RESUMO: O presente artigo busca analisar como é utilizada a Lei de Falências e Recuperação de Empresas, nº 11.101/2005, de 9 de fevereiro de 2005 (“LFRE”) na prática forense brasileira, aproveitando, como base, o plano de recuperação judicial do GRUPO AGRENCO (BRASIL) e também seu processo de falência.
PALAVRAS-CHAVE: Recuperação judicial. Falência. Grupo Agrenco (Brasil).
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. História do direito falimentar; 2.1. Direito falimentar no Brasil; 3. Princípios importantes; 4. da recuperação judicial; 4.1. O pedido de recuperação judicial; 4.2. O plano de recuperação judicial; 5. Da falência; 5.1. A fase pré-falimentar; 5.2. O processo falimentar; 6. O caso do Grupo Agrenco (Brasil); 7. Conclusão; 8. Referências
Todo processo de falência começa da mesma forma: com a insolvência da empresa. Ao passo que os ativos não são mais suficientes para pagar todas as dívidas que ela adquiriu, a empresa vai enfrentar uma crise financeira que pode gerar a sua falência, caso ela não consiga se recuperar. Nas palavras de Sérgio Campinho[1]:
“a crise econômico-financeira constitui-se em um fenômeno tradutor de um desequilíbrio entre os valores realizáveis pelo devedor e as prestações que lhe são exigidas pelos credores. Espelha, assim, sob o ponto de vista econômico, um efeito patológico do funcionamento do crédito”.
O presente trabalho busca fazer uma análise do procedimento que levou o GRUPO AGRENCO (BRASIL) a falir. Para isso, é necessário fazer uma análise de alguns dos mais importantes institutos do processo falimentar e da recuperação judicial, fundamentais para que seja possível entender o caso em destaque.
Para realizar o estudo da matéria, como é de praxe, é importante entender melhor seu desenvolvimento histórico, para compreender como ela mudou ao logo do tempo, quais contextos históricos favoreceram para que o direito falimentar tivesse sempre em mudança, visando exatamente tutelar os ânimos sociais de cada época.
É fundamental, também, analisar os princípios norteadores da matéria, pois eles explicam muito o porquê de cada caminho ser percorrido, com fundamental destaque para o princípio da preservação da empresa, de grande importância prática atualmente, estando, inclusive, sendo usado para fundamentar inúmeras decisões judiciais sobre o tema.
Por fim, usaremos todos os institutos analisados para a melhor elucidação do caso do GRUPO AGRENCO (BRASIL).
A maior parte da doutrina aceita que o direito falimentar tem sua origem mais remota no Império Romano. Até mesmo Sebastião José Roque[2], para quem o Direito Falimentar é fruto do século XVI, por entender que a mentalidade do povo romano não permitira a existência nem de um Direito Empresarial, tampouco do falimentar, aceita que os fundamentos do direito falimentar podem ser encontrados na Roma Antiga. Para o autor, a falência seria uma “moderna figura jurídica calcada no figurino romano”.
Nos primeiros anos do Império Romano, a pessoa do devedor era a garantia do credor. O devedor respondia por suas obrigações com sua liberdade, seu corpo ou até sua própria vida.
Isso mudou com a edição da Lex Poetelia Papiria, em 428, a.C., que imprimiu um abrandamento sensível nos meios de execução das dívidas do devedor insolvente, porquanto a execução não mais poderia recair obre a pessoa do devedor, mas apenas sobre o seu patrimônio.
Surgiu então, a dúvida: quando o devedor não possuísse bens suficientes, como ele pagaria aos seus credores? Segundo André Santa Cruz[3], a resposta mais antiga para essa questão veio com o Código Justiniano:
“(...) no direito de Justiniano havia a previsão de uma execução especial contra o devedor insolvente: tratava-se da chamada missio in possessio bonorum, por meio da qual os credores adquiriam a posse comum dos bens do devedor, os quais, por sua vez, passavam a ser administrados por um curador, o curador bonorum. A partir de então, os credores adquiriam, consequentemente, o direito de vender os bens do devedor, com o intuito de saldar a divida que este tinha em relação àqueles”.
Até aqui, como visto, havia um tratamento muito repressivo ao falido. Era uma punição por ter agido com má-fé nos negócios, pois não possuía fundos para pagar as obrigações assumidas.
Na Idade Média, o Direito Comercial e Falimentar foi organizado e sistematizado, na civilização das comunas, formando características presentes até hoje.
O Poder Judiciário começou a ganhar destaque, pois passou a condicionar a atuação dos credores. Como explica o professor Amador Paes de Almeida[4], havia a obrigatoriedade de os credores habilitarem-se em juízo, por onde se processa a arrecadação dos bens do devedor, atribuindo-se ao juiz a função de zelar para que se guardasse e vendesse os bens do devedor, partilhando-se o produto entre os credores.
Contudo, as regras na Idade Média ainda eram aplicadas a qualquer espécie de devedor, fosse ou não comerciante, e ainda mantinham seu caráter extremamente repressivo, existindo, por exemplo, a pena de infâmia, que ainda era cominada com outras penas vexatórias.
Tudo mudou com a Codificação Napoleônica, que foi o primeiro a separar o direito civil do direito comercial, a partir da teoria dos atos de comércio. A partir daí começou a existir um conjunto de normas específicas para o Direito Falimentar, aplicáveis somente aos comerciantes. Apesar desses avanços, o Código Napoleônico não chegou a alterar ainda o caráter repressivo e punitivo ao devedor.
Com o passar do tempo, a sociedade foi observando que nem só o empresário desonesto ficava insolvente, que é algo que pode acontecer com qualquer um que enfrentar uma crise econômica, cada vez mais comum ao passar dos anos e do desenvolvimento do sistema capitalista.
Aos poucos, foi reconhecida a importância da função social da empresa, visualizando os efeitos negativos que o fechamento de uma empresa pode causa causar à sociedade, como o desemprego e o retrocesso econômico e social. Então, foi visto que a recuperação do devedor em crise poderia ser mais benéfica do que a sua imediata exclusão do meio empresarial. É este o pensamento atual, de modo que o Direito Falimentar busca sempre a recuperação da empresa, restando a falência somente àquelas que estão em situação realmente irrecuperável.
