RESUMO: O presente artigo tem como objetivo enfrentar a problemática da quantificação do valor indenizatório em casos de responsabilidade civil por perda de uma chance, analisando a melhor técnica para se chegar a um valor preciso diante da chance perdida. A metodologia do trabalho foi pautada na análise de doutrina especializada e da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Direito Civil. Responsabilidade Civil. Perda de uma chance. Valor da indenização.
Sumário: 1. Introdução. 2. O princípio da reparação integral e a chance perdida. 3. Parâmetros para a correta quantificação da perda de uma chance. 3.1 O coeficiente redutor. 3.2. Quantificação da chance de natureza extrapatrimonial. 4. Conclusão. 5. Referências.
1. Introdução
A violação de um dever jurídico primário faz surgir um dever jurídico secundário, o dever de indenizar. A indenização, visando, tanto quanto possível, recolocar a vítima na situação anterior, deve abranger todo o prejuízo sofrido efetivamente em decorrência do ato danoso (GONÇALVES, 2012, p. 425).
A reparação do dano pode ocorrer de duas maneiras, podendo ser pela reparação natural ou pela indenização pecuniária. Naquela, segundo Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 431), ocorre a entrega da própria coisa ou de objeto da mesma espécie em substituição àquele que se perdeu ou se deteriorou em virtude do ato danoso, de modo a restaurar a situação alterada por este.
O efetivo retorno à situação anterior à prática do ato ilícito, conforme destaca Arnoldo Wald e Brunno Pandori Giancoli (2011, p. 143), ocorre na reparação natural. Todavia, na maioria dos casos que são levados ao Poder Judiciário é impossível devolver a vítima ao estado em que se encontrava anteriormente. Diante de tal situação, o ordenamento jurídico pátrio trouxe, através do art. 947 do Código Civil, a regra de que “se o devedor não puder cumprir a prestação na espécie ajustada, substituir-se-á pelo seu valor, em moeda corrente”.
Trata-se, pois, da indenização pecuniária, aplicável sempre que a reparação natural não for cabível, podendo ser qualificado como (RODRIGUES apud GONÇALVES, 2012, p. 432) “um remédio nem sempre ideal, mas o único de que se pode lançar mão”.
No campo da reparação das chances perdidas, a indenização será pecuniária, equivalente ao valor da chance perdida, não sendo viável a aplicação da supracitada reparação natural. Complementando o raciocínio (GONDIM, 2005, p. 32):
Porém, tem-se que o próprio conceito da teoria é das chances que se perderam, assim, não há como restabelecer o status quo ante, de tal sorte que, ainda que, o dano pudesse ser restabelecido monetariamente, a chance não o será, havendo apenas a compensação da lesão, sendo de tal sorte, uma indenização compensatória.
Acerca do valor da indenização, importante destacar o art. 944 do Código Civil, que preceitua que “A indenização mede-se pela extensão do dano”. Esse dispositivo consagrou princípios já existentes no direito que determinam a reparação do equivalente ao prejuízo sofrido (GONDIM, 2010, p. 139).
Entretanto, ao tratar-se da quantificação da indenização em casos de aplicação da teoria da perda de uma chance, constata-se uma grande dificuldade de estabelecer parâmetros para a correta fixação do quantum indenizatório. Nessa linha, obtempera Daniela Pinto de Carvalho (2011, p. 310):
Contudo, a maior problemática referente ao novo paradigma da responsabilidade civil é relativa ao quantum indenizatório, como estabelecer uma indenização que ao mesmo tempo repare integralmente o dano causado mas sem causar enriquecimento ilícito no caso de perda de uma chance.
De acordo com Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 221), tal situação é agravada pelo grande número de decisões judiciais que decide pela quantificação do dano em procedimento de liquidação de sentença sem que exista qualquer menção expressa à metodologia empregada para se chegar ao valor conferido à vítima, transparecendo para o operador do direito “a impressão de uma quantificação realizada ‘por sentimento’, isto é, sem qualquer critério técnico”.
