Resumo: O presente artigo tem por problemática aferir a juridicidade do Projeto de Lei do Senado nº 595/2015, que "Dispõe sobre a proteção ambiental e a promoção do ecoturismo em Unidades de Conservação através da gestão compartilhada com hotéis-cassino autorizados à exploração de jogos de apostas, cria Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a operação de hotéis-cassino (Cide Verde), altera o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, e as Leis nºs 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 11.516, de 28 de agosto de 2007." sob o prisma do Direito Ambiental, na medida em que a aludida proposta legislativa tornou-se tema candente. Nesta senda, este estudo intenta contribuir para o debate da questão, a fim de que a figura turística dos hotéis-cassino possa ser bem utilizada em prol da proteção, defesa e conservação do meio ambiente, assim como em favor do recebimento de receitas para o financiamento da política pública ambiental de unidades de conservação. Lado outro, pelo tema envolver a questão dos “jogos”, descortinar este regime jurídico à luz da Constituição Verde de 1988 é a hipótese-chave a ser considerada para a resolução do busílis ambiental.
Palavras-Chaves: Projeto de Lei do Senado nº 595/2015 e a figura dos hotéis-cassino. Direito Ambiental. Controle de Juridicidade. Matéria inserta na discricionariedade legislativa. Atividade econômica com riscos conhecidos.
Sumário: 1. Introdução. 2. Desenvolvimento. 3. Conclusão. 4. Referências.
1. Introdução
Apresentado no Protocolo do Senado Federal em 09/09/2015, o Projeto de Lei do Senado nº 595/2015 “Dispõe sobre a proteção ambiental e a promoção do ecoturismo em Unidades de Conservação através da gestão compartilhada com hotéis-cassino autorizados à exploração de jogos de apostas, cria Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a operação de hotéis-cassino (Cide Verde), altera o Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, e as Leis nºs 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 11.516, de 28 de agosto de 2007.” [1]. Em síntese, a mens legislatoris é normar a questão dos hotéis-cassino e jungi-lo à defesa, conservação e preservação do meio ambiente, sobretudo vertendo uma parte das receitas angariadas com os jogos ao Sistema Nacional de Unidades de Conservação – SNUC, por meio de uma Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico Verde – CIDE-Verde. Eis a justificação da proposta legislativa, textus[2]:
O presente projeto tem por objetivo promover a efetiva proteção de biodiversidade in situ através da promoção do ecoturismo. Para tanto, o projeto busca agregar valor turístico a alguns tipos de Unidades de Conservação por meio da cogestão dessas áreas de proteção por operadores de hotéis-cassino.
A criação de espaços territoriais especialmente protegidos, que incluem as Unidades de Conservação, em geral é apontada pela comunidade científica como uma das melhores estratégias para a conservação de biodiversidade. A perda em massa de espécies animais e vegetais vem se agravando em decorrência da crescente pressão exercida sobre os ambientes naturais pelas atividades humanas.
Desde o ano 2000, o Brasil dispõe da Lei nº 9.985/2000, que criou o Sistema Nacional de Unidades de Conservação (SNUC), um verdadeiro marco jurídico voltado à criação desses espaços protegidos sob domínio público. Entretanto, embora muito eficaz para a criação de Unidades de Conservação, a Lei 9.985 não tem conseguido a mesma eficácia na proteção ambiental em decorrência das dificuldades de implementação dos espaços criados.
O Brasil tem hoje cerca de 312 Unidades de Conservação Federais que ocupam 75 milhões de hectares. Dessa área, cerca de 10 milhões de hectares são imóveis rurais privados que precisarão ser desapropriados para a efetiva implantação da Unidade de Conservação. A regularização desse passivo, que é apenas uma parte do custo da proteção da biodiversidade in situ, gira em torno de R$12 bilhões. Ainda que o órgão do Executivo responsável pelas Unidades de Conservação aplicasse 100% do seu orçamento médio anual, considerando o orçamento dos últimos quatros anos destinado ao Instituto Chico Mendes de Conservação da Biodiversidade (ICMBio), seriam necessários 24,4 anos para a regularização fundiária das Unidades de Conservação já existentes.
