RESUMO: O presente estudo tem por escopo realizar uma análise sobre a responsabilidade civil dos provedores de Internet nas situações em que ocorram violação dos direitos à privacidade e à liberdade de expressão, em virtude de danos causados por conteúdos produzidos por terceiros. O cerne consiste em analisar a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça sobre o tema, edificada antes da vigência da Lei 12.965/2014, uma vez que a Corte Superior já definiu que o referido diploma legal não se aplica aos casos anteriores à sua vigência e, ainda, as disposições do novel diploma que passou a reger temática. Assim, foram pormenorizados os casos que abordam condutas do provedor em monitorar previamente o conteúdo publicado e o prazo para promover a remoção do conteúdo ofensivo. No que tange à metodologia adotada, foram utilizados preceitos doutrinários e análises jurisprudenciais, a fim de delimitar os critérios para responsabilidade civil do provedor e, concomitantemente, a reparação de prejuízos causados por publicação de conteúdo ofensivo.
Palavras-chave: Responsabilidade Civil. Provedores. Internet. Lei nº 12.965/2014.
SUMÁRIO: 1.INTRODUÇÃO. DOS REFLEXOS DA INTERNET NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIVACIDADE E DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 2.1 DO DIREITO À PRIVACIDADE. 2.2 DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO. 2.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL. 2.3.1 Conceito. 2.3.2 Elementos da responsabilidade civil. 2.3.3 Espécies de responsabilidade civil. 3 ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE SERVIÇOS DE INTERNET.3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE INTERNET NA DOUTRINA. 3.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA . 3.2.1 Da atuação do provedor de Internet em fiscalizar previamente o conteúdo publicado pelos usuários. 3.2.2 Do prazo para o provedor de Internet promover a retirada do conteúdo ilícito. 3.4 O MARCO CIVIL DA INTERNET - LEI 12.965/2014. 3.4.1 Confronto entre a posição majoritária da jurisprudência até agosto de 2014 com o disciplinado na nova lei. CONCLUSÃOREFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.
INTRODUÇÃO
É inegável que o advento da Internet conferiu contornos significativos à compreensão do conceito de informação, revigorando de maneira sublime o seu valor. Em que pese o ambiente virtual ter possibilitado a ampla propagação de informações, as suas peculiaridades também contribuíram para o aumento de situações que envolvam problemas oriundos das relações estabelecidas na Internet. Esses conflitos, por sua vez, produzem reflexos na esfera jurídica.
No presente trabalho será dado enfoque à problemática que envolve a responsabilidade civil dos provedores de Internet por danos causados por conteúdo gerados por terceiros, conferindo especial atenção aos danos provocados por violação ao direito à privacidade e ao direito à liberdade de expressão. A escolha da temática se justifica em razão de o surgimento da Internet ter desencadeado inevitável reflexão acerca dos aspectos referentes à compreensão de determinados conceitos, como a definição de privacidade, liberdade de expressão, aliado à contemporaneidade do assunto, essencialmente, no que se refere ao advento de uma legislação específica sobre o tema.
Pretende-se com o presente trabalho contribuir para o estudo da definição dos critérios eficientes no momento de aplicar a obrigação de reparar danos, tendo em vista que, recentemente, o ordenamento jurídico pátrio passou a contar com diploma legal específico para reger o tema, o chamado Marco Civil da Internet, não aplicado para situações anteriores à sua vigência.
Ademais, serão explanados os efeitos que a Internet causou no exercício dos direitos de privacidade e liberdade de expressão, ambos previstos na Constituição Federal de 1988. Em seguida, serão abordados aspectos atinentes ao instituto da responsabilidade civil, visitando seu conceito e ainda, seus elementos e tipos.
Por derradeiro, serão balizadas questões referentes à responsabilidade civil do provedor, a partir de uma análise sobre o posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e que foi seguido pelos demais Tribunais pátrios, em atenção à falta de legislação que cuidasse especificamente do tema. Por conseguinte, será apresentada a legislação que entrou em vigor recentemente e que traz preceitos que disciplinam a temática em discussão – Lei 12.965/2014, conhecida como o Marco Civil da Internet, com a pretensão de comparar suas lições com o entendimento firmado pela jurisprudência pátria até a sua edição.
2 DOS REFLEXOS DA INTERNET NOS DIREITOS FUNDAMENTAIS DE PRIVACIDADE E DE LIBERDADE DE EXPRESSÃO E DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.1 DO DIREITO À PRIVACIDADE
É cediço que a Internet guarda muitas peculiaridades que a fazem uma portentosa fonte de comunicação e pesquisa, traduzindo-se como meio de difusão do pensamento, sendo o intercâmbio de informações um de seus maiores desdobramentos. A informação transmitida de maneira ágil e capaz de disseminar ideias culminou na decisão da Organização das Nações Unidas em considerar, no ano de 2011, o acesso à Internet um direito humano fundamental[1].
Por outro lado, o exercício do direito de acesso à Internet acabou por fragilizar o direito à privacidade. Tarcisio Teixeira[2] destaca que “a privacidade na Internet pode ser violada com facilidade por causa da indiscriminada captação de dados, que enseja a formação de um perfil de usuário e que acarreta a comercialização desses dados”. A violação do direito à privacidade é facilitada pela mesma peculiaridade que torna a Internet uma ferramenta atrativa, qual seja, a facilidade em difundir e reproduzir informações, sem limites aparentes de localidade.
Nesse estudo, a expressão privacidade será usada em sentido amplo, como faz e recomenda José Afonso da Silva[3] envolvendo todas as manifestações da esfera íntima, privada e da personalidade. A jurisprudência pátria já se portou nesse sentido, ou seja, em discutir a privacidade abarcando o direito à intimidade, vida privada, honra e imagem. Unicamente para ilustrar o entendimento adotado neste trabalho, observa-se:
No respeitante ao inciso X, é de se considerar que a proteção constitucional à privacidade (intimidade, vida privada, honra e imagem) dirige-se à liberdade individual de ser, estar e agir, alcançando a esfera exclusiva da pessoa, ou seja, o campo da pessoalidade que concentra informações de interesse unicamente do seu titular ou de um grupo de convivência estreita. As informações abarcadas pelo direito à privacidade são, assim, destituídas de repercussão social”. Origem: Tribunal Regional Federal - 5ª Região Classe: Apelação Civel - AC312380/SE. Número do Processo: 200185000024517. Código do Documento: 72236. Data do Julgamento: 01/07/2003. Órgão Julgador: Quarta Turma. Relator: Desembargador Federal Francisco Cavalcanti. PUBLICAÇÕES. Diário da Justiça (DJ) - 02/09/2003 - Página 649.
Portanto, o conceito de privacidade adotado neste estudo será tratado em sentido amplo.
Da mesma forma, em âmbito internacional, o direito à privacidade igualmente recebe amparo, dado que o artigo 12 da Declaração Universal dos Direitos Humanos e o artigo 17 do Pacto Internacional sobre o Estado dos Direitos Civis e Políticos estabelecem que ninguém será sujeito a interferências na sua vida privada, familiar, em domicílio ou entre correspondências, e que todos têm o direito à proteção da lei contra tais interferências ou ataques.
Nessa esteira Marcel Leonardi aponta[4]:
Não se deve entender a tutela da privacidade como a proteção exclusiva de um individuo, mas sim como uma proteção necessária para a manutenção da estrutura social. A privacidade não é valiosa apenas para a vida privada de cada individuo, mas também para a vida publica e comunitária. Como destaca GUSTAVO TEPEDINO, o direito à privacidade consiste em tutela indispensável ao exercício da cidadania.
Como bem destacou René Ariel Dotti[5] a vida privada, genericamente, alcança todos os aspectos que as pessoas não gostariam que se tornassem públicos. Em apertada síntese, é o que não deve ser objeto do direito à informação, constituindo-se em um limite natural a esse direito. Ocorre que, consoante entendimento de Liliana Paesani[6]:
“O desenvolvimento da informática colocou em crise o conceito de privacidade, e, a partir dos anos 80, passamos a ter um novo conceito de privacidade que corresponde ao direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, mesmo quando disponíveis em bancos de dados”.
É cediço que o advento da Internet facilitou a troca de informações, e a sua carência no tocante à segurança em armazenar e transmitir dados sigilosos moldou o conceito de privacidade. Com a finalidade de ajustar a definição de privacidade à realidade construída na sociedade pelas particularidades da Internet, partindo-se do pressuposto de que a ciência jurídica precisa acompanhar as mudanças no comportamento da coletividade, a jurisprudência pátria, empenhada nessas considerações, se preocupou em assumir um posicionamento:
Com o desenvolvimento da tecnologia, passa a existir um novo conceito de privacidade, sendo o consentimento do interessado o ponto de referência de todo o sistema de tutela da privacidade, direito que toda pessoa tem de dispor com exclusividade sobre as próprias informações, nelas incluindo o direito à imagem. (STJ, REsp 1168547/RJ, 4ª T, Rel. Min. Luis Felipe Salomão, j. 11/05/2010, v.u., DJe 07/02/2011).
Nas palavras de Rodotà[7]:
Quando nos defrontamos com o tema privacidade no espaço cibernético, apresentam-se duas ordens de problemas: o primeiro reporta-se ao respeito à esfera privada alheia que nos conduz no terreno tradicional da tutela da privacidade. O segundo refere-se à privacidade de quem se movimenta naquele espaço e, consequentemente, requer o anonimato. Contudo os dois problemas estão destinados a se cruzarem e indaga-se quais serão as consequências se uma pessoa considerar que sua privacidade está sendo violada por uma informação anônima na rede.
Ao considerar que no âmbito da Internet as informações, a comunicação e a divulgação dos dados são feitos em um patamar de desmedido alcance, a violação da privacidade acabou por torna-se uma ameaça iminente.
Segundo Paesani[8], nessa linha de entendimento, há uma alerta para necessidade de se obter algum controle do grande número de informações que circula por ela, preservando direitos fundamentais, como a privacidade. De certa forma, tem-se que foi construído um cenário onde a insegurança jurídica norteia a Internet e a proteção da privacidade dos usuários e dos dados sigilosos transmitidos precisa ser assegurada.
Na esfera da violação à privacidade, o aspecto mais polêmico é o que trata a respeito das “informações deixadas por alguém durante o uso rede e que são recolhidas pelos cookies” [9]. Esclarecendo, ainda segundo a autora, “cookies são absorventes de textos com informações sobre comportamento dos usuários da rede, as quais são utilizadas para várias finalidades ou vendidas para um mercado que as considera um produto de grande interesse” [10].