Porém, de acordo com Flávio da Costa Higa (2012, p. 134), a dificuldade jamais pode ser interpretada como um obstáculo em desfavor da vítima, sob pena de desobediência ao princípio da inafastabilidade da jurisdição (Constituição Federal, art. 5º, inciso XXXV), uma vez que, caso contrário, poderia um juiz, “no apogeu de um insensível pragmatismo”, mesmo reconhecendo a aplicação da teoria da perda de uma chance, negar-lhe tutela apenas por uma dificuldade de ordem prática.
Faz-se imprescindível, pois, a fixação de critérios para a definição do quantum indenizatório. Desta forma, no presente artigo, tratar-se-á da quantificação da chance perdida, especificamente acerca da aplicação do princípio da reparação integral à teoria da perda de uma chance e das soluções apresentadas para a quantificação da chance perdida para fins de indenização.
2. O princípio da reparação integral e a chance perdida
Conforme expõe Flávio da Costa Higa (2012, p. 130), “o princípio reitor da reparação de danos na responsabilidade civil é o da restitutio in integrum, segundo o qual se deve indenizar todo o dano, e nada além do dano, conforme vetusta lição dos franceses”.
O valor da indenização deve corresponder à integralidade dos danos sofridos, não existindo espaço para indenizações parciais. Tal regra está inserta no já mencionado art. 944 do Código Civil, que preceitua que “A indenização mede-se pela extensão do dano”.
Assim, o princípio da reparação integral deve ser aplicado inclusive em caso de indenização pela perda de uma chance. Há, contudo, conforme alerta Flávio da Costa Higa (2012, p. 132), quem sustente equivocadamente que a perda de uma chance dá ensejo a uma reparação parcial.
De fato, a reparação da chance perdida jamais poderá corresponder à totalidade da vantagem esperada, todavia, é equivocado afirmar que por esse motivo a indenização será parcial e não integral. Tal equívoco é proveniente de uma falsa ideia, pois, em verdade, o que se indeniza não é o resultado final, mas a chance em si mesma, entidade que compõe o patrimônio da vítima e que é independente do resultado final. Nesse sentido (HIGA, 2012, p. 132-133):
Trata-se de imprecisão conceitual no raciocínio silogístico, pois a premissa não leva à conclusão alcançada. A reparação é integral, mas, como o dano é equivalente à chance (probabilidade), que é sempre menor do que o todo, o valor da indenização (total) da chance é necessariamente inferior a ele.
Nos casos referentes à aplicação da perda de uma chance o que deve se buscar é a integral restituição, não do valor do ganho que foi impedido, mas sim da chance perdida (CARVALHO, 2011, p. 311).
Ademais, Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 221), ao analisar a relação entre o resultado final e a chance perdida, afirma existir uma “regra de granito” que limita a quantificação das chances perdidas a um valor obrigatoriamente menor do que o valor da vantagem esperada pela vítima.
A supracitada constatação é lógica, pois a indenização, conforme Sérgio Cavalieri Filho (2009, p. 77), deve corresponder à própria chance, que o juiz apreciará in concreto, e não ao lucro ou perda que dela era objeto, uma vez que o que falhou foi a chance. Com isso, atribuir à chance valor equivalente ao resultado final desvirtuaria a teoria da perda de uma chance, pois estaríamos diante, na realidade, de lucro cessante, onde a indenização corresponde à totalidade do bem jurídico que “seria incorporado ao patrimônio do ofendido no futuro, acaso a conduta culposa não tivesse ocorrido” (GONDIM, 2010, p. 123). No mesmo sentido (HIGA, 2012, p. 136):
Poder-se-ia opor, embora sem nenhuma razão, que há hipóteses em que a aplicação da teoria da perda de uma chance renderia ensejo a um ressarcimento rigorosamente idêntico ao do resultado final. Ocorre, entretanto, que, diante de tal ocorrência, alijar-se-ia a aplicação da teoria das chances perdidas, pois a reparação passaria a ser a título de lucros cessantes, na medida em que o que a vítima razoavelmente deixou de ganhar, de acordo com o sistema de presunções adotado pelo art. 402 do CCB, seria o resultado final esperado.