Por outro lado, apesar de permitida a visitação em muitas unidades de conservação nacionais, a falta de infraestrutura para o turismo faz com que o potencial turístico de muitas regiões, principalmente no Norte, seja subexplorado. A construção de hotéis-cassino, obrigatoriamente em áreas próximas às unidades de conservação, forneceria espaço necessário para acomodação de turistas e intensificaria seu contato com a biodiversidade presente na unidade de conservação. Evidente que no ato de implantação do empreendimento, durante o licenciamento ambiental, o órgão competente determinará as condições ambientais a serem respeitadas, considerando-se o plano de manejo da unidade, de modo a minimizar os eventuais impactos ambientais negativos que a construção de hotéiscassino poderia causar à unidade de conservação.
O projeto prevê que as autorizações para operações de hotéiscassinos sejam dadas a empreendimentos situados nas proximidades das Unidades de Conservação a eles vinculados. Essa restrição tem, basicamente, três razões. A primeira, diz respeito à intenção inerente ao projeto de agregar valor turístico à área de proteção ambiental. Por esse motivo, o texto também limita as autorizações vinculadas a unidades de conservação nas quais a visitação turística seja legalmente possível. Dessa forma, uma das motivações do projeto é usar a exploração de jogos de apostas como forma de alavancar a atividade do ecoturismo, induzindo e fomentando o conhecimento da biodiversidade contida e protegida nas Unidades de Conservação.
Por outro lado, a proximidade dos empreendimentos com as UCs tem a intenção de estimular e facilitar a gestão privada das unidades pelos operadores dos hotéis-cassino, deixando ao agente público ligado ao órgão gestor do Sistema Nacional de Unidades de Conservação a obrigação de fiscalizar a execução do Plano de Recuperação e Preservação Ambiental da unidade de conservação previsto no Artigo 5º do Projeto de Lei.
Por fim, o estabelecimento dos hotéis-cassino nas proximidades das áreas protegidas tem também o objetivo de desestimular a prática de jogos de apostas pela parcela de menor renda da sociedade brasileira. É mister que a maior parte dos consumidores de novo serviço venha do turismo internacional de média e alta renda ou do turismo nacional de alta renda. Além da proteção social que se tenta ao afastar os hotéis-cassino dos centros urbanos, tenta-se também capturar uma parte da renda do estrato superior da pirâmide social para usar na proteção da biodiversidade nacional in situ. Implícito no projeto está a tentativa de construção de um esquema indireto de pagamento por serviços ambientais, uma vez que a proteção florestal, que gera serviços ambientais a toda a sociedade global, teriam de alguma forma a proteção através das unidade de conservação, remunerada pela renda capturada de parte dessa sociedade global através das autorizações para operação de jogos de apostas.
A autorização para operação de hotéis-cassino no território nacional vinculada à implementação, proteção e gestão de Unidades de Conservação representa a criação de uma nova econômica. Se bem utilizada pelo poder público, essa ferramenta poderá, em determinadas regiões da Amazônia, substituir a econômica de fronteira, cujo motor é o avanço sobre a floresta, por uma nova economia sustentável baseada na proteção florestal. O projeto pode resultar na indução de novos investimentos, criação de novos empregos e elevação na renda vinculada à atividades de proteção do meio ambiente.
Além disso, o projeto também cria a Contribuição de Intervenção no Domínio Econômico incidente sobre a operação de hotéiscassino em todo o território nacional (Cide Verde). O texto propõe uma nova contribuição com alíquota de 18% incidente sobre a diferença entre o montante total apostado nos hotéis-cassino e o valor pago em prêmios no exercício da atividade. Além de proporcionar um acréscimo na arrecadação da União sem onerar os setores econômicos já existentes, uma vez que cria uma nova atividade, o texto direciona os recursos arrecadados por meio da Cide Verde para o pagamento de arranjos de pagamento por serviços ambientais a serem definidos em regulamento.
O jogo e a aposta são hábitos que estão consolidados na cultura do povo brasileiro, manifestados por meio dos jogos em casas lotéricas e por outros jogos considerados atualmente ilegais, como o do bicho. Jogar apostado é conduta que possui baixa reprovabilidade social no País. Embora o jogo de apostas esteja tipificado como contravenção penal, entendemos que a sua legalização poderia ser um caminho para fomentar a exploração sustentável do patrimônio ambiental e turístico brasileiro.
