RESUMO: O presente trabalho se trata, primeiramente, de um estudo sobre a morte no campo filosófico, jurídico e ético, abordando seus conceitos e sua ocorrência em nossa sociedade. Estudou-se também as formas de morte digna, divididas em eutanásia, ortotanásia e o suicídio assistido, sendo abordado também, a distanásia. Por fim, estudou-se os princípios constitucionais e dos direitos fundamentais que permitem a possibilidade da mote digna, como direito fundamental de um Estado Democrático de Direito.
PALAVRAS-CHAVE: Morte Digna; Eutanásia; Ortotanásia; Suicídio Assistido; Distanásia; Direito à Liberdade; Dignidade da Pessoa Humana.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. A morte em seus aspectos filosóficos, biológicos e jurídicos – 3. Formas de morte digna; 3.1. Eutanásia; 3.2. Distanásia; 3.3. Ortotanásia; 3.4. Suicídio Assistido – 4. O direito de morrer fundamentado nos princípios constitucionais; 4.1. Vida: direito ou dever?; 4.2. Direito à liberdade e o princípio da autonomia; 4.3. A dignidade da pessoa humana e o direito de morrer – 5. Conclusão – 6. Referências bibliográficas.
1 INTRODUÇÃO
Nunca se discutiu tanto sobre a dignidade da pessoa humana no direito Brasileiro como nos dias atuais, pois, em todos os congressos, palestras e simpósios, há sempre um autor ou um professor discutindo sobre tal fundamento do Estado Democrático de Direito. E não é para menos, estamos ainda em construção de um entendimento seguro sobre os dispositivos legais estampados em nossa Constituição Federal, pois tal legislação maior ainda é recente, em comparação com outros países que já consolidaram entendimentos e criaram legislações infraconstitucionais adequadas.
Uma das discussões que ainda tiram o sono de muitos estudiosos do direito é a ponderação de princípios constitucionais, pois não se pode negar a validade de um princípio sobre outro, como se faz com as regras, devendo ser encontrado um consenso entre tais princípios.
Mas, apesar disso, todas as discussões devem ser sempre em consonância com o Princípio fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, sendo que tal princípio é um embasamento do neoconstitucionalismo, devendo todas as interpretações constitucionais e infraconstitucionais respeitar tais preceitos.
E é com base em tal Princípio fundamental que se destaca o direito à morte digna, atrelado também aos direitos fundamentais da vida digna e à liberdade, devendo ser estudado cada caso, com a finalidade de se analisar a possibilidade da pessoa morrer ou viver.
Diante disso, discute-se a introdução e a legalização do direito às formas de morte digna, consistentes na eutanásia, ortotanásia e suicídio assistido, combatendo sempre a distanásia, por ferir gravemente os direitos e garantias fundamentais, além da dignidade da pessoa humana.
Assim, o direito de morrer dignamente deve ser discutido, posto que a morte faz parte de todo ser vivo, humano ou não, não devendo ser tratado simplesmente como um fato natural e sem controle, fazendo que, pessoas em estado grave de sofrimento, fiquem agonizando esperando lentamente o fim da vida.
2 A MORTE EM SEUS ASPECTOS FILOSÓFICOS, BIOLÓGICOS E JURÍDICOS
Mesmo com todos os avanços da sociedade, não somente na medicina, mas em todos os âmbitos das ciências biológicas e sociais, ainda assim o ser humano teme a morte. E digo mais, hoje a sociedade, aparentemente, teme mais a morte do que antigamente.
É dito isso por todas as experiências de vida familiar, pois quantas pessoas mais velhas já disseram a forma com que foram criados, no sítio, com poucos recursos higiênicos e alimentar; brincando no meio da terra com toda a sujeita possível; vivendo em casas de madeira sem forro, com poeira e insetos que apareciam normalmente todos os dias.
Hoje, vê-se a forma com que as crianças são criadas, praticamente em uma “redoma de vidro”, todas protegidas com a mais alta tecnologia contra bactérias, doenças e demais preocupações que, antigamente, nem se imaginava em ter. Vê-se mães lavando as roupas de suas crianças com álcool, alegando que somente o sabão não as desinfeta adequadamente. É visto também pais somente dando a seus filhos alimentos tecnicamente protegidos contra qualquer tipo de germes ou fungos, alegando que são mais benéficos à saúde.
E não é somente entre pais e filhos que esta forma de cuido é observada. A sociedade em geral hoje vive em um momento totalmente saudável, denominada por várias pessoas de “geração saúde”. Nunca se viu tantas pessoas recorrendo à medicina e a produtos fitoterápicos, com o fim de prolongar mais suas vidas.