Apesar da fácil compreensão desta premissa, alguns julgados, conforme aponta Sérgio Savi (2012, p. 65), apesar de reconhecerem a responsabilidade civil por perda de uma chance, equivocam-se no momento de quantificar o dano sofrido pela vítima, igualando-o ao resultado final.
O mesmo autor (SAVI, 2012, p. 65), cita como exemplo a decisão proferida na Apelação Cível nº 70.005.473.061, julgada em 10/12/2003, pelo Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, que traz a seguinte ementa:
APELAÇÃO CÍVEL. RESPONSABILIDADE CIVIL. PERDA DE UMA CHANCE. ADVOGADO. MANDATO. DECISIVA CONTRIBUIÇÃO PARA O INSUCESSO EM DEMANDA INDENIZATÓRIA. DEVER DE INDENIZAR CARACTERIZADO. Tendo a advogada, contratada para a propositura e acompanhamento de demanda indenizatória por acidente de trânsito, deixado de atender o mandante durante o transcorrer da lide, abandonando a causa sem atender às intimações e nem renunciando ao mandato, contribuindo de forma decisiva pelo insucesso do mandante na demanda, deve responder pela perda de chance do autor de obtenção da procedência da ação indenizatória. Agir negligente da advogada que ofende ao art. 1.300 do CCB/1916. APELO DESPROVIDO. (Apelação Cível Nº 70005473061, Nona Câmara Cível, Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul, Relator Ministro Adão Sérgio do Nascimento Cassiano, julgado em 10/12/2003)
In casu, conforme explica Sérgio Savi (2012, p. 65-66), a advogada perdeu o prazo para interposição do recurso de apelação contra sentença desfavorável aos interesses do constituinte. O acórdão reconheceu o dano proveniente da perda de uma chance, todavia, ao quantificar o dano, condenou a advogada ré ao pagamento de tudo aquilo que o seu cliente faria jus se o recurso tivesse sido interposto tempestivamente e provido pelo Tribunal. Com isso, conclui Sérgio Savi (2012, p. 66):
Ou seja, apesar de estarmos diante de um caso típico de responsabilidade civil por perda de uma chance, o acórdão, a nosso sentir equivocadamente, condenou o advogado ao pagamento dos lucros cessantes sofridos pelo autor da ação. Isto porque, ninguém poderia afirmar que se o recurso tivesse sido interposto, ele seria provido com certeza. O máximo que se poderia afirmar era que o mesmo tinha muitas chances de êxito, e estas chances é que deveriam ter sido indenizadas.
Destarte, não será o causídico responsabilizado pelo valor que se ganharia caso houvesse êxito na demanda onde patrocinou de forma negligente, pois, por se tratar de chance perdida, outros fatores, além da sua negligência, poderiam ensejar o mesmo provimento desfavorável ao seu cliente.
No mencionado caso, conforme salientado, tratava-se de chance perdida, pois seria impossível prever qual seria a decisão do Tribunal caso o recurso fosse apresentado tempestivamente. Todavia, conforme explica Flávio da Costa Higa (2012, p. 60-61), após a Emenda Constitucional nº. 45, de 8 de dezembro de 2004, que, por sua vez, introduziu no ordenamento a figura da súmula de efeito vinculante, passou-se a ser possível a ocorrência de casos onde a perda de prazo para interposição do recurso de apelação contra sentença desfavorável aos interesses do constituinte venha a gerar responsabilização do advogado por lucros cessante.
Não se aplica, pois, a teoria da perda de uma chance em casos onde a decisão contra a qual o advogado deixou de recorrer contraria expressamente uma súmula vinculante, uma vez que, caso tivesse recorrido, o resultado favorável do recurso seria certo, aplicando-se, desta maneira, indenização por lucros cessantes.