Quanto maior o conhecimento do patrimônio ambiental brasileiro, maior será o interesse dos cidadãos em sua preservação. Por isso, é premente que a sociedade e os turistas estejam em contato com as unidades de conservação em que seja admitida a visitação pública. Ao mesmo tempo, é necessária a manutenção da devida distância entre os aglomerados populacionais e as unidades de conservação em que não é permitida a visitação para fins de ecoturismo, como nas Estações Ecológicas e nas Reservas Biológicas. Sob essa preocupação, a proposição exclui a possibilidade de implantação de hotéis-cassino nas proximidades dessas áreas protegidas.
Convictos da relevância desta proposição para o desenvolvimento do ecoturismo e para a preservação ambiental no País, solicitamos o apoio dos nobres senadores e senadoras para a sua aprovação.
Por envolver a temática dos “jogos de azar”, a mídia tem acompanhado a tramitação do PLS e, invariavelmente, o Poder Executivo Federal foi concitado a manifestar-se, como sói a ocorrer com todos os Projetos de Leis que correm no Parlamento Nacional. O caso, portanto, tramita no âmbito do Ministério do Meio Ambiente no Processo Administrativo Eletrônico (NUP) nº 02000.001653/2015-26 e no Processo Administrativo (físico) nº 02000.001653/2015-26.
Em que pese a possibilidade do PLS, caso aprovado, carrear recursos à política ambiental brasileira de unidades de conservação, a questão técnico-ambiental não pode ser desconsiderada e é neste contexto, posto que principal óbice, que se passa a abordar cada qual dos pontos referidos e necessários para o correto deslinde da questão controvertida.
2. Desenvolvimento
O PLS em disceptação pretende jungir a figura dos "hotéis-cassino" ao contexto da política ambiental de unidades de conservação. Para tanto, norma minudentemente inúmeros aspectos desta idealizada conjugação, prevendo: a) os objetivos e diretrizes da autorização para exploração de jogos apostados (art. 1º); b) a permissão para a gestão compartilhada de UCs que admitam a visitação pública por pessoas jurídicas interessadas na exploração de jogos de apostas em hotéis-cassino, mediante autorização do respectivo órgão executor do SNUC (art. 2º); c) a definição de hotel-cassino (art. 2º, §§1º e 2º); d) a vedação da instalação de hotéis-cassino nas proximidades de UCs das categorias Estação Ecológica e Reserva Biológica (art. 3º); e) a autorização para operação de jogos de apostas por meio de Hotel-cassino, através de "chamada, anúncio público ou processo seletivo", bem como a disciplina dos pormenores deste ato (arts. 4º a 7º); f) os aspectos proibitivos para a exploração de jogos de apostas em hotéis-cassino (arts. 8º a 12); g) o dever de regulamentação da lei pelo Poder Executivo (art. 13); h) medidas sancionatórias àqueles que descumprirem a lei (art. 14); i) a instituição de uma Cide Verde incidente sobre a operação de hotéis-cassino em todo o território nacional, com base no art. 149 da CRFB/88; j) alteração do Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, e das Leis nºs 9.718, de 27 de novembro de 1998, e 11.516, de 28 de agosto de 2007.
Por ser fundamento de validade de todo o sistema, a ideia de que a Constituição deve ser juridicamente garantida está intrinsecamente relacionada ao enrijecimento do sistema de controle de atos que, com ela forem incompatíveis. Eis o entendimento pacífico de que não basta que a Constituição outorgue garantias; tem, por seu turno, que ser garantida.[3]
Com seu escopo de proteção, dada sua grande importância para todo o sistema jurídico, o princípio da constitucionalidade exige para a validade de todos os atos dentro do ordenamento regidos por certa Constituição, que todos sejam exarados em conformidade com seus preceitos. A observância das determinações constitucionais termina por ser um requisito de validade a ser observado em toda manifestação jurídica.
O princípio da constitucionalidade deve informar, obrigatoriamente, toda a estrutura componente do Estado, gerando impacto nos três poderes. Não apenas a atividade criativa individualizada de proferir decisões deve estar em uníssono à nossa Constituição Federal/88, mas também a feitura das normas, a fiscalização de como o ordenamento é aplicado e a execução direta e indireta das espécies normativas.
Funciona o aludido mandamento de otimização como verdadeira garantia à observância da Lei Maior. A sanção pelo descumprimento de tais preceitos é invalidade do ato, por meio de sua declaração de nulidade. Rui Medeiros[4] afirma, em defesa de tal princípio, que os atos devem ser praticados por quem for constitucionalmente competente, observando a forma e o iter constitucional prescrito, sem distanciar em momento algum do conteúdo, princípio ou preceito disposto na Constituição.
