RESUMO: O presente trabalho visa analisar a temática dos negócios processuais atípicos no Novo Código de Processo Civil brasileiro, que foi permitido com base no art. 190, com enfoque nos limites e possibilidades de flexibilização do procedimento.
PALAVRAS-CHAVE: Negócios processuais atípicos no CPC 2015. Flexibilização processual. Limites. Possibilidades.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Negócios Processuais Atípicos no CPC/2015; 3. Limites e Possibilidades; 4. Conclusão; 5. Referências.
Este trabalho busca analisar as inovações trazidas pelo artigo 190 do Novo Código de Processo Civil, o qual permite que as partes celebrem negócios processuais atípicos, convencionando para flexibilizar o processo para que atenda de forma mais eficaz aos seus interesses.
O enfoque que se dará aqui é exatamente nas possibilidades que terão as partes para exercer essa flexibilização, ou seja, o que elas poderão, ou não, fazer para adaptar o processo às suas necessidades.
Será analisada, portanto, a celebração de negócios processuais atípicos pelas partes com base no novo código de processo civil, com enfoque em seus limites e possibilidades.
O tema dos negócios jurídicos processuais ganhou grande destaque com o Novo Código de Processo Civil. Com ele, será possível que as partes e o julgador modulem o procedimento à realidade do caso concreto, adaptando-o às necessidades processuais das partes, a fim de proporcionar uma efetiva e adequada entrega da prestação jurisdicional.
O art. 190 do NCPC consagra essa atipicidade dos negócios jurídicos processuais, de modo que eles poderão ser celebrados antes ou durante a instauração do processo e mudar seu trâmite regular, adaptando-o às suas necessidades e, consequentemente, permitindo a melhor resolução do caso concreto marcado pelo ajuste de vontades.
Os negócios processuais permitem uma visão mais democrática do procedimento jurisdicional, influenciando para que as partes dialoguem e cheguem a um acordo antes mesmo do desenrolar do processo. Eles constituem meios de se obter maior eficiência processual, reforçando o devido processo legal, na medida em que permitem que haja maior adequação do processo à realidade do caso. Tal fato importa no reforço de princípios como a cooperação, a boa-fé e a lealdade processuais, tanto pelas partes como pelo magistrado[1]. Este, a propósito, passa a ser um sujeito atuante no desenvolvimento da relação processual, auxiliando na busca da melhor solução para o caso concreto, não mais apenas como um fiscal de regras. Não há protagonismo de qualquer das partes processuais.
Fica claro, assim, que isto representou uma grande mudança em relação ao procedimento passado. A ideia do emprego da rigidez das formas como um meio de se atingir uma tutela jurisdicional adequada perdeu espaço para a cooperação das partes na buscar da melhor forma de alcançar o bem jurídico pretendido. O novo CPC, fundado na concepção da democracia participativa, estrutura-se de modo a permitir maior valorização da vontade dos sujeitos processuais, a quem se confere a possibilidade de promover o autorregramento de suas situações processuais.
O código, contudo, não estabelece nenhuma regra, exemplo ou limite para a flexibilização do procedimento, de modo que caberá à doutrina e à jurisprudência pátrias desenvolver o instituto em nossa cultura jurídica, para que ele seja realmente executado de forma positiva no cotidiano forense. Até lá, no entanto, os advogados terão o grande desafio de compreender e assimilar esta nova realidade processual, a fim de que consigam usufruir de todas as possibilidades abertas por ela, auxiliando na busca por uma tutela jurisdicional mais efetiva, célere e justa.
O tema, portanto, ainda é muito recente e será extremamente discutido entre os doutrinadores e também nos próprios tribunais do país. O universo dos negócios jurídicos processuais possíveis é incalculável, pois eles advêm da própria imaginação e criatividade das partes e do magistrado no caso concreto.
O presente trabalho visa analisar essa liberdade das partes para a celebração de negócios processuais atípicos, suas possibilidades e limites. É evidente que não é possível, por todo exposto, afirmar quais são todas as flexibilizações procedimentais possíveis, mas iremos buscar copilar e entender a doutrina já criada para discutir o assunto.