É possível, pois, averiguar-se duas premissas básicas para a correta quantificação da chance perdida: primeiramente que se aplica à teoria da perda de uma chance o princípio da reparação integral e, em segundo lugar, que o valor da indenização pela chance perdida sempre deve ser inferior ao valor que corresponderia ao resultado final.
3. Parâmetros para a correta quantificação da perda de uma chance
Conforme entendimento da doutrina especializada, a natureza jurídica da chance perdida possui uma relação de simetria entre o dano decorrente da chance perdida e o dano final. Assim, caso o resultado final seja de natureza patrimonial, o dano decorrente da perda da chance terá natureza jurídica de dano material, na qualidade de dano emergente. Mas se, por outro lado, o dano final for de natureza extrapatrimonial, assim o será o decorrente da chance perdida.
Nessa linha, passa-se a analisar os parâmetros de quantificação da perda de uma chance. Inicialmente será analisado o parâmetro do coeficiente redutor, aplicado quando a chance perdida assumir um caráter patrimonial, e, em seguida, analisar-se-á a quantificação em casos em que a chance perdida tiver natureza extrapatrimonial.
3.1 O coeficiente redutor
A chance nada mais representa do que uma probabilidade em relação à obtenção do todo, cuja conquista restou prejudicada pela superveniência do evento danoso, desta maneira, o valor da indenização pela chance perdida necessariamente será inferior ao do dano final.
Destarte, para se chegar ao valor da indenização da chance perdida “tem que ser levado em conta o grau de probabilidade de ter alcançado aquele benefício ou evitado as perdas se o ato ilícito não tivesse ocorrido” (CARVALHO, 2011, p. 311).
A indenização deve ser proporcional à possibilidade maior ou menor de obtenção do resultado almejado. Desta maneira, o valor da indenização deve ser fixado tomando-se como parâmetro o valor total do resultado esperado e sobre este incidindo um coeficiente de redução proporcional às probabilidades de obtenção do resultado final esperado (VIEGAS et al, 2012, p. 32).
Portanto, para a apuração do quantum indenizatório em casos de perda de uma chance, deve-se aplicar sobre o valor total do resultado final o coeficiente redutor que corresponde à probabilidade que este resultado tinha de se concretizar antes do ato danoso. O coeficiente redutor (probabilidade) deve ser multiplicado pelo valor do resultado final e o resultado deste cálculo corresponderá ao montante da indenização. Acerca da aplicação do coeficiente redutor (HIGA, 2012, p. 135):
Deve-se, pois, formular um juízo de qual seria o resultado final obtido e minorá-lo conforme a probabilidade dessa hipótese se concretizar. É uma operação singela, a princípio, materializada na equação “PC = RF x P”, na qual “PC” significa o valor da Perda da Chance, “RF”, o Resultado Final esperado, e “P”, a Probabilidade de concretização do resultado final – que será o coeficiente de redução.
Sérgio Savi (2012, p. 31-32) aponta que esta forma de se chegar ao valor da indenização por perda de uma chance já era expressamente adotada pela Corte de Cassação italiana em decisões datadas da década de 1980.
Nessa linha, através da aplicação do coeficiente redutor torna-se possível chegar ao valor da chance de forma a concretizar as duas premissas expostas alhures, quais sejam, a premissa de que o valor da chance perdida é necessariamente inferior ao valor do resultado final esperado e a premissa de que este valor corresponde ao valor integral da chance perdida, pois deve-se aplicar o princípio da reparação integral à teoria da perda de uma chance.
Como exemplo dessa forma de quantificação da chance perdida, tem-se o emblemático julgamento do Recurso Especial n.º 788.459, proferido pela Quarta Turma do Superior Tribunal de Justiça, comumente denominado de caso do “Show do Milhão”, que, segundo Sérgio Savi (2012, p. 75), pode ser considerado o verdadeiro leading case em matéria de responsabilidade civil por perda de uma chance no mencionado tribunal. O referido julgado possui a seguinte ementa:
RECURSO ESPECIAL. INDENIZAÇÃO. IMPROPRIEDADE DE PERGUNTA FORMULADA EM PROGRAMA DE TELEVISÃO. PERDA DA OPORTUNIDADE. 1. O questionamento, em programa de perguntas e respostas, pela televisão, sem viabilidade lógica, uma vez que a Constituição Federal não indica percentual relativo às terras reservadas aos índios, acarreta, como decidido pelas instâncias ordinárias, a impossibilidade da prestação por culpa do devedor, impondo o dever de ressarcir o participante pelo que razoavelmente haja deixado de lucrar, pela perda da oportunidade. 2. Recurso conhecido e, em parte, provido. (REsp 788459/BA, Rel. Ministro FERNANDO GONÇALVES, QUARTA TURMA, julgado em 08/11/2005, DJ 13/03/2006, p. 334)
No mencionado caso, a autora da ação havia participado do programa televisivo “Show do Milhão”, que consistia em um concurso de perguntas e respostas onde o prêmio máximo era de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Este valor seria repassado ao participante do programa caso este acertasse todas as perguntas realizadas.
Os candidatos do programa respondiam a perguntas sequenciais que versavam sobre conhecimentos gerais, de grau supostamente crescente de dificuldade, e, à medida que respondiam corretamente, prosseguiam na competição, acumulando uma premiação cada vez maior. As perguntas eram de múltipla escolha, onde eram apresentadas quatro alternativas de resposta.
Para alcançar o prêmio de R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais), o candidato deveria responder corretamente a uma série de 15 (quinze) perguntas até atingir o prêmio de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quando, então, deveria responder a pergunta final. Ao analisar o caso, Flávio da Costa Higa (2012, p. 93) aponta que a última pergunta possuía determinadas peculiaridades em relação às anteriores: o concorrente não tinha auxílio algum; após o enunciado da pergunta, aparecia na tela o desenho de uma maleta com barras de ouro e um cronômetro regressivo de 20 segundos, findos os quais, o candidato dizia se desistia ou respondia a pergunta; exaurido o tempo, e tendo o candidato optado por responder, levaria o prêmio total desde que acertasse a resposta, ou, caso desse a resposta errada, ficaria apenas com simbólicos R$ 300,00 (trezentos reais). Havia, ainda, a faculdade de não responder à última pergunta, caso em que o candidato encerraria a sua participação auferindo o prêmio até então adquirido, de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais).
No caso concreto, a autora havia respondido todas as questões de forma correta, com exceção da pergunta final (“pergunta do milhão”), que era a seguinte: “A Constituição reconhece direitos aos índios de quanto do território brasileiro? 1) 22%; 2) 2%; 3) 4%; 4) 10%”. Diante de tal indagação, a autora preferiu não responder e salvaguardar a premiação já adquirida de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), por entender que a pergunta, da forma em que fora elaborada, não havia como ser respondida.
Todavia, por entender que a produção do programa teria agido de má-fé ao formular uma pergunta que não tinha uma resposta possível, uma vez que a Constituição Federal de 1988 não prevê, em nenhum de seus dispositivos, um percentual do território nacional reservado aos índios, a candidata ajuizou ação indenizatória requerendo o pagamento de indenização por danos materiais e morais, aqueles no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil) por ter perdido a oportunidade de receber este valor em razão da conduta da ré, e estes em valor a ser arbitrado pelo juiz.
Em primeira instância, a autora obteve êxito, sendo a empresa organizadora do programa condenada ao pagamento de indenização por danos materiais no valor de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais). Na sentença, o Juízo de primeira instância reconheceu que ao caso seria aplicável a teoria da perda de uma chance, contudo, ao julgar procedente o pedido de indenização por danos materiais, condenou a ré ao pagamento de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), quantia que a autora receberia caso a pergunta tivesse sido formulada corretamente e a autora tivesse logrado êxito ao respondê-la.
Conforme ressaltado anteriormente, a indenização pela chance perdida sempre será inferior ao montante que a parte receberia se a oportunidade de um ganho não tivesse sido perdida e o ganho tivesse se verificado. Houve, portanto, erro na quantificação da indenização. Contudo, o Tribunal de Justiça da Bahia manteve a sentença, negando provimento ao recurso de apelação interposto pela empresa ré.
Em face do acórdão que negou provimento à apelação, a empresa ré apresentou recurso especial ao Superior Tribunal de Justiça, aduzindo violação art. 1.059 do Código Civil de 1916, correspondente ao art. 402 do atual código.
O recurso especial (788459/BA), por sua vez, foi conhecido e parcialmente provido, reduzindo-se a indenização de R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais), concedida pelo magistrado de primeira instância, para R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais), entendendo pela aplicação da teoria da perda de uma chance e que a probabilidade de acerto, caso a pergunta fosse formulada corretamente, era de 25% (vinte e cinco por cento), pois havia quatro alternativas, dentre as quais uma seria a correta. Segue o trecho do voto do Ministro Relator Fernando Gonçalves que trata do valor da indenização:
Quanto ao valor do ressarcimento, a exemplo do que sucede nas indenizações por dano moral, tenho que ao Tribunal é permitido analisar com desenvoltura e liberdade o tema, adequando-o aos parâmetros jurídicos utilizados, para não permitir o enriquecimento sem causa de uma parte ou o dano exagerado de outra. A quantia sugerida pela recorrente (R$ 125.000,00 cento e vinte e cinco mil reais) - equivalente a um quarto do valor em comento, por ser uma “probabilidade matemática” de acerto de uma questão de múltipla escolha com quatro itens reflete as reais possibilidades de êxito da recorrida. Ante o exposto, conheço do recurso especial e lhe dou parcial provimento para reduzir a indenização a R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).
Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 202), tratando da decisão ora analisada, comenta que o Superior Tribunal de Justiça, mesmo sem fazer longa digressa?o sobre a teoria da perda de uma chance, silenciando sobre os requisitos e particularidades desta, acatou a tese da defesa de que a vi?tima tinha mera possibilidade de lograr e?xito na u?ltima questa?o do programa. Assim, como o obsta?culo final consistia em uma questa?o de mu?ltipla escolha, contendo quatro opc?o?es de resposta, poder-se-ia dizer, estatisticamente, que a vi?tima possui?a 25% (vinte e cinco por cento) de chances de ganhar os R$ 500.000,00 (quinhentos mil reais) e, portanto, sua chance valeria R$ 125.000,00 (cento e vinte e cinco mil reais).
O acórdão proferido pelo STJ é, desta forma, de grande importância, pois aplica o coeficiente redutor para chegar ao valor da chance perdida, afastando o entendimento equivocado externado pelas instâncias inferiores, que, apesar de terem reconhecido a aplicação da teoria da perda de uma chance, fixaram condenação em valor correspondente à totalidade da vantagem final esperada pela autora.
Contudo, nem sempre a aplicação do coeficiente redutor será fácil, pois em alguns casos um ou mais dados para que se aplique o coeficiente estará ausente ou fluido num primeiro momento, demandando uma pesquisa mais aprofundada (HIGA, 2012, p. 137). Todavia, conforme salienta Sérgio Savi (2012, p. 68-69), a dificuldade de medir a extensão do dano jamais poderá ser utilizada como fundamento para que eventualmente sejam contra a indenização das chances perdidas em nosso ordenamento.
Diante de tal dificuldade, Flávio da Costa Higa (2012, p. 149), sugere que quando um dos elementos da fórmula não estiver presente de imediato, deve-se utilizar a teoria da diferença para os casos em que não for possível determinar, com exatidão, o valor do resultado final, e deve-se recorrer ao uso da estatística como apoio à quantificação da probabilidade quando esta não for de fácil constatação.