No início do Brasil Colônia, o direito português era aplicado no país, que aplicava as Ordenações Afonsinas, que não traziam nenhuma distinção entre direito civil e empresarial. Em 1521, surgiu em Portugal as Ordenações Manuelinas, elaboradas pelo Rei D. Manoel, que previam que o devedor falido seria preso até pagar o que devia aos credores, ou poderia ceder seus bens aos credores, evitando assim sua prisão.
No ano de 1603, surgiram as Ordenações Filipinas, de origem espanhola, mas que foi aplicada aqui por causa da União Ibérica, submetida ao Reino de Castela. Nessa fase, sendo o devedor condenado por sentença que transitasse em julgado, era executado e tinha seus bens penhorados, podendo, inclusive, ser preso se não pudesse pagar.
Com a abertura dos portos brasileiros às nações amigas, após a chegada da Família Real ao Brasil, houve uma grande pressão popular para a propositura de uma lei nacional, que atendesse às exigências brasileiras da época. Nesse contexto, foi formada a "Real Junta de Comércio, Agricultura, Fábrica e Navegação", que deveria tornar viável a ideia de criar um direito comercial brasileiro. Ela cumpriu seu objetivo com a promulgação, em 1850, do nosso Código Comercial, pela lei 556, que em sua terceira parte trazia um capítulo reservado “às quebras”, o início do nosso direito falimentar.
O novo código comercial, contudo, foi muito criticado pelos especialistas, tendo sofrido muitas alterações com o Decreto 917/1890, 40 anos após sua promulgação. Como explicou Celso Marcelo de Oliveira[5], sobre as características desse decreto:
“Essa nova lei trouxe as esperanças de conter a fraude, sendo considerada um marco para o andamento em matéria de falência, caracterizando-se pelo estado de falência por atos ou fatos previstos na lei e na impontualidade do pagamento da obrigação mercantil líquida e certa, tendo instituído como meios preventivos à moratória, a cessão de bens, o acordo extrajudicial e a concordata preventiva”.
A partir de então vários decretos foram criados e revogados, alterando o dispositivo em comento, até que foi editado, o Decreto-lei 7.661, em 1945, que regulou o direito falimentar brasileiro por 60 anos. Algumas de suas principais mudanças foram a abolição das Assembleias dos Credores, diminuindo a influência destes, reforçando os poderes dos magistrados, a extinção da figura do liquidatário e a concordata, preventiva e suspensiva, deixou de ser um contrato, para ser um benefício concedido pelo Estado, através do Juiz, ao devedor.
Com a globalização comercial, que foi muito acentuada nas décadas de 80 e 90, houve a necessidade de uma nova reforma legislativa. Com isso, em 1993, foi apresentado um novo projeto de lei. Após mais de 10 anos tramitando no Congresso Nacional, com inúmeras emendas e modificações, o projeto foi aprovado, dando origem à Lei 11.101, de 9 de fevereiro de 2005, a “Lei de Recuperação Judicial”, ou “Lei de Falência”, vidente até os dias atuais.
André Santa Cruz[6], de forma sintética, enumerou algumas das principais alterações trazidas pela lei:
“(i) a substituição da ultrapassada figura da concordata pelo instituto da recuperação judicial; (ii) O aumento do prazo de contestação, de 24 horas para 10 dias; (iii) a exigência de que a impontualidade injustificada que embasa o pedido de falência seja relativa à divida superior a 40 salários-mínimos; (iv) a redução da participação do Ministério Público no processo falimentar; (v) a alteração de regras relativas ao síndico, que passa a ser chamado agora de administrador judicial; (vi) a mudança na ordem de classificação dos créditos e a previsão de créditos extraconcursais; (vii) a alteração nas regras relativas à ação revocatória; (viii) o fim da medida cautelar de verificação de contas; (ix) o fim do inquérito judicial para apuração de crime falimentar; e (x) a criação da figura da recuperação extrajudicial”.
Após ser publicada, a lei 11.101/05 sofreu duas ações direitas de constitucionalidade – a ADI 3.424, que ainda não foi julgada, e a ADI 3.934, julgada improcedente, cujo acórdão está transcrito abaixo – impetradas, respectivamente, pela Confederação Nacional das Profissões Liberais (CNPL) e pelo Partido Democrático Trabalhista.
EMENTA: AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. ARTIGOS 60, PARÁGRAFO ÚNICO, 83, I E IV, c, E 141, II, DA LEI 11.101/2005. FALÊNCIA E RECUPERAÇÃO JUDICIAL. INEXISTÊNCIA DE OFENSA AOS ARTIGOS 1º, III E IV, 6º, 7º, I, E 170, DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL de 1988. ADI JULGADA IMPROCEDENTE.
I - Inexiste reserva constitucional de lei complementar para a execução dos créditos trabalhistas decorrente de falência ou recuperação judicial.
II - Não há, também, inconstitucionalidade quanto à ausência de sucessão de créditos trabalhistas.
III - Igualmente não existe ofensa à Constituição no tocante ao limite de conversão de créditos trabalhistas em quirografários.
IV - Diploma legal que objetiva prestigiar a função social da empresa e assegurar, tanto quanto possível, a preservação dos postos de trabalho.
V - Ação direta julgada improcedente.
Existem vários princípios importantes para se compreender o estudo da falência e da recuperação judicial, e alguns serão analisados agora neste trabalho.
Os mais importantes são o Princípio da Preservação da Empresa e o Princípio da Função Social da Empresa. Os dois estão relacionados, visto que a Constituição da República Federativa do Brasil, de 1988, garante a propriedade privada como um direito fundamental. A empresa, por se tratar de uma propriedade, deve cumprir uma função social perante a sociedade.