Diante disso, pode-se articular que objetivo do cookie é guardar os dados, a exemplo de nomes e senhas, para que não seja exigido que o usuário digite esses dados na oportunidade em que visite o site novamente. Ademais, com a captação dos dados do usuário, tendo em vista o seu comportamento virtual (preferências) e seus interesses, os cookies acabam por assumir um valor relevante para efeitos de direcionamento de anúncios de publicidade.
Apurada a definição de cookie, já é plausível antever que a preocupação relacionada ao adequadamente cognominado por Amaro Moraes Neto[11] de “indigestos biscoitos da web”, em alusão à tradução do verbete para língua portuguesa, constitui-se na medida em que esses dados são utilizados indiscriminadamente e sem o devido esclarecimento aos usuários o que revela afronta ao direito à privacidade.
Nesse sentido, cabe trazer à baila o posicionamento do jurista Ivan Lira de Carvalho:
[...] aspecto da Internet que inquieta a todos aqueles que zelam pelo bom uso dessa genial ferramenta de aproximação dos povos, diz respeito à invasão dos microcomputadores pelos cookies, forma carinhosa (mas nem por isso menos preocupante) de tratamento dado a esses “biscoitinhos digitais”, que fazem a via inversa das conexões, entrando na intimidade do usuário sem pedir permissão e de forma imperceptível. São pequenos programas, “plantados” a partir de certas páginas web no computador do visitante destas, armazenando na máquina do usuário as informações colhidas quando ele passou por um determinado site. Aparentemente têm somente a finalidade de facilitar o retorno do usuário a determinados sites, posto que completa o URL sempre que o usuário começa a digitá-lo. Entretanto, são desvirtuados, passando a funcionar como autênticos espiões, gerando informações acerca das preferências do visitante, sempre que ele passa por uma determinada página virtual. Essa característica de ‘espião’ dos cookies, implica em violação ao direito à privacidade, ensejando providências judiciais inibitórias (restrição ou impedimento ao uso desses softwares) ou indenizatórias (quem sabe até por dano moral, decorrente da violação da intimidade do usuário)”.[12].
Da mesma forma, Tarcisio Teixeira[13] indica que a mera coleta de informações praticada pelo site, por meio de cookie, já pode configurar uma invasão de privacidade. De imediato, pode-se concluir ainda, que a própria instalação do cookie na ausência de consentimento do usuário, já caracteriza a invasão de privacidade, tendo em vista que a sua instalação configura a existência de uma captação informações de qualquer gênero e a posterior composição de banco de dados, muitas vezes, com o intuito de comercializar essas informações.
O adequado seria que o usuário fosse informado do funcionamento do cookie, sendo alertado acerca do real destino das informações que serão recolhidas. Sendo oportunizada ao usuário a escolha do uso do cookie, não haveria que se falar em violação da privacidade, caso optasse pela instalação dessa prática. Nesse trilho, já caminha a União Europeia, desde 2002, ao editar uma lei[14] que determina que os cookies apenas possam atuar caso tenha sido esclarecido ao usuário o fato de que as suas informações poderão ser manipuladas. Acertadamente, o referido diploma legal esclarece, também, que o uso do cookie se traduz em uma espécie de espionagem da navegação do usuário.
2.2 DO DIREITO À LIBERDADE DE EXPRESSÃO
A liberdade de expressão está garantida pelo texto constitucional no inciso IX do artigo 5º. Da mesma forma, está assegurada na Declaração Universal dos Direitos Humanos, no Pacto de Direitos Civis e Políticos e na Declaração Chapultepec, documentos internacionais dos quais o Brasil é signatário. Está concatenada tanto à liberdade de manifestação quanto à atividade intelectual, artística, científica e de comunicação.
No que tange ao conteúdo, o direito constitucional à liberdade expressão abrange opiniões, comentários, convicções, acerca de qualquer assunto. De natureza igual, é o exercício desse direito que pode se catalogar no uso da palavra, fotografias, vídeos, ou seja, qualquer artifício que possa transmitir ideias, mensagens ou informações, independente de censura ou licença. Nas palavras de Carlos Rohrmann[15]:
O direito de liberdade de expressão envolve as duas vias, tanto a liberdade de manifestar o pensamento, seja por qualquer forma, quanto à liberdade de receber a manifestação de terceiros. A primeira envolve um direito de “falar”, enquanto a outra se refere ao direito de ter acesso ao que foi ou está sendo dito por terceiros.
O exercício da liberdade de expressão, assim como os direitos fundamentais em sua integralidade, não tem caráter absoluto. Deve ser exercido dentro dos parâmetros estampados na Carta Magna, os quais definem seu conteúdo jurídico e ajustam sua existência legal. Associada a isso, temos o entendimento do jurista Pedro Lenza[16] que evidenciou:
Veda-se a censura de natureza pública, ideológica, e artística (artigo 220, parágrafo 2º, Constituição Federal de 1988), porém, apesar da liberdade de expressão acima garantida, lei federal deverá regular as diversões e espetáculos públicos, cabendo ao Poder Público informar sobre a natureza deles, as faixas etárias a que não se recomendem, locais e horários em que sua apresentação se mostre inadequada.
Estabelecidas as observações pertinentes a respeito do conceito do direito à liberdade de expressão, passa-se à análise das implicações decorrentes da Internet no exercício do direito em questão.
Tratando-se de Internet e liberdade de expressão, a polêmica de maior insigne reside na prática do famigerado spam. O termo spam pode ser definido como correio eletrônico não solicitado enviado em larga escala, de conteúdo idêntico que, geralmente, está associado a informes publicitários. A mensagem não solicitada se refere a conteúdos enviados para destinatários que não manifestaram consentimento prévio para receber tal mensagem.[17] A principal característica do spam consiste na ausência de solicitação do destinatário.
Tarcisio Teixeira[18] assim define:
A mensagem eletrônica não solicitada, também conhecida por spam, é o email de conteúdo impróprio ou inoportuno, distribuído em massa, via correio eletrônico. Pode-se dizer [...] é dirigida a inúmeros endereços, com fim comercial ou não, na qual se divulga e/ou oferecem produtos ou serviços. Também é chamado de junk email, que se tem traduzido por lixo eletrônico”.
Considerando a escassez de normas brasileiras que disciplinem a controvérsia[19], é imprescindível estabelecer um equilíbrio, analisando-se o caso concreto, com fito de afastar a inibição à liberdade de as pessoas se expressarem por meio de spam e manter a inviolabilidade de suas correspondências, atentando, concomitantemente, ao fato de que as pessoas não sejam lesadas em seu direito à privacidade.
Desse modo, deve-se ater-se em buscar a harmonia entre as disposições constitucionais com vistas a satisfazer as exigências da ordem pública e do bem-estar da sociedade. Reservando-se em analisar o equilíbrio no exercício dos direitos constitucionais, notadamente quanto às relações estabelecidas na Internet, é forçoso concluir que se assegure o interesse coletivo em detrimento do interesse individual, sendo a jurisprudência pátria um dos personagens principais nessa busca.
2.3 DA RESPONSABILIDADE CIVIL
2.3.1 Conceito
O conceito inteligível de Afranio Lyra[20] sobre responsabilidade civil foi destacado por Liliana Minardi:
Quem pratica um ato, ou incorre numa omissão de que resulte dano, deve suportar as consequências do seu procedimento. Trata-se de uma regra elementar de equilíbrio social, na qual se resume, em verdade, o problema da responsabilidade. Vê-se, portanto, que a responsabilidade é um fenômeno social.
Assim, infere-se que a responsabilidade civil consiste em fenômeno jurídico que impõe àquele que causar dano a alguém, a obrigação de reparar o prejuízo decorrente de sua conduta. O comportamento do autor do dano, necessariamente, viola norma jurídica e hostiliza interesse particular. O prejuízo da vítima, portanto, merece reparos a fim de que esta retorne à sua condição anterior tanto quanto for permitido. Da mesma forma, Maria Helena Diniz entende que a responsabilidade civil visa aplicar medidas que obriguem alguém a reparar dano patrimonial ou moral causado a outrem[21].
Pablo Stolze[22] sinalizou que a reparação feita pelo autor do evento danoso assume três funções diversas, quais sejam: compensação do dano à vítima, punição do ofensor e desmotivação social da conduta lesiva. Nesse sentido já caminhava Roberto Norris[23], citado por Rui Stoco, que afirmou ser, talvez, o traço mais marcante da responsabilidade civil “o fato de se constituir especialmente em um instrumento de compensação”, além de “desestimular a repetição de condutas semelhantes em um momento posterior”.
Desse modo, pode-se concluir que o instituto da responsabilidade civil molda um cenário onde se tem uma conduta anterior ilícita que trouxe como consequência dano para alguém, sendo atribuído ao autor do ato o dever de suportar os efeitos de seu comportamento.
2.3.2 Elementos da responsabilidade civil
Da leitura do artigo 186 do Código Civil pátrio depreende-se os elementos constitutivos da responsabilidade civil, ou seja, o dispositivo legal mencionado apresenta os requisitos para configuração do instituto da responsabilidade civil, quais sejam: ação ou omissão voluntária, verificação de um dano e, por fim, nexo de causalidade entre os dois primeiros elementos.
O primeiro elemento apresentado, ação ou omissão voluntária, se traduz em conduta humana. É o comportamento humano voluntário, portanto, que por meio de uma ação ou omissão acarreta consequências jurídicas. Maria Helena Diniz[24] observou que:
A ação, elemento constitutivo da responsabilidade, vem a ser o ato humano, comissivo ou omissivo, ilícito ou lícito, voluntário e objetivamente imputável, do próprio agente ou de terceiro, ou do fato de animal ou coisa inanimada, que cause dano a outrem, gerando o dever de satisfazer os direitos do lesado.
Rui Stoco[25] sintetizou bem ao afirmar que “não há responsabilidade civil sem determinado comportamento humano contrário à ordem jurídica”. Dessa maneira, a conduta humana é elemento primário, ou seja, primeiro momento para a configuração da responsabilidade civil, guardando como característica intrínseca a voluntariedade[26].
O indivíduo, uma vez dotado de discernimento necessário para compreender os efeitos de sua ação e de liberdade de escolha, tem consciência de suas atitudes. Assim sendo, deve ser responsabilizado por danos oriundos de suas ações omissivas e comissivas.