Decorrente da validade ou invalidade de um ato, preciosa é a lição de Jorge Miranda, quando afirma que “constitucionalidade e inconstitucionalidade designam conceitos de relação: a relação que se estabelece entre uma coisa – a Constituição – e outra coisa – uma norma ou um ato – que lhe está ou não conforme, que com ela é ou não compatível”[5].
Quanto à constitucionalidade da proposição normativa, verifica-se que não há inconstitucionalidade formal (ou nomodinâmica) subjetiva, pois se trata de Projeto de Lei oriundo de membro do Poder Legislativo da União que versa sobre conservação da natureza, preservação dos recursos naturais, proteção do meio ambiente e controle da poluição, conforme autoriza a CRFB/88 em seu art. 24, incisos VI. Também a alteração da Lei de Contravenções Penais é de competência da União, ex vi do art. 22, I. Por fim, a questão do regime-jurídico da figura "hotel-cassino" como locus para jogos de azar também é de competência da União, conforme o art. 22, XX da CRFB/88, bem interpretado na Súmula Vinculante 2 do Supremo Tribunal Federal e nos seguintes precedentes, todos daquela Corte Excelsa:
"Ementa: (...) 1. Esta Suprema Corte já assentou que a expressão 'sistema de sorteios' constante do art. 22, XX, da Constituição Federal alcança os jogos de azar, as loterias e similares, dando interpretação que veda a edição de legislação estadual sobre a matéria, diante da competência privativa da União." (ADI 3895, Relator Ministro Menezes Direito, Tribunal Pleno, julgamento em 4.6.2008, DJe de 29.8.2008)
Ementa: "Competência - Jogos - Precedente do Plenário - Ressalva de entendimento pessoal. Na dicção da ilustrada maioria, entendimento em relação ao qual guardo reservas, a cláusula reveladora da competência privativa da União para legislar sobre sistemas de consórcios e sorteios - artigo 22, inciso XX, da Constituição Federal - abrange a exploração de loteria, de jogos de azar." (ADI 2950, Relator Ministro Marco Aurélio, Tribunal Pleno, julgamento em 29.8.2007, DJe de 1.2.2008)
"O eminente Procurador-Geral da República, ao oferecer o seu douto parecer nos presentes autos, sustentou, a meu juízo, com inteira razão, que os diplomas normativos ora impugnados efetivamente vulneraram a cláusula de competência, que, inscrita no art. 22, inciso XX, da Constituição da República, atribui, ao tema dos 'sorteios' (expressão que abrange, na jurisprudência desta Corte, os jogos de azar, as loterias e similares), um máximo coeficiente de federalidade, apto afastar, nessa específica matéria, a possibilidade constitucional de legítima regulação normativa por parte dos Estados-membros, do Distrito Federal, ou, ainda, dos Municípios." (ADI 2995, Relator Ministro Celso de Mello, Tribunal Pleno, julgamento em 13.12.2006, DJe de 28.9.2007)
Relativamente à constitucionalidade material, o exórdio da análise partirá das considerações da área técnica do Ministério do Meio Ambiente e demais entidades vinculadas ouvidas, pois, de ordinário, são fonte fecunda para verificação de possível violação aos princípios e regras constitucionais e ambientais (parâmetros do controle).
Primeiramente, não há como se obstar a própria discussão de todo o PLS ao argumento de que os jogos de azar são proibidos no Brasil, pois tal vedação não se encontra em nível constitucional, mas sim em sede legal (ato normativo primário). Assim, a liberação, restrição ou completa vedação dos jogos de azar é temática que incumbe à Lei Federal, conforme já exposto acima. Como o caso em proscênio é justamente uma lei ordinária, não há parâmetro superior, de índole constitucional ou convencional, capaz de fulminar o debate da proposta simplesmente por se tratar de liberação de jogos de azar, ainda que de modo extremamente regrado e condicionado. Neste ponto, o Poder Legislativo possui discricionariedade legislativa para tratar sobre o tema, inclusive escudado em precedentes do STF, acima também já indicados. Trata-se, na verdade e em essência, de uma opção política que deve ser tomada pelo Poder Público considerando as características da sociedade brasileira. Adicionalmente, tratando-se de uma vedação legal, não há óbice, do ponto de vista jurídico, que uma lei de idêntica hierarquia disponha em sentido contrário, a teor do Art. 2o da Lei de Introdução às Normas do Direito Brasileiro (Decreto-Lei nº 4.657/42). Destaque-se que até mesmo a proibição veiculada na legislação de 1941 ainda carece de resposta do Supremo Tribunal Federal, conforme a repercussão geral que aguarda julgamento nos termos seguintes [6]:
Notícias STF
Segunda-feira, 21 de novembro de 2016
STF decidirá se proibição de jogos de azar prevista em legislação de 1941 é compatível com a Constituição
O Supremo Tribunal Federal (STF) julgará se a definição como infração penal da exploração de jogos de azar, constante da Lei das Contravenções Penais (1941), choca-se com preceitos da Constituição de 1988. Por deliberação do Plenário Virtual, os ministros reconheceram a repercussão geral do tema. O caso concreto a ser examinado é o Recurso Extraordinário (RE) 966177, em que o Ministério Público do Rio Grande do Sul questiona acórdão da Turma Recursal dos Juizados Especiais Criminais no estado que considerou atípica a conduta de exploração de jogo de azar, desconsiderando a prática uma contravenção penal sob o argumento de que os fundamentos que embasaram a proibição não se coadunam com os princípios constitucionais vigentes.