O Princípio da Preservação da Empresa, como é claro, normatiza a regra que é preciso tentar sempre salvar a empresa, uma vez que seja viável economicamente. É um princípio clássico do direito empresarial, muito utilizado pela jurisprudência, como caso abaixo:
PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE FALÊNCIA AJUIZADA SOB AÉGIDE DO DECRETO-LEI 7.661/1945. IMPONTUALIDADE. DÉBITO DE VALOR ÍNFIMO. PRINCÍPIO DA PRESERVAÇÃO DA EMPRESA. 1. O princípio da preservação da empresa cumpre preceito da norma maior, refletindo, por conseguinte, a vontade do poder constituinte originário, de modo que refoge à noção de razoabilidade a possibilidade de valores inexpressivos provocarem a quebra da sociedade comercial, em detrimento da satisfação de dívida que não ostenta valor compatível com a repercussão sócio-econômica da decretação da quebra. 2. A decretação da falência, ainda que o pedido tenha sido formulado sob a sistemática do Decreto-Lei 7.661/45, deve observar o valor mínimo exigido pelo art. 94 da Lei 11.101/2005, privilegiando-se o princípio da preservação da empresa. Precedentes. 3. Recurso especial não provido.
(STJ - REsp: 1023172 SP 2008/0012014-0, Relator: Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, Data de Julgamento: 19/04/2012, T4 - QUARTA TURMA, Data de Publicação: DJe 15/05/2012)
No julgado acima, o Superior Tribunal de Justiça entendeu que, para ser decretada a falência da empresa, ela realmente deve estar em uma crise insuperável. Valores proporcionalmente insignificantes não podem levar à quebra da empresa. É preciso que seja feito um balanço comparando os valores realizáveis pelo devedor e as prestações que lhe são exigidas pelos credores. Tudo isso com base no princípio ora em análise.
O princípio da preservação da empresa, entretanto, deve sujeitar-se a certos limites, não podendo ser em termos absolutos interpretados, devendo ser respeitado o ordenamento jurídico e princípios superiores, ou, nas palavras do professor Ivanildo Figueiredo[7]:
“Em nome da preservação da empresa, sem embargo, os direitos dos credores não podem ser limitados, reduzidos ou até mesmo vilipendiados, sem justificativa lógica razoável”.
O Princípio da Função Social da Empresa, como visto, está inserida na Constituição Federal, em seu Artigo 5º, inciso XXIII, que enfatiza que “a propriedade atenderá a sua função social”. Ele, de acordo com Eduardo Tomasevicius Filho[8], “constitui o poder-dever de o empresário e os administradores da empresa harmonizarem as atividades da empresa, segundo o interesse da sociedade, mediante a obediência de determinados deveres, positivos e negativos”.
Assim, pode-se dizer que a função social da empresa é poder-dever do proprietário de dar à coisa uma destinação compatível com o interesse da coletividade para a realização dos interesses coletivos. Ela vai ajudar o Estado a criar o sentimento de bem-estar social.
Não obstante, o maior objetivo de uma empresa privada sempre será a aferição de lucros, de modo que o empresário não pode abrir mão disso em busca do desenvolvimento social. Nas palavras de Rodrigo Almeida Magalhães[9], “a função social não pode predominar sobre os direitos e interesses individuais, cabendo apenas conciliar os interesses da empresa com os da sociedade”.
Outro importante princípio é o da Maximização dos Ativos, previsto de forma implícita no art. 75 da Lei de Falência, a 11.101/05. Segundo ele, deve-se sempre buscar preservar e otimizar a utilização produtiva dos ativos da empresa, mesmo em caso de falência do devedor. Com a manutenção da empresa em funcionamento, evita-se que seus ativos - sobretudo os intangíveis, como uma marca - se desvalorizem ou se deteriorem. Assim, se a empresa precisar ser vendida, haverá uma maior oferta, visto que a empresa ainda funciona bem, o que gera também um maior lucro com a transação, beneficiando não só o falido, como seus credores.
Outros dois princípios importantes e claramente vistos na lei 11.101/05 é a proteção aos trabalhadores, e por fim os interesses dos credores, ambos expressos no art. 47 da lei. O primeiro é intimamente relacionado com o princípio da preservação da empresa, pois, com a continuidade da atividade do empresário, o empregado pode manter seu emprego.
A participação dos credores no processo de recuperação judicial foi muito ampliada no dispositivo em comento, tendo reduzido, inclusive, a interferência do juízo. Como exemplo, o próprio deferimento da recuperação judicial é resultante da aprovação, pelos credores, do plano apresentado pelo devedor (art. 45), entre outras atribuições no processo de recuperação judicial.
A O instituto da recuperação judicial foi concebido pela Lei 11.101/05, a Lei de Falência e Recuperação Judicial, para promover, conforme o art. 47, a preservação da empresa, sua função social e o estímulo à atividade econômica, objetivando permitir a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores e dos interesses dos credores.
Assim, não é somente o interesse dos credores da empresa que é protegido, mas também o próprio Estado, cuja higidez do sistema econômico e confiança do mercado são dependentes da solvência dos agentes. Apesar disso, não é toda empresa que merece ser recuperada, como bem ensina Fábio Ulhoa[10]:
“Como é a sociedade brasileira como um todo que arca, em última instância, com os custos da recuperação das empresas, é necessário que o Judiciário seja criterioso ao definir quais merecem ser recuperadas. Não se pode erigir a recuperação das empresas em um valor absoluto. Não é qualquer empresa que deve ser salva a qualquer custo. Na maioria dos casos, se a crise não encontrou uma solução de mercado, o melhor para todos é a falência, com a realocação em outras atividades econômicas produtivas dos recursos materiais e humanos anteriormente empregados na da falida”.
Desse modo, resta evidente que o benefício da recuperação só deve ser facultado aos devedores viáveis, aqueles que realmente demonstram condições de se recuperar, que podem devolver para a sociedade o sacrifício feito para salvá-la.
O instituto da Recuperação Judicial, destarte, é uma consequência da importância cada vez maior dada ao princípio da função social da empresa e ao princípio da preservação da empresa, já analisados nesse trabalho de pesquisa.
O empresário, evidentemente, percebe quando sua empresa começa a entrar em crise, analisando o mercado, a redução de seu faturamento e a previsão de melhora. É nesse momento, percebendo a situação irreversível que se encontra a empresa, que o empresário deve pedir a recuperação judicial. Contudo, também pode ocorrer desse pedido ser feito na contestação de processo de requerimento de falência, proposto por algum dos credores, em que a empresa atua como ré.
Vale lembrar que a lei 11.101/05, em seu art. 2º, exclui alguns tipos de empresas da possibilidade de serem recuperadas judicialmente. São elas: empresa pública e sociedade de economia mista, instituição financeira pública ou privada, cooperativa de crédito, consórcio, entidade de previdência complementar, sociedade operadora de plano de assistência à saúde, sociedade seguradora, sociedade de capitalização e outras entidades legalmente equiparadas às anteriores.