No tocante ao dano, a doutrina pátria é uníssona em sustentar que a ausência de dano não que se falar responsabilidade civil, dado que sem prejuízo, não há responsabilidade. Leciona Rui Stoco[27]:
O dano é, pois, elemento essencial e indispensável à responsabilização do agente, seja essa obrigação originada de ato lícito, nas hipóteses expressamente previstas, seja de ato ilícito, ou de inadimplemento contratual, independente, ainda, de se tratar de responsabilidade objetiva ou subjetiva.
Tem-se que o dano é elemento máximo para configuração da responsabilidade civil, traduzindo-se em toda desvantagem suportada por um indivíduo, resultante de um comportamento de outrem. Ademais, cabe frisar que não é todo dano que acarreta a responsabilização de seu autor, tendo em vista que o Código Civil ampara apenas o ressarcimento de danos diretos e efetivos, afastando da seara da responsabilidade os danos presumidos e incertos.
Por derradeiro, passemos à análise do último elemento orientador da responsabilidade civil: o nexo causal. Sergio Cavalieri Filho[28] atenta para a seguinte definição de nexo causal: “É o vínculo, a ligação ou relação de causa e efeito entre a conduta e o resultado”.
O nexo de causalidade, portanto, é o elo entre a conduta ilícita e o resultado danoso. Ademais, é forçoso concluir que é fundamental que o dano tenha sido causado pela ação do sujeito, ou seja, para restar caracterizada a responsabilidade civil, imprescindível se fazer uma análise para identificar se foi o sujeito que deu causa ao resultado danoso. Em suma, não haverá obrigação de reparar se entre a conduta humana e o dano não houver relação de causalidade.
2.3.3 Espécies de responsabilidade civil
A responsabilidade civil traz consigo uma clássica divisão realizada levando-se em consideração a natureza do instituto. Pode estar concretizada em decorrência de um contrato, quando há descumprimento de um dever preestabelecido, gerando a obrigação de ressarcir, caso em que falamos em responsabilidade civil contratual, ou, ainda, na hipótese em que entre o autor do dano e a vítima não há qualquer vínculo jurídico anterior até a realização do comportamento que ensejou um prejuízo e a consequente obrigação de reparar, caso em que estamos diante da responsabilidade civil extracontratual.
Por outro lado, a responsabilidade civil extracontratual, também conhecida como responsabilidade aquiliana[29], pode ser classificada, tendo em vista o aspecto subjetivo, em responsabilidade objetiva e responsabilidade subjetiva.
Sergio Cavalieri Filho[30] ensina que a responsabilidade contratual:
Não está no contrato, como equivocadamente alguns a definem. O que está no contrato é o dever jurídico preexistente, a obrigação originária voluntariamente assumida pelas partes contratantes. A responsabilidade contratual surge quando uma delas (ou ambas) descumpre esse dever, gerando o dever de indenizar.
Rui Stoco[31] destaca a lição de Savatier lembrada por Caio Mário: “a responsabilidade contratual é a inexecução previsível e evitável, por uma parte ou seus sucessores, de obrigação nascida no contrato, prejudicial à outra parte ou seus sucessores”.
A responsabilidade contratual, portanto, decorre do não atendimento à prestação fixada em contrato. Ao se falar em contrato, faz-se mister destacar que todos têm a livre escolha para contratar, no entanto, uma vez efetuado o contrato, é dever das partes cumprir o que ficou avençado – princípio da força vinculante das convenções, traduzido na expressão pacta sunt servanda[32]. Compreende-se, do referido princípio, portanto, que o contrato impera entre as partes, que devem cumpri-lo rigorosamente.
O Código Civil pátrio dispõe em seus artigos 389 e seguintes a respeito da responsabilidade civil contratual, determinando, para sua verificação, que haja um dever, preestabelecido no contrato e que esse dever tenha sido desrespeitado e, ainda, que o ato seja imputável à parte que descumpriu o contrato, além de fundamentar essa espécie de responsabilidade na existência de dolo ou culpa. Nesse sentido, são as lições de Maria Helena Diniz[33]:
A responsabilidade contratual funda-se na culpa, entendida em sentido amplo, de modo que a inexecução culposa da obrigação se verifica que pelo seu descumprimento intencional, havendo vontade consciente do devedor de não cumprir a prestação devida, com o intuito de prejudicar o credor (dolo), quer pelo inadimplemento do dever jurídico, sem a consciência da violação, sem a intenção deliberada de causar dano ao direito alheio, havendo apenas um procedimento negligente, imprudente ou omisso (culpa), prejudicial ao credor. Sendo a culpa, nesse sentido amplo, que abrange o dolo e a culpa em sentido estrito, o principal fundamento da responsabilidade contratual, o dever de indenizar apenas surgirá quando o inadimplemento for causado por ato imputável ao devedor. Daí a necessidade de se apreciar o comportamento do obrigado, a fim de se verificar, para a exata fixação de sua responsabilidade, se houve dolo, negligência, imperícia ou imprudência de sua parte.
Assim sendo, é imperioso afirmar que a responsabilidade contratual tem fundamento na autonomia da vontade. Pode-se indicar, portanto, que do não cumprimento de obrigações fixadas espontaneamente decorrerá ao inadimplente a atribuição de reparar o prejuízo causado pelo seu comportamento infiel. Em outras palavras, pode-se concluir que o descumprimento do contrato compromete o andamento da relação jurídica firmada entre as partes, atentando-se para o fato de que a reparação deve ser equivalente ao prejuízo suportado, pois a finalidade do instituto da responsabilidade civil é assegurar que a vítima do dano retorne à sua posição jurídica anterior à conduta danosa.
A responsabilidade civil extracontratual não pressupõe descumprimento de dever anteriormente ajustado entre as partes. Ela decorre da falta de respeito ao direito de outrem, ou seja, há violação de norma legal (ato ilícito), o que enseja a obrigação de reparar o dano. Rui Stoco[34] considera que
A responsabilidade extracontratual é o encargo imputado pelo ordenamento jurídico ao autor do fato, ou daquele eleito pela lei como responsável pelo fato de terceiro, de compor o dano originado do ato ilícito, ou seja, da obrigação daquele que por ação ou omissão voluntária, violar direito e causar dano a outrem.
A violação tratada pela responsabilidade extracontratual se funda na própria lei, ou seja, consiste no “dever geral de não causar danos a ninguém, que encontra expressão e materialização no artigo 186 do Código Civil de 2002[35]”.
Tarcisio Teixeira[36] destaca distinções entre a responsabilidade contratual e extracontratual, a saber:
Na extracontratual, o “reclamante” deve demonstrar todos os elementos da responsabilidade: o dano, a infração da norma e o nexo de causalidade entre eles. Por sua vez, na contratual, inverte-se o ônus da prova. Outra distinção estaria nos deveres, pois enquanto na primeira é necessário invocar o dever negativo ou a obrigação de não prejudicar, na segunda há um dever positivo de adimplir o objeto da avença.
A responsabilidade extracontratual, em regra, terá como fundamento a teoria da culpa, isto é, a vítima do dano deverá comprovar que a conduta humana que causou o prejuízo tenha sido efetuada de maneira dolosa ou culposa. Por outro lado, a responsabilidade extracontratual pode ser entendida sob enfoque objetivo, situação em que o indivíduo que deu causa ao dano tenha realizado conduta que por si só, implica em ameaça a direito de outrem, caso em que teremos o fundamento na teoria do risco.
Além disso, é relevante evidenciar que tanto na responsabilidade contratual, como na responsabilidade extracontratual, é essencial que haja a desobediência a uma norma. A distinção se dá no passo em que na responsabilidade contratual há o desrespeito ao dever de cumprir o avençado em contrato, enquanto que na responsabilidade extracontratual, a obrigação prevista em lei de não causar prejuízo a outrem é descumprida.
Há duas correntes que tratam de estudar a responsabilidade civil sob o prisma da presença ou não do elemento culpa: a doutrina subjetiva ou teoria da culpa e a doutrina objetiva ou teoria do risco.
A responsabilidade subjetiva tem esteio na teoria da culpa, que preconiza a comprovação da culpa do autor da conduta danosa, com o fito de perseguir a reparação do dano. Tarcisio Teixeira[37] afirma que “a base da responsabilidade subjetiva está no fato de saber o quanto a prática do ato contribuiu para o prejuízo sofrido pela vítima”. Nesse cenário, a culpa deve ser reconhecida em sentido amplo, compreendendo o dolo, ou seja, vontade direta do agente de prejudicar, e a culpa em sentido estrito (imprudência, negligência e imperícia). Desse modo, a existência da culpa pressupõe responsabilidade civil subjetiva. A ausência de comportamento culposo por parte do autor da conduta afasta a obrigação de reparar. Da leitura do artigo 186 combinado com o artigo 927, ambos do Código Civil, depreende-se a teoria a responsabilidade subjetiva adotada pelo ordenamento jurídico pátrio.
Por sua vez, a responsabilidade objetiva se alicerça na teoria do risco. A principal característica da responsabilidade objetiva é a ausência de culpa para sua configuração, ou seja, haverá dever de reparação independentemente de culpa. É necessário apenas que haja nexo de causalidade entre a conduta do agente e o dano para que se tenha a obrigação de indenizar. Carlos Roberto Gonçalves[38] lembra, ainda, que a teoria do risco defende que o comportamento de alguém que criar um risco de dano a terceiro, deve ser obrigado a efetuar a reparação, mesmo que a conduta seja desprovida de culpa. De igual modo, nosso o atual parágrafo único do art. 927 contemplou a regra geral da responsabilidade objetiva, ao estabelecer que haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida, por sua natureza, implicar risco para os direitos de outrem.
Tarcisio Teixeira[39] destaca que:
A responsabilidade objetiva tem lugar nos casos específicos em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem, o que o torna obrigado à reparação. Nesse sentido é o disposto pelo parágrafo único do artigo 927 do Código Civil.
Admitindo-se que as relações jurídicas estabelecidas no domínio da Internet se revestem das especificidades próprias do meio eletrônico, é inegável que a análise da responsabilidade civil nesse contexto merece detida análise, em atenção aos desafios jurídicos que sugere.
3 ANÁLISE DOUTRINÁRIA E JURISPRUDENCIAL ACERCA DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE SERVIÇOS DE INTERNET.
3.1 DA RESPONSABILIDADE CIVIL DOS PROVEDORES DE INTERNET NA DOUTRINA
Consoante relatado anteriormente, a temática da responsabilidade civil dos provedores de Internet se reveste de certa complexidade em razão de as características do ambiente virtual contribuírem para dificultar a identificação do verdadeiro responsável pelos danos causados por conteúdos divulgados por meio da Internet. A doutrina aponta que a questão elementar na compreensão da problemática da responsabilidade civil dos provedores é identificar com especificidade a atuação do provedor.
É por tal razão que Liliana Minardi alerta para análise acerca da posição dúbia que ocupa o provedor, pois, ao operar transmitindo informações sem conhecer o objeto delas, poderá ser levado a desempenhar a vistoria do conteúdo difundido diante da possibilidade de ser responsabilizado por eventuais danos decorrentes do teor das informações transmitidas[40]. Nessa linha, Tarcisio Teixeira conclui que o provedor, na intenção de afastar eventual responsabilidade, pode acabar por “exercer um papel de censura” [41], infringindo assim o direito à liberdade de expressão daqueles que produziram e publicaram a informação. Marcel Leonardi, por sua vez, acredita que “o controle sobre o conteúdo é que efetivamente torna o provedor responsável pelo ato ilícito praticado por terceiro” [42].
Ao tratar estritamente da função desempenhada pelo provedor de conteúdo, Tarcisio Teixeira afirma que embora essa espécie de provedor não tenha publicado na Internet o conteúdo ilegal, acaba contribuindo para que o material seja facilmente propagado[43], pois atua disponibilizando espaço no ambiente virtual para publicação de informações por parte de terceiros.
O autor considera que o provedor facilita o contato entre o autor da informação e os demais usuários da rede. Assim, o autor levanta a possibilidade de se aplicar ao provedor de conteúdo a regra estampada no parágrafo único do artigo 7º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor[44], que consiste em responsabilizar solidariamente todos que estejam associados à autoria do conteúdo ofensivo. Nas palavras do autor, “o provedor poderia ser responsabilizado pelo conteúdo de sites que utilizam seus serviços, pois a ele são vinculados. É a responsabilidade do provedor por fato de terceiro com sua atividade relacionada, desde que tenha algum controle sobre a atividade exercida por esse terceiro” [45]. Nessa situação específica, temos o que a doutrina chegou a denominar de responsabilidade civil indireta, pois será atribuída a responsabilização pelo dano a alguém que embora não o tenha, diretamente, dado causa, guarda alguma espécie de relação jurídica com o autor direto do dano [46].
Por sua vez, Carlos Roberto Gonçalves filia-se à aplicação da responsabilidade civil objetiva, pois na medida em que o provedor de conteúdo atua permitindo o armazenamento de informações produzidas por terceiros, acaba por admitir o risco de violação aos direitos de outros usuários[47]. De outro modo, não compartilha desse entendimento Demócrito Reinaldo Filho, lembrado por Tarcisio Teixeira, por entender que caso o provedor de conteúdo mantenha “página de notícias ou informações editando-as, ele será responsável por elas, mas se simplesmente permite que as mensagens sejam colocadas na Internet, sem qualquer poder de controle editorial, não terá responsabilidade pelo conteúdo delas” [48], inclinando-se a favor da aplicabilidade da teoria da responsabilidade civil subjetiva, pois o provedor apenas seria responsabilizado na hipótese em que detém o controle sobre o conteúdo armazenado em suas páginas e ainda possibilita o acesso, incorrendo, assim, em culpa pelos danos causados em decorrência da divulgação do conteúdo ofensivo.
Gustavo Testa Corrêa atenta para o fato de que é impraticável a conduta do provedor que consista em fiscalizar a integralidade do conteúdo das informações armazenadas em suas páginas eletrônicas, pois as informações publicadas podem ser atualizadas a todo tempo, por intermédio de mecanismos eletrônicos automáticos, “sobre os quais o provedor não tem nenhum controle[49]. Para o autor, não há qualquer relação entre o provedor e o conteúdo publicado, devendo a responsabilidade pelos eventuais danos ser atribuída unicamente ao agente que produziu o material ofensivo.
Vê-se que a doutrina dominante entende que caso não seja assegurado ao provedor a possibilidade de exercer controle sobre o conteúdo das informações armazenadas em suas páginas eletrônicas, não há como responsabilizá-lo pelos danos decorrentes do caráter ofensivo das informações por ele disponibilizadas.
3.2 ANÁLISE JURISPRUDENCIAL NO ÂMBITO DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA.
3.2.1 Da atuação do provedor de Internet em fiscalizar previamente o conteúdo publicado pelos usuários.
Em 2010, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça passou a delinear, nas suas decisões, o entendimento de que não é plausível impor aos provedores de serviços de Internet uma conduta que consista em fiscalizar previamente o conteúdo publicado pelos usuários. Em breve síntese, a decisão reconheceu que os provedores não respondem de maneira objetiva pela divulgação, efetuada por terceiros, de material de conteúdo ofensivo, além de não estarem obrigados a atuar monitorando o conteúdo publicado e, ainda, no momento em que tomarem conhecimento de que certo conteúdo é de cunho ilícito, deve promover a sua retirada imediata, sob pena de responderem pelos danos suportados pela vítima, caso se comprove que o conteúdo realmente tinha caráter ilícito. Outrossim, devem os provedores garantirem meios que sejam potencialmente capazes de identificar seus usuários. Extrai-se da ementa do acórdão do Recurso Especial nº 1.193.764/SP:
DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. GRATUIDADE DO SERVIÇO. INDIFERENÇA. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO TEOR DAS INFORMAÇÕES POSTADAS NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CONTEÚDO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA IMEDIATA DO AR. DEVER. DISPONIBILIZAÇÃO DE MEIOS PARA IDENTIFICAÇÃO DE CADA USUÁRIO. DEVER. REGISTRO DO NÚMERO DE IP. SUFICIÊNCIA.
A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. Ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, deve o provedor agir de forma enérgica, retirando o material do ar imediatamente, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada. Ao oferecer um serviço por meio do qual se possibilita que os usuários externem livremente sua opinião, deve o provedor de conteúdo ter o cuidado de propiciar meios para que se possa identificar cada um desses usuários, coibindo o anonimato e atribuindo a cada manifestação uma autoria certa e determinada. Sob a ótica da diligência média que se espera do provedor, deve este adotar as providências que, conforme as circunstâncias específicas de cada caso, estiverem ao seu alcance para a individualização dos usuários do site, sob pena de responsabilização subjetiva por culpa in omittendo.Ainda que não exija os dados pessoais dos seus usuários, o provedor de conteúdo, que registra o número de protocolo na Internet (IP) dos computadores utilizados para o cadastramento de cada conta, mantém um meio razoavelmente eficiente de rastreamento dos seus usuários, medida de segurança que corresponde à diligência média esperada dessa modalidade de provedor de serviço de Internet. Recurso especial a que se nega provimento[50].
A relatora, ministra Nancy Andrighi, lembrou acertadamente que para definir a limitação da responsabilidade civil dos provedores, é imprescindível determinar a natureza jurídica de cada um. Por entender que a empresa demandada atuou como provedor de conteúdo, a sua responsabilidade deve ficar limitada à natureza da atividade por ela desempenhada que corresponde a meramente disponibilizar as informações que são publicadas pelos usuários. Percebe-se, pois, que a ministra relatora considerou que a responsabilidade da empresa é subjetiva, com alicerce na teoria da culpa, dado que a empresa não guarda qualquer relação com a produção ou alteração do conteúdo.
No que se refere à fiscalização prévia do conteúdo que é divulgado, a relatora, com respaldo nas lições de Rui Stoco[51], entendeu que o provedor de conteúdo não produziu as informações, exercendo apenas a função de intermediário, isto é, repassando as informações publicadas para os demais usuários, restando, portanto, configurada a sua não responsabilidade pelo eventual caráter ofensivo e violador da moral, intimidade e honra de outras pessoas. Ademais, concluiu afirmando que a fiscalização prévia do conteúdo por parte do provedor, no fundo, prejudicaria a liberdade de manifestação do pensamento, o que implica na violação do direito à liberdade de expressão, consagrado na Carta Magna. Portanto, no entender da Terceira Turma, o monitoramento do conteúdo publicado não é inerente à atividade desempenhada pelo provedor, o que acarreta a não aceitação do argumento da autora quanto à falha na prestação do serviço ao não realizar a fiscalização prévia do material divulgado. O voto também alertou que a vigilância do conteúdo lesaria um dos maiores atrativos da Internet: transmissão de dados em tempo real.
Outrossim, determinou que a empresa demandada apenas fosse responsabilizada, de maneira solidária, caso notificada pela vítima para promover a remoção do conteúdo considerado ofensivo e assim não procedesse, ou seja, o fato de se ter afastada a responsabilidade objetiva, não significa que os provedores estarão imunes de serem responsabilizados pela circulação de informes. No caso dos autos, a empresa demandada providenciou a retirada imediata do conteúdo, quando teve ciência de seu caráter ofensivo.
Além disso, a ministra relatora asseverou que o provedor tem a obrigação de proporcionar mecanismos para reconhecer seus usuários, com o intuito de intimidar o anonimato, vislumbrando o inciso IV do artigo 5º da Constituição Federal, entendendo a ministra relatora que tal prática não prejudica a privacidade dos usuários. Em outras palavras, o provedor deve propiciar meios que permitam que a cada conduta praticada na Internet possa ser atribuída, com exatidão, a sua autoria. Na hipótese em que o provedor não disponha desses mecanismos, responderá de maneira subsidiária pelos eventuais danos suportados por terceiros. Vê-se que a relatora conduziu seu voto sopesando os direitos fundamentais de privacidade e de liberdade de expressão, pois não há censura no tocante à publicação de informações na Internet, no entanto, caso haja prejuízos ou violação aos direitos de terceiros em decorrência do material publicado, o autor da publicação precisa ser identificado, entendendo que o processo de identificação contempla a vedação ao anonimato.
Por entender que não houve responsabilidade da empresa demandada pela circulação do material ofensivo, ao recurso foi conferido o não provimento, por unanimidade.
A Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça, em maio de 2014, continuou proferindo suas decisões perfilhando como razões de decidir o raciocínio já explanado na análise do julgado anterior. Da ementa, extrai-se:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO ELETRÔNICO ERESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PROVEDOR DE BUSCA NA INTERNET SEM CONTROLE PRÉVIO DE CONTEÚDO. ORKUT. MENSAGEM OFENSIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INÉRCIA DO PROVEDOR DE BUSCA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA CARACTERIZADA. AGRAVO DESPROVIDO.
Este Tribunal Superior, por seus precedentes, já se manifestou no sentido de que: I) o dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site por usuário não constitui risco inerente à atividade desenvolvida pelo provedor da internet, porquanto não se lhe é exigido que proceda a controle prévio de conteúdo disponibilizado por usuários, pelo que não se lhe aplica a responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/2002; II) a fiscalização prévia dos conteúdos postados não é atividade intrínseca ao serviço prestado pelo provedor no Orkut.
A responsabilidade subjetiva do agravante se configura quando: I) ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem tem conteúdo ilícito, por ser ofensivo, não atua de forma ágil, retirando o material do ar imediatamente, passando a responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão em que incide; II) não mantiver um sistema ou não adotar providências, que estiverem tecnicamente ao seu alcance, de modo a possibilitar a identificação do usuário responsável pela divulgação ou a individuação dele, a fim de coibir o anonimato.
Na hipótese, a decisão recorrida dispõe expressamente que o provedor de busca foi notificado extrajudicialmente quanto à criação de perfil falso difamatório do suposto titular, não tendo tomado as providências cabíveis, optando por manter-se inerte, motivo pelo qual responsabilizou-se solidariamente pelos danos morais infligidos à promovente, configurando a responsabilidade subjetiva do réu.
Agravo regimental não provido[52]
Ainda no que tange ao ponto referente à fiscalização prévia do conteúdo publicado, em que pese a Terceira Turma, conforme já ilustrado, explanar o entendimento de que não é possível exigir que o provedor de Internet efetue o controle do teor do material divulgado, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça[53], adotou, em junho de 2012, posicionamento mais prejudicial ao provedor, pois entendeu ser admissível a realização da fiscalização prévia. Extrai-se da ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. RECURSO ESPECIAL. ANÚNCIO ERÓTICO FALSO PUBLICADO EM SITES DE CLASSIFICADOS NA INTERNET. DEVER DE CUIDADO NÃO VERIFICADO. SERVIÇOS PRESTADOS EM CADEIA POR MAIS DE UM FORNECEDOR. SITE DE CONTEÚDO QUE HOSPEDA OUTRO. RESPONSABILIDADE CIVIL DE TODOS QUE PARTICIPAM DA CADEIA DE CONSUMO.
No caso em apreço, o site O click permitiu a veiculação de anúncio em que, objetivamente, comprometia a reputação do autor, sem ter indicado nenhuma ferramenta apta a controlar a idoneidade da informação. Com efeito, é exatamente no fato de o veículo de publicidade não ter se precavido quanto à procedência do nome, telefone e dados da oferta que veiculou, que reside seu agir culposo, uma vez que a publicidade de anúncios desse jaez deveria ser precedida de maior prudência e diligência, sob pena de se chancelar o linchamento moral e público de terceiros.
Mostrando-se evidente a responsabilidade civil da empresa Mídia 1 Publicidade Propaganda e Marketing, proprietária do site O click, configurada está a responsabilidade civil da TV Juiz de Fora, proprietária do site ipanorama.com, seja por imputação legal decorrente da cadeia de consumo, seja por culpa in eligendo.
Recurso especial provido.
Para fins didáticos e de clareza, o ministro relator tratou de explanar as espécies de provedores, destacando a importância de tal classificação. Em seguida, enfatizou que a maior problemática que envolve o tema da responsabilidade civil dos provedores reside na possibilidade de controle prévio do provedor sobre o conteúdo que será publicado. Adotou como embasamento do seu voto as premissas constantes na Diretiva 20/31 da Comunidade Europeia, que em seus artigos 12, 13 e 14 tratam da responsabilidade civil do provedor, levando em consideração a atividade desempenhada. Em outras palavras, foi considerado que quanto maior for a permissão do provedor de Internet para decidir sobre o que será divulgado, mais indiscutível será a responsabilidade decorrente dessa decisão.
Ao final, o relator declarou que o caso ora analisado se tratava de uma relação de consumo por equiparação, reconhecendo que há um provedor de conteúdo, que atua fornecendo serviços em cadeia para os usuários, por meio de hospedagem do portal O Click na página eletrônica ipanorama.com.
No tocante à responsabilidade da empresa Mídia 1 Publicidade Propaganda e Marketing, decidiu o ministro relator que a referida empresa agiu de maneira culposa, pois deixou de realizar o controle prévio sobre o material posto em divulgação, não se atentando quanto à origem dos dados ora publicados, sendo aplicável ao caso a teoria da responsabilidade subjetiva. Ademais, o ministro relator afirmou que a ausência de fiscalização deu azo à falha na prestação do serviço, o que afasta a alegação de que estaríamos diante de um caso de responsabilidade objetiva, sendo certo aplicar ao caso o disposto no artigo 14 do Código de Proteção e Defesa do Consumidor, pois toda a situação que gerou o dano é oriunda de uma falha na prestação do serviço.
Assim, por concluir que está configurada a responsabilidade da Mídia 1 Publicidade Propaganda e Marketing, a empresa TV Juiz de Fora Ltda., que mantém o site i.panorama, que atuou como provedor de hospedagem do portal O Click, foi determinada responsável de forma solidária, em virtude da relação da cadeia de consumo e da culpa ao eleger empresa que falhou na prestação dos serviços, pois não exerceu o controle prévio das informações publicadas.
Em outro caso levado a julgamento em abril de 2014 a Quarta Turma[54] passou a fundamentar seus julgados seguindo a orientação da Terceira Turma, qual seja, considerar que não é plausível impor ao provedor a atuação de fiscalizar previamente o conteúdo publicado na Internet. A Terceira Turma proferiu a seguinte ementa:
AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL. DIREITO ELETRÔNICO E RESPONSABILIDADE CIVIL. DANOS MORAIS. PROVEDOR DE BUSCA NA INTERNET SEM CONTROLE PRÉVIO DE CONTEÚDO. ORKUT. MENSAGEM OFENSIVA. NOTIFICAÇÃO PRÉVIA. INÉRCIA DO PROVEDOR DE BUSCA. RESPONSABILIDADE SUBJETIVA CARACTERIZADA. AGRAVO DESPROVIDO.
1. Este Tribunal Superior, por seus precedentes, já se manifestou no sentido de que: I) o dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site por usuário não constitui risco inerente à atividade desenvolvida pelo provedor da internet, porquanto não se lhe é exigido que proceda a controle prévio de conteúdo disponibilizado por usuários, pelo que não se lhe aplica a responsabilidade objetiva, prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/2002; II) a fiscalização prévia dos conteúdos postados não é atividade intrínseca ao serviço prestado pelo provedor no Orkut.
2. A responsabilidade subjetiva do agravante se configura quando: I) ao ser comunicado de que determinado texto ou imagem tem conteúdo ilícito, por ser ofensivo, não atua de forma ágil, retirando o material do ar imediatamente, passando a responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão em que incide; II) não mantiver um sistema ou não adotar providências, que estiverem tecnicamente ao seu alcance, de modo a possibilitar a identificação do usuário responsável pela divulgação ou a individuação dele, a fim de coibir o anonimato.
3. O fornecimento do registro do número de protocolo (IP) dos computadores utilizados para cadastramento de contas na Internet constitui meio satisfatório de identificação de usuários.
4. Na hipótese, a decisão recorrida dispõe expressamente que o provedor de busca foi notificado extrajudicialmente quanto à criação de perfil falso difamatório do suposto titular, não tendo tomado as providências cabíveis, optando por manter-se inerte, motivo pelo qual responsabilizou-se solidariamente pelos danos morais infligidos à promovente, configurando a responsabilidade subjetiva do réu.
5. Agravo regimental não provido.
O ministro relator frisou um aspecto importante do presente caso: está caracterizada a responsabilidade subjetiva da empresa Google não pelo fato de que se esforçou para remover o conteúdo ofensivo após ciência da liminar judicial, mas sim, tão somente, pelo seu comportamento inerte antes de a vítima ter acionado o Judiciário, pois detém condições de impedir o acesso ao conteúdo apontado como ofensivo pela vítima.
Assim, a Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça entrou em harmonia com os posicionamentos adotados pela Terceira Turma, arquitetando o entendimento de que a Corte Superior confere a responsabilidade subjetiva aos provedores de Internet quando notificados, ainda que extrajudicialmente, da existência de conteúdo ofensivo não toma providências no sentido tornar o conteúdo indisponível para acesso.
Cumpre, por fim, ressaltar que o entendimento jurisprudencial lecionado acima pelo Superior Tribunal de Justiça foi edificado na ausência de legislação que regulasse a temática e deve ser aplicado aos fatos ocorridos antes da vigência da Lei 12645/2014[55]:
CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FACEBOOK. AÇÃO DE REPARAÇÃO POR DANOS MORAIS. CONTEÚDO REPUTADO OFENSIVO. MONITORAMENTO. AUSÊNCIA. RESPONSABILIDADE. AFASTAMENTO. NOTIFICAÇÃO JUDICIAL. NECESSIDADE. 1. Ação ajuizada em 10/08/2014. Recurso especial interposto em 09/03/2016 e distribuído a este gabinete em 25/08/2016. 2. O propósito recursal reside na definição do termo inicial da responsabilidade solidária da recorrente - uma provedora de aplicações de internet - por conteúdos gerados por terceiros que utilizam suas aplicações. 3. A verificação do conteúdo das imagens postadas por cada usuário não constitui atividade intrínseca ao serviço prestado pelos provedores de compartilhamento de vídeos, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, a aplicação que não exerce esse controle. 4. O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de compartilhamento de vídeos, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02. 5. Sobre os provedores de aplicação, incide a tese da responsabilidade subjetiva, segundo a qual o provedor de aplicação torna-se responsável solidariamente com aquele que gerou o conteúdo ofensivo se, ao ser notificado a respeito da lesão, não tomar providências para a sua remoção. Precedentes. 6. Diante da ausência de disposição legislativa específica, este STJ havia firme jurisprudência segundo a qual o provedor de aplicação passava a ser solidariamente responsável a partir do momento em que fosse de qualquer forma notificado pelo ofendido. 7. Com o advento da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade do provedor de aplicação foi postergado no tempo, iniciando-se tão somente após a notificação judicial do provedor de aplicação. 8. A regra a ser utilizada para a resolução de controvérsias deve levar em consideração o momento de ocorrência do ato lesivo ou, em outras palavras, quando foram publicados os conteúdos infringentes: (i) para fatos ocorridos antes da entrada em vigor do Marco Civil da Internet, deve ser obedecida a jurisprudência desta corte; (ii) após a entrada em vigor da Lei 12.965/2014, o termo inicial da responsabilidade da responsabilidade solidária do provedor de aplicação, por força do art. 19 do Marco Civil da Internet, é o momento da notificação judicial que ordena a retirada de determinado conteúdo da internet. 9. Recurso especial conhecido e provido.(STJ - REsp: 1642997 RJ 2016/0272263-4, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 12/09/2017, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/09/2017).
Desse modo, resta demonstrada análise acerca da construção do entendimento que deve ser aplicado anteriormente à égide da legislação pertinente ao tema, no que tange ao controle do conteúdo ofensivo.
3.2.2 Do prazo para o provedor de Internet promover a retirada do conteúdo ilícito.
Ao analisar o aspecto do prazo para que o provedor efetive a retirada do conteúdo de cunho hostil, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça[56], em junho de 2012, passou a fixar o referido prazo. No caso, a Corte deixou claro que ao ser notificado, o provedor deve proibir o acesso ao conteúdo em até 24 horas, sob pena de ser responsabilizado solidariamente com o causador do dano, caso depois seja comprovado que o conteúdo era realmente revestido de ofensas. Extrai-se da ementa:
RESPONSABILIDADE CIVIL. INTERNET. REDES SOCIAIS. MENSAGEM OFENSIVA. CIÊNCIA PELO PROVEDOR. REMOÇÃO. PRAZO.
Uma vez notificado de que determinado texto ou imagem possui conteúdo ilícito, o provedor deve retirar o material do ar no prazo de 24 (vinte e quatro) horas, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano, em virtude da omissão praticada.
Nesse prazo de 24 horas, não está o provedor obrigado a analisar o teor da denúncia recebida, devendo apenas promover a suspensão preventiva das respectivas páginas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o perfil ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso.
O diferimento da análise do teor das denúncias não significa que o provedor poderá postergá-la por tempo indeterminado, deixando sem satisfação o usuário cujo perfil venha a ser provisoriamente suspenso. Cabe ao provedor, o mais breve possível, dar uma solução final para o conflito, confirmando a remoção definitiva da página de conteúdo ofensivo ou, ausente indício de ilegalidade, recolocando-a no ar, adotando, nessa última hipótese, as providências legais cabíveis contra os que abusarem da prerrogativa de denunciar.
Na situação específica, a vítima utilizou o mecanismo nomeado “Denúncia de Abusos”, à disposição dos usuários do Orkut, para dar ciência à empresa de que havia um perfil no Orkut contendo material ofensivo a seu respeito, afrontando sua privacidade e também a sua imagem.
Ocorre que, a empresa Google tardou a retirada do material apontado pela autora, levando dois meses para satisfazer o pedido. A empresa Google, em suas razões recursais, sustentou que o período de dois meses para remover a publicação ofensiva é plausível, haja vista a existência de milhares de ordens judiciais adicionadas a outras milhares de notificações dos usuários, oriundos de todas as partes do mundo, posto que os serviços que oferece são de alcance mundial e irrestrito. Além disso, atestou que seus servidores trabalham com inúmeras informações, a nível internacional e dão prioridade para os casos que reportam uma gravidade de ordem significativa, sendo dois meses um tempo necessário para promover a retirada do conteúdo.
A ministra relatora, Nancy Andrighi, salientou que ainda que não seja obrigação do provedor analisar o teor de cada conteúdo identificado como ofensivo, é aceitável impor ao provedor que impeça o acesso ao material denunciado no lapso temporal de 24 horas, sob pena de ser responsabilizado solidariamente com o autor direto do dano, em razão da omissão praticada.
Em relação ao argumento da empresa Google, no sentido de que possui, diariamente, um número elevado de denúncias de conteúdos ilegais, a ministra relatora enfatizou que essa circunstância tão somente ratifica a situação de total descontrole no uso das redes sociais, o que reforça a imprescindibilidade de uma resposta operativa e ágil por parte da empresa que mantém a rede social.
Em outro caso semelhante, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça[57] manteve esse entendimento no tocante ao prazo para suspender o acesso ao conteúdo denunciado. Da ementa, extrai-se:
CIVIL E CONSUMIDOR. INTERNET. RELAÇÃO DE CONSUMO. INCIDÊNCIA DO CDC. PROVEDOR DE CONTEÚDO. FISCALIZAÇÃO PRÉVIA DO CONTEÚDO POSTADO NO SITE PELOS USUÁRIOS. DESNECESSIDADE. MENSAGEM DE CUNHO OFENSIVO. DANO MORAL. RISCO INERENTE AO NEGÓCIO. INEXISTÊNCIA. CIÊNCIA DA EXISTÊNCIA DE CONTEÚDO ILÍCITO. RETIRADA DO AR EM 24 HORAS. DEVER. SUBMISSÃO DO LITÍGIO DIRETAMENTE AO PODER JUDICIÁRIO. CONSEQUÊNCIAS. DISPOSITIVOS LEGAIS ANALISADOS: ARTS. 14 DO CDC E 927 DO CC/02.
Recurso especial em que se discute os limites da responsabilidade de provedor de rede social de relacionamento via Internet pelo conteúdo das informações veiculadas no respectivo site.
A fiscalização prévia, pelo provedor de conteúdo, do teor das informações postadas na web por cada usuário não é atividade intrínseca ao serviço prestado, de modo que não se pode reputar defeituoso, nos termos do art. 14 do CDC, o site que não examina e filtra os dados e imagens nele inseridos.
O dano moral decorrente de mensagens com conteúdo ofensivo inseridas no site pelo usuário não constitui risco inerente à atividade dos provedores de conteúdo, de modo que não se lhes aplica a responsabilidade objetiva prevista no art. 927, parágrafo único, do CC/02.
Ao ser comunicado de que determinada postagem possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo, "deve o provedor removê-la preventivamente no prazo de 24 horas, até que tenha tempo hábil para apreciar a veracidade das alegações do denunciante, de modo a que, confirmando-as, exclua definitivamente o vídeo ou, tendo-as por infundadas, restabeleça o seu livre acesso, sob pena de responder solidariamente com o autor direto do dano em virtude da omissão praticada.
Na hipótese, a ministra relatora lembrou que no Colendo Superior Tribunal de Justiça já é pacificado o entendimento de que, uma vez ciente da existência de conteúdo de caráter ofensivo, deve o provedor indisponibilizar o acesso ao conteúdo ofensivo em até 24 horas. No entanto, nesse caso, há uma particularidade em relação à amostra de julgado analisada anteriormente, qual seja, o autor não notificou extrajudicialmente a empresa Google, que mantém a rede social Orkut, a respeito da existência de informações ofensivas publicadas em comunidade da rede social. O autor optou por valer-se das vias judiciais para satisfazer a sua pretensão de excluir a comunidade, da rede social Orkut, que dispõe de informações ofensivas a seu respeito. Assim, a empresa Google foi notificada para retirar o material por meio de ordem judicial, a qual, terminantemente promoveu o seu cumprimento. A ministra relatora entendeu que ao sujeitar a controvérsia ao Poder Judiciário, o autor fica submetido ao que for decidido pelo magistrado. Em atenção ao fato de que a empresa Google tomou conhecimento da situação apenas por meio de decisão judicial, decidiu a Terceira Turma que não há possibilidade de responsabilizar a empresa Google, caracterizada como espécie de provedor de conteúdo.
Mais uma vez, a Terceira Turma do Superior Tribunal de Justiça firmou o entendimento de que o provedor precisa ter conhecimento da publicação do conteúdo ofensivo e, diante da notificação, não promover a retirada do conteúdo em até 24 horas, para que seja configurada a sua responsabilidade solidária pelos danos posteriormente comprovados suportados pela vítima.
A partir da análise dos julgados até então apresentados, é possível indicar que o posicionamento assumido pelo Superior Tribunal de Justiça inclina-se em adotar a teoria da responsabilidade subjetiva, pois os provedores serão responsabilizados apenas nas situações em que notificados extrajudicialmente pela vítima a respeito do caráter ilícito de determinado conteúdo, não tomarem as providências necessárias para impedir o acesso ao material no prazo de 24 horas, agindo, dessa forma, com culpa, ao contribuir para a propagação do conteúdo ofensivo. A Corte Superior marcou a sua posição enquanto o ordenamento jurídico pátrio era carente de legislação a respeito do tema, mesclando o disposto em leis vigentes no país, a fim de que a prestação jurisdicional pudesse ser entregue.
No próximo tópico, serão apresentados aspectos atinentes ao tema do presente trabalho constantes na Lei 12.965/2014, que foi elaborada com o intuito de nortear os juristas brasileiros, já que eles conviviam com a ausência de uma regulamentação no ambiente virtual.
3.3 O MARCO CIVIL DA INTERNET - LEI 12.965/2014.
É cediço que as questões atinentes ao uso da Internet alcançaram dimensões imensuráveis que justificam a necessidade de sua regulamentação. Considerando a notável influência exercida pela Internet na sociedade, é imperioso concluir que a ciência jurídica não deve permanecer afastada a essa realidade. É por tal razão que Liliana Minardi[58] acredita que há que se buscar “equacionar o avanço da Internet com a necessidade de obter algum controle sob o grande volume de informações que circula pelo mundo, preservando direitos fundamentais como a privacidade, a liberdade de informação” e ainda a liberdade de expressão sem, no entanto, constituir afronta ao Estado Democrático de Direito.
Uma legislação que abordasse o tema implicaria em uma maior segurança jurídica, ao mesmo tempo em que provocaria a previsibilidade das decisões proferidas pelo Judiciário. Além disso, a legislação deverá acompanhar as mudanças constantes características da Internet, sendo imprescindível que tenha um caráter genérico e adaptável para fazer sentido sempre que o ambiente virtual sofrer transformações.
Nesse passo, foi editada a Lei 12.965/2014, intitulada Marco Civil da Internet, que dispõe, de forma clara, acerca dos princípios, garantias, direitos e deveres para o uso da Internet no Brasil. A mencionada lei busca assegurar a garantia de direitos, sem delimitar as liberdades. Assim, o Marco Civil da Internet acabou por conferir maior notoriedade ao direito à liberdade de expressão e ao direito à privacidade.
O marco regulatório da Internet contemplou o direito a liberdade de expressão como um fundamento para disciplinar a utilização da Internet no Brasil. É o que se observa diante da leitura do caput do artigo 2º da referida lei:
Art. 2º: A disciplina do uso da internet no Brasil tem como fundamento o respeito à liberdade de expressão, bem como (...).
Em seu artigo 8º, novamente a lei se reporta ao direito à liberdade de expressão, dessa vez classificando-o como condição para o efetivo exercício do direito de acesso à Internet:
Art. 8º: A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet.