Mas, será que esta nova geração está certa ou errada em pensar assim? Bom, isso é difícil de responder, pois cada pessoa, com seus entendimentos e suas crenças, são totalmente livres para pensar e agir, dentro da lei, da norma que quiser e que achar mais adequada.
A conclusão do que enfatizamos acima é que a sociedade em geral, mesmo com todas as evoluções, ainda teme a morte. Teme o que é imprevisto e desconhecido, pois não sabemos o que se tem após a morte, ou mesmo, se tem algo.
A morte é o destino inexorável de todos os seres vivos. No entanto, só o homem tem consciência da própria morte. Por se perceber finito, o homem aguarda com ansiedade o que poderá ocorrer após a morte. A crença na imortalidade, na vida depois da morte, simboliza bem a recusa da própria destruição e o anseio de eternidade. (ARANHA, 1993, p. 331).
Como já ouvimos tantas outras vezes, “nesta vida, a única certeza que temos é a morte”. Muitas vezes até dizemos este ditado, mas sem mesmo perceber o seu significado, ignorando e, muito menos, pensando na possibilidade de morrer, pois, se tivéssemos a certeza de que iríamos morrer momentos após dizer tal ditado, certamente não falaríamos da boca pra fora e cuidaríamos mais de nossas palavras.
No decorrer da história da filosofia, muitas vezes os pensadores trataram explicitamente a respeito da morte e da imortalidade da alma, mas essa questão está na raiz de toda filosofia e, mesmo quando não se discute diretamente sobre a morte, ela se situa no horizonte de toda reflexão filosófica. É nesse sentido que Platão afirma ser a filosofia uma meditação da morte, e Montaigne diz que “filosofar é aprender a morrer”. Pois se a filosofia é uma das formas da transcendência humana, pela qual refletimos a respeito de nossa existência e destino, a discussão sobre a morte não lhe pode ser estranha. (ARANHA, 1993, p. 332).
O medo da morte assola quase toda a sociedade, não somente de sua própria morte, mas principalmente a morte de seus entes queridos. É difícil aceitar a morte de um parente querido, principalmente a morte dos filhos, pais, avós, netos, etc, mesmo sabendo que ela é certa.
É uma obviedade afirmar que vivemos toda nossa vida à sombra da morte; também é verdade que morremos à sombra de toda nossa vida. O horror central da morte é o esquecimento – o absoluto e terrível colapso da luz. O esquecimento, porém, não é tudo; se assim fosse, as pessoas não se preocupariam tanto com a questão de suas vidas técnicas e biológicas terem ou não continuidade depois que se tornaram inconscientes e caíram no vazio, depois que a luz já morreu para sempre. A morte domina porque não é apenas o começo do nada, mas o fim de tudo, e o modo como pensamos e falamos sobre a morte – a ênfase que colocamos no “morrer com dignidade” – mostra como é importante que a vida termine apropriadamente, que a morte seja um reflexo do modo como desejamos ter vivido. (DWORKIN, 2009, p. 280).
Mas afinal o que é a morte? Hoje, com a possibilidade de transplantes, com a medicina muito avançada, vários autores entram em conflito sobre seu conceito atual. Nas palavras de, Hilário Veiga de Carvalho (apud CABETTE, 2013, p. 99/100), morte seria a “desintegração irreversível da personalidade em seus aspectos fundamentais morfofisiológicos, fazendo cessar a unidade biopsicológica com um todo funcional e orgânico, definidor daquela personalidade que assim se extinguiu”.
Na antiguidade grega, como não se tinha uma tecnologia de avaliação por outros meios, a morte era considerada com a parada da atividade cardíaca, pois pensava-se que o coração era o órgão mais importante do corpo humano. Após, na idade média, com a tradição judaico-cristã, a morte se dava com o fim da atividade respiratória. (DIAS, 2012).
Mas foi somente em 1799 que surgiu o conceito científico de morte, elaborado por Marie François Xavier Bichat, fundador da anatomia geral e da histologia, definindo que a morte “é um processo cronológico que leva a uma catástrofe fisiológica”, resultando na denominação “trípode de Bichat”, pois a morte se dava com o “fim das funções vitais do organismo, sustentadas pelo coração, pulmão e o cérebro”. (CABETTE, 2013)
Já no século XX, com a grande evolução da medicina e de seus aparelhos que sustentavam a respiração e os batimentos cardíacos, começou-se a definir a morte com a parada do sistema nervoso central. Mas tal definição ainda não foi definitiva, pois tinha-se o problema de se constatar a morte somente com a parada de um dos órgão, por mais hierarquicamente relevante que fosse.
Começou-se então a discussão sobre o assunto, sendo que em 1968, a Associação Médica Mundial estabeleceu a Declaração de Sidney, determinando que havia a necessidade de se ter vários exames com instrumentos auxiliares para definir se a pessoa estava morta ou não, não bastando somente a morte encefálica. (FRANÇA, 2014).