Além disso, que o empresário individual irregular ou a sociedade empresária que estiver irregular perante Junta Comercial também não têm direito à recuperação judicial, conforme o caput do art. 48 da LRE, transcrito abaixo, que ainda traz outros requisitos que o devedor deve atender para que o juiz autorize seu pedido de recuperação:
Art. 48. Poderá requerer recuperação judicial o devedor que, no momento do pedido, exerça regularmente suas atividades há mais de 2 (dois) anos e que atenda aos seguintes requisitos, cumulativamente:
I – não ser falido e, se o foi, estejam declaradas extintas, por sentença transitada em julgado, as responsabilidades daí decorrentes;
II – não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial;
III - não ter, há menos de 5 (cinco) anos, obtido concessão de recuperação judicial com base no plano especial de que trata a Seção V deste Capítulo;
IV – não ter sido condenado ou não ter, como administrador ou sócio controlador, pessoa condenada por qualquer dos crimes previstos nesta Lei.
Interessante analisar o inciso I, que fala sobre o empresário individual, que já teve sua falência decretada anteriormente. Ele não pode requerer recuperação judicial se suas obrigações antigas ainda não tenham sido declaradas extintas por sentença transitada em julgado.
Conforme o art. 3º da lei, a competência para deferir a recuperação judicial ou decretar a falência será o juízo do local do principal estabelecimento do devedor ou da filial de empresa que tenha sede fora do Brasil. Como ensina André Luiz Santa Cruz Ramos[11], o local do principal estabelecimento do devedor “não corresponde exatamente à sede administrativa da empresa, mas ao local onde se concentra o maior volume de negócios dela”.
Se a petição inicial do pedido de recuperação tiver cumprido todos os requisitos do art. 50 da lei 11.101/05, o juiz poderá deferir o processamento da recuperação judicial. Publicada a decisão com o deferimento, o devedor terá prazo de 60 dias para apresentar ao juízo o seu plano de recuperação judicial, conforme o art. 53 da LRE, sob pena de decretação da falência.
O empresário, então, deve criar um Plano de Recuperação Judicial (PRJ), que deve ser fielmente cumprido até que a empresa volte às suas atividades normalmente, ou seja, até o fim da crise. A lei traz, em seu art. 50, rol exemplificativo de hipóteses para se atingir a recuperação da atividade econômica. O empresário interessado deve analisar se há alguma opção que possa ser eficaz no soerguimento da empresa, mas como se trata de lista exemplificativa, outros meios podem ser examinados e considerados no plano de recuperação. A lista legal compreende:
Art. 50. Constituem meios de recuperação judicial, observada a legislação pertinente a cada caso, dentre outros:
I – concessão de prazos e condições especiais para pagamento das obrigações vencidas ou vincendas;
II – cisão, incorporação, fusão ou transformação de sociedade, constituição de subsidiária integral, ou cessão de cotas ou ações, respeitados os direitos dos sócios, nos termos da legislação vigente;
III – alteração do controle societário;
IV – substituição total ou parcial dos administradores do devedor ou modificação de seus órgãos administrativos;
V – concessão aos credores de direito de eleição em separado de administradores e de poder de veto em relação às matérias que o plano especificar;
VI – aumento de capital social;
VII – trespasse ou arrendamento de estabelecimento, inclusive à sociedade constituída pelos próprios empregados;
VIII – redução salarial, compensação de horários e redução da jornada, mediante acordo ou convenção coletiva;
IX – dação em pagamento ou novação de dívidas do passivo, com ou sem constituição de garantia própria ou de terceiro;
X – constituição de sociedade de credores;
XI – venda parcial dos bens;
XII – equalização de encargos financeiros relativos a débitos de qualquer natureza, tendo como termo inicial a data da distribuição do pedido de recuperação judicial, aplicando-se inclusive aos contratos de crédito rural, sem prejuízo do disposto em legislação específica;
XIII – usufruto da empresa;
XIV – administração compartilhada;
XV – emissão de valores mobiliários;
XVI – constituição de sociedade de propósito específico para adjudicar, em pagamento dos créditos, os ativos do devedor.
O Plano de Recuperação Judicial, portanto, não é mera formalidade. É provavelmente o mais importante e relevante documento do processo, devendo ser elaborado com muito cuidado, de modo que os credores fiquem satisfeitos e as medidas sejam realmente possíveis de serem implantadas. Deve conter os meios de recuperação a serem empregados e a demonstração da viabilidade econômica, além de laudo econômico-financeiro e de avaliação dos bens e ativos do devedor, subscrito por profissional legalmente habilitado ou empresa especializada (art. 53 da LRF).
O advogado Marcelo Gazzi Taddei[12], que atua como Administrador judicial em vários processos de recuperação judicial, explica o que acontece a seguir no processo:
“O plano de recuperação judicial é submetido à aprovação dos próprios credores que, diante da apresentação de objeções consistentes ao plano, provocam a convocação da Assembleia Geral de Credores para a realização da sua análise. A rejeição do plano implica na determinação legal da convolação da recuperação judicial em falência, o que, de certa forma, conduz a sua aprovação pelos credores ou a apresentação de alterações ao plano, sujeitas a anuência expressa da recuperanda”.
Se o PRJ for aprovado pelos credores, o juiz pode finalmente deferir o pedido de recuperação judicial. Durante o período de recuperação, a empresa deve cumprir o estabelecido no plano, tendo que apresentar um balanço mensal para prestar contas ao juiz e aos credores sobre o andamento da empresa. Enquanto isso, as operações da empresa seguem normalmente. O devedor em crise não perde, em princípio, a administração da empresa, a menos que ocorra alguma das situações previstas nos incisos do art. 64 da LRE.
O administrador judicial nomeado pela Justiça funciona como intermediador entre a empresa, os credores e a Justiça. Caso a empresa não cumpra o que está no acordo, o juiz pode inclusive decretar a falência da empresa.
Conforme art. 61 da LRF, o devedor permanecerá em recuperação judicial até que se cumpram todas as obrigações previstas no plano que se vencerem até 2 (dois) anos depois da concessão da recuperação judicial. Fábio Ulhoa[13] ensina que a sentença de encerramento do processo termina a última fase do processo de recuperação judicial, teoria que o célebre doutrinar, sinteticamente, assim explica:
“O processo da recuperação judicial divide-se em três fases bem distintas. Na primeira, que se pode chamar de fase postulatória, a sociedade empresária em crise apresenta seu requerimento do benefício. Ela se inicia com a petição inicial de recuperação judicial e se encerra com o despacho judicial mandando processar o pedido. Na segunda fase, a que se pode referir como deliberativa, após a verificação de crédito, discute-se e aprova-se um plano de reorganização. Tem início com o despacho que manda processar a recuperação judicial e se conclui com a decisão concessiva do benefício. A derradeira etapa do processo, chamada de fase de execução, compreende a fiscalização do cumprimento do plano aprovado. Começa com a decisão concessiva da recuperação judicial e termina com a sentença de encerramento do processo”.
É importante lembrar, contudo, que o fim do prazo especificado no art. 61 da lei 11.101/05 não significa, necessariamente, que o devedor pode descumprir o plano. Segundo o art. 62 da LRE, "após o período previsto no art. 61 desta Lei, no caso de descumprimento de qualquer obrigação prevista no plano de recuperação judicial, qualquer credor poderá requerer a execução específica ou a falência com base no art. 94 desta Lei". Dessa forma, ainda que o processo de recuperação judicial venha a ser extinto por sentença, nos termos do art. 63, poderão os credores, caso alguma obrigação do plano seja descumprida, requerer a decretação da falência do devedor.
A convolação da recuperação judicial em falência dar-se-á em quatro hipóteses: deliberação dos credores reunidos em assembleia, quando a situação de crise é tão grave que não há sentido em qualquer esforço de reorganização; não apresentação do plano pelo devedor no prazo, que não pode ser prorrogado; rejeição do plano pela assembleia dos credores; ou descumprimento do plano de recuperação.
O parágrafo único do art. 73 dispõe, ainda, que a falência também pode ser decretada durante o processo de recuperação judicial sem que decorra uma dessas situações, mediante requerimento de credor não sujeito aos efeitos da recuperação.
A falência, quando se trata de empresário, também é disciplinada na lei 11.101/05, enquanto que o não empresário insolvente se submete ao disposto do Código de Processo Civil.
A natureza jurídica da falência é chamada de “híbrida” ou “complexa”, visto que é um instituto que abarca normas de direito material e de direito processual.
Há três pressupostos para que a falência exista: o pressuposto material subjetivo, segundo o qual o devedor deve ser um empresário; o pressuposto material objetivo, que é a insolvência do devedor; e o pressuposto formal, que consiste na sentença que a decreta.
Sobre esses pressupostos, interessante anotar as características da insolvência, que, para ser decretada, como ensina Fábio Ulhoa[14]:
“(...) é irrelevante a “insolvência econômica”, caracterizada pela insuficiência do ativo para solvência do passivo. Exige a lei de “insolvência jurídica”, que se caracteriza, no direito falimentar brasileiro, pela impontualidade injustificada (LF, art. 94, I), pela execução frustrada (art. 94, II) ou pela prática de ato de falência (art. 94, III)”.
Do pedido de falência até a sua decretação, acontece a chamada “Fase Pré-Falimentar”. Apesar de já ter falado um pouco sobre essa fase no presente trabalho, analisaremos, nesse tópico, mais alguns pontos importante sobre a matéria.
Conforme o art. 97 da LRE, podem requerer a falência: o próprio devedor, caso raro de acontecer, pois eles preferem sempre a tentar a recuperação judicial; o cônjuge sobrevivente, qualquer herdeiro do devedor ou o inventariante, nos casos de falecimento de empresário individual; o cotista ou o acionista do devedor na forma da lei ou do ato constitutivo da sociedade, quando este sócio acredita que o melhor seria decretar a falência, o que é negado pelos outros; ou ainda qualquer credor, que pretendem receber o pagamento da dívida contraído pela sociedade devedora. Interessante, neste ponto, o entendimento dominante do Superior Tribunal de Justiça, que não aceita que a Fazenda Pública possa requerer a falência de uma empresa. O fundamento dessa decisão está nos princípios da preservação da empresa e a sua função social. O STJ entende que a decretação da falência é pior para o Estado do que a insolvência da empresa, como pode ser visto na decisão abaixo:
TRIBUTÁRIO E COMERCIAL – CRÉDITO TRIBUTÁRIO – FAZENDA PÚBLICA – AUSÊNCIA DE LEGITIMIDADE PARA REQUERER A FALÊNCIA DE EMPRESA. 1. A controvérsia versa sobre a legitimidade de a Fazenda Pública requerer falência de empresa. 2. O art. 187 do CTN dispõe que os créditos fiscais não estão sujeitos a concurso de credores. Já os arts. 5º, 29 e 31 da LEF, a fortiori, determinam que o crédito tributário não está abrangido no processo falimentar, razão pela qual carece interesse por parte da Fazenda em pleitear a falência de empresa. 3. Tanto o Decreto-lei n. 7.661/45 quanto a Lei n. 11.101/2005 foram inspirados no princípio da conservação da empresa, pois preveem respectivamente, dentro da perspectiva de sua função social, a chamada concordata e o instituto da recuperação judicial, cujo objetivo maior é conceder benefícios às empresas que, embora não estejam formalmente falidas, atravessam graves dificuldades econômico-financeiras, colocando em risco o empreendimento empresarial. 4. O princípio da conservação da empresa pressupõe que a quebra não é um fenômeno econômico que interessa apenas aos credores, mas sim, uma manifestação jurídico-econômica na qual o Estado tem interesse preponderante. 5. Nesse caso, o interesse público não se confunde com o interesse da Fazenda, pois o Estado passa a valorizar a importância da iniciativa empresarial para a saúde econômica de um país. Nada mais certo, na medida em que quanto maior a iniciativa privada em determinada localidade, maior o progresso econômico, diante do aquecimento da economia causado a partir da geração de empregos. 6. Raciocínio diverso, isto é, legitimar a Fazenda Pública a requerer falência das empresas inviabilizaria a superação da situação de crise econômico-financeira do devedor, não permitindo a manutenção da fonte produtora, do emprego dos trabalhadores, tampouco dos interesses dos credores, desestimulando a atividade econômico-capitalista. Dessarte, a Fazenda poder requerer a quebra da empresa implica incompatibilidade com a ratio essendi da Lei de Falências, mormente o princípio da conservação da empresa, embasador da norma falimentar. Recurso especial improvido.
(STJ - REsp: 363206 MG 2001/0148271-0, Relator: Ministro HUMBERTO MARTINS, Data de Julgamento: 04/05/2010, T2 - SEGUNDA TURMA, Data de Publicação: DJe 21/05/2010
Feito o pedido de falência, o devedor irá responder, podendo alegar qualquer hipótese elencada no art. 96 da LRE. Segundo o artigo, não será decretada a falência, se o devedor provar: prescrição; nulidade de obrigação ou de título; pagamento da dívida; qualquer outro fato que extinga ou suspenda obrigação ou não legitime a cobrança de título; vício em protesto ou em seu instrumento; apresentação de pedido de recuperação judicial, já analisado; cessação das atividades empresariais mais de 2 (dois) anos antes do pedido de falência, comprovada por documento hábil do Registro Público de Empresas, o qual não prevalecerá contra prova de exercício posterior ao ato registrado.
O devedor pode também elidir a falência, assegurando que o juiz não a decretará de maneira alguma. A elisão da falência, como explica André Santa Cruz[15], “é feita com o depósito em juízo do valor da dívida reclamada no pedido falimentar, devidamente corrigido e acrescido de juros e honorários advocatícios”. Isso garante ao credor uma certeza absoluta de que a sua falência não será decretada.
Caso esse depósito não seja realizado e o pedido de falência seja julgado procedente, com ou sem anterior tentativa de recuperação judicial, ocorrerá a decretação da falência, dando fim ao período pré-falimentar.
O processo falimentar se inicia com a sentença que decreta a falência. Isso traz uma grande discussão doutrinária sobre a natureza desta decisão, se é uma sentença ou uma decisão interlocutória. Não se discute, porém, que ela possui natureza constitutiva, visto que constitui o devedor em estado falimentar e instaura o regime de execução de seu patrimônio.
O processo, conforme o art. 75 da LRE, visa, ao promover o afastamento do devedor de suas atividades, preservar e otimizar a utilização produtiva dos bens, ativos e recursos produtivos, inclusive os intangíveis, da empresa.
Nessa fase é que vai ocorrer a satisfação do passivo da empresa, por meio do levantamento dos bens e dos direitos do falido, onerando-os em forma de vendas ou leilões. Há a criação de três órgãos importantes: o administrador judicial, as assembleias dos credores e o comitê dos credores.
O maior destaque deve ser dado ao administrador judicial, que fica responsável pelo bom desenvolvimento do processo falimentar devendo fazer o procedimento de arrecadação dos bens do devedor falido, o que dará origem à massa falida objetiva, e ao procedimento de verificação e habilitação dos credItos, que dará origem à massa falida subjetiva.
A assembleia dos credores tem, dentre outras, a responsabilidade para aprovar a constituição do comitê de credores e eleger os seus membros, adotar modalidades extraordinárias de realização do ativo do falido e deliberar sobre assuntos de interesse geral dos credores. A função mais importante do comitê dos credores, por outro lado, é a de fiscalizar o administrador judicial.
A Lei 11.101 traz uma ordem de classificação de credores, em seu art. 83, devendo ser obedecida a seguinte ordem: os créditos derivados da legislação do trabalho e os decorrentes de acidentes de trabalho; créditos com garantia real até o limite do valor do bem gravado; créditos tributários, créditos com privilégio especial, na forma da lei; créditos com privilégio geral, na forma da lei; créditos quirografários, na forma da lei; as multas contratuais e as penas pecuniárias e os créditos subordinados.
Quando todos os credores forem pagos, ou todos os ativos forem liquidados, o juiz proferirá a segunda sentença encerrando a fase falimentar e declarando a extinção da falência. Se aparecerem novos credores após a liquidação dos bens, eles ainda poderão requisitar seus direitos, mas não terão preferências para o seu pagamento.
O fim do processo falimentar pode ainda não declarar o fim das obrigações do devedor, o que só ocorrerá nos casos especificamente previstos no art. 158 da LRE.
Art. 158. Extingue as obrigações do falido:
I – o pagamento de todos os créditos;
II – o pagamento, depois de realizado todo o ativo, de mais de 50% (cinqüenta por cento) dos créditos quirografários, sendo facultado ao falido o depósito da quantia necessária para atingir essa porcentagem se para tanto não bastou a integral liquidação do ativo;
III – o decurso do prazo de 5 (cinco) anos, contado do encerramento da falência, se o falido não tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei;
IV – o decurso do prazo de 10 (dez) anos, contado do encerramento da falência, se o falido tiver sido condenado por prática de crime previsto nesta Lei.
Verificada uma dessas opções, o empresário pode, finalmente, requerer o fim de suas obrigações, dando fim a todo o procedimento judicial falimentar, que será conferido pelo juiz mediante sentença.
O GRUPO AGRENCO (BRASIL) é o conjunto de 5 empresas sob o mesmo controle societário, são elas: AGRENCO DO BRASIL S.A., AGRENCO SERVIÇOS DE ARMAZENAGEM LTDA., AGRENCO ADMINISTRAÇÃO DE BENS S.A. e AGRENCO BIOENERGIA INDÚSTRIA E COMÉRCIO DE ÓLEOS E BIODIESEL LTDA. A companhia atuava nos setores de agronegócio e biocombustível, em âmbito mundial.
A crise de todo o Grupo econômico começou com a Operação Influenza, deflagrada pela Polícia Federal em 23 de Junho de 2008, em Santa Catarina, que cominou na prisão de sócios e alguns dos principais executivos da companhia. Segundo o delegado federal Thiago Giavanotti[16], um dos coordenadores da operação, foram muitos os tipos de crimes praticados pela empresa, como corrupção de funcionários públicos e a compra de ações quando estavam em baixa – de posse de informações privilegiadas – para vender quando estavam em alta. Além disso, houve acusações de operações cambiais ilegais, por meio de “laranjas”, ocultação de bens e rendas, utilização de documentos falsos e fraudes em licitações.