Por fim, vale a pena conferir os esclarecedores comentários de Fredie Didier e Leonardo da Cunha, respectivamente, a respeito do tema:
“O projeto do novo CPC adota um modelo cooperativo de processo, com valorização da vontade das partes e equilíbrio nas funções dos sujeitos processuais. Há, a partir daí, o prestígio da autonomia da vontade das partes, cujo fundamento é a liberdade, um dos principais direitos fundamentais previstos no art. 5º da Constituição Federal. O direito à liberdade contém o direito ao autorregramento, justificando o chamado princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo”[2].
“O autorregramento da vontade no processo é permitido, assegurado e respeitado. O novo CPC é estruturado de maneira a estimular a solução do conflito pela via que parecer mais adequada a cada caso, não erigindo a jurisdição como necessariamente a melhor opção para eliminar a disputa de interesses”[3].
O supramencionado art. 190 do Novo Código de Processo Civil dispõe que:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Importante também observar o art. 191 do Novo Código, que dispõe sobre a calendarização processual:
Art. 191. De comum acordo, o juiz e as partes podem fixar calendário para a prática dos atos processuais, quando for o caso.
§ 1o O calendário vincula as partes e o juiz, e os prazos nele previstos somente serão modificados em casos excepcionais, devidamente justificados.
§ 2o Dispensa-se a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário.
Este artigo já mostra um dos principais acordos que as partes podem fazer: elas fixarão, dependendo da anuência do magistrado, novo calendário para as práticas processuais, podendo mudar inclusive o prazo normal que cada recurso possui. Tal mudança pode dar muita velocidade ao procedimento, conforme seja a intenção das partes, visto que o §2°, inclusive, dispensa a intimação das partes para a prática de ato processual ou a realização de audiência cujas datas tiverem sido designadas no calendário. Assim, tanto as partes como o juiz ficam vinculados ao calendário acordado, que só pode sofrer alterações em casos excepcionais, devendo ser justificadas. Vale lembrar que o magistrado deve concordar com as mudanças, conforme preconiza o parágrafo único do art. 190, acima transcrito. Apesar disso, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial, salvo nos casos expressamente previstos em lei, quando a homologação corresponde a uma condição de eficácia do negócio.
Diversos outros artigos do NCPC também trazem exemplos de flexibilização do processo, como o art. 139, incisos V e VI, que dizem incumbir ao juiz, “promover, a qualquer tempo, a autocomposição, preferencialmente com auxílio de conciliadores e mediadores judiciais” e “dilatar os prazos processuais e alterar a ordem de produção dos meios de prova, adequando-os às necessidades do conflito de modo a conferir maior efetividade à tutela do direito”. O §1º do art. 113, sobre o mesmo tema, afirma que “o juiz poderá limitar o litisconsórcio facultativo quanto ao número de litigantes na fase de conhecimento, na liquidação de sentença ou na execução, quando este comprometer a rápida solução do litígio ou dificultar a defesa ou o cumprimento da sentença”. Há, ainda, outros dispositivos que se referem ao tema, que tratam da autocomposição, regulando a mediação e a conciliação (arts. 165 a 175), inserindo a tentativa de autocomposição como ato anterior à defesa do réu (arts. 334), permitindo, no acordo judicial, a inclusão de matéria estranha ao objeto litigioso do processo (art. 515, §2º), etc.
Fica evidente, contudo, que o código não fala, em nenhum momento, até onde as partes poderão convencionar para flexibilizar o processo, nem sua forma e seu limite. Isso faz com que haja uma grande dúvida por parte dos advogados e magistrados sobre o que será possível fazer com esse novo instrumento. Para esclarecer e fixar esses limites, será muito importante a influência da doutrina e da jurisprudência nesses quesitos.
Como ensina o professor Alexandre Pimentel[4], “reconhecida parcela de autonomia para que as partes estabeleçam negócios jurídicos processuais, a atuação dessa autonomia não se mostra tão ampla como acontece no direito privado. O desafio, portanto, é estabelecer uma sintonia entre a autonomia da vontade e o publicismo garantista do processo”.
O Instituto Brasileiro de Direito Processual (IBDP) realizou o II Encontro de Jovens Processualistas, em 2013, estabelecendo uma série de enunciados relativos a vários temas do NCPC, entre eles os “Negócios Jurídicos Processuais” do art. 190. Posteriormente, vários outros encontros foram realizados, sendo o último o Fórum Permanente de Processualistas Civis[5], em 2017, em Florianópolis, quando novos enunciados foram criados e alguns alterados pelos participantes. Interessante notar que, para que um enunciado seja criado, é necessário que todos os processualistas presentes aceitem a redação proposta. A despeito de ser mais difícil de ser atingida, a unanimidade confere grande legitimidade aos enunciados, já que, em cada Fórum, estiveram presentes centenas de processualistas de todo país, de diferentes escolas e correntes doutrinárias.