Após o início de tal discussão, muitos autores, estudiosos e cientistas criaram inúmeras teses para definir o momento da morte, alguns falando que se dá com a morte encefálica, devendo ser atestado por um exame de eletroencefalograma; outros alegando que somente tal diagnóstico da atividade cerebral não basta para atestar a morte de uma pessoa.
No momento atual, as Universidades de Minnesota e Pittsburg (EUA), bem como, a Conferência do Royal College e da Faculdade de Medicina do Reino Unido, estabeleceram os seguintes critérios para atestar a morte de uma pessoa: coma profundo indiferente aos estímulos externos; ausência dos reflexos fotomotor, corneanos, óculo-cefálido e vestíbulo-ocular; hipotonia muscular; rigidez de descerebração; ausência de respiração espontânea; e silencia elétrico persistente da atividade cerebral. E como meios opcionais, dependendo do caso, o médico pode usar a angiografia e a cintilografia cerebral. (FRANÇA, 2014).
No Brasil, a Lei nº 9.343/1997, denominada Lei de Transplantes, dispõe em seu artigo 3º, §1º[1], que a morte da pessoa se dá com a morte encefálica. Além de tal dispositivo legal, temos também a Resolução do Conselho Federal de Medicina nº 1.480/1997, que dispõe que a morte se dá com a parada total e irreversível das funções encefálicas, estabelecendo vários critérios para sua aferição, como os do artigo 4º: “Os parâmetros clínicos a serem observados para constatação de morte encefálica são: coma aperceptivo com ausência de atividade motora supra-espinal e apnéia.”
Sobre o assunto, brilhante apontamento expõe França (2014, p. 571):
A oposição aos critérios exclusivamente cerebrais é fundamentada no princípio de que, sendo a vida a harmonia da unidade biopsíquica em seu aspecto funcional e orgânico, a morte será sempre o comprometimento das funções vitais, por um tempo razoável que não deixe dúvidas quanto à permanência de vida. O traçado isoelétrico do cérebro não deve constituir, por si só, elemento decisivo para o diagnóstico de morte, pois, em diversas ocasiões como foram observadas, pode ser transitório. Por isso, o conceito de morte deve ser inserido dentro de um contexto clínico-instrumental que não deixe nenhuma dúvida.
Tal definição é muito importante no âmbito jurídico, principalmente para a proteção dos médicos e seus auxiliares, que poderão sofre processos criminais e civis, se atestarem a morte de uma pessoa de forma incorreta.
E vendo tais determinações legais acima citadas, verificamos que, ainda assim, com o fim da atividade cerebral, aparelhos modernos podem manter o paciente em um estado de respiração, batimentos cardíacos, sistema digestivo e urinário em funcionamento forçado. Diante disto, se um médico ou um assistente desliga tais aparelhos, depois de fazer todos os exames, estará isento de qualquer responsabilidade, pois não cometeu qualquer ato ilícito, principalmente pelo disposto no artigo 17 do Código Penal, intitulado de crime impossível, pelo fato da pessoa já está legalmente morta.
Assim, diante destas concepções sobre a morte e o seu momento legal de diagnóstico, é necessário se fazer um estudo sobre as formas de retirada da vida de pessoas que estão com algum tipo de problema ou doença, que desejam a morte, para depois analisarmos as possibilidades que nossa Carta Magna nos dá, quanto a concepção de morte digna.
3 FORMAS DE MORTE DIGNA
A discussão sobre tais formas sempre foram objetos de reflexão em nossa sociedade, pois envolvem motivos legais, éticos e até mesmo religiosos. Mas nos dias atuais tais discussões estão se tornando cada vez mais frequentes, principalmente em um campo filosófico pós-positivista, influenciado também pelo chamado neoconstitucionalismo, onde a dignidade da pessoa humana está se tornando a base para todos os demais direitos e garantias constitucionais.
Além do mais, com o grande avanço da medicina nos últimos anos, com o aumento da eficácia e a segurança das novas modalidades terapêuticas, possibilitando o salvamento de muitas vidas que antes eram consideradas quase inexistentes, questiona-se ainda mais os “aspectos econômicos, éticos e legais resultantes do emprego exagerado de tais medidas e das possíveis indicações inadequadas de sua aplicação” (FRANÇA, 2014, p.532).
Sobre isso, muitas pessoas e estudiosos têm fundamentado o direito de morrer como um direito fundamental do ser humano, sendo a eutanásia, a ortotanásia e o suicídio assistido, formas humanas de exercer este direito de morrer com dignidade.
3.1 Eutanásia
O termo eutanásia, denominado também por outros doutrinadores como ‘boa morte’, ‘morