dá azo. Daí, não ser mais possível ignorar a realidade de que o abandono afetivo é fator primário e desencadeante de dano moral, (SANTOS, 2015, p. 224).
O dano ocasionado pelo abandono afetivo é decorrente de lesão à personalidade do indivíduo. Gera resultados nefastos na vida social e pessoal do lesado, maculando-o como pessoa. A exteriorização do amor é primordial para que não ocorra esse dano, (HIRONAKA, 2016, p. 141).
Entre as decisões favoráveis recentes, pode-se citar a da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça (STJ), a qual estatui ser possível esse tipo de reparação civil.
Eis o que estatui o histórico julgado do STJ:
RECURSO ESPECIAL Nº 1.159.242 - SP (2009/0193701-9). [...] EMENTA.CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. FAMÍLIA. ABANDONO AFETIVO. COMPENSAÇÃO POR DANO MORAL. POSSIBILIDADE. Inexistem restrições legais à aplicação das regras concernentes à responsabilidade civil e o consequente dever de indenizar/compensar no Direito de Família. O cuidado como valor jurídico objetivo está incorporado no ordenamento jurídico brasileiro não com essa expressão, mas com locuções e termos que manifestam suas diversas desinências, como se observa do art. 227 da CF/88. Comprovar que a imposição legal de cuidar da prole foi descumprida implica em se reconhecer a ocorrência de ilicitude civil, sob a forma de omissão. Isso porque o non faceire, que atinge um bem juridicamente tutelado, leia-se, o necessário dever de criação, educação e companhia – de cuidado – importa em vulneração da imposição legal, exsurgindo, daí a possibilidade de se pleitear compensação por danos morais por abandono psicológico. [...], Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos. [...], ACÓRDÃO Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça. [...] por maioria, dar parcial provimento ao recurso especial nos termos do voto da Sra. Ministra Relatora. [...]. Brasília (DF), 24 de abril de 2012(Data do Julgamento), MINISTRA NANCY ANDRIGHI.
A ausência injustificada de um dos pais, mesmo que seja decorrente de separação, evidencia-se por intermédio da dor psíquica e física da criança e do adolescente, podendo ser maior que o próprio abandono material, (HIRONAKA, 2016, p. 141).
As consequências poderão ser irreversíveis, haja vista que a criança, para sua formação pessoal, precisa das diretrizes proporcionadas pela atenção de seus pais.
Em razão desse tipo de abandono, Álvaro Villaça de Azevedo apud Melo destaca:
O descaso entre pais e filhos é algo que merece punição, é abandono moral grave, que precisa severa atuação do Poder Judiciário, para que se preserve não o amor ou a obrigação de amar, o que seria impossível, mas a responsabilidade ante o cumprimento do dever de cuidar, que causa o trauma moral da rejeição e da indiferença, (MELO, 2015, p. 32).
Esse descaso é um comportamento ilícito praticado pelos pais contra seus filhos e não há como ignorar a ocorrência de lesão moral ao filho que sofre o abandono afetivo. E uma condenação pecuniária, ainda que não aconteça uma aproximação com o filho, serve como uma punição aos pais que não cumpriram com seus deveres.
Pereira Eddla, por seu turno:
Embora de fato o judiciário não possa obrigar um pai a amar seu filho, por outro Norte, deve puni-lo por não ter participado de sua formação, pois quando existe o dever de agir, a omissão deve ser repreendida, sobremaneira quando dela resulta dano irreversível,(EDDLA, 2015, p. 5).
Em razão disso, pode-se dizer que existem posicionamentos favoráveis à responsabilidade civil dos pais no caso de abandono afetivo dos filhos. Com isso, os filhos poderão acionar, no poder judiciário, os pais por suas negligencias no que tange ao abandono afetivo.
Como no entendimento do Tribunal de Justiça de São Paulo, em uma decisão proferida em 2015:
Ementa:APELAÇÃO.AÇÃO.INDENIZATÓRIA. ABANDONO AFETIVO. A condenação ao pagamento de indenização, em decorrência do abandono paterno, é possível, desde que cabalmente demonstrados os requisitos ensejadores da responsabilidade civil, ou seja, a omissão paterna, o dano e o nexo de causalidade. Na hipótese, o réu somente soube ser pai do autor por meio de ação de investigação de paternidade, ajuizada quando o filho já contava com 25 anos de idade. Por outro lado, os laços afetivos são construídos ao longo de muitos anos de convivência, e não com a prolação de um provimento jurisdicional. O autor não logrou demonstrar o aventado dano que sofreu, não se desincumbindo do ônus probatório, nos termos do artigo 333, inciso I, do Código de Processo Civil. Sentença mantida. Negado provimento ao apelo (TJ-SP - Apelação APL 91077933020098260000 SP 9107793-30.2009.8.26.0000 (TJ-SP) Data de publicação: 01/07/2015.
Com o fato de unificar os argumentos favoráveis quanto à admissibilidade do dano moral por abandono de cunho afetivo dos pais em relação a seus filhos, pode-se encontrar tanto na doutrina, quanto no próprio Poder Judiciário, defensores da tese do ato ilícito do pai/mãe em virtude do inadimplemento do seu dever de coexistência e da violação das obrigações de sustento, guarda e educação dos filhos, tendo como alicerce o princípio da dignidade da pessoa humana.
Por outro lado, existem, ainda, posicionamentos desfavoráveis à responsabilidade civil por abandono afetivo, como no caso da Apelação 20090110466999, julgada pela 3ª Turma Cível do Tribunal de Justiça do Distrito Federal, que teve por relator o Sr. Getúlio de Moraes Oliveira, que negou provimento ao recurso, afirmando quanto à impossibilidade de indenização por danos morais pelo fato de não restar comprovado qualquer violação aos direitos da personalidade do apelante, in verbis:
DIREITO CIVIL. AÇÃO DE INDENIZAÇÃO. ABANDONO AFETIVO PELO GENITOR. NEXO DE CAUSALIDADE. AUSÊNCIA. DANO MORAL. NÃO CONFIGURADO. 1. A RESPONSABILIDADE CIVIL EXTRACONTRATUAL, DECORRENTE DA PRÁTICA ATO ILÍCITO, DEPENDE DA PRESENÇA DE TRÊS PRESSUPOSTOS ELEMENTARES: CONDUTA CULPOSA OU DOLOSA, DANO E NEXO DE CAUSALIDADE. 2. AUSENTE O NEXO DE CAUSALIDADE ENTRE A CONDUTA OMISSIVA DO GENITOR E O ABALO PSÍQUICO CAUSADO AO FILHO, NÃO HÁ QUE SE FALAR EM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS, PORQUE NÃO RESTARAM VIOLADOS QUAISQUER DIREITOS DA PERSONALIDADE. 3. ADEMAIS, NÃO HÁ FALAR EM ABANDONO AFETIVO, POIS QUE IMPOSSÍVEL SE EXIGIR INDENIZAÇÃO DE QUEM NEM SEQUER SABIA QUE ERA PAI. 4. RECURSO IMPROVIDO. (TJ-DF - APC: 20090110466999 DF 008980917.2009.8.07.0001, Relator: GETÚLIO DE MORAES OLIVEIRA Data de Julgamento: 03/07/2013, 3ª Turma Cível, Data de Publicação: Publicado noDJE : 16/07/2013 . Pág.: 100).
O Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo, em recente julgado, negou provimento a Apelação nº 00237000820108260114, no qual afirmou quanto à impossibilidade de se impor o dever de amor e afeto, não reconhecendo ainda danos morais e o ato ilícito:
RESPONSABILIDADE CIVIL Abandono afetivo Ação de indenização por danos morais proposta por filha contra pai. Sentença de improcedência. Julgamento antecipado. Cerceamento de defesa não caracterizado. Preliminar rejeitada Impossibilidade de se impor o dever de amor e afeto. Ato ilícito e danos morais não configurados. Indenização inexigível. Precedentes jurisprudenciais. Apelação desprovida. (TJ-SP APL: 00237000820108260114 SP 002370008.2010.8.26.0114, Relator: Carlos Henrique Miguel Trevisan Data de Julgamento: 24/04/2014, 4ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 25/04/2014).
O Tribunal de Justiça do Estado de Santa Catarina, em entendimento
semelhante, não conheceu do recurso de Apelação interposto da Comarca de Blumenau (3ª Vara Cível), no ano de 2010, no qual não identificou os requisitos configurados no art. 186 do Código Civil, negando procedência ao dever de indenizar.
Em justificativa, a Terceira Câmara de Direito Civil, que teve por relator o Sr. Marcus Tulio Sartorato, afirmou que os sentimentos que compreendem o ser humano, sujeitam-se a diversas circunstâncias subjetivas. “Portanto, o filho não pode obrigar o pai a nutrir amor e carinho por ele, e por este mesmo motivo, não há fundamento para reparação pecuniária por abandono afetivo”, (SARTORATO, 2014, p. 43).
Mas, é válido ressaltar que o mesmo é caracterizado como elemento no qual deverá ser observado nas relações familiares, uma vez que configura como pressuposto do dever jurídico de cuidado imaterial.
Mesmo que haja divergências doutrinárias e jurisprudenciais, o Supremo Tribunal Federal ainda não decidiu o mérito de casos envolvendo abandono afetivo, até o fechamento do presente estudo baseado na súmula 279 do Supremo Tribunal Federal:“Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”.
Em 14 de maio de 2009 a ministra Ellen Gracie, do Supremo Tribunal Federal (STF), arquivou Recurso Extraordinário (RE 567164) em que a parte pedia ressarcimento por danos morais em razão de abandono familiar. E foi arquivado por não existir ofensa direta à Constituição: "O apelo extremo é inviável, pois esta Corte fixou o entendimento segundo o qual a análise sobre a indenização por danos morais limita-se ao âmbito de interpretação de matéria infraconstitucional, inatacável por recurso extraordinário", explicou a ministra.
A relatora afastou a possibilidade de analisar o pedido de reparação pecuniária por abandono moral, pois isto demandaria a análise dos fatos e das provas contidas nos autos, bem como o Código Civil e Estatuto da Criança e do Adolescente, o que é inviável por meio de recurso extraordinário. Para a ministra, o caso "não tem lugar nesta via recursal considerados, respectivamente, o óbice da Súmula 279, do STF, e a natureza reflexa ou indireta de eventual ofensa ao texto constitucional".
Ante esse fato, frisa-se que mesmo que exista previsão legal acerca dos deveres familiares e considerando os pressupostos da responsabilidade civil, ainda não existe uma lei que regulamente a responsabilização decorrente do abandono afetivo. No entanto, atualmente existem três projetos de Lei em tramitação no Congresso Nacional sobre o tema.
O primeiro projeto (n° 700/2007) é de autoria do Senador Marcelo Crivella (PRB/RJ) já aprovado na Comissão de Constituição e justiça em 2010. Nesse projeto, propõe alterações ao Estatuto da Criança e do Adolescente, buscando caracterizar o abandono afetivo como ilícito civil e criminal. De acordo com o Instituto Brasileiro de Direito da Família (IBDFAM):
O Projeto determina que o pai ou a mãe que não tiver a guarda da criança ou do adolescente também ficará obrigado pelo Código Civil não somente a realizar visitas e a tê-los em sua companhia, como também a fiscalizar a manutenção e educação desses menores. O texto define a assistência afetiva devida pelos pais aos filhos menores de 18 anos, como a orientação quanto às escolhas e oportunidades na área da educação e profissionais, a solidariedade e o apoio nos momentos de intenso sofrimento ou de dificuldades e a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou pelo adolescente, desde que possível de ser atendida. Além de estabelecer os deveres de sustento, guarda e de educação dos filhos menores, a proposta altera o ECA para também atribuir aos pais os deveres de convivência e assistência material e moral. Esse aspecto passará a ser considerado nas decisões judiciais de destituição de tutela e de suspensão ou destituição do poder familiar, (IBDFAM, 2015, p. 2).
Para o senador, a pensão alimentícia reduzir essa tarefa de cuidados devidos como atenção, presença e orientação à assistência financeira que muitos fazem com a pensão alimentícia é “fazer uma leitura muito pobre” da legislação.
Na sua justificativa do projeto de lei o senador ressalta:
Ninguém está em condições de duvidar que o abandono moral por parte dos pais produz sérias e indeléveis consequências sobre a formação psicológica e social dos filhos. Amor e afeto não se impõem por lei! Nossa iniciativa não tem essa pretensão. Queremos, tão-somente, esclarecer, de uma vez por todas, que os pais têm o DEVER de acompanhar a formação dos filhos, orientá-los nos momentos mais importantes, prestar-lhes solidariedade e apoio nas situações de sofrimento e, na medida do possível, fazerem-se presentes quando o menor reclama espontaneamente a sua companhia. [...], A pensão alimentícia não esgota os deveres dos pais em relação a seus filhos. Os cuidados devidos às crianças e adolescentes compreendem atenção, presença e orientação. [...], “se o pai não tem culpa por não amar o filho, a tem por negligenciá-lo. O pai deve arcar com a responsabilidade de tê-lo abandonado, por não ter cumprido com o seu dever de assistência moral, por não ter convivido com o filho, por não o ter educado, enfim, todos esses direitos impostos pela Lei.
No dia 06/10/2015 esse mesmo projeto depois ter sido submetido a revisão da câmara dos deputados, passou a ser apresentado como projeto de lei 3212/2015. A última movimentação do projeto foi em 30/03/2017, que está aguardando o parecer do Relator, Deputado Fausto Pinato (PP-SP) na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC). Pelo projeto de lei, os §§ 2º e 3º, do artigo 4º do Estatuto da Criança e do Adolescente, passarão a ter a seguinte redação:
§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento.
3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos filhos menores de dezoito anos:
I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais;
II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;
III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida.
Sobre a reparação pelo abandono afetivo vem expresso o parágrafo único do artigo 5º, nos seguintes termos:
Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral.
Já o crime de abandono afetivo será disciplinado pelo artigo 232-A, do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social. Pena – detenção, de um a seis meses.
O segundo projeto (n°4.294/2008) é de autoria do Deputado Federal Carlos Bezerra (PMDB/MT). Esse projeto não trata apenas do abandono afetivo, mas também traz disposições de proteção à pessoa idosa (abandono afetivo inverso), prevendo indenização nos dois casos, nos termos de seus dispositivos.
Pelo projeto de lei os artigos passarão a ter a seguinte redação:
Art. 1º Acrescenta parágrafo ao artigo 1.632 da lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil e ao art. da lei n° 10.741, de 1ª de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso -, de modo a estabelecer a indenização por dano moral em razão do abandono afetivo.
Art. 2° O artigo 1.632 da lei n° 10.406, de 10 de janeiro de 2002 - Código Civil – passa a vigorar acrescido do seguinte parágrafo único:
Art. 1632
Parágrafo único: O abandono afetivo sujeita os pais ao pagamento de indenização por dano moral. (NR)
Art. 3° O parágrafo único do art. 3° da lei n° 10.741, de 1ª de outubro de 2003 - Estatuto do Idoso - passa a vigorar como parágrafo 1°, devendo ser acrescido o seguinte parágrafo 2° ao artigo:
Art. 3°.
§ 1°
§ 2° O abandono afetivo sujeita os filhos ao pagamento de indenização por dano moral.
Seu último andamento foi na data de 25 de Junho de 2017 na Comissão de Constituição e Justiça e de Cidadania (CCJC).
Por sua vez, o terceiro (n° 470/2013) é de autoria da Senadora Lídice de Mata Souza (PSB/BA), que institui o Estatuto das Famílias. Nesse documento, o abandono afetivo é considerado como a omissão que ofenda direito fundamental da criança ou do adolescente. Prevê também, como dever dos pais, a assistência afetiva, além das outras previstas em lei.