A princípio, revela-se importante destacar o Enunciado 6, o qual afirma que “o negócio jurídico processual não pode afastar os deveres inerentes à boa-fé e à cooperação”. Daniel Amorim Assumpção[6], ao analisar o art. 190, afirma que não podem as parte acordar pelo afastamento de seus deveres, o que transformaria o processo em uma “terra de ninguém”, em que o juiz teria que aceitar qualquer tipo de barbaridade sem poder coibir ou sancionar tais comportamentos.
Nesses encontros, os processualistas buscaram ao máximo exemplificar quais negócios processuais podem ser realizados e quais não podem, a fim de clarificar os limites e possibilidades do instituto. Alguns desses enunciados, que estão correlacionados abaixo, mostram a grande quantidade de possibilidades de negócios processuais atípicos que as partes podem acordar em seu processo, bem como algumas matérias que não podem ser alteradas pela convenção:
19. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios processuais, dentre outros: pacto de impenhorabilidade, acordo de ampliação de prazos das partes de qualquer natureza, acordo de rateio de despesas processuais, dispensa consensual de assistente técnico, acordo para retirar o efeito suspensivo de recurso, acordo para não promover execução provisória; pacto de mediação ou conciliação extrajudicial prévia obrigatória, inclusive com a correlata previsão de exclusão da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de exclusão contratual da audiência de conciliação ou de mediação prevista no art. 334; pacto de disponibilização prévia de documentação (pacto de disclosure), inclusive com estipulação de sanção negocial, sem prejuízo de medidas coercitivas, mandamentais, sub-rogatórias ou indutivas; previsão de meios alternativos de comunicação das partes entre si; acordo de produção antecipada de prova; a escolha consensual de depositário-administrador no caso do art. 866; convenção que permita a presença da parte contrária no decorrer da colheita de depoimento pessoal. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC- RIO, no V FPPC-Vitória e no VI FPPC-Curitiba)
21. (art. 190) São admissíveis os seguintes negócios, dentre outros: acordo para realização de sustentação oral, acordo para ampliação do tempo de sustentação oral, julgamento antecipado do mérito convencional, convenção sobre prova, redução de prazos processuais. (Grupo: Negócio Processual; redação revista no III FPPC-Rio)
262. (arts. 190, 520, IV, 521). É admissível negócio processual para dispensar caução no cumprimento provisório de sentença. (Grupo: Negócios Processuais)
490. (art. 190; art. 81, §3º; art. 297, parágrafo único; art. 329, inc. II; art. 520, inc.I; art. 848, inc. II). São admissíveis os seguintes negócios processuais, entre outros: pacto de inexecução parcial ou total de multa coercitiva; pacto de alteração de ordem de penhora; pré-indicação de bem penhorável preferencial (art. 848, II); pré- fixação de indenização por dano processual prevista nos arts. 81, §3º, 520, inc. I, 297, parágrafo único (cláusula penal processual); negócio de anuência prévia para aditamento ou alteração do pedido ou da causa de pedir até o saneamento (art. 329, inc. II). (Grupo: Negócios processuais)
491. (art. 190) É possível negócio jurídico processual que estipule mudanças no procedimento das intervenções de terceiros, observada a necessidade de 110 Redação original: “(art. 3º, §§ 2º e 3º; art. 139, V) É cabível a audiência de conciliação e mediação no processo de execução, na qual é admissível, entre outras coisas, a apresentação de plano de cumprimento da prestação”. 63 anuência do terceiro quando lhe puder causar prejuízo. (Grupo: Negócios processuais)
492. (art. 190) O pacto antenupcial e o contrato de convivência podem conter negócios processuais. (Grupo: Negócios processuais)
579. (arts. 190, 219 e 222, §1º) Admite-se o negócio processual que estabeleça a contagem dos prazos processuais dos negociantes em dias corridos. (Grupo: Negócios processuais)
580. (arts. 190; 337, X; 313, II) É admissível o negócio processual estabelecendo que a alegação de existência de convenção de arbitragem será feita por simples petição, com a interrupção ou suspensão do prazo para contestação. (Grupo: Negócios processuais)
20. (art. 190) Não são admissíveis os seguintes negócios bilaterais, dentre outros: acordo para modificação da competência absoluta, acordo para supressão da primeira instância, acordo para afastar motivos de impedimento do juiz, acordo para criação de novas espécies recursais, acordo para ampliação das hipóteses de cabimento de recursos18 . (Grupo: Negócio Processual; redação revista no VI FPPC Curitiba)
392. (arts. 138 e 190) As partes não podem estabelecer, em convenção processual, a vedação da participação do amicus curiae. (Grupo: Litisconsórcio e intervenção de terceiros)
Como analisa Antonio Aurélio Abi Ramia Duarte[7] sobre esses enunciados, “desde o estabelecimento de deveres e sanções, passando pela ampliação e redução de prazos processuais, tempo de sustentação, rateio de despesas processuais, dispensa de assistentes técnicos e execução provisória, dentre outros, podem ser estabelecidos. Vê-se a primazia da vontade atuando no campo processual, revelando o pioneirismo do nosso Código e o ajuste a valores democráticos, em consonância com os novos tempos”.
Como pôde ser visto, foram proibidos os negócios bilaterais que alterariam outros princípios do processo, como o da territorialidade e o da não supressão de instâncias. Sobre isso, Leonardo Greco[8] observa que os princípios e garantias fundamentais do processo constituem limites obstativos à validade dos negócios processuais, pelo que são inválidos os que mitiguem princípios já sedimentados no Direito Processual, como os princípios do juiz natural, da razoável duração do processo e da vedação de prova ilícita
Seria um absurdo que as partes pudessem escolher para o STJ, por exemplo, funcionar como primeira instância da sua causa, então obviamente todas as instâncias devem ser respeitadas e mantidas. A flexibilização do procedimento não é uma arbitragem, em que as partes teriam liberdade quase que total para fazer o que bem entendessem. Por isso, Pimentel[9] afirma que “é possível reconhecer também como limite aos negócios processuais a participação do Judiciário, representante do Poder Público, enquanto sujeito processual e cuja vontade deve ser levada em consideração. Não é possível, por exemplo, que as partes estipulem acordos que vinculem o juiz a admitir provas ilícitas ou que imponham que ele se abstenha de reconhecer alguma irregularidade, aliás, ao contrário do que se possa concluir, o juiz permanece atuando ativamente do processo”.
Cumpre esclarecer, aqui, que as partes podem, no negócio processual bilateral, estabelecer outros deveres e sanções para o caso de descumprimento da convenção, a fim de conceder maior autorregulação e autoexecutoriedade ao sistema acordado (enunciado nº 17 do Fórum Permanente de Processualistas Civis). Além disso, em caso de descumprimento de uma convenção processual válida, o conhecimento dessa matéria não pode ser realizado de ofício pelo juiz, dependendo de requerimento (Enunciado 252).
Quanto à nulidade do acordo procedimental, há interessantes e esclarecedores enunciados, com o que prever a necessidade do prejuízo para a invalidade do ato. Também merece destaque o dispositivo segundo o qual, quando a parte celebra um negócio processual sem advogado, o acordo possui indício de vulnerabilidade.
16. (art. 190, parágrafo único) O controle dos requisitos objetivos e subjetivos de validade da convenção de procedimento deve ser conjugado com a regra segundo a qual não há invalidade do ato sem prejuízo. (Grupo: Negócio Processual)
18. (art. 190, parágrafo único) Há indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica. (Grupo: Negócio Processual)
409. (art. 190; art. 8º, caput, Lei 9.307/1996) A convenção processual é autônoma em relação ao negócio em que estiver inserta, de tal sorte que a invalidade deste não implica necessariamente a invalidade da convenção processual. (Grupo: Negócios processuais)
Além disso, a invalidação dos negócios jurídicos atípicos pode acontecer por defeitos processuais, vícios da vontade e por vícios sociais, de modo parcial ou total.
