RESUMO:O presente artigo objetiva comentar a Resolução n. 164, de 28 de março de 2017, do Conselho Nacional do Ministério Público, que disciplinou a Recomendação – expediente que representa um importante instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público. Anteriormente à atual disciplina, havia superficial e breve menção à Recomendação no art. 15 da Resolução n. 23, de 17 de setembro de 2007, do CNMP, o qual restou revogado pelo novo diploma interno. Ante a importância que possui hoje a postura resolutiva do Parquet, a Resolução contribuiu sobremaneira para o incremento de segurança jurídica, sobretudo para a autoridade destinatária da Recomendação, ao delimitar o procedimento a ser adotado pelo Ministério Público. Será utilizada metodologia dedutiva e pesquisa teórica (bibliográfica), qualitativa e descritiva.
PALAVRAS-CHAVE: Direitos transindividuais. Ministério Público. Recomendação. Resolutividade. Persuasão.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Papel do Ministério Público na defesa dos direitos coletivos. 3. Os instrumentos extrajudiciais de defesa dos direitos coletivos lato sensu no âmbito do Ministério Público. 4. A Resolução n. 164, de 28 de março de 2017: principais aspectos. 5. Conclusões. 6. Referências.
1. INTRODUÇÃO
A Recomendação é um instrumento utilizado pelo Ministério Público em sua atuação extrajudicial que visa obter a melhoria de serviço público ou de relevância social e o respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa caiba ao Parquet, sendo dirigida a pessoas físicas ou jurídicas, públicas ou privadas e que, através da persuasão ou convencimento, pretende prevenir ou reparar dano ou ilícito.
Seu fundamento legal repousa no art. 27, IV da Lei 8.625/93 e, no âmbito do MPU, no art. 6º, XX da LC 75/93.
Recentemente, a Resolução n. 164, de 28 de março de 2017, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, disciplinou a Recomendação. Este artigo propõe-se a comentar o novo perfil desse instrumento a partir do referido ato normativo.
2. Papel do Ministério Público na defesa dos direitos coletivos
A Constituição Federal atribuiu ao Ministério Público a função de tutelar o patrimônio público e social, o meio ambiente e outros interesses difusos e coletivos, reconhecendo a importância da ação civil pública[1] no art. 129, III da CF.
Art. 129. São funções institucionais do Ministério Público:
III - promover o inquérito civil e a ação civil pública, para a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente e de outros interesses difusos e coletivos.
A Lei Orgânica do MP (Lei 8.625/93) traz igualmente essa atribuição em seu art. 25, ao listar seu papel de defensor dos interesses difusos, coletivos e individuais homogêneos, sem olvidar, por certo, da proteção aos direitos indisponíveis, ainda que individuais:
Art. 25. Além das funções previstas nas Constituições Federal e Estadual, na Lei Orgânica e em outras leis, incumbe, ainda, ao Ministério Público:
IV - promover o inquérito civil e a ação civil pública, na forma da lei:
a) para a proteção, prevenção e reparação dos danos causados ao meio ambiente, ao consumidor, aos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico, e a outros interesses difusos, coletivos e individuais indisponíveis e homogêneos;
b) para a anulação ou declaração de nulidade de atos lesivos ao patrimônio público ou à moralidade administrativa do Estado ou de Município, de suas administrações indiretas ou fundacionais ou de entidades privadas de que participem.
No mesmo sentido a Lei Complementar 75/93, que disciplina o Ministério Público da União, traz atribuições similares:
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
VII - promover o inquérito civil e a ação civil pública para:
[...]
b) a proteção do patrimônio público e social, do meio ambiente, dos bens e direitos de valor artístico, estético, histórico, turístico e paisagístico;
c) a proteção dos interesses individuais indisponíveis, difusos e coletivos, relativos às comunidades indígenas, à família, à criança, ao adolescente, ao idoso, às minorias étnicas e ao consumidor;
d) outros interesses individuais indisponíveis, homogêneos, sociais, difusos e coletivos.
Por certo, direitos difusos e coletivos (lato sensu) são eminentemente transindividuais, isso é, de titularidade indeterminada - quanto aos primeiros - e materialmente indivisíveis[2]. Já direitos individuais homogêneos são “simplesmente direitos subjetivos individuais[3]”, sendo divisíveis e contando com possibilidade de pronta identificação do sujeito titular. A esse propósito, inclusive, o saudoso Teori Zavaski identificava o processo coletivo veiculador de direitos individuais homogêneos como a tutela coletiva de direitos – e não a tutela de direitos coletivos.
A propósito, o memorável Ministro do STF lecionava que
os direitos individuais homogêneos são, em verdade, aqueles mesmos direitos comuns ou afins de trata o art. 113, III do CPC, cuja coletivização tem um sentido meramente instrumental, como estratégia para permitir sua mais efetiva tutela em juízo [...]. Quando se fala, pois, em “defesa coletiva” ou em “tutela coletiva” de direitos homogêneos, o que se está qualificando como coletivo não é o direito material tutelado, mas sim o modo de tutelá-lo, o instrumento de sua defesa.[4]
Nessa toada, a atribuição do Ministério Público é inquestionável no que tange à defesa dos direitos difusos e coletivos lato sensu. Porém, quanto aos individuais homogêneos disponíveis, a legitimação da atuação do MP dá-se somente nos casos em que forem marcados por um requisito adicional de relevância social:
[...]
V. A jurisprudência desta Corte firmou-se no sentido de que "o Ministério Público possui legitimidade ad causam para propor Ação Civil Pública visando à defesa de direitos individuais homogêneos, ainda que disponíveis e divisíveis, quando a presença de relevância social objetiva do bem jurídico tutelado a dignidade da pessoa humana, a qualidade ambiental, a saúde, a educação" (STJ, REsp 945.785/RS, Rel. Ministra ELIANA CALMON, SEGUNDA TURMA, DJe de 11/06/2013), como no presente caso. Em igual sentido: STJ, AgRg no REsp 1.301.154/RJ, Rel. Ministro OG FERNANDES, SEGUNDA TURMA, DJe de 19/11/2015; REsp 1.185.867/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, DJe de 12/11/2010. (...) VII. Agravo interno parcialmente conhecido, e, nessa parte, improvido[5].
Com efeito, os direitos cuja defesa esteja sob a alçada do Ministério Público podem ser objeto de tradicionais instrumentos processuais ou, por outra via, ser protegidos por mecanismos extrajudiciais. Dentre os primeiros despontam em importância as ações coletivas. Já no âmbito extrajudicial, o MP dispõe de outros expedientes de atuação, tais como o compromisso de ajustamento de conduta, as audiências públicas, o inquérito civil, os procedimentos administrativos e a Recomendação.
3. Os instrumentos extrajudiciais de defesa dos direitos coletivos lato sensu no âmbito do Ministério Público
Os instrumentos extrajudiciais permitem dar nova feição ao Ministério Público, destacando sua função resolutiva, em contraponto à sua clássica posição demandista.
A resolutividade no âmbito do MP representa a busca pela composição do conflito por intermédio de mecanismos que evitam a litigiosidade, reconhecendo que a ação judicial não é a única forma de pôr termo ao vilipêndio ao ordenamento jurídico. Para tanto, o MP dispõe legalmente de instrumentos extraprocessuais. A opção pelo seu uso ganha maior relevância nos casos em que há necessidade de celeridade na cessação da violação a direito.
Entretanto, em todos esses instrumentos, o fator consenso é essencial ao fim da conflituosidade. Isso porque a atuação do Ministério Público não é guarnecida da imperatividade de que é dotada a decisão judicial e, por isso, depende da circunstância de que o responsável pelo ato supostamente irregular comunge da opinião do MP ou aceite ceder em sua posição para adotar as medidas sugeridas pelo Parquet.
Comentando a diferença entre a opção de judicialização ou de composição extrajudicial, Alexandre Amaral Gavronski se posiciona no sentido de que:
ainda que naquela o Ministério Público seja o protagonista da solução jurídica destinada a proteger os direitos coletivos, essa solução depende do consenso com o apontado responsável pela lesão ou ameaça (ou, no mínimo, do seu convencimento quanto ao acerto da posição ministerial) o que, se por um lado permite maior informalidade, por outro impede o uso da força do Estado para imposição da solução identificada[6].
Nesse cenário, a Recomendação desponta como um desses instrumentos de atuação resolutiva do Ministério Público, prevista no art. 27 da Lei 8.625/93 e no art. 6º da LC 75/93:
Art. 27 Cabe ao Ministério Público exercer a defesa dos direitos assegurados nas Constituições Federal e Estadual, sempre que se cuidar de garantir-lhe o respeito:
IV - promover audiências públicas e emitir relatórios, anual ou especiais, e recomendações dirigidas aos órgãos e entidades mencionadas no caput deste artigo, requisitando ao destinatário sua divulgação adequada e imediata, assim como resposta por escrito.
Art. 6º Compete ao Ministério Público da União:
XX - expedir recomendações, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito, aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe cabe promover, fixando prazo razoável para a adoção das providências cabíveis.
A expedição de Recomendações insere-se, portanto, como mecanismo legal que visa permitir ao MP o alcance da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como ao respeito aos interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover. Por meio dela são sugeridas providências que, sob a ótica do órgão ministerial, são capazes de reverter, cessar ou reparar o ilícito.
Ou seja, a Recomendação em si não coage a autoridade, mas pode funcionar como fator indutivo de postura de acatamento por parte de seu destinatário, tendo em conta o constrangimento social relevante gerado pela divulgação do conteúdo da Recomendação, a qual pode ser requisitada pelo MP (art. 9º da Res. 164, de 2017, do CNMP).
Em reforço, também a requisição de resposta fundamentada ao MP a respeito dos motivos pelos quais a autoridade opta por manter a postura antiga ou assumir a nova, sugerida pelo Parquet, funciona como possível indutor de comportamento, já que violações frontais a direitos dificilmente seriam suficientemente fundamentadas, do ponto de vista jurídico, pelo destinatário da Recomendação.
A Resolução n.23, de 17 de setembro de 2007 do CNMP, que trata do inquérito civil, trazia no seu art. 15 sumária exposição a respeito da Recomendação, a qual, por sua brevidade, gerava controvérsia em pontos sensíveis do instituto. Eis seu teor:
Art. 15. O Ministério Público, nos autos do inquérito civil ou do procedimento preparatório, poderá expedir recomendações devidamente fundamentadas, visando à melhoria dos serviços públicos e de relevância pública, bem como aos demais interesses, direitos e bens cuja defesa lhe caiba promover. (Revogado pela Resolução n° 164, de 28 de março de 2017)
Parágrafo único. É vedada a expedição de recomendação como medida substitutiva ao compromisso de ajustamento de conduta ou à ação civil pública. (Revogado pela Resolução n° 164, de 28 de março de 2017)
Em 2017, a Resolução n. 164, de 28 de março, do Conselho Nacional do Ministério Público, revogando o art. 15 da Resolução n. 23, disciplinou o instituto da Recomendação, pondo fim a controvérsias e conferindo maior clareza ao seu alcance, ao minudenciar seus aspectos de aplicação.
4. A Resolução n. 164, de 28 de março de 2017: principais aspectos
O conceito de Recomendação trazido pela Resolução n. 164 é o que se segue:
Art. 1º A recomendação é instrumento de atuação extrajudicial do Ministério Público por intermédio do qual este expõe, em ato formal, razões fáticas e jurídicas sobre determinada questão, com o objetivo de persuadir o destinatário a praticar ou deixar de praticar determinados atos em benefício da melhoria dos serviços públicos e de relevância pública ou do respeito aos interesses, direitos e bens defendidos pela instituição, atuando, assim, como instrumento de prevenção de responsabilidades ou correção de condutas.
Nota-se que a Resolução prestigiou uma postura resolutiva do MP ao claramente preferir o uso da recomendação ao ajuizamento de ações judiciais, consoante se infere dos arts. 2º, X e 6º:
Art. 2º A recomendação rege-se, entre outros, pelos seguintes princípios:
X – resolutividade.
Art. 6º Sendo cabível a recomendação, esta deve ser manejada anterior e preferencialmente à ação judicial.
É preciso ter em mente que, como regra, a Recomendação somente deve ser expedida quando já autuado inquérito civil, procedimento preparatório ao inquérito civil ou procedimento administrativo. Isso porque é necessário que o MP já disponha de certo grau de convencimento a respeito da legalidade ou não de uma prática e, por certo, isso passa pela análise de elementos de convicção. Portanto, o membro do MP já deve dispor de informações que lhe permitam certificar-se quanto à violação à lei.
Art. 3º O Ministério Público, de ofício ou mediante provocação, nos autos de inquérito civil, de procedimento administrativo ou procedimento preparatório, poderá expedir recomendação objetivando o respeito e a efetividade dos direitos e interesses que lhe incumba defender e, sendo o caso, a edição ou alteração de normas.
Dessa forma, uma Recomendação não deve ser expedida como primeiro ato do integrante do Ministério Público no bojo de um inquérito civil, como regra, já que, nesse momento, poderiam não existir elementos de cognição suficientes.
Isso porque a Recomendação ser acompanhada de fundamentação, como exige o art. 129 § 4º da CF, combinado com art. 93, IX da CF. Inclusive, o art. 1º da Resolução n.164 impõe que nela haja exposição de razões fáticas e jurídicas.
Art. 7º A recomendação deve ser devidamente fundamentada, mediante a exposição dos argumentos fáticos e jurídicos que justificam a sua expedição.
A exceção fica por conta os casos em que houver urgência, nos quais será possível expedir a Recomendação desde logo, o que não dispensa, porém, a instauração posterior do inquérito civil, do procedimento preparatório ou administrativo:
Art. 3º § 2º Em casos que reclamam urgência, o Ministério Público poderá, de ofício, expedir recomendação, procedendo, posteriormente, à instauração do respectivo procedimento.
De toda sorte, nota-se que a Recomendação deve estar necessariamente ligada a um procedimento, o qual não pode ser dispensado.
Ademais, como regra, deve o Ministério Público, previamente à expedição da Recomendação, proceder à requisição de informações ao órgão ou pessoa destinatária, salvo impossibilidade motivada. Essa exigência visa evitar que o membro do MP venha a possuir visão parcial sobre a matéria, por exemplo, nos casos que envolvem políticas públicas, em que deve ser buscado o prévio conhecimento de sua realidade. Deve-se, portanto, num primeiro momento, proceder a uma espécie de oitiva da autoridade pública (por meio de resposta escrita), quanto à temática discutida.
Art. 3º § 1º Preliminarmente à expedição da recomendação à autoridade pública, serão requisitadas informações ao órgão destinatário sobre a situação jurídica e o caso concreto a ela afetos, exceto em caso de impossibilidade devidamente motivada.
Quanto à Recomendação em si mesma, trata-se de instrumento “típico do exercício da função de Ombudsman[7]”. Uma das suas funções é a prevenção de responsabilidades, tendo em conta que o expediente permite levar ao conhecimento do agente público potencial violação a direito ou a legislação, impedindo que a autoridade, doravante, possa alegar desinformação quanto às circunstâncias fáticas descritas na Recomendação. Serve ainda ao fim de instar o órgão destinatário a exercer o poder-dever de adotar providências. Nesses casos a omissão “terá relevância jurídica e poderá orientar a atuação futura do Ministério Público.[8]”Isso porque uma vez expedida a Recomendação, o órgão terá de tomar a posição consciente de acatar ou não a sugestão do Parquet. A omissão será tida, pois, como uma postura denotadora também do elemento subjetivo que informa o agente público (dolo ou culpa)[9].
Ademais, os motivos expostos para não atendimento à Recomendação estarão sob incidência da teoria dos motivos determinantes, de forma que permitirão posterior controle de veracidade, inclusive perante o Judiciário[10].
Além disso, a natureza da Recomendação não é apenas preventiva, mas também corretiva, podendo ser usada igualmente para reparação do ilícito, consoante demonstra o art. 4º da Resolução n. 164.
Art. 4º A recomendação pode ser dirigida, de maneira preventiva ou corretiva, preliminar ou definitiva, a qualquer pessoa, física ou jurídica, de direito público ou privado, que tenha condições de fazer ou deixar de fazer alguma coisa para salvaguardar interesses, direitos e bens de que é incumbido o Ministério Público.
O uso da Recomendação também serve ao propósito de sugerir a edição ou alteração de normas, e não apenas a adoção de providências de natureza administrativa. É explícito, nesse ponto, o art. 3º da Resolução n. 164:
Art. 3º O Ministério Público, de ofício ou mediante provocação, nos autos de inquérito civil, de procedimento administrativo ou procedimento preparatório, poderá expedir recomendação objetivando (...) a edição ou alteração de normas.
Conforme explicado, o expediente em tela não implica coação, mas pretende alcançar seu objetivo por meio da persuasão. A Resolução caminha no mesmo sentido ao enfatizar que, “por depender do convencimento decorrente de sua fundamentação para ser atendida e, assim, alcançar sua plena eficácia, a recomendação não tem caráter coercitivo” (parágrafo único do art. 1º). Milita, no mesmo sentido, o art. 2º:
Art. 2º A recomendação rege-se, entre outros, pelos seguintes princípios:
VIII – caráter não-vinculativo das medidas recomendadas.
Dessa feita, não cabe, por exemplo, impetrar habeas corpus ou mandado de segurança em razão do uso desse instrumento[11]. Isso porque o seu descumprimento pode levar o Ministério Público a ajuizar ação judicial, somente no bojo da qual serão viáveis medidas coercitivas. Logo, o expediente não representa uma ameaça a direito em si mesma, já que o ajuizamento de ações pelo MP consubstancia natural atribuição da instituição. Toda e qualquer medida extraprocessual adotada pelo MP depende sempre da anuência do responsável para que surta efeitos (caso do compromisso de ajustamento de conduta, por exemplo, que depende da convergência de vontade dos envolvidos).
Inclusive, é natural e propício que na Recomendação sejam arroladas possíveis consequências do seu descumprimento, segundo a visão do MP. Todavia, há de se ter mente que o órgão ministerial somente pode listar medidas que possam, de fato, ser implementadas pelo Parquet, por se encontrarem em sua esfera de atribuições. Dentro disso, não pode o Parquet, por exemplo, enunciar como possíveis corolários da inobservância de recomendação uma condenação judicial ou mesmo a responsabilização cível por ato de improbidade, ilustrativamente, já que tais conclusões somente podem ser alcançadas por necessário intermédio de processo judicial e se assim decretado pelo Juiz da futura causa. Qualquer indicação de consequência fora da das atribuições ministeriais é, de plano, abusiva, mesmo porque há plena possibilidade de que o Parquet venha a ser vencido na ação a ser proposta.
Art. 11 § 1º No intuito de evitar a judicialização e fornecer ao destinatário todas as informações úteis à formação de seu convencimento quanto ao atendimento da recomendação, poderá o órgão do Ministério Público, ao expedir a recomendação, indicar as medidas que entende cabíveis, em tese, no caso de desatendimento da recomendação, desde que incluídas em sua esfera de atribuições.
Por esse modo, não configura crime de desobediência o não atendimento à Recomendação. Veja-se que, no caso de requisição de dados técnicos imprescindíveis à propositura de ação civil pública, haverá crime no seu não atendimento, como dispõe a Lei 7.347/85:
Art. 10. Constitui crime, punido com pena de reclusão de 1 (um) a 3 (três) anos, mais multa de 10 (dez) a 1.000 (mil) Obrigações Reajustáveis do Tesouro Nacional - ORTN, a recusa, o retardamento ou a omissão de dados técnicos indispensáveis à propositura da ação civil, quando requisitados pelo Ministério Público.
Ainda assim, a tipificação da conduta referida depende da constatação de que a informação omitida ao Parquet e objeto de requisição era indispensável à propositura da ação civil pública, segundo proclama a jurisprudência[12].
Porém, como ressaltado, o artigo não se aplica ao descumprimento de Recomendação ministerial. Logo, não há crime em seu não acatamento.
O art. 10 da Resolução n. 164, de 2017 ainda enuncia que o órgão do Ministério Público poderá requisitar, em prazo razoável, resposta por escrito sobre o atendimento ou não da Recomendação, bem como instar os destinatários a respondê-la de modo fundamentado. Ainda que não requisitada, o ideal é que haja sempre resposta escrita, acompanhada das razões embasadoras. Há inclusive, um dever por parte do membro do Ministério Público de avaliar fundamentadamente a resposta encaminhada pelo destinatário do expediente. Portanto, não há imediatismo entre a não adoção das providências recomendadas e a propositura da demanda judicial, como a ação civil pública. Deve haver uma postura reflexiva por parte do membro do Ministério Público, de molde a avaliar a coerência e a procedência dos alicerces fáticos e jurídicos da resposta. Nesse cenário, inclusive, tem lugar o denominado princípio da “ponderação e [d]a proporcionalidade nos casos de tensão entre direitos fundamentais”, como determina o art. 2º X da Resolução.
Art. 10. Parágrafo único. Havendo resposta fundamentada de não atendimento, ainda que não requisitada, impõe-se ao órgão do Ministério Público que expediu a recomendação apreciá-la fundamentadamente.
Art. 11. Na hipótese de desatendimento à recomendação, de falta de resposta ou de resposta considerada inconsistente, o órgão do Ministério Público adotará as medidas cabíveis à obtenção do resultado pretendido com a expedição da recomendação.
§ 3º A efetiva adoção das medidas indicadas na recomendação como cabíveis em tese pressupõe a apreciação fundamentada da resposta de que trata o parágrafo único do artigo anterior.
Enquanto se aguardam a resposta e o implemento eventual de medidas pelo destinatário da Recomendação, deve o MP evitar a adoção de qualquer outra providência. Portanto, não seria coerente a postura do membro do Parquet que ajuíza ação enquanto ainda aguarda que a Recomendação seja apreciada pela autoridade responsável, mesmo porque se pretende, pelo expediente extrajudicial, reduzir a litigiosidade.
Art. 11. Na hipótese de desatendimento à recomendação, de falta de resposta ou de resposta considerada inconsistente, o órgão do Ministério Público adotará as medidas cabíveis à obtenção do resultado pretendido com a expedição da recomendação.
§ 2º Na hipótese do parágrafo anterior, o órgão ministerial não adotará as medidas indicadas antes de transcorrido o prazo fixado para resposta, exceto se fato novo determinar a urgência dessa adoção.
É preciso ainda destacar que as providências recomendadas devem ser especificadas de forma clara e objetiva, evitando-se subjetivismos que contribuam para a insegurança jurídica.
Noutro norte, sempre que a questão já estiver judicializada, há de ser evitado o uso da Recomendação, precavendo o tumulto e o constrangimento infligido à parte como decorrência da expedição de uma Recomendação que solicite a adoção de uma postura em conflito com sua linha defensiva judicial. Somente será possível expedir Recomendação em desfavor de parte de demanda judicializada ou relativa a objeto já submetido ao Estado-Juiz em casos excepcionais, em se que se façam acompanhar justificativas de fato e de direito. Em qualquer circunstância, porém, não deverá a Recomendação conflitar com decisão judicial, já que esta última deve prevalecer como concretização da força coercitiva do Estado.
Art. 5º Não poderá ser expedida recomendação que tenha como destinatária(s) a(s) mesma(s) parte(s) e objeto o(s) mesmo(s) pedido(s) de ação judicial, ressalvadas as situações excepcionais, justificadas pelas circunstâncias de fato e de direito e pela natureza do bem tutelado, devidamente motivadas, e desde que não contrarie decisão judicial.
Já munido da resposta, o Ministério Público deverá sempre avaliar as razões e, com, a partir dessa apreciação, se for o caso, fundamentar também a promoção de arquivamento do inquérito civil, se for o caso. Seria contraditório e fomentaria o descrédito da instituição se o órgão ministerial simplesmente cessasse com as investigações e colheita de materiais sobre a questão, sem declinar das razões para não ajuizar a ação judicial, numa atitude de abandono do caso. Tal proceder contrariaria ainda a determinação de que a promoção de arquivamento do inquérito civil seja homologada pelo Conselho Superior ou órgão que lhe faça as vezes, o que pressupõe motivação prévia do ato, como impõe o art. 9º da Lei 7.347/85:
Art. 9º Se o órgão do Ministério Público, esgotadas todas as diligências, se convencer da inexistência de fundamento para a propositura da ação civil, promoverá o arquivamento dos autos do inquérito civil ou das peças informativas, fazendo-o fundamentadamente.
§ 1º Os autos do inquérito civil ou das peças de informação arquivadas serão remetidos, sob pena de se incorrer em falta grave, no prazo de 3 (três) dias, ao Conselho Superior do Ministério Público.
§ 2º Até que, em sessão do Conselho Superior do Ministério Público, seja homologada ou rejeitada a promoção de arquivamento, poderão as associações legitimadas apresentar razões escritas ou documentos, que serão juntados aos autos do inquérito ou anexados às peças de informação.
§ 3º A promoção de arquivamento será submetida a exame e deliberação do Conselho Superior do Ministério Público, conforme dispuser o seu Regimento.
§ 4º Deixando o Conselho Superior de homologar a promoção de arquivamento, designará, desde logo, outro órgão do Ministério Público para o ajuizamento da ação.
