Resumo: O presente artigo tem por objetivo analisar a recente decisão do Superior Tribunal de Justiça em relação a legalidade da cobrança da tarifa de TUST e TUSD, na base de cálculo do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica, bem como as discussões no âmbito doutrinárias.
Palavras-chave: TUST e TUSD. Legalidade. ICMS. Consumo de Energia Elétrica. Jurisprudência do STJ.
Sumário: Resumo. 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. Referências.
1.INTRODUÇÃO
Trata-se o presente artigo de um estudo acerca da legalidade ou não da cobrança da tarifa de TUST e TUSD, na base de cálculo do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica. Como restará demonstrado, na atualidade o STJ entende que não é possível fazer a divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS, devendo, portanto, ser aplicada a tarifa de TUST e TUSD tanto para os consumidores cativos, quanto para os consumidores livres. Neste sentido, as questões que se colocam são: O que é TUST e TUSD? É legal a sua incidência sobre o consumo de energia elétrica dos consumidores livres? São essas o objeto de estudo deste artigo. Ao final, buscaremos construir uma conclusão sobre o recente posicionamento do Superior Tribunal de Justiça sobre a temática.
2. DESENVOLVIMENTO
O ICMS é um imposto sobre operações relativas à circulação de mercadorias e sobre prestações de serviços de transporte interestadual, intermunicipal e de comunicação, ainda que as operações e as prestações se iniciem no exterior, sob administração dos Estados e do Distrito Federal, previsto no art. 155, II, da CF e regulamentado pela Lei Complementar nº 87/1996 (Lei Kandir).
De acordo com a referida lei, o principal fato gerador para a incidência do ICMS é a circulação de mercadorias, mesmo que se tenha iniciado no exterior. Além disso, o ICMS incide sobre prestações onerosas de serviços de comunicação, prestações de serviços de transporte intermunicipal e interestadual, e desembaraço aduaneiro de mercadoria ou bem importados do exterior. Vejamos o art. 2º da Lei Complementar nº 87/1996, o qual prevê:
Art. 2° O imposto incide sobre:
I - operações relativas à circulação de mercadorias, inclusive o fornecimento de alimentação e bebidas em bares, restaurantes e estabelecimentos similares;
II - prestações de serviços de transporte interestadual e intermunicipal, por qualquer via, de pessoas, bens, mercadorias ou valores;
III - prestações onerosas de serviços de comunicação, por qualquer meio, inclusive a geração, a emissão, a recepção, a transmissão, a retransmissão, a repetição e a ampliação de comunicação de qualquer natureza;
IV - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços não compreendidos na competência tributária dos Municípios;
V - fornecimento de mercadorias com prestação de serviços sujeitos ao imposto sobre serviços, de competência dos Municípios, quando a lei complementar aplicável expressamente o sujeitar à incidência do imposto estadual.
§ 1º O imposto incide também:
I – sobre a entrada de mercadoria ou bem importados do exterior, por pessoa física ou jurídica, ainda que não seja contribuinte habitual do imposto, qualquer que seja a sua finalidade; (Redação dada pela Lcp 114, de 16.12.2002)
II - sobre o serviço prestado no exterior ou cuja prestação se tenha iniciado no exterior;
III - sobre a entrada, no território do Estado destinatário, de petróleo, inclusive lubrificantes e combustíveis líquidos e gasosos dele derivados, e de energia elétrica, quando não destinados à comercialização ou à industrialização, decorrentes de operações interestaduais, cabendo o imposto ao Estado onde estiver localizado o adquirente.
§ 2º A caracterização do fato gerador independe da natureza jurídica da operação que o constitua.
§ 3º À exceção dos impostos de que tratam o inciso II do caput deste artigo e o art. 153, I e II, nenhum outro imposto poderá incidir sobre operações relativas a energia elétrica, serviços de telecomunicações, derivados de petróleo, combustíveis e minerais do País.
Do fragmento legal exposto e com alicerce no permissivo elencado no §3º, do art. 155 da Carta Maior, os Estados-Membros efetuam a cobrança do imposto sobre a energia elétrica consumida. Isso porque, para fins jurídico-tributários, a energia elétrica sempre foi considerada como mercadoria, sujeita, portanto, à incidência do ICMS. Na dicção da jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, a energia deve ser assim considerada porque “é objeto de comércio; é mercadoria, bem apropriável pelo homem, bem no mercado, inclusive para fins tributários (art. 155, § 2o, ”b", da CB/88 e art. 34, § 9o, do ADCT)[1]”.
No mesmo sentido, a jurisprudência firmada no âmbito do Superior Tribunal de Justiça define como critério material da hipótese de incidência a realização de operações que envolvam a circulação de energia elétrica. Para a Corte Superior, o fato gerador concretiza-se com a efetiva saída do bem do estabelecimento do fornecedor (fornecimento da energia) e se aperfeiçoa com o ingresso no estabelecimento do adquirente, vale dizer, quando há consumo desse bem (critério temporal), só havendo incidência de ICMS sobre o quanto efetivamente utilizado de potência, elemento indissociável ao consumo da própria energia, porque apenas com o consumo há circulação jurídica de mercadoria.
Ademais, o art. 12, inciso I, da Lei Complementar nº 87/1996 também prevê que o fato gerador ocorre no momento da saída da mercadoria do estabelecimento do contribuinte.
O fato jurídico-tributário ocorre quando há a transferência de titularidade do bem, quando existe efetivo negócio jurídico e, no caso da energia elétrica, só há circulação e negócio jurídico quando há consumo. Isso porque a energia elétrica é bem intangível e, portanto, não passível de ser contido e estocado.
No entanto, em que pese às Cortes Superiores entenderem que a energia elétrica deve ser considerada mercadoria para fins de incidência do ICMS, os mesmos entendiam que a sua transmissão e distribuição não poderiam ser consideradas como base de cálculo do referido imposto, não apenas pela ausência de previsão legal para tal incidência no sistema tributário brasileiro, mas também, face ao óbice da súmula 166 do STJ, a qual proíbe a aplicação do ICMS na ocorrência de simples deslocamento de mercadoria para o mesmo proprietário.
Frise-se que, por muito tempo, esse foi o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, em todos os casos de distribuição e transmissão de energia elétrica (vide AgRg no REsp 1.075.223/MG, Rel. Ministra ELIANA CALMON, julgado em 07/02/2013). Vejamos:
PROCESSUAL CIVIL E TRIBUTÁRIO. OFENSA AO ART. 535 DO CPC NÃO CONFIGURADA. OMISSÃO. ICMS. INCIDÊNCIA DA TUST E DA TUSD. DESCABIMENTO.
1. A solução integral da controvérsia, com fundamento suficiente, não caracteriza ofensa ao art. 535 do CPC.
2. O STJ possui jurisprudência no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica - TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica – TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS 3. Agravo Interno não provido.
(AgInt no REsp 1607266/MT, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 10/11/2016, DJe 30/11/2016)
AGRAVO REGIMENTAL. SUSPENSÃO DE LIMINAR. INDEFERIMENTO. ICMS. INCIDÊNCIA DA TUST E TUSD. DESCABIMENTO. JURISPRUDÊNCIA FIRMADA NO STJ. AGRAVO QUE NÃO INFIRMA A FUNDAMENTAÇÃO DA DECISÃO ATACADA.
NEGADO PROVIMENTO.
I - A decisão agravada, ao indeferir o pedido suspensivo, fundou-se no fato de não ter ficado devidamente comprovada a alegada lesão à economia pública estadual, bem como em razão de a jurisprudência desta eg. Corte de Justiça já ter firmado entendimento de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica - TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica - TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS (AgRg no REsp n.
1.408.485/SC, relator Ministro Humberto Martins, Segunda Turma, julgado em 12/5/2015, DJe de 19/5/2015; AgRg nos EDcl no REsp n.
1.267.162/MG, relator Ministro Herman Benjamin, Segunda Turma, julgado em 16/8/2012, DJe de 24/8/2012).
II - A alegação do agravante de que a jurisprudência ainda não está pacificada não vem devidamente fundamentada, não tendo ele apresentado sequer uma decisão a favor de sua tese.
III – Fundamentação da decisão agravada não infirmada.
Agravo regimental improvido.
(AgRg na SLS 2.103/PI, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 04/05/2016, DJe 20/05/2016)
PROCESSUAL CIVIL. TRIBUTÁRIO. OMISSÃO INEXISTENTE. LEGITIMIDADE ATIVA. ICMS SOBRE "TUSD" E "TUST". NÃO INCIDÊNCIA. SÚMULA 83/STJ.
1. Não há a alegada violação do art. 535 do CPC, ante a efetiva abordagem das questões suscitadas no processo, quais sejam, ilegitimidade passiva e ativa ad causam, bem como a matéria de mérito atinente à incidência de ICMS.
2. Entendimento contrário ao interesse da parte e omissão no julgado são conceitos que não se confundem.
3. O STJ reconhece ao consumidor, contribuinte de fato, legitimidade para propor ação fundada na inexigibilidade de tributo que entenda indevido.
4. "(...) o STJ possui entendimento no sentido de que a Taxa de Uso do Sistema de Transmissão de Energia Elétrica – TUST e a Taxa de Uso do Sistema de Distribuição de Energia Elétrica - TUSD não fazem parte da base de cálculo do ICMS" (AgRg nos EDcl no REsp 1.267.162/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, SEGUNDA TURMA, julgado em 16/08/2012, DJe 24/08/2012.).
Agravo regimental improvido.
(AgRg no AREsp 845.353/SC, Rel. Ministro HUMBERTO MARTINS, SEGUNDA TURMA, julgado em 05/04/2016, DJe 13/04/2016)
Ocorre que, em meados da década de 90, em razão da crise do setor público e da emergência do processo de privatizações no Brasil, o setor energético sofreu profunda modificação no sentido de desverticalizar as empresas, segmentando os processos de produção, transmissão e distribuição de energia, foi aí então que surgiu a possibilidade de comercialização da energia elétrica entre os prestadores de serviço público e os consumidores, mediante contratação. Isto é, os consumidores passaram a poder comprar a mercadoria diretamente das geradoras ou agentes de comercialização desses bens.
Nesse contexto, passou-se a denominar consumidores cativos os que permaneceram vinculados à concessionária de distribuição local e consumidores livres aqueles formados por grandes consumidores que podem escolher livremente o seu fornecedor de energia elétrica. Destaca-se que esse processo de reforma e modificação do setor energético acabou por repercutir diretamente no sistema tributário, permitindo haver distinção interpretativa dos tribunais estaduais quanto ao regramento jurídico adotado pelo STJ para consumidores cativos e livres, já que estes podem escolher seus fornecedores livremente, enquanto aqueles não.
O consumidor livre pode adquirir energia elétrica de qualquer agente produtor e firmar contratos diferentes com as concessionárias dos serviços de transmissão e distribuição, já que as distribuidoras e transmissoras atuam apenas como agentes “transportadores” da energia elétrica adquirida.
Já para o chamado consumidor cativo, as concessionárias dos serviços de transmissão e distribuição não atuam como meros agentes “transportadores” da energia elétrica, mas como integrantes necessários do processo conjunto que possibilitará o consumo da energia elétrica. Não se fala em fornecimento e, por consequência, em consumo de energia elétrica por esta espécie de consumidor, com a mera geração da energia elétrica pela produtora, porque ele não compra o bem diretamente. Trata-se do consumidor que não tem a opção de dividir a contratação da energia elétrica de acordo com as etapas de geração, transmissão e distribuição, ele somente pode firmar um único contrato, que necessariamente vai englobar todas as etapas mencionadas.
Em outras palavras, para os consumidores livres, o uso das linhas de transmissão ou distribuição para o deslocamento da mercadoria – energia elétrica – seria propriamente para o consumo, já que contratadas por “fora” como meio de operacionalizar a energia elétrica, enquanto que para os “consumidores” cativos o fornecimento de energia elétrica é compreendida em sua forma global, sendo as fases de transmissão e distribuição indissociáveis de sua geração, fazendo parte de um todo.
Em face dessa diferenciação, os Tribunais Estaduais passaram a adotar entendimento diverso do Superior Tribunal de Justiça, no sentido de aplicar o ICMS sobre o TUST e TUSD sob a energia elétrica cobrada dos consumidores cativos, tendo em vista que estes adquirem a energia exclusivamente da concessionária à qual estão vinculadas, sendo as fases de geração, transmissão e distribuição indissociáveis entre si.
Frisa-se que tal entendimento vem sendo adotado de forma sumária por diversos Tribunais Estaduais do Brasil, forçando a Corte Superior a revisar seu posicionamento até então adotado.
Mais recentemente, chegou ao Superior Tribunal de Justiça, um questionamento do Estado do Rio Grande do Sul, em sede de REsp nº 1163020 / RS (2009/0205525-4), autuado em 23/10/2009, discutindo a possibilidade de incidência do ICMS na TUST e TUSD da energia elétrica adquirida, dessa vez, pelos consumidores livres.
O Estado pretendia estender o mesmo posicionamento adotado por parte dos Tribunais Estaduais – acima exposto – sobre a sistemática tributária dos consumidores cativos, aos livres, entendendo que devem ser consideradas para estes, todas as fases do fornecimento de energia (transmissão, distribuição e geração) de forma associada para o preço final do consumo e, consequentemente, para fins de incidência do ICMS sobre a circulação da energia elétrica.
Isto é, da mesma forma que os Tribunais Estaduais de forma majoritária passaram a entender que devem ser consideradas indissociáveis as fases de geração, transmissão e distribuição de energia elétrica para os consumidores cativos, o Estado do Rio Grande do Sul, no recurso excepcional em debate, entende que tais fases também devem ser consideradas indissociáveis para os consumidores livres.
Ademais, para o Estado Recorrente, a súmula 166 do STJ, não deve ser mais aplicada aos casos envolvendo consumidores livres de energia elétrica, já que, com o processo de desverticalização e privatizações do setor público, os consumidores livres agora podem contratar livremente com outras empresas geradoras e transmissoras de energia, havendo distinção entre as empresas contratadas para gerar a energia e as contratadas para transmitir e distribuir a referida mercadoria (contribuintes distintos).
De mais a mais, afirma que a referida súmula faz referência ao fato gerador do ICMS e não a sua base de cálculo, não devendo, desta forma, ser aplicada ao caso de incidência do ICMS sobre o TUSD e TUST no consumo de energia elétrica.
Em defesa, a Empresa Recorrida, RANDON S/A IMPLEMENTOS E PARTICIPAÇÕES – consumidora livre – afirma ser ilegal a incidência do ICMS sobre a TUST e TUSD da energia elétrica e, para tanto, utiliza-se dos seguintes fundamentos:
1) a mudança do marco regulatório do setor elétrico brasileiro, que implicou a "desverticalização" do sistema, impedindo que as distribuidoras também operem como geradoras ou transmissoras (Lei n. 10.848/2004), não alterou a definição da base de cálculo do ICMS incidente sobre a comercialização de energia elétrica, a ser suportado, inclusive, pelo chamados "consumidores livres";
2) a comercialização de energia elétrica compreende três etapas: geração, transmissão e distribuição, as quais ocorrem simultaneamente e, por isso, não descaracterizam a sua natureza física unitária, não havendo falar que as fases de transmissão e distribuição correspondem a mero transporte de energia, pois o que se tem "é um grande e complexo 'todo' onde diversos geradores aportam sua produção de energia elétrica através de linhas de transmissão interligados e onde os consumidores consomem sua parcela, diretamente das linhas de transmissão (grandes consumidores) quer através das redes de distribuição (consumidores cativos), tudo gerenciado para que o sistema mantenha-se em equilíbrio";
3) as fases de transmissão e de distribuição, portanto, não são complementares ou paralelas, mas sim essenciais e indissociáveis ao fornecimento de energia elétrica, integrando os custos da mercadoria comercializada;
4) diferentemente dos consumidores cativos, que somente podem comprar a energia elétrica de sua distribuidora local, os "consumidores livres" podem contratar diretamente com outras empresas geradoras ou comercializadoras no denominado "mercado livre de energia", que estimula a concorrência do segmento;
5) enquanto o consumidor cativo paga o ICMS sobre o preço total do serviço à sua distribuidora, cabendo a ela remunerar as demais empresas encarregadas pela geração e pela transmissão, o consumidor livre celebra contrato diretamente com a geradora ou comercializadora de sua escolha e, para receber a energia elétrica contratada, se obriga ao pagamento das taxas referentes à transmissão (TUST) e à distribuição (TUSD) da rede em que está interligado, cujos valores são fixados pela Aneel;
6) a especificação dos preços praticados em cada etapa não altera a natureza física da operação realizada e, por isso, não modifica a base de cálculo do imposto, que deve incidir sobre o seu custo total, devendo ser afastada da idéia de que "os custos de transmissão – e eventualmente o de distribuição – não integram a base de cálculo do ICMS incidente sobre a comercialização de energia elétrica, ao argumento de que a conexão, transmissão e distribuição não integram o conceito de mercadoria para os fins de ICMS, ou que a 'circulação jurídica' ocorreu quando da 'aquisição' da energia elétrica junto ao gerador ou comercializador livre";
7) não é possível admitir que a segmentação do serviço de fornecimento de energia elétrica influencie na sua tributação, para o fim de retirar alguma de suas etapas da base de cálculo do imposto;
8) o art. 13, § 1º, II, "a" e "b", da Lei Complementar 87/1996, preconiza que integram a base de cálculo o valor correspondente a: "seguros, juros e demais importâncias pagas, recebidas ou debitadas, bem como descontos concedidos sob condição" (alínea "a"), assim como o "frete, caso o transporte seja efetuado pelo próprio remetente ou por sua conta e ordem seja cobrado em separado" (alínea "b") [2]
Em face dessa guinada da jurisprudência Estadual, das inúmeras ações divergentes entre si questionando a incidência do ICMS sobre as TUST e TUSD, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça, julgando o REsp nº 1163020 / RS – acórdão publicado dia 27/03/17, modificou o entendimento adotado até então (“overruling”), para determinar a incidência do ICMS sobre as TUST e TUSD, tanto dos consumidores cativos, quanto dos livres. Vejamos:
TRIBUTÁRIO. ICMS. FORNECIMENTO DE ENERGIA ELÉTRICA. BASE DE CÁLCULO. TARIFA DE USO DO SISTEMA DE DISTRIBUIÇÃO (TUSD). INCLUSÃO.
