Resumo: O presente artigo visa explicar parte do pensamento do jurista Hans Kelsen e sua maneira de estudar a ciência jurídica, não como se analisava o Direito pertencente às outras ciências.
O autor Hans Kelsen preocupa-se com as condições de possibilidades das práticas jurídicas. No seu livro “Teoria pura do Direito” ele defende que o Direito deve ser estudado juridicamente, como ciência em si, e não ser apenas objeto de estudo de outras disciplinas. Ao estabelecer um ordenamento jurídico racionalista em seus pressupostos, Kelsen se aproxima dos racionalistas, mas ele também defende que os costumes e as experiências são criadores do Direito, assim como os empiristas. Sendo assim, para ele nenhuma das duas correntes teóricas está totalmente correta nem completamente errada.
Kelsen diz que a ordem jurídica é um sistema de normas. As normas jurídicas são unidades de análise jurídica, que juntas formam o sistema, a dinâmica jurídica, em que se estabelecem direitos e deveres. Essas normas possuem níveis, as superiores, que são mais abrangentes e fonte de validade, e as inferiores, mais específicas que garantem a validade. A norma fundamental, é apenas uma base para todas as outras normas, uma vez que, ela não é escrita, mas é apenas um princípio que fundamenta as outras. (KELSEN, 1998)
As normas jurídicas, para Kelsen, podem ser válidas ou não-válidas, ou seja, estar ou não de acordo com o ordenamento jurídico, ter sido criada a partir de uma regra definida, se a ordem for válida, então as normas individuais pertencentes a essa ordem, são válidas. A validade da norma se encontra no conceito de auto referência, pois está no âmbito do direito. A eficácia está ligada à conduta dos homens, se agem de acordo com as normas, o que a enquadra na concepção de hetero referência, uma vez que vai além do direito, para a esfera social. Sendo assim, a eficácia uma condição da ordem jurídica total para a validade das suas normas constituintes. (KELSEN, 1998)
O “dever ser” (a razão prática, o comportamento esperado que a sociedade tenha em relação à norma) e o “ser” (como realmente é a sociedade, ligado a eficácia) possuem total relevância para o ordenamento jurídico, pois não há ordem se a esfera social não agir de acordo com tal. Ademais, a eficácia possui relevância para a validade, pois se a norma permanecer ineficaz, ela perde sua validade por “desuetude”(“o efeito negativo do costume”), ou seja, o “dever ser” e o “ser” não estão em conformidade, deste modo, o costume pode criar normas, mas também pode anular. (KELSEN, 1998)
Além disso, há o princípio da legitimidade, que consiste em determinar conformidade em certas atividades e estarem de acordo com o ordenamento jurídico, ou seja, não foram invalidadas pela ordem jurídica. No caso de uma revolução, em que se há mudança da ordem, as normas da antiga ordem deixam de ser válidas, a não ser que haja uma “recepção”: “a nova ordem dá validade (coloca em vigor) a normas que possuem o mesmo conteúdo que normas da velha ordem. Este princípio é restrito pelo da eficácia. (KELSEN, “1998)
O autor defende que as normas jurídicas gerais devem ser criadas a partir de costumes ou legislação e as individuais por meio de atos judiciais e administrativos ou de transações jurídicas, sendo elas parte do Direito porque emanam de uma autoridade criadora de Direito. Deste modo, se enquadra no conceito dinâmico que define o Direito como “algo criado por certo processo, e tudo o que é criado desse modo é Direito”. Kelsen define o Direito como “qualquer coisa que foi criada de acordo com o procedimento descrito pela constituição fundamental dessa ordem.”, mas as normas são apenas normas jurídicas se possuem o objetivo de regular a conduta humana “por meio de um ato de coerção como sanção”, a aplicação de uma pena correspondente à violação da lei. (KELSEN, 1998)
A constituição, nível mais alto dentro do Direito nacional, pode ser compreendida em dois sentidos: formal e material. Kelsen define o sentido formal como “certo documento solene, um conjunto de normas jurídicas que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais cujo propósito é tornar mais difícil a modificação dessas normas” e o material “consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, em particular a criação de estatutos”. Deste modo, implica-se que as leis constitucionais são mais difíceis de serem criadas do que as leis ordinárias. (KELSEN, 1998)