Relator do recurso, o ministro Luiz Fux afirmou que a questão é controvertida e envolve matéria constitucional relevante do ponto de vista econômico, político, social e jurídico, ultrapassando os interesses subjetivos da causa, por isso merece reflexão do STF. “A questão posta à apreciação deste Supremo Tribunal Federal é eminentemente constitucional, uma vez que o tribunal a quo afastou a tipicidade do jogo de azar lastreado em preceitos constitucionais relativos à livre iniciativa e às liberdades fundamentais, previstos nos artigos 1º, inciso IV; 5º, inciso XLI; e 170 da Constituição Federal”, afirmou. O ministro ressaltou que todas as Turmas Recursais Criminais do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul têm entendido no mesmo sentido, fazendo com que no Rio Grande do Sul a prática do jogo de azar não seja mais considerada contravenção penal. “Assim, entendo por incontestável a relevância do tema a exigir o reconhecimento de sua repercussão geral”, asseverou Fux.
Segundo o artigo 50 da Lei das Contravenções Penais, estabelecer ou explorar jogo de azar em lugar público ou acessível ao público, mediante o pagamento de entrada ou sem ele, é contravenção penal sujeita à pena de prisão simples, de três meses a um ano, e multa. Em 2015 uma nova lei (Lei 13.155/2015) atualizou o valor da multa – que “de dois a 15 contos de réis” – para R$ 2 mil a R$ 200 mil para quem é encontrado participando do jogo, ainda que pela internet ou por qualquer outro meio de comunicação, como ponteiro ou apostador.
VP/FB
A decisão de afetação está assim ementada:
EMENTA: RECURSO EXTRAORDINÁRIO. CONTRAVENÇÃO PENAL. ARTIGO 50 DO DECRETO-LEI 3.688/1941. JOGO DE AZAR. RECEPÇÃO PELA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. TIPICIDADE DA CONDUTA AFASTADA PELO TRIBUNAL A QUO FUNDADO NOS PRECEITOS CONSTITUCIONAIS DA LIVRE INICIATIVA E DAS LIBERDADES FUNDAMENTAIS. ARTIGOS 1º, IV, 5º, XLI, E 170 DA CONSTITUIÇÃO FEDERAL. QUESTÃO RELEVANTE DO PONTO DE VISTA ECONÔMICO, POLÍTICO, SOCIAL E JURÍDICO. TRANSCENDÊNCIA DE INTERESSES. RECONHECIDA A EXISTÊNCIA DE REPERCUSSÃO GERAL.
Seguindo, as alegações da área técnica do Ministério do Meio Ambiente de que o art. 30 da Lei nº 9.985/2000 e o Decreto nº 4.340/2002 apenas permitem a gestão compartilhada da política do SNUC com as OSCIPs também não se sustentam, pois, igualmente, a lei ordinária pode perfeitamente alterar este ponto, criando mais um parceiro da administração ambiental. Na verdade, a inclusão de uma sociedade empresária neste contexto - pessoa que, conceitualmente, tem por finalidade o lucro - deve ser discutida como uma opção de política ambiental, até que algum parâmetro superior, constitucional ou convencional, seja evidenciado como capaz de obstar uma das opções, o que não foi sequer minimamente encontrado. In casu, a área técnica destacou 2 pontos que podem ser prejudiciais ao meio ambiente e, nestes termos, capazes de objetar a proposta com fulcro nos princípios constitucionais do direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado como um direito fundamental e o princípio da obrigatoriedade da intervenção do Poder Público[7] ou princípio da natureza pública da proteção ambiental[8], na medida em que o Estado deve editar leis eficazes que protejam o meio ambiente. Vejamos.