Com isso, os bancos cortaram créditos, arrastaram os estoques de grãos e não permitiram que a empresa cumprisse seus contratos. A crise se agravou muito rápido, e em 2008 a Agrenco anunciou um prejuízo líquido de R$ 1,036 bilhão – no ano anterior a empresa já tinha tido um prejuízo de R$ 123,3 milhões de reais[17]. Em setembro de 2008 a empresa entrou em recuperação judicial.
Todo o processo de recuperação judicial e falimentar do GRUPO AGRENCO (BRASIL) foi distribuído à 1a Vara de Falências e Recuperações Judiciais da Comarca de São Paulo, Foro Central Cível, sob o número 0188041-64.2008.8.26.0100. O deferimento do processo da recuperação judicial deu-se em 1º de setembro de 2008. O processo foi distribuído em São Paulo por ser onde se concentrava o maior volume de negócios da empresa, conforme visto no art. 3º da LRE, já analisado.
Como já visto, o plano de recuperação será apresentado pelo devedor em juízo no prazo improrrogável de 60 (sessenta) dias da publicação da decisão que deferir o processamento da recuperação judicial, sob pena de convolação em falência. É, portanto, o elemento mais importante para que o pedido do autor seja aceito.
Verificado que todos os requisitos previstos no Art. 51 da LRF foram cumpridos, em o juízo decidiu, 18 de setembro de 2008, pela concessão da recuperação judicial às empresas, e o plano de recuperação judicial do GRUPO AGRENCO (BRASIL) foi aprovado pelos credores em 19 de março de 2009. Tal aprovação foi, em junho de 2009, homologada pelo Juízo, de modo a conceder a recuperação judicial a todas as sociedades do grupo, de forma unificada.
O Plano de Recuperação Judicial (PRJ) tinha por objetivo “viabilizar, nos termos da LFRE, a superação da crise econômico-financeira do GRUPO AGRENCO (BRASIL), permitindo que ele continue sua atividade e possibilitando a exploração do seu potencial de agronegócio”. Assim, o grupo poderia “preservar sua função social na comunidade brasileira e internacional, mantendo sua condição de entidade geradora de bens, recursos, empregos e tributos, atendendo aos interesses de seus credores”. A empresa possuía duas prioridades: a rápida conclusão de três fábricas que estavam sendo construídas, para evitar sua deterioração e utilizando-a para auferir lucros; e a necessidade de não vender os ativos da empresa em momento de detração do mercado.
O art. 50 da LRF oferece um extenso rol exemplificativo de alternativas para a recuperação do devedor, espalhados nos seus dezesseis incisos. Após a análise de alguns meios, a sociedade entendeu que o mais viável era “o reinício das operações do GRUPO AGRENCO (BRASIL), mediante a alienação de determinadas unidades produtivas e outros ativos, inclusive estoques; a conclusão da construção das fábricas; o retorno das operações do GRUPO AGRENCO (BRASIL), com a utilização de suas fábricas e estrutura logística. Esta volta ao mercado permitiria a recuperação de créditos fiscais, como também criaria uma alternativa de maior geração de valor para os credores, além da retomada dos suas operações com a manutenção e expansão de empregos”.
Ainda conforme o PRJ do grupo econômico e em conformidade com o art. 41 da LRE, os credores da recuperação, que detêm direito a voto em assembleia, são divididos nas seguintes Classes: Credores Trabalhistas (créditos derivados da legislação do trabalho ou decorrente de acidente de trabalho); Credores com Garantia Real (créditos titulares de garantia real, até o limite do valor da garantia); e Credores Quirografários (créditos quirografários, com privilégio geral e com privilégio especial).
Buscando a continuidade de suas atividades e a satisfação de seus credores, o GRUPO AGRENCO (BRASIL) se comprometeu a realizar diversos atos para a consecução do Plano: a reorganização societária das sociedades em recuperação, a ser concluída no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias; a cessão e transferência dos ativos da operacional, em alienação fiduciária em garantia à totalidade dos credores; a alienação fiduciária das Ações da Operacional à Totalidade dos Credores; a opção de compra de ações e ativos da Operacional pelos credores; a alienação da fábrica de Marialva, da Agrenco Argentina e de estoques; e a contratação de um operador, que deverá ser aprovado pela Totalidade de Credores, na forma prevista no Plano, para gerir as atividades das Sociedades em Recuperação.
Contudo, todas as medidas realizadas pela sociedade se mostraram infrutíferas, e o GRUPO AGRENCO (BRASIL) teve sua falência decretada em 02 de agosto de 2013, depois de 5 anos em recuperação judicial.
Em verdade, o Plano de Recuperação Judicial da empresa sofreu mudanças com o passar do tempo, pois a empresa não conseguia cumprir seus objetivos. Bem explica o ocorrido o Des. Relator Manoel de Queiroz Pereira Calças[18], ao evidenciar que:
“(...) este é o resumo da situação das empresas recuperandas que integram o Grupo Agrenco, que requereram recuperação judicial em 27 de agosto de 2008 e, desde então, após múltiplas modificações do plano original apresentado não pagaram seus credores, não voltaram a exercer sua atividade empresarial, têm sua administração exercida de forma conflituosa, situação que se agrava com o decreto de falência de sua controladora indireta Agrenco NV. Houve o afastamento dos membros do Conselho de Administração e da Diretoria, nomeação de gestores judiciais, conflitos de representação em relação aos diversos advogados a quem as empresas outorgaram procurações judiciais, elementos suficientes para demonstrar que, após a concessão da recuperação judicial, o plano e suas sucessivas modificações foi constante e diuturnamente inadimplido".
O grupo ainda tentou reformular, mais uma vez, o PRJ, o que não foi aceito na Assembleia Geral de Credores (100% dos credores trabalhistas ainda foram favoráveis à reformulação, mas a classe dos credores com garantia real não aceitaram, pois sairiam desfavorecidos). Outra tentativa da sociedade foi separar a AGRENCO BIOENERGIA das demais, para ela continuar funcionando, visto que era a empresa que ainda apresentava bons resultados e auferia lucros, o que não foi aceito pelo juízo, por não ter sido acordado com todos os credores, além de que a insolvência jurídica de uma das sociedades exigiria a extensão da execução coletiva a todas as demais sociedades pertencentes ao grupo econômico pela natural confusão patrimonial entre elas, o que tornaria a medida sem efeito.