Embora o presente artigo não adote por objeto a responsabilidade civil por infrações a direitos autorais no âmbito da Internet, vale lembrar que o marco regulatório, no que tange a esse ponto, evidencia o direito à liberdade de expressão, conforme se compreende do disposto no caput e parágrafo segundo do artigo 19:
Art. 19. Com o intuito de assegurar a liberdade de expressão e impedir a censura, o provedor de aplicações de internet somente poderá ser responsabilizado civilmente por danos decorrentes de conteúdo gerado por terceiros se, após ordem judicial específica, não tomar as providências para, no âmbito e nos limites técnicos do seu serviço e dentro do prazo assinalado, tornar indisponível o conteúdo apontado como infringente, ressalvadas as disposições legais em contrário.
§ 2o A aplicação do disposto neste artigo para infrações a direitos de autor ou a direitos conexos depende de previsão legal específica, que deverá respeitar a liberdade de expressão e demais garantias previstas no art. 5o da Constituição Federal.
No tocante ao direito à privacidade, o Marco Civil da Internet o prestigiou ao elegê-lo categoricamente como princípio orientador do uso da Internet no país, consoante se compreende da leitura do inciso II do artigo 3º da Lei 12.965/2014:
Art. 3º: A disciplina do uso da internet no Brasil tem os seguintes princípios:
II - proteção da privacidade;
O disposto no inciso I do artigo 7º e no caput do artigo 8º da lei em questão garante aos usuários o direito à privacidade como ponto elementar para a viabilidade do pleno exercício do direito ao acesso à Internet, que, por sua vez, é essencial para o exercício da cidadania:
Art. 7º: O acesso à internet é essencial ao exercício da cidadania, e ao usuário são assegurados os seguintes direitos:
I - inviolabilidade da intimidade e da vida privada, sua proteção e indenização pelo dano material ou moral decorrente de sua violação;
Art. 8º: A garantia do direito à privacidade e à liberdade de expressão nas comunicações é condição para o pleno exercício do direito de acesso à Internet.
O referido diploma legal, no que se refere à responsabilidade civil dos provedores, trouxe lições que implicarão em adaptações no posicionamento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça. Portanto, é de alcance certeiro afirmar que a entrada em vigor da nova lei causa uma mudança no posicionamento dos Tribunais pátrios, visto que esses seguiam as lições do Superior Tribunal de Justiça.
O novel diploma legal enfatiza duas situações diversas. A primeira delas diz respeito ao já mencionado artigo 19 que conferiu sumo prestígio à liberdade de expressão. O dispositivo legal estabelece que os provedores de Internet serão responsabilizados por danos causados pela divulgação de conteúdos criados por terceiros, apenas nas hipóteses em que diante de ordem judicial específica determinando a retirada do conteúdo ofensivo, os provedores permaneçam inertes. Assim, o mero pedido extrajudicial por parte da vítima para remover o conteúdo não é suficiente. Na hipótese em que o provedor receber ordem judicial específica determinando a retirada do conteúdo e for omisso, a responsabilidade aplicada será a solidária, como já entendia o Superior Tribunal de Justiça, com espeque no parágrafo único do artigo 7º do Código de Proteção e Defesa do Consumidor e no parágrafo único do artigo 942 do Código Civil.
3.3.1 Confronto entre a posição majoritária da jurisprudência até agosto de 2014 com o disciplinado na nova lei
No Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, a Nona Câmara Cível[59] proferiu acórdão de lavra do Desembargador Eugênio Facchini Neto, que usou nitidamente os preceitos da Lei 12. 965/2014. Segue a ementa:
AGRAVO DE INSTRUMENTO. RESPONSABILIDADE CIVIL. AÇÃO DE OBRIGAÇÃO DE FAZER CUMULADA COM INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. ANTECIPAÇÃO DE TUTELA. ASTREINTES. INTERESSE RECURSAL. AUSÊNCIA. VALOR DAS ASTREINTES. MANUTENÇÃO.
1. A questão do cumprimento, ou não, da decisão judicial deve ser submetida inicialmente ao juízo de origem, sob pena de supressão de um grau de jurisdição.
2. De outra parte, observo que, conforme orientação que vem se firmando no STJ a respeito das tutelas cautelares possíveis em ações desta natureza, “Ao ser comunicado de que determinada mensagem postada em site de relacionamento social por ele mantido possui conteúdo potencialmente ilícito ou ofensivo a direito autoral, deve o provedor removê-lo” – REsp. n° 1.396.417/MG.
3. Manutenção da ordem para que a ré remova o conteúdo dito ofensivo publicado nos links indicados pelo autor.
4. A fixação de multa cominatória tem previsão legal e, no caso, por enquanto, não há motivo para minorar o valor arbitrado.
5. Valor e periodicidade da multa que podem ser revistos inclusive de ofício, caso ela venha a incidir e, nas circunstâncias concretas que advierem, revele-se despropositada ou desproporcional (fato inocorrente até o momento). NEGADO SEGUIMENTO AO RECURSO.
Atenta o Desembargador Relator para a falta de demonstração, por parte da empresa Google, da impossibilidade técnica de remover o conteúdo apontado como ofensivo e ainda destitui de convicção a alegação da agravante de que a competência para promover a exclusão do conteúdo ofensivo é exclusiva do autor do conteúdo. Assim, fortalece suas razões de decidir no apontado pela literalidade do artigo 19 da Lei 12.965/2014, grifando que o novel diploma legal prevê a responsabilidade do provedor caso, após receber ordem judicial específica no sentido de remover conteúdos ofensivos gerados por terceiros, não tomar as providências necessárias.
Sob a égide do entendimento firmado pelo Superior Tribunal de Justiça antes da entrada em vigor do Marco Civil, os provedores serão responsabilizados pelos danos causados desde o momento em que não atendeu ao pedido extrajudicial da vítima em retirar o conteúdo ofensivo. Apesar de o provedor apresentar justificativas a respeito da não retirada do material, será responsabilizado. O provedor excepcionalmente não seria responsabilizado caso o magistrado entendesse que o teor do material publicado não é ilícito, ou seja, não viola direitos, como o direito à privacidade, nem contraria normas jurídicas. Tal disciplinamento configura ameaça indubitável aos provedores, pois acabaram por estar inclinados a proibir o acesso ao conteúdo a fim de que sejam afastadas eventuais penalidades em decorrência da comprovação do caráter ofensivo do conteúdo.
Com a entrada em vigor do Marco Civil, os provedores estão amparados, já que o regramento definido na nova lei determina que a responsabilidade dos provedores esteja condiciona tão somente ao não cumprimento de ordem judicial específica. Em outras palavras, sem ordem judicial específica o provedor não está obrigado a retirar o conteúdo, sob pena de ser responsabilizado pela propagação do material e os danos consequentes. No entanto, o marco regulatório da Internet traz duas exceções ao regime de responsabilização. A primeira delas está estampada no parágrafo segundo do artigo 19 que diz respeito à violação de direitos autorais, que dependerá de legislação específica. A segunda exceção consta no artigo 21, que determina que diante de situações que envolvem cenas de nudez e sexo, o provedor será responsabilizado caso notificado extrajudicialmente pela vítima a respeito do caráter ofensivo do conteúdo, deixe de indisponibilizar o acesso ao material.
Convém enfatizar, por derradeiro, que antes do advento da Lei 12.965/2014 a jurisprudência filiou-se à aplicação da teoria da responsabilidade subjetiva aos provedores. Após a edição da lei, o novo modo de julgamento das ações terá que ser pautado no fato de que os provedores, a princípio, não serão responsabilizados. A responsabilidade civil dos provedores estará condicionada ao não cumprimento de decisão judicial específica determinando a retirada do conteúdo apontado como ofensivo. O advento do marco regulatório da Internet, portanto, judicializou o regime de responsabilização dos provedores, ao determinar o Poder Judiciário é a esfera escolhida para melhor deslinde dos casos. Além disso, no tocante à problemática em exame, o Marco Civil acabou por atenuar, de maneira evidente, o direito à privacidade, enquanto que valoriza o direito à liberdade de expressão.
CONCLUSÃO
As vítimas de prejuízos oriundos de atos ilícitos praticados na Internet têm progressivamente invocado a via Judiciária, com o intuito de obter a reparação dos danos suportados, valendo-se para tanto de ajuizamento de ações de indenização em desfavor dos provedores de Internet, uma vez que as peculiaridades do ambiente virtual estimulam a dificuldade em identificar o exato causador do dano. Assim, é evidente que a extensão e o potencial ofensivo de uma mensagem publicada na Internet podem causar danos de dimensões imensuráveis.
Assim, o presente trabalho buscou contribuir para elaboração de respostas às indagações referentes à responsabilidade civil dos provedores de Internet quando houver violação à privacidade e à liberdade de expressão, por danos causados por conteúdos gerados por terceiros.
Diante da ausência de legislação específica que versasse sobre a problemática, os Tribunais trataram a controvérsia embasando suas decisões nos diplomas legais que guardassem similitude com o tema e também no estudo realizado pela doutrina. A finalidade era estabelecer uma maneira eficaz de aplicar a responsabilidade civil quanto ao dever de reparar danos. Em razão disso, foi criada uma dissonância na jurisprudência pátria, cabendo aos Tribunais Superiores a função engenhosa de harmonizar a jurisprudência.
Da análise feita, é imperioso concluir que o Superior Tribunal de Justiça buscou proteger o direito à privacidade ao determinar que no momento em que o provedor for notificado extrajudicialmente acerca da existência de conteúdo ofensivo, promova a sua retirada, sob pena de ser responsabilizado, ao mesmo tempo em que ordenou que os provedores não estão sujeitos à obrigação de fiscalizar o teor do conteúdo publicado, em razão de tal prática configurar violação ao direito à liberdade de expressão. Vê-se, portanto, que o Superior Tribunal de Justiça tentou sopesar o conflito dos direitos fundamentais em questão, inclinando-se a adotar a responsabilidade subjetiva, com espeque na teoria da culpa.
O legislador brasileiro, atento a essas questões, dedicou-se à edição de uma lei que regulamentasse, de maneira proeminente, o uso da Internet no Brasil. Estamos nos referindo à Lei 12.965/2014, com início de sua vigência em dia 24 de junho de 2014. O referido diploma legal estabelece, em seu artigo 19, que os provedores sejam responsabilizados somente nos casos em que não cumprirem ordem judicial específica que determine a retirada do conteúdo ofensivo.
Conclui-se, a partir do estudo esposado que a disposição legal, não obstante pretenda impedir a censura e a retirada abusiva do material divulgado, condiciona a satisfação do interesse da vítima ao ajuizamento de ação no Judiciário a fim de que haja o efetivo impedimento ao acesso ao conteúdo de cunho ofensivo, o que pode acarretar numa maior dimensão dos danos suportados e ampliar o número de demandas no Judiciário que poderiam ser resolvidas na esfera particular.