Dentro da ordem jurídica há o Direito Estatutário ou posto, o que está em vigor, e o Direito Consuetudinário, formado a partir dos costumes. Sendo assim, o costume é considerado um fato criador do Direito, mas tal consideração só pode ser feita se a constituição (no sentido material) fundamentar o costume como institui a legislação para tal função. Além disso, a constituição possui funções como determinar os órgãos, o processo de legislação, uma base para os conteúdos de leis e estatutos futuros. Ademais, a aplicação do direito por um órgão envolve dois tipos de normas gerais que Kelsen define como: normas formais (determinam a criação do órgão e o processo que ele deve seguir) e as materiais (“determinam o conteúdo do seu ato judicial ou administrativo”). (KELSEN, 1998, p. 183 a 188)
O Direito ainda pode ser subdividido em substantivo, que possui um sentido mais amplo e em adjetivo, que possibilita o acesso à lei, cria mecanismos para facilitar a aplicação do direito substantivo. Isso se aplica tanto à lei em seu sentido material (“normas jurídicas gerais na forma de uma lei”) quanto no sentido formal (“qualquer coisa que ter forma de uma lei”) A exemplo disso, Kelsen diz “um indivíduo cometeu um delito determinado pelo Direito, então uma sanção prescrita pelo Direito deverá ser dirigida contra o delinquente”, ou seja, o indivíduo foi contra o Direito substantivo ao cometer um delito (infração) e se usa do direito adjetivo para estabelecer sua sanção (punição). (KELSEN, 1998)
As “Fontes de Direito”, segundo Kelsen, são usadas para designar os métodos de criação, caracterizar o fundamento da validade do Direito e o fundamento final, no sentido jurídico, e como ideias que influenciam os órgãos criadores de Direito, no sentido não jurídico. No âmbito jurídico, qualquer norma superior é uma fonte para uma inferior, sendo a norma fundamental, a principal fonte. Além de ser a fonte, quando uma norma regula a criação de outra, ela está sendo aplicada, deste modo, a criação do Direito é sempre a aplicação do Direito. (KELSEN, 1998)
A hierarquia entre as normas também gera conflitos, uma vez que a norma inferior deve estar de acordo com sua superior e sem ir contra outra norma, caso contrário ela passa a não ter relevância jurídica. Este processo de análise de correspondência entre as normas deve ser feito pelos órgãos correspondentes, sendo irrelevante a opinião de qualquer outro indivíduo. Caso uma norma ou um estatuto seja invalidado, os mesmo deixam de existir, pois ambos devem estar de acordo com a constituição e com suas normas superiores. (KELSEN, 1998)
Na concepção de Kelsen, não existem fatos absolutos no Direito, “existem apenas fatos averiguados por um órgão competente num processo prescrito pelo Direito”, ou seja, os fatos devem ser observados e analisados antes de serem julgados e sua confirmação depende da competência do órgão, e este conduzirá a sanção que ele julga necessária. Deste modo, para o autor, não há lacunas no Direito, pois até quando o juiz rejeita uma ação, ele está aplicando a norma de que “ninguém deve ser forçado a observar a conduta à qual não está obrigado pelo Direito”, deste modo, ele está praticando uma ação jurídica. Além disso, o juiz pode modificar o Direito para um caso concreto, “ele tem o poder de obrigar juridicamente um indivíduo que antes estava juridicamente livre”. (KELSEN, 1998)
A criação e a aplicação do Direito também podem ser feitas por meio de transação jurídica (“ato pelo qual os indivíduos autorizados pela ordem jurídica regulam juridicamente certas relações), neste caso a autonomia jurídica dos indivíduos é garantida pela própria ordem jurídica. Como o caso do contrato, em que há uma relação jurídica entre uma ou mais pessoas e não precisa ter o envolvimento direto da ordem. Para Kelsen a pessoa é constituída de uma personalidade jurídica, ela possuía um conjunto de direito e deveres. (KELSEN, 1998)
Hans Kelsen consegue explicar sua teoria de que o Direito não deve ser visto apenas como integrante de outras ciências, e sim uma própria. Ele consegue sintetizar sua visão e a perspectiva que o Direito deveria ter na sociedade. As idéias de Kelsen fazem no âmbito jurídico o que Immanuel Kant fez no cognitivo, resolveu o impasse entre os racionalistas e os empiristas.
Referências:
KELSEN, HANS. Teoria geral do direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 1998.
http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,principios-da-teoria-kantiana-e-visao-juridica,590245.html
Bacharelanda em Direito na UnB - Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SOUZA, Izabella Christina Carolino de. A visão da ciência jurídica de Kelsen Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 fev 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51302/a-visao-da-ciencia-juridica-de-kelsen. Acesso em: 23 dez 2024.
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