O motivo da decretação de falência foi dado pelo Juiz de Direito: Dr. Marcelo Barbosa Sacramone[19], pelas razões abaixo transcritas:
“(...) ao longo de todos esses anos evidenciou-se que as empresas recuperandas não possuem capacidade produtiva apta a satisfazer a demanda, não possuem uma estrutura organizacional hígida e sólida para lidar com seu passivo, bem como não possuem condições de se reestruturar e desenvolver atividade produtiva de modo a reverter o quadro deficitário em que ingressaram.
Logo, o princípio da preservação da empresa, não absoluto, não deve ser aplicado, sob pena de não se garantir a própria segurança dos demais agentes do mercado. As empresas devem ser extirpadas do mercado para que os recursos e fatores de produção sejam empregados em uma atividade mais útil a todo o sistema.
Assim, evidente o descumprimento do plano de recuperação judicial e a incapacidade das recuperandas de manterem suas atividades empresariais. De rigor, portanto, a convolação da recuperação judicial em falência".
Importante lembrar que o art. 73 da LRE elenca as possibilidades em que a falência deve ser decretada pelo juiz durante o processo de recuperação judicial: O juiz decretará a falência durante o processo de recuperação judicial: (I) por deliberação da assembleia-geral de credores; (II) pela não apresentação, pelo devedor, do plano de recuperação no prazo do art. 53 da Lei; (III) quando houver sido rejeitado o plano de recuperação; e (IV) por descumprimento de qualquer obrigação assumida no plano de recuperação. André Luiz Santa Cruz[20], contudo, lembra que a falência ainda pode ser decretada dentro do processo de recuperação judicial por outro motivo: “pode o devedor ter a sua falência decretada em função de requerimento de credor não sujeito aos efeitos da recuperação”.
A decretação de falência do GRUPO AGRINCO (BRASIL), destarte, se mostrou acertada, com respaldo nos incisos III e IV do supracitado artigo, visto que as empresas não conseguiram cumprir com seu plano de recuperação, e os credores não aceitaram o novo plano proposto pelo grupo.
Após tudo o que foi aduzido, é perceptível que a falência do GRUPO AGRECO (BRASIL) foi justa, pois a empresa não conseguia mais arrecadar fundos suficientes para pagar suas dívidas. Apesar das inúmeras chances dadas, tendo ficado 5 anos em recuperação judicial, inclusive alterando o Plano de Recuperação Judicial diversas vezes nesse período, buscando salvar a empresa, ela se desorganizou nos bastidores, e ficou evidenciado que a falência era a única saída possível.
Apesar disso, o caso evidenciou a importância dada à preservação da empresa atualmente. O Estado sempre busca ao máximo recuperar a empresa, porque sabe que a sua falência gera uma reação em cadeia que traz muitos malefícios para a sociedade, como o desemprego e o decréscimo econômico da região.
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[1] CAMPINHO, Sérgio. Falência e recuperação de empresa — o novo regime da insolvência empresarial. 6ª Ed. Rio de Janeiro: Renovar, 2012.
[2] ROQUE, Sebastião José. Direito de Recuperação de empresas. São Paulo: Ícone, 2005, p. 81.
[3] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. Editora Método: São Paulo, 2010, pág. 510.
[4] ALMEIDA, Amador Paes de. Curso de falência e concordata. São Paulo: Saraiva, 1996. p.13.
[5] OLIVEIRA. Celso Marcelo de. Direito Falimentar Brasileiro. Disponível em: http://www.ambito-juridico.com.br/site/index.php?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=594#_edn4. Último Acesso: 16/01/2018
[6] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. Editora Método: São Paulo, 2010, pág. 514.
[7] FIGUEIREDO, Ivanildo. O limite da recuperação judicial. 28 de janeiro de 2015. Disponível em: . Último acesso em: 16/01/2018. .
[8] TOMASCEVICIUS FILHO, Eduardo. A Função social da empresa. Revista dos Tribunais, São Paulo, n. 92, p. 33-50, abr. 2003, p. 40 AGALHÃES,
[9] MAGALHÃES, Rodrigo Almeida. A função social da empresa. Revista Magister de Direito Empresarial,Porto Alegre, ano 5, n. 28, p. 5-12, 2009
[10] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. 23ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011, págs. 412 e 413.
[11] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. Editora Método: São Paulo, 2010, pág. 611.
[12] TADDEI, Marcelo Gazzi. Alguns aspectos polêmicos da recuperação judicial. Disponível em: <http://ambitojuridico.com.br/site/?n_link=revista_artigos_leitura&artigo_id=7690>. Último acesso: 12/01/2016.
[13] COELHO, Fábio Ulhoa. Manual de Direito Comercial – Direito de Empresa. 23ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2011, pág. 421.
[14] COELHO, Fábio Ulhoa. Curso de Direito Comercial – Direito de Empresa. Vol. 03. 14ª ed: São Paulo: Saraiva, 2014, p. 264
[15] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. Editora Método: São Paulo, 2010, pág.540.
[16] JUNGMANN, MARIANA. Agrenco: Polícia Federal prende empresários e funcionários públicos em Santa Catarina. Disponível em . Último acesso: 16/01/2018.
[17] SALOMÃO, THIAGO. Agrenco fechou exercício de 2008 com prejuízo líquido de R$ 1,036 bilhão. Disponível em Último acesso: 16/01/2018.
[18] Agravo de Instrumento nº 0063887-41.2012.8.26.0000, fls. 20.894
[19] Processo no 0188041-64.2008.8.26.0100, fl. 9 da sentença
[20] RAMOS, André Luiz Santa Cruz. Direito Empresarial Esquematizado. 3ª Ed. Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: Método, 2013, págs. 743 e 744.
Servidor público. Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Pernambuco - UFPE. Pós-graduado em Direito Processual Civil pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BARBOSA, Ricardo Miranda. Lei de Falência e Recuperação Judicial: Análise com base no caso do Grupo Agrenco (Brasil) Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 jan 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51265/lei-de-falencia-e-recuperacao-judicial-analise-com-base-no-caso-do-grupo-agrenco-brasil. Acesso em: 22 dez 2024.
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