Portanto, se o MP concluir, após a recepção de resposta escrita, que não deve ajuizar ação judicial, como anteriormente havia anunciado no bojo da Recomendação, deve expor todas as razões de seu convencimento.
Inclusive, ousamos propor que o MP comunique à autoridade destinatária da Recomendação o acatamento da resposta apresentada, como dever de lealdade, cooperação e boa-fé.
Por outro lado, entendendo que a resposta recebida não afasta a violação a direito, poderá o Parquet adotar outras providências, ainda no âmbito da postura resolutiva extrajudicial – propondo compromisso de ajustamento de conduta, ilustrativamente, se for o caso – ou acionando o Poder Judiciário, por meio de ações inseridas em suas atribuições funcionais, tal como a ação civil pública.
5. CONCLUSÃO
A Recomendação é, sem dúvida, importante instrumento de redução da litigiosidade. Embora não tenha caráter coercitivo, pode evitar, pelo convencimento do destinatário, o ajuizamento de ação judicial, contribuindo para o ajustamento de condutas sem o uso da força institucional do Judiciário. A Resolução n. 146 do CNMP, ao disciplinar o expediente, muito contribui em termos de segurança jurídica, sobretudo em benefício do destinatário da Recomendação, ao impor limites à atuação do Parquet e estabelecer contornos mais precisos ao instituto.
6. REFERÊNCIAS
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[1] JR. ZANETI, Hermes; GARCIA, Leonardo de Medeiros. Direitos Difusos e Coletivos. 8.ed. Salvador: Jus Podivm, 2017, p.14.
[2] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p.39.
[3] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 40.
[4] ZAVASCKI, Teori Albino. Processo Coletivo: Tutela de Direitos Coletivos e Tutela Coletiva de Direitos. 7.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 40.
[5] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça.AgInt no AREsp 56.712/RJ. Agravante: Estado do Rio de Janeiro Agravado: Ministério Público do Estado do Rio de Janeiro. Relatora: Ministra Assusete Magalhães, Brasília, DF, 27 de junho de 2017. STJ, Brasília, 2017. Acesso em: 21 nov. 2017
[6] GAVRONSKI, Alexandre Amaral in GAVRONSKI, Alexandre Amaral; MENDONÇA, Andrey Borges de. Manual do Procurador da República: Teoria e Prática. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p.788.
[7] GAVRONSKI, Alexandre Amaral in GAVRONSKI, Alexandre Amaral; MENDONÇA, Andrey Borges de. Manual do Procurador da República: Teoria e Prática. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p.839. O ombudsman, em breves linhas, era o ocupante de cargo que, de forma independente em relação ao Estado, defendia os direitos dos cidadãos. Há um forte paralelo entre suas funções e as cometidas ao Ministério Público.
[8] GAVRONSKI, Alexandre Amaral in GAVRONSKI, Alexandre Amaral; MENDONÇA, Andrey Borges de. Manual do Procurador da República: Teoria e Prática. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p.848.
[9] GAVRONSKI, Alexandre Amaral in GAVRONSKI, Alexandre Amaral; MENDONÇA, Andrey Borges de. Manual do Procurador da República: Teoria e Prática. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p.848.
[10] GAVRONSKI, Alexandre Amaral in GAVRONSKI, Alexandre Amaral; MENDONÇA, Andrey Borges de. Manual do Procurador da República: Teoria e Prática. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p.848.
[11] GAVRONSKI, Alexandre Amaral in GAVRONSKI, Alexandre Amaral; MENDONÇA, Andrey Borges de. Manual do Procurador da República: Teoria e Prática. 2.ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p.845.
[12] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 303.856/RJ. Impetrante: Felippe Gomes Costas Miguez e outro. Impetrado: Tribunal de Justiça do Rio de Janeiro. Relator: Ministro Felix Fischer, Brasília, DF, 07 de abril de 2015. STJ, Brasília, 2017. Acesso: 01 nov.2017.
Bacharela em Direito pela Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Maria Eduarda Andrade e. Breves comentários à recomendação ministerial disciplinada pela Resolução n. 164, de 28.03.2017 do CNMP Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 15 dez 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51144/breves-comentarios-a-recomendacao-ministerial-disciplinada-pela-resolucao-n-164-de-28-03-2017-do-cnmp. Acesso em: 23 dez 2024.
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