1. O ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas – entre elas a referente à Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) – compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996.
2. A peculiar realidade física do fornecimento de energia elétrica revela que a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo, sendo certo que a etapa de transmissão/distribuição não cuida de atividade meio, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável.
3. A abertura do mercado de energia elétrica, disciplinada pela Lei n. 9.074/1995 (que veio a segmentar o setor), não infirma a regra matriz de incidência do tributo, nem tampouco repercute na sua base de cálculo, pois o referido diploma legal, de cunho eminentemente administrativo e concorrencial, apenas permite a atuação de mais de um agente econômico numa determinada fase do processo de circulação da energia elétrica (geração). A partir dessa norma, o que se tem, na realidade, é uma mera divisão de tarefas – de geração, transmissão e distribuição – entre os agentes econômicos responsáveis por cada uma dessas etapas, para a concretização do negócio jurídico tributável pelo ICMS, qual seja, o fornecimento de energia elétrica ao consumidor final.
4. Por outro lado, o mercado livre de energia elétrica está disponibilizado apenas para os grandes consumidores, o que evidencia que a exclusão do custo referente à transmissão/distribuição da base de cálculo do ICMS representa uma vantagem econômica desarrazoada em relação às empresas menores (consumidores cativos), que arcam com o tributo sobre o "preço cheio" constante de sua conta de energia, subvertendo-se, assim, os postulados da livre concorrência e da capacidade contributiva.
5. Recurso especial desprovido.
(STJ – 1ª Turma – REsp 1163020/RS – Rel. Min. Gurgel de Faria, j. em 21/03/2017, DJE em 27/03/2017) grifo acrescido
Nesse emblemático acórdão, o ministro relator do caso, Dr. Gurgel de Faria, explicou que não é possível fazer a divisão de etapas do fornecimento de energia para fins de incidência do ICMS. No voto, acompanhado pela maioria dos ministros da turma, o magistrado explicou que a base de cálculo do ICMS em relação à energia elétrica inclui os custos de geração, transmissão e distribuição para ambos os segmentos de consumidores (cativos e livres).
Dr. Gurgel de Faria ressaltou o caráter uno do sistema de fornecimento de energia elétrica, que envolve a geração, a distribuição e a transmissão e consumo da energia, se posicionando conforme a jurisprudência majoritária dos tribunais estaduais. Para ele, não há como separar a atividade de transmissão ou distribuição de energia das demais, já que ela é gerada, transmitida, distribuída e consumida simultaneamente. Vejamos:
(…) a geração, a transmissão e a distribuição formam o conjunto dos elementos essenciais que compõem o aspecto material do fato gerador, integrando o preço total da operação mercantil, não podendo qualquer um deles ser decotado da sua base de cálculo.
Não trata a etapa de transmissão/distribuição de mera atividade meio, mas sim de atividade inerente ao próprio fornecimento de energia elétrica, sendo dele indissociável. (...)
Como podemos ver, o relator do processo rechaçou a tese de que o ICMS não seria devido sobre a TUSD e TUST, porque essas tarifas teriam a função de remunerar apenas uma atividade meio, incapaz de ser fato gerador para a incidência do imposto.
Prosseguindo, o ministro lembrou que a incidência do ICMS sobre todo o processo de fornecimento de energia deve ser regra para qualquer consumidor cativo, citando o art. 39, §9º, do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, que deixa claro que todas as etapas do processo de fornecimento da energia elétrica devem ser consideradas na composição do preço final da mercadoria a ser suportada pelo usuário.