A primeira alegação da área técnica de prejuízo à questão ambiental é no sentido "da possibilidade de que a finalidade rentável destes empreendimentos implica, em determinados momentos, a sua sobreposição em relação aos interesses de manutenção de uma UC ambientalmente equilibrada" [9]. De fato, é de sabença prosaica que a atividade empresarial pode resultar na degradação ambiental e que suas externalidades, se não forem internalizadas na atividade econômica, gerará uma privatização dos lucros e socialização do prejuízo, em evidente afronta ao ordenamento jurídico e o aspecto preventivo do Direito Ambiental aqui torna-se ainda mais candente. Contudo, como a atividade a ser desenvolvida é um "hotel-cassino", empreendimento em que os riscos ambientais são conhecidos, o instituto do licenciamento ambiental somado a uma fiscalização efetiva teriam o condão de afastar a preocupação da área técnica. Do contrário, qualquer atividade econômica em que os riscos são conhecidos não poderiam operar no mercado, pois sempre há o risco da degradação ambiental e o lucro é ínsito à lógica capitalista. A área técnica, neste ponto, não afirmou, com forte convicção e exaustiva fundamentação, que há um risco demasiado grande de prejuízo ambiental ou mesmo uma ameaça mais significante que aquela inerente a um empreendimento do tipo "hotel".
A preocupação com o licenciamento já foi prevista também na justificação do PLS, textus:
(...) Evidente que no ato de implantação do empreendimento, durante o licenciamento ambiental, o órgão competente determinará as condições ambientais a serem respeitadas, considerando-se o plano de manejo da unidade, de modo a minimizar os eventuais impactos ambientais negativos que a construção de hotéis-cassino poderia causar à unidade de conservação.
Já a preocupação com a fiscalização também não foi ignorada na referida justificação:
Por outro lado, a proximidade dos empreendimentos com as UCs tem a intenção de estimular e facilitar a gestão privada das unidades pelos operadores dos hotéis-cassino, deixando ao agente público ligado ao órgão gestor do Sistema Nacional de Unidades de Conservação a obrigação de fiscalizar a execução do Plano de Recuperação e Preservação Ambiental da unidade de conservação previsto no artigo 5º do Projeto de Lei.
A segunda alegação é no sentido de que o perfil do público de hotéis-cassino, ainda que nas proximidades de áreas protegidas, "tende a divergir" dos visitantes que procuram atividades de ecoturismo nas UCs. Sobre o ponto, a mens legislatoris (vontade do legislador) não é no sentido de atrair aos hotéis-cassino aqueles que já exercem o ecoturismo, mas sim o contrário, fazer com que jogadores, sobretudo turistas, atraídos pelo empreendimento, terminem por conhecer e valorizar a questão ambiental. Eis como o ponto é enfrentado pela justificação parlamentar, in litteris:
Por outro lado, apesar de permitida a visitação em muitas unidades de conservação nacionais, a falta de infraestrutura para o turismo faz com que o potencial turístico de muitas regiões, principalmente no Norte, seja subexplorado. A construção de hotéis-cassino, obrigatoriamente em áreas próximas às unidades de conservação, forneceria espaço necessário para acomodação de turistas e intensificaria seu contato com a biodiversidade presente na unidade de conservação. (...)
(...)
Quanto maior o conhecimento do patrimônio ambiental brasileiro, maior será o interesse dos cidadãos em sua preservação. Por isso, é premente que a sociedade e os turistas estejam em contato com as unidades de conservação em que seja admitida a visitação pública. Ao mesmo tempo, é necessária a manutenção da devida distância entre os aglomerados populacionais e as unidades de conservação em que não é permitida a visitação para fins de ecoturismo, como nas Estações Ecológicas e nas Reservas Biológicas. Sob essa preocupação, a proposição exclui a possibilidade de implantação de hotéis-cassino nas proximidades dessas áreas protegidas.
Assim, pelo fundamentado, a proposta não pretende apenas fazer com que ecoturistas tornem-se consumidores de hotéis-cassino e jogos de azar, mas sim o reverso, que a questão ambiental seja aproximada deste tipo de empreendimento.