Nessa linha, o mencionado autor (HIGA, 2012, p. 137) afirma que em casos onde o valor do resultado final não esteja claro em um primeiro momento, deve-se utilizar a “teoria da diferença”, criada pela doutrina alemã e comumente utilizada para a apuração dos lucros cessantes. O citado autor aduz que, de acordo com esta teoria, “o dano se estabelece mediante o confronto entre o patrimônio realmente existente após o dano e o que possivelmente existiria, se o dano não tivesse produzido: o dano é expresso na diferença negativa encontrada nessa operação”. Ainda sobre a mencionada teoria (HIGA, 2012, p. 138):
Tal exercício mental hipotético é balizado pela expressão “razoavelmente”, consagrada pelo art. 402 do CCB, ou seja, a conjetura sobre a possível situação da vítima é alicerçada no que as possibilidades normais induzem à sua ocorrência, de acordo com o curso esperado dos acontecimentos ou com as especiais circunstâncias do caso concreto, conforme critérios fornecidos pelo § 252 do BGB (Código Civil alemão). Significa, pois, abstrair mentalmente e de modo equilibrado as conseqüências do ato ilícito, escoimando os exageros dos sonhos das vítimas traduzidos em pretensões hiperbólicas.
Devem ser utilizados os mesmos critérios para se calcular os lucros cessantes (teoria das diferenças) para se chegar ao valor do resultado final caso este não seja inicialmente claro diante do caso concreto. Ademais, para se chegar ao valor da probabilidade, o citado autor indica o uso da estatística, destacando como precursor de sua utilização o doutrinador italiano Piero Calamandrei. Sobre a estatística (HIGA, 2012, p. 148):
Portanto, a estatística é um método utilizado para que se possa afrontar a álea, mediante técnicas (como, v.g., as equações de probabilidade, as estimativas e as sondagens) que subvertem a estratégia de lidar com o desconhecido. A partir dela, não mais se tenta expungir o desconhecido, no tolo fetichismo da onisciência, mas sim admitir os limites de falibilidade e cognoscibilidade humana e buscar compreensões, a despeito disso. É a assimilação do acaso, pois a partir da ciência (indispensável) de que um ou mais elementos que determinam a resposta são incognoscíveis, busca-se uma resposta provável.
Tratam-se, pois, de dois métodos extremamente úteis para se buscar os elementos necessários para a formação do cálculo do valor da indenização pela chance perdida, através do coeficiente redutor, quando um dos elementos não estiver inicialmente claro diante do caso concreto.
3.2 Quantificação da chance de natureza extrapatrimonial
Assim como já foi apontado, a natureza jurídica da chance perdida possui uma relação de simetria com a natureza jurídica do dano final. Assim, caso o resultado final seja de natureza patrimonial, o dano decorrente da perda da chance terá natureza jurídica de dano material, devendo o valor ser quantificado através da utilização do coeficiente redutor. Mas se, por outro lado, o dano final for de natureza extrapatrimonial, assim o será o decorrente da chance perdida.
É plenamente possível que o dano decorrente da perda de uma chance seja exclusivamente extrapatrimonial, de acordo com Flávio da Costa Higa (2012, p. 123) e Rafael Peteffi da Silva (2009, p. 215).
Glenda Gonçalves Gondim (2010, p. 146) aduz que quando a perda de uma chance tem natureza jurídica de dano moral é mais complicado mensurar a compensação pecuniária. A partir de análise da jurisprudência pátria, a autora chega à conclusão de que os parâmetros para o arbitramento de danos morais provenientes de chance perdida são os mesmos adotados na fixação do dano moral comum, não decorrentes da perda de uma chance.
Contudo, Glenda Gonçalves Gondim (2010, p. 146) afirma, em relação à quantificação do dano extrapatrimonial, que a sua avaliação sempre foi ponto de grande dificuldade. A referida autora complementa afirmando que o Código Civil de 2002 omitiu-se quantos os parâmetros para reparação desse dano, deixando ao magistrado a árdua tarefa de arbitramento do valor da compensação. Acerca do tema, são as palavras de Flávio da Costa Higa (2012, p. 134):
Deveras, não obstante a vasta produção doutrinária e jurisprudencial, a temática que envolve, v.g., a quantificação do “dano moral” experimenta certo menoscabo no mundo acadêmico, não porque perdeu importância, mas, justamente, por ter levado à fadiga os juristas, sem que houvesse aquiescência sobre os fundamentos desse tipo de responsabilidade.