Os processualistas também impuseram alguns requisitos de validade para os acordos, tanto para as partes como para terceiros, além de lembrarem que o negócio processual pode ser desfeito:
402. (art. 190) A eficácia dos negócios processuais para quem deles não fez parte depende de sua anuência, quando lhe puder causar prejuízo. (Grupo: Negócios processuais)
403. (art. 190; art. 104, Código Civil) A validade do negócio jurídico processual, requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei. (Grupo: Negócios processuais)
411. (art. 190) O negócio processual pode ser distratado. (Grupo: Negócios processuais)
Analisaremos agora outros enunciados sobre o Negócio Processual Atípico:
131. (art. 190; art. 15) Aplica-se ao processo do trabalho o disposto no art. 190 no que se refere à flexibilidade do procedimento por proposta das partes, inclusive quanto aos prazos. (Grupo: Impacto do CPC no Processo do Trabalho)
Importante destacar que, apesar desse enunciado não ter sido cancelado pelo grupo, o Tribunal Superior do Trabalho, na Instrução Normativa 39/2016[10], disse que não se aplica ao Processo do Trabalho o art. 190 do CPC, de modo que as partes, no processo do trabalho, não podem criar cláusulas processuais atípicas.
135. (art. 191, § 4º) A indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual. (Grupo: Negócios Processuais)
Sobre esse tema, faz-se imperiosa a lição de Diogo Rezende[11]:
“A impossibilidade de disposição do direito material não afeta, em regra a possibilidade de disposição de direito processual. O interesse em disputa pode ser indisponível, mas as partes permanecem livres a contratarem sobre alteração de foro, redistribuição de ônus da prova, escolha conjunta de perito, suspensão do processo, alteração da data de audiência etc. Do mesmo modo, conquanto seja disponível o direito material em jogo, é vedada a convenção processual que, por exemplo, diminua o prazo de contestação para dois dias, uma vez que acarreta mitigação exacerbada ao direito de defesa do réu e, conseguintemente, afeta direito processual indisponível.”
Importante perceber que os acordos processuais atípicos podem ser celebrados pelo Ministério Público, pela Fazenda Nacional, em convenção coletiva e até no sistema dos juizados especiais, conforme os seguintes enunciados:
253. (art. 190; Resolução n. 118/CNMP) O Ministério Público pode celebrar negócio processual quando atua como parte. (Grupo: Negócios Processuais)
254. (art. 190) É inválida a convenção para excluir a intervenção do Ministério Público como fiscal da ordem jurídica. (Grupo: Negócios Processuais)
255. (art. 190) É admissível a celebração de convenção processual coletiva. (Grupo: Negócios Processuais)
256. (art. 190) A Fazenda Pública pode celebrar negócio jurídico processual. (Grupo: Negócios Processuais)
413. (arts. 190 e 191; Leis 9.099/1995, 10.259/2001 e 12.153/2009). O negócio jurídico processual pode ser celebrado no sistema dos juizados especiais, desde que observado o conjunto dos princípios que o orienta, ficando sujeito a controle judicial na forma do parágrafo único do art. 190 do CPC. (Grupo: Impacto nos Juizados e nos procedimentos especiais da legislação extravagante)
Assim, abrangeu-se e incentivou-se ainda mais a aplicação do art. 190 do NCPC. Outras características surgiram também, como a dispensa da homologação judicial, a possibilidade de invalidação parcial do negócio celebrado e a natureza do direito material, que não serve de obstáculo à flexibilização.
Outros autores já têm escrito diversos artigos sobre a celebração de negócios processuais atípicos, analisando os mais diversos institutos que podem sofrer alterações com a disposição do art. 190 do NCPC.
Fredie Didier[12], uma dos maiores responsáveis pela elaboração do Novo CPC, afirma que negócio jurídico pode ser fonte normativa de legitimação extraordinária. Vale lembrar que na legitimação extraordinária confere-se a alguém o poder de conduzir processo que versa sobre direito do qual não é titular ou do qual não é titular exclusivo. Ele explica: segundo o CPC antigo, a fonte normativa de legitimação extraordinária era somente lei (art. 6º CPC/73). O Novo CPC, por outro lado, diz, no art. 18, que ninguém poderá pleitear direito alheio em nome próprio, salvo quando autorizado pelo ordenamento jurídico. Segundo o autor, negócio jurídico é fonte de norma jurídica, que, por isso mesmo, também compõe o ordenamento jurídico. Destarte, negócio jurídico pode ser fonte normativa da legitimação extraordinária, ou seja, o NCPC permite que exista a legitimação extraordinária atípica, de origem negocial.