Eis a justificação do citado projeto, em sua exposição de motivos:
A absoluta prioridade ao convívio familiar assegurada a crianças e adolescentes dispõe de respaldo constitucional, consubstanciada no princípio da paternidade responsável (CF, art. 227). Ainda que o amor não tenha preço, é indispensável assegurar o direito a exigir alguma espécie de reparação quando ocorre abandono afetivo. Cabe ser penalizada a negligência parental, cuja indenização pode ter natureza patrimonial ou extrapatrimonial. Para o Direito, o afeto não se traduz apenas como um sentimento, mas principalmente como dever de cuidado, atenção, educação, entre outros.
Os projetos de lei em questão visam impor aos pais além do dever de sustento, educação e guarda os deveres de convivência e amparo emocional, considerando os princípios da afetividade, da dignidade da pessoa humana e da convivência familiar. Considerando a inserção de novos institutos jurídicos no âmbito familiar nos últimos anos, entre os quais o da guarda compartilhada e o da proteção à alienação parental, verifica-se que em breve poderá haver previsão legal referente ao abandono afetivo, resolvendo de vez a problemática e o dissenso sobre tal questão.
Com a família contemporânea, e o declínio do patriarcalismo, adotou-se o princípio da afetividade nas relações familiares, não tendo como escopo a consanguinidade, pois essa hoje é considerada secundária. Destarte, a família está carreada de deveres, os quais devem ser cumpridos, conforme a própria Carta Magna consagra sob pena de a criança desenvolver problemas no cerne de seu crescimento, impedindo que se torne um adulto ético, social e equilibrado.
O abandono afetivo, situação na quais muitas crianças e adolescentes são submetidos, é um tema que vem sendo bastante abordado na literatura jurídica. Em razão do exposto, justifica-se em razão de ser uma situação atual, haja vista que muitas crianças e adolescentes, mesmo não sendo submetidas ao abandono material, se veem em situação de abandono afetivo.
Em diversas situações esse abandono afetivo ocorre por parte do genitor que, por diversos motivos tais como separação, se contenta apenas em pagar a pensão alimentícia, esquecendo-se, ou se esquivando, de seus deveres frente ao afeto e atenção aos seus filhos.
De igual modo, diante o estressante dia-a-dia das pessoas, é natural que em algumas famílias os pais não tenham tempo de prestar a devida atenção aos seus filhos. Estes, diante dessa situação, poderão sofrer sérios danos de ordem subjetiva e, até, objetiva. A família não se resume a núcleo econômico, é de fato um sustentáculo de realização pessoal.
O afeto é algo primordial para o ser humano, tendo em vista que é por intermédio do mesmo que o indivíduo desenvolverá suas aptidões para a vida. A ausência de afeto poderá trazer transtornos sérios para àqueles que não recebem o carinho e atenção necessária dos pais. Poderá ensejar problemas de cunho psicológico, pedagógico, entre outros. O dano resta comprovado quando o filho tem algum aspecto de sua vida prejudicado em razão dessa omissão.
No entanto, verificou-se que o assunto não é pacífico. Isso porque vários são os posicionamentos contrários a este dever de indenizar, pois afirmam e acabam por confundir o amar e o cuidar, mas o que se discuti é o descumprimento do dever de cuidado e não a imposição do dever de amar e dar afeto a prole.
A despeito dos posicionemos em sentido contrário, a afetividade é um fator constitutivo do Direito das Famílias merecedor de atenção, mas como pode ser observado, não é possível de ser inserido na esfera principiológica, pois a característica do afeto é a espontaneidade, no qual não é passível de ser cobrado pelo Direito.
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[1] Professora do curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SANTOS, Saruzze Pereira. Consequências psicológicas e jurídicas do abandono afetivo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 nov 2017, 05:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51067/consequencias-psicologicas-e-juridicas-do-abandono-afetivo. Acesso em: 23 dez 2024.
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