Apesar da grande dificuldade de definir critérios para fixação do quantum indenizatório em caso de dano extrapatrimonial, Glenda Gonçalves Gondim (2010, p. 146), analisando a doutrina e jurisprudência pátria, destaca os principais critérios, quais sejam: “análise da extensão do dano, o grau de culpa e questões relativas à capacidade econômica financeira do ofensor e do ofendido, que devem ser razoáveis à chance perdida e não ao resultado final”.
Acerca do critério da extensão do dano e do grau de culpa, Carlos Roberto Gonçalves (2012, p. 401) explica que, em geral, mede-se a indenização pela extensão do dano e não pelo grau de culpa, contudo, no caso do dano moral, “o grau de culpa também é levado em consideração, juntamente com a gravidade, extensão e repercussão da ofensa, bem como a intensidade do sofrimento acarretado à vítima”.
No tocante ao critério da capacidade financeira, Arnoldo Wald e Brunno Pandori Giancoli (2011, p. 154) expõem que a sua adoção tem como objetivo evitar que a quantia paga não caracterize um prêmio para a vítima, estimulando a conhecida “indústria do dano moral”. Ademais, os mencionados autores aduzem que também devem ser consideradas as possibilidades do ofensor, no sentido de sua capacidade para o adimplemento da prestação a ser fixada.
O valor deve ser fixado de forma razoável, devendo o magistrado buscar uma estimativa que permita atender às expectativas da vítima, sem criar ônus excessivo ao ofensor (WALD et al, 2011, p. 155), evitando, desta forma, o enriquecimento sem causa por parte da vítima. Nessa linha (CAVALIERI FILHO, 2009, p. 93):
Creio que na fixação do quantum debeatur da indenização, mormente tratando-se de dano moral, deve o juiz ter em mente o princípio de que o dano não pode ser fonte de lucro. A indenização, não há dúvida, deve ser suficiente para reparar o dano, o mais completamente possível, e nada mais. Qualquer quantia a maior importará enriquecimento sem causa, ensejador de novo dano.
Dessa maneira, para se fixar o quantum indenizatório da chance de natureza extrapatrimonial, devem ser adotados os mesmos critérios apontados para a quantificação do dano moral comum. Contudo, importante relembrar que na fixação do valor da indenização por perda de uma chance está se indenizando a chance perdida e não o resultado final esperado, conforme amplamente destacado ao longo do presente trabalho.
4. Conclusão
Em relação à quantificação do dano proveniente da perda de uma chance, concluiu-se, inicialmente, pela existência de duas premissas básicas: primeiramente que se aplica à teoria da perda de uma chance o princípio da reparação integral e, em segundo lugar, que o valor da indenização pela chance perdida sempre deve ser inferior ao valor que corresponderia ao resultado final esperado.
Verificou-se, ainda, que em casos onde a chance perdida possui natureza jurídica de dano patrimonial, deve-se adotar o parâmetro do coeficiente redutor para se chegar ao valor da indenização, sendo tal técnica, inclusive, adotada pelo Superior Tribunal de Justiça.
Por fim, quando o dano decorrente da chance perdida possuir natureza jurídica de dano extrapatrimonial, concluiu-se que se deve aplicar os mesmos parâmetros adotados na fixação do dano moral comum, não decorrente da perda de uma chance, quais sejam: análise da extensão do dano, o grau de culpa e questões relativas à capacidade econômica financeira do ofensor e do ofendido, que devem ser razoáveis à chance perdida e não ao resultado final.
5. Referências
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF, Senado, 1988. Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm>. Acesso em: 04 de jan. 2018.
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Advogado. Graduado pela Universidade de Fortaleza.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RAFAEL DANTAS CARVALHO DE MENDONçA, . A quantificação da indenização na responsabilidade civil por perda de uma chance Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jan 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51274/a-quantificacao-da-indenizacao-na-responsabilidade-civil-por-perda-de-uma-chance. Acesso em: 23 dez 2024.
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