Por outro lado, no mesmo julgamento, o relator também defendeu a incidência do ICMS para os consumidores livres, reforçando o entendimento de que a Lei 9.074/95, em que pese possibilitar a compra direta por parte destes consumidores, não cria exceção à regra exposta no artigo 39, §9º, do ADCT, não sendo possível, da mesma forma, excluir as etapas do sistema de geração de energia para fins tributários. Nesse ponto, afirma:
“A circunstância de o ‘consumidor livre’ ter de celebrar um contrato com empresa de geração, em relação à ‘tarifa de energia’, e outro com empresa de transmissão/distribuição, em relação à ‘tarifa de fio’, tão somente exterioriza a decomposição do preço global do fornecimento, não desnaturando o fato gerador da operação”, argumentou Gurgel de Faria.
E, conclui afirmando:
Ponderados esses elementos, tenho que o ICMS incide sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas – entre elas a referente à Taxa de Uso do Sistema de Distribuição (TSUD) – compõe o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996.
Por outro lado, a exclusão dessa tarifa da base de cálculo do tributo, além de implicar flagrante violação ao princípio da igualdade, prejudica a concorrência, o que é expressamente vedado pelo art. 173, § 4º, da Carta Política.
3. CONCLUSÃO
Com tal posicionamento, a Primeira Turma do Superior Tribunal de Justiça concluiu que o ICMS deve incidir sobre todo o processo de fornecimento de energia elétrica, tendo em vista a indissociabilidade das suas fases de geração, transmissão e distribuição, sendo que o custo inerente a cada uma dessas etapas – entre elas, à Taxa de Uso do Sistema de Distribuição (TSUD) e a Tarifa de Uso de Transmissão (TUST) – devem compor o preço final da operação e, consequentemente, a base de cálculo do imposto para os consumidores cativos e livres, nos termos do art. 13, I, da Lei Complementar n. 87/1996.
Por todo o exposto, entende-se pela legalidade da cobrança do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS) na Tarifa de Uso do Sistema de Distribuição (TUSD) e na Tarifa de Uso de Transmissão (TUST), cobrada nas contas, tanto dos consumidores cativos, quanto dos livres, conforme posição atual do Superior Tribunal de Justiça no REsp nº 1163020 / RS.
REFERÊNCIAS
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Acesso em: www.stj.com.br. Acesso em 08.Jul.2017.
ALEXANDRE, Ricardo. Direito Tributário Esquematizado. 9 ed. São Paulo: Método, 2015.
BRASIL. Código Civil, Processo Civil, Penal e Processo Penal. In Vade Mecum compacto. 3. ed. atual. eampl. São Paulo: Saraiva, 2010.
BRASIL. Código Tributário Nacional. Lei Nº 5.172, de 25 de Outubro de 1966. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/L5172Compilado.htm. Acesso em 08.Jul.2017.
BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado, 1988.
Lei Complementar nº 87, de 13 de Setembro de 1996. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/LCP/Lcp87.htm. Acesso em: 08.Jul.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 391: O ICMS incide sobre o valor da tarifa de energia elétrica correspondente á demanda de potência efetivamente utilizada. In Súmulas.Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/S%C3%BAmulas. Acesso em 08.Jul.2017.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Súmula 166 – STJ: “Não constitui fato gerador do ICMS o simples deslocamento de mercadoria de um para outro estabelecimento do mesmo contribuinte.”In Súmulas.Disponível em: http://www.stj.jus.br/sites/STJ/default/pt_BR/Jurisprud%C3%AAncia/S%C3%BAmulas. Acesso em 08.Jul.2017.
Superior Tribunal de Justiça. AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO ESPECIAL 1.163.020 RS (2009/0205525-4). Rel. Min. GURGEL DE FARIA. DJ 27/03/17.
Servidora Pública formado pela Centro Universitário do Rio Grande do Norte. Pós-graduado em Direito Civil e Empresarial pelo Centro Universitário do Rio Grande do Norte.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Heloisa Pessoa Teles de. Legalidade da inclusão da tarifa de TUSD e TUST na base de cálculo do ICMS incidente sobre o consumo de energia elétrica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 29 jan 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51283/legalidade-da-inclusao-da-tarifa-de-tusd-e-tust-na-base-de-calculo-do-icms-incidente-sobre-o-consumo-de-energia-eletrica. Acesso em: 22 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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