Seguindo, quanto à CIDE Verde prevista no PLS, não há dúvidas quanto à viabilidade da utilização da extrafiscalidade da tributação como uma aliada à conservação, defesa e preservação ambiental. In casu, abstraídas as questões propriamente tributárias (fato gerador, alíquota, base de cálculo, etc) da exação idealizada, sua vinculação ao financiamento de arranjos de pagamentos por serviços ambientais traz recursos a um direito fundamental que, como todos os demais, possui um custo para o Poder Público e a sociedade.
Noutro flanco, resta muito claro que a junção da questão dos hotéis-cassino com a temática ambiental apenas terá lugar depois que houver uma discussão, de cunho prejudicial, sobre se é benéfico ou maléfico à sociedade a liberação dos jogos de azar por meio de hotéis-cassino, ainda que incrustados no contexto do SNUC. Assim, até que a área técnica demonstre que os hotéis-cassino são prejudiciais ao meio ambiente no sentido de que geram um risco demasiado grande de prejuízo ambiental ou mesmo uma ameaça mais significante que aquela inerente a um empreendimento do tipo "hotel", ou mesmo comprove que é tecnicamente inviável, do ponto de vista ambiental, que um hotel-cassino opere em espaços territoriais a serem especialmente protegidos mesmo com a previsão de licenciamento ambiental - o que poderia gerar uma violação ao art. 225, §1º, III da CRFB/88 - e as disposições do próprio PLS (como licenciamento e vedação de proximidade de certas UCs), não há óbice jurídico ao prosseguimento da proposta legislativa.
3. Conclusão
À luz do exposto, conclui-se pela ausência de óbice jurídico à redação originária do PLS 595/2015, no que tange ao aspecto estritamente ambiental da proposta.
4. Referências
[1] Íntegra disponível em <<http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=577649&disposition=inline>>. Acesso em 26 dez. 2017.
[2] Justificação apresentada com o PLS. Disponível em <<http://legis.senado.leg.br/sdleg-getter/documento?dm=577649&disposition=inline>>. Acesso em 26 dez. 2017.
[3] MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Reim., Coimbra Ed., 1996, p.77.
[4] MEDEIROS, Rui. A Decisão de inconstitucionalidade. Lisboa: Universidade Católica Ed., 1999, p.168.
[5]MIRANDA, Jorge. Contributo para uma teoria da inconstitucionalidade. Reim., Coimbra Ed., 1996, p.11.
[6] Notícia disponibilizada em <<http://www.stf.jus.br/portal/cms/verNoticiaDetalhe.asp?idConteudo=329938>>. Acesso em 26 Dez. 2017.
[7]MACHADO, Paulo Afonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 21ª ed. São Paulo: Malheiros. 2013
[8]MILARÉ, Édis. Direito do Ambiente. 4ª ed. São Paulo: RT, 2005.
Advogado da União atuante na Coordenação-Geral de Matéria Finalística da Consultoria Jurídica junto ao Ministério do Meio Ambiente - CONJUR/MMA. "Advogado Referência em Licenciamento Ambiental e Legislação Florestal". Ex-Coordenador-Geral de Assuntos Jurídicos da CONJUR/MMA. Membro do Núcleo Especializado Sustentabilidade, Licitações e Contratos da Consultoria-Geral da União - NESLIC/CGU/AGU. Especialista em Direito Constitucional. Especialista em Direito Administrativo. Bacharel em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba - UFPB. Professor de Direito Constitucional, Administrativo e Civil da Faculdade Asper/PB. Ex-Assessor de Juiz no Tribunal de Justiça do Estado da Paraíba. Ex-Técnico Judiciário/Área Judiciária do TJPB; Ex-sócio do Escritório de Advocacia - Cleanto Gomes & Advogados Associados (João Pessoa/Paraíba).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MEDEIROS, Olavo Moura Travassos de. A Junção dos Hoteis-Cassino à política ambiental brasileira: juridicidade do Projeto de Lei do Senado nº 595/2015 sob o prisma do Direito Ambiental Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 fev 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51342/a-juncao-dos-hoteis-cassino-a-politica-ambiental-brasileira-juridicidade-do-projeto-de-lei-do-senado-no-595-2015-sob-o-prisma-do-direito-ambiental. Acesso em: 23 dez 2024.
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Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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