Didier[13] também ensina que o NCPC permitiu a existência do litisconsórcio necessário por força do negócio jurídico processual. O Novo CPC, que tem a mesma redação do atual, diz que “será necessário o litisconsórcio quando for unitário ou por expressa disposição de lei”. Como os negócios processuais podem ser feitos antes mesmo da instauração do processo, é possível que um contrato, por exemplo, seja firmado por mais de duas pessoas, e os contratantes decidam que a propositura de demanda relativa àquele contrato deva ser dirigida contra todos os demais contratantes, a despeito da existência de unitariedade. É um caso, destarte, de negócio processual lícito, fonte de litisconsórcio necessário.
Outro gabaritado autor que vem analisando a dimensão dos negócios processuais atípicos é Leonardo da Cunha, também um dos maiores responsáveis pela elaboração do NCPC. O autor, em um artigo, defendeu a possibilidade de da existência de intervenções de terceiros atípicas ou negociadas no NCPC.
Ele ensina que a assistência simples depende da demonstração, pelo terceiro, de interesse jurídico na causa, já que consistem em uma intervenção típica. Na sistemática do CPC/1973, prevalecia o entendimento segundo o qual o juiz deveria indeferir o pedido do terceiro para figurar como assistente simples, ainda que haja concordância das partes originárias, se não houver interesse jurídico. Todavia, segundo o autor, caso não haja a presença do interesse jurídico, o terceiro poderá ser admitido como interveniente, a fim de ampliar o debate e a cooperação judicial, concretizando a ideia de participação democrática no processo civil, bastando, para isso, a anuência das partes.
Marina França Santos[14], sobre o assunto, explica que é possível, no novo CPC, haver duas modalidades de intervenção de terceiro negociada: a negociação de intervenções atípicas, e a negociação de regras previstas para as intervenções típicas. É possível admitir uma intervenção atípica, como a de um terceiro que não tenha interesse jurídico para assistir uma das partes. Mas, também é possível negociar regras de uma intervenção típica. Leonardo da Cunha completa dizendo que um negócio processual que discipline uma intervenção típica a tornaria atípica.
Fica claro, destarte, que o art. 190 do Novo Código de Processo Civil vai influenciar em diversas áreas e assuntos processuais. Caberá à doutrina e à jurisprudência delimitar para estabelecer as possibilidades e os limites da celebração de negócios processuais atípicos.
Portugal, como explica Trícia Navarro Xavier Cabral[15], desde a reforma do CPC de 1995, possui um mecanismo de flexibilização semelhante. Na prática, contudo, não houve significativos avanços ou vantagens processuais, já que faltou uma efetiva adesão dos operadores do direito, ou seja, a mentalidade dos magistrados e advogados não acompanhou as inovações processuais, eles simplesmente não utilizam esse novo procedimento. Este fato demonstra, às escancaras, que os operadores do direito brasileiro precisarão de tempo para se adaptarem às novas regras e possibilidades processuais, e a doutrina e jurisprudência deverá ensinar e incentivar na criação dos negócios processuais atípicos, que podem consistir em eficientes mecanismos para atingir os objetivos de celeridade processual e conformidade das partes com as decisões judiciais.
ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das Convenções Processuais no Processo Civil. Tese (doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, 2014. Orientador Leonardo Greco
CABRAL, Trícia Navarro Xavier Cabral. Flexibilização Procedimental. Revista Eletrônica de Direito Processual, Volume VI. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-vi/flexibilizacao-procedimental#_ftnref58>. Último acesso: 16/01/2018
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[1] Enunciado n. 407 do Fórum Permanente de Processualistas Civis: “Nos negócios processuais, as partes e o juiz são obrigados a guardar nas tratativas, na conclusão e na execução do negócio o princípio da boa-fé”.
[2] DIDIER JR., Fredie. “Negociação sobre o processo: autorregramento da vontade no projeto de novo Código de Processo Civil”. Texto inédito apud CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Assistência no Projeto do Novo Código Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.academia.edu/9253866/A_ASSIST%C3%8ANCIA_NO_PROJETO_DO_NOVO_C%C3%93DIGO_PROCESSO_CIVIL_BRASILEIRO>. Último acesso: 16/01/2018.
[3] CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Assistência no Projeto do Novo Código Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.academia.edu/9253866/A_ASSIST%C3%8ANCIA_NO_P ROJETO_DO_NOVO_C%C3%93DIGO_PROCESSO_CIVIL_BRASILEIRO>. Último acesso: 16/01/2018.
[4] PIMENTEL, Alexandre Freire e MOTA, Natália Lobo. Negócios processuais atípicos: alcances e limites no CPC/2015. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18199>. Último acesso: 16/01/2018.
[5] Enunciados do Fórum Permanente de Processualistas Civis. Florianópolis, 24, 25 e 26 de março de 2017. Disponível em: http://civileimobiliario.web971.uni5.net/wp-content/uploads/2017/07/Carta-de-Florian%C3%B3polis.pdf. Último acesso: 16/01/2018.
[6] NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito Processual Civil – volume único. 6ª ed. São Paulo: Editora Método, 2014, p. 429/430 (versão epub).
[7] DUARTE, Aurélio Abi Ramia. O Novo Código de Processo Civil, os Negócios Processuais e a Adequação Procedimental. Disponível em: http://www.emerj.rj.gov.br/paginas/grupodeestudos/trabalhosjuridicos/o-novo-codigo-de-processo-civil-os-negocios-processuais.pdf. Último acesso: 16/01/2018.
[8] GRECO, Leonardo. Os atos de disposição processual - primeiras reflexões. In: Revista Eletrônica de Direito Processual. Rio de Janeiro, 1. ed., out./dez. 2007, pág. 11. Disponível em: <http://www.e-publicacoes.uerj.br/index.php/redp/article/viewFile/23657/16714>. Último acesso: 16/01/2018.
[9] PIMENTEL, Alexandre Freire e MOTA, Natália Lobo. Negócios processuais atípicos: alcances e limites no CPC/2015. Disponível em: <http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=18199>. Último acesso: 16/01/2018
[10] Art. 2° Sem prejuízo de outros, não se aplicam ao Processo do Trabalho, em razão de inexistência de omissão ou por incompatibilidade, os seguintes preceitos do Código de Processo Civil:
II - art. 190 e parágrafo único (negociação processual);
[11] ALMEIDA, Diogo Assumpção Rezende de. Das Convenções Processuais no Processo Civil. Tese (doutorado). Universidade do Estado do Rio de Janeiro, Faculdade de Direito, 2014. Orientador Leonardo Greco
[12] DIDIER JR., Fredie. Fonte normativa da legitimação extraordinária no novo Código de Processo Civil: a legitimação extraordinária de origem negocial. Disponível em: http://www.frediedidier.com.br/artigos/fonte-normativa-da-legitimacao-extraordinaria-no-novo-codigo-de-processo-civil-a-legitimacao-extraordinaria-de-origem-negocial/. Visualizado em 16/01/2018.
[13] DIDIER JR., Fredie. Editorial 184 - Novo CPC. Litisconsórcio necessário por força de negócio jurídico. Disponível em: <http://www.frediedidier.com.br/editorial/editorial-184/>. Última acesso: 16/01/2018.
[14] SANTOS, Marina França . Intervenção de terceiro negociada: possibilidade aberta pelo novo Código de Processo Civil. Revista Forense (Impresso), 2015, apud CUNHA, Leonardo José Carneiro da. A Assistência no Projeto do Novo Código Processo Civil Brasileiro. Disponível em: <http://www.academia.edu/9253866/A_ASSIST%C3%8ANCIA_NO_PROJETO_DO_NOVO_C%C3%93DIGO_PROCESSO_CIVIL_BRASILEIRO>. Último acesso: 24/01/2015.
[15] CABRAL, Trícia Navarro Xavier Cabral. Flexibilização Procedimental. Revista Eletrônica de Direito Processual, Volume VI. Disponível em: <http://www.arcos.org.br/periodicos/revista-eletronica-de-direito-processual/volume-vi/flexibilizacao-procedimental#_ftnref58>. Último acesso: 16/01/2018.
Servidor público. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Ricardo Miranda. Celebração de negócios processuais atípicos com base no novo Código de Processo Civil: limites e possibilidades Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jan 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51261/celebracao-de-negocios-processuais-atipicos-com-base-no-novo-codigo-de-processo-civil-limites-e-possibilidades. Acesso em: 22 dez 2024.
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