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[1]GLOBO.COM. ONU afirma que acesso à Internet é direito humano. Disponível em: <http://g1.globo.com/tecnologia/noticia/2011/06/onu-afirma-que-acesso-internet-e-um-direito-humano.html>. Acesso em 10 de outubro de 2017.
[2]TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 33 p.
[3]SILVA, José Afonso da. Curso de Direito Constitucional Positivo. 30 ed. São Paulo, SP: Malheiros, 2008.
[4] LEONARDI, MARCEL. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2012, 122 p.
[5] DOTTI, René Ariel. 1980, p. 71 e 256 apud TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 69 p.
[6] PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 35 p.
[7] RODOTÀ. 1996, Teledemocrazia e libertá individuali, apud. PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 39 p.
[8] PAESANI, Liliana Minardi. 2000, apud TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1. ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 75 p.
[9] PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6. ed. São Paulo: Atlas, 2013. 39 p.
[10] __________ ____________.
[11] NETO, Amaro Moraes. Privacidade na Internet: um enfoque jurídico. Bauru: Edipro, 2001. 73 p.
[12]JUSTIÇA FEDERAL NO RIO GRANDE DO NORTE. JFRN.JUS. “A Internet e o direito à privacidade”. Disponível em:
<http://www.jfrn.jus.br/institucional/biblioteca/doutrina/doutrina174.doc>. Acesso em 11 de novembro de 2017.
[13] TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.36 p.
[14]NOTÍCIAS.BOL. União Europeia proíbe envio de spam no continente. Disponível em: <http:/noticias.bol.com.br/destaques/2002/05/31/ult124u10167.jhtm>. Acesso em 20 de outubro de 2017.
[15] ROHRMANN, Carlos Alberto. Curso de Direito Virtual. 1 ed. Belo Horizonte: Del Rey, 2005. 141 p.
[16] LENZA, Pedro. Direito Constitucional Esquematizado. 14 ed. São Paulo: Saraiva, 2010. 761 p.
[17] NETFOLIO.PT. O que é o spam? Disponível em: <http://www.netfolio.pt/spam>. Acesso em 10 de outubro de 2017.
[18] TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.39 p.
[19] Não há no Brasil um órgão de regulamentação que vise evitar spams, no entanto, provedores de acesso e serviços têm se organizado em movimentos no intuito de combater a prática. Nesse sentido, vide: <http://www.antispam.org.br>.
[20] LYRA, Afranio, 1977, p. 30 apud MINARDI, Liliana. Direito e Internet: Liberdade de Informação, Privacidade e Responsabilidade Civil. São Paulo: 2013. 59 p.
[21] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. 19 ed. São Paulo: Saraiva, 2005.v.7, 40 p.
[22] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil, Volume III: Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 63 p.
[23] NORRIS, Robert. Responsabilidade Civil do Fabricante pelo Fato do Produto. Rio de Janeiro: Forense, 1996, p.27 apud Rui Stoco. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 9ª ed. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 155 p.
[24] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2009. 40 p.
[25] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. Tomo I. São Paulo:Revista dos Tribunais, 2013. 178 p.
[26] GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo curso de Direito Civil, Volume III: Responsabilidade Civil. 9 ed. São Paulo: Saraiva, 2011. 69 p.
[27] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 176 p.
[28]FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10. ed. São Paulo:Atlas, 2012. 49 p.
[29] A expressão aquiliana refere-se à Lex Aquilia, lei romana que versava sobre responsabilidade civil.
[30]FILHO, Sergio Cavalieri. Programa de Responsabilidade Civil. 10 ed. São Paulo:Atlas, 2012. 305p.
[31]SAVATIER, apud Caio Mário apud Rui Stoco. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 9. ed. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 192 p.
[32] Vide TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico – doutrina, jurisprudência e prática. São Paulo: Saraiva, 2013. 179 p.
[33] DINIZ, Maria Helena. Curso de Direito Civil Brasileiro – Responsabilidade Civil. São Paulo: Saraiva, 2009. 246 p
[34] STOCO, Rui. Tratado de Responsabilidade Civil – Doutrina e Jurisprudência. 9 ed. Tomo I. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2013. 192 p.
[35] __________ ________.194 p.
[36] TEIXEIRA, Tarcisio.Curso de direito e processo eletrônico. 1 ed. São Paulo:Saraiva, 2013.183 p.
[37]TEIXEIRA, Tarcisio.Curso de direito e processo eletrônico. 1 ed. São Paulo: Saraiva, 2013.185 p.
[38] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 11 ed. São Paulo: Saraiva, 2009. 23 p.
[39] TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico – doutrina jurisprudência e prática. São Paulo: Saraiva, 2013. 187 p.
[40] PAESANI, Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2013. 66 p.
[41] TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1.ed. São Paulo:Saraiva, 2013.191 p.
[42] LEONARDI, Marcel. Responsabilidade Civil dos Provedores de Serviços de Internet. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2005, 156 p.
[43] TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1.ed. São Paulo:Saraiva, 2013.193 p.
[44] BRASIL. Lei nº 8.078/90. Artigo 7º: Os direitos previstos neste código não excluem outros decorrentes de tratados ou convenções internacionais de que o Brasil seja signatário, da legislação interna ordinária, de regulamentos expedidos pelas autoridades administrativas competentes, bem como dos que derivem dos princípios gerais do direito, analogia, costumes e eqüidade. Parágrafo único. Tendo mais de um autor a ofensa, todos responderão solidariamente pela reparação dos danos previstos nas normas de consumo. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8078.htm>. Acesso em 06 out 2017.
[45] TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1.ed. São Paulo:Saraiva, 2013.195 p.
[46]PAMPLONA FILHO, Rodolfo. GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: responsabilidade civil. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2004, v. III. 15 p.
[47] GONÇALVES, Carlos Roberto. Responsabilidade Civil. 8.ed. São Paulo: Saraiva, 2003. 119 p.
[48] FILHO, Demócrito Reinaldo. Responsabilidade por publicações na Internet, p. 197-198 citado por TEIXEIRA, Tarcisio. Curso de direito e processo eletrônico. 1.ed. São Paulo: Saraiva, 2013. 195 p.
[49] CORRÊA, Gustavo Testa. Aspectos Jurídicos da Internet. 5. ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p. 126.
[50] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1193764/SP. Recorrente: I P da S B. Recorrido: Google Brasil Internet Ltda. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em 14 dez. 2010. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=13438580&sReg=201000845120&sData=20110808&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em 23 de setembro de 2017.
[51] STOCO, Rui. Tratado de responsabilidade civil. 6 ed. São Paulo: RT, 2004, 901 p.
[52] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial 2012/0154715-6. AgRg no REsp 1402104. Relator: Ministro Raul Araújo. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Juliana Knust Sampaio. Terceira Turma. Julgado em 27 mai 2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=35202359&sReg=201201547156&sData=20140618&sTipo=51&formato=PDF>. Acesso em: 11 de outubro de 2017.
[53] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 997.993/MG. Recorrente: Robson Gerônimo Maciel. Recorridos: Mídia Um Publicidade Propaganda e Marketing Ltda.; TV Juiz de Fora Ltda. Relator: Min. Luis Felipe Salomão. Quarta Turma. Julgado em 21 de jun 2012. Disponível em
https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=23632544&sReg=200702476356&sData=20120806&sTipo=5&formato=PDF. Acesso em 14 de outubro de 2010.
[54] BRASIL.Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1.396.963 /RS. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Augusto Pio Beneditti. Relator: Min. Raul Araújo. Quarta Turma. Julgado em: 08 mai. 2014. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=35199636&num_registro=201202214941&data=20140523&tipo=51&formato=PDF>. Agravo Regimental no Recurso Especial nº 1402104/RJ. Acesso em 10 de outubro de 2017.
[55] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. RECURSO ESPECIAL Nº 1.642.997 - RJ (2016/0272263-4). Recorrente: FACEBOOK Serviços Online. Recorrido: Fernando Candido da Costa. Relatora Ministra Nancy Andrighi.Terceira Turma. Julgado em 12 de set de 2017. Disponível em https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=76349712&num_registro=201602722634&data=20170915&tipo=5&formato=PDF. Acesso em 14 dez 2017.
[56] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1.323.754/RJ. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Grasiele Salme Leal. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em: 19 jun. 2012. Disponível em:
<https://ww2.stj.jus.br/revistaeletronica/Abre_Documento.asp?sLink=ATC&sSeq=22644503&sReg=201200057484&sData=20120828&sTipo=5&formato=PDF>. Acesso em 10 de outubro de 2017.
[57] BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Recurso Especial nº 1338214/MT. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Roger Eduardo Sassaki. Relatora: Min. Nancy Andrighi. Terceira Turma. Julgado em: 21 nov. 2013. Disponível em: <https://ww2.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=32638094&num_registro=201200396460&data=20131202&tipo=51&formato=PDF>. Recurso Especial 1338214/MT. Acesso em 20 de outubro de 2017.
[58] PAESANI. Liliana Minardi. Direito e Internet: liberdade de informação, privacidade e responsabilidade civil. 6.ed. São Paulo: Atlas, 2013. 84 p.
[59] BRASIL. Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul. Agravo de instrumento nº 70061201752. Recorrente: Google Brasil Internet Ltda. Recorrido: Decio Luiz Franzen. Nona Câmara Cível. Julgado em: 22 ago. 2014. Disponível em: http://www1.tjrs.jus.br/site_php/consulta/consulta_processo.php?nome_comarca=Tribunal+de+Justi%E7a&versao=&versao_fonetica=1&tipo=1&id_comarca=700&num_processo_mask=70061201752&num_processo=70061201752&codEmenta=5909441&temIntTeor=true. Acesso em 10 de outubro de 2017.
Advogada. Especialista em Direito Constitucional. Bacharela em Direito pela Universidade Católica de Pernambuco - UNICAP.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Maria Carolina de Araujo. Responsabilidade civil dos provedores de internet nas situações em que ocorram violação dos direitos fundamentais de privacidade e liberdade de expressão, em virtude de conteúdos gerados por terceiros Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 dez 2017, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51149/responsabilidade-civil-dos-provedores-de-internet-nas-situacoes-em-que-ocorram-violacao-dos-direitos-fundamentais-de-privacidade-e-liberdade-de-expressao-em-virtude-de-conteudos-gerados-por-terceiros. Acesso em: 23 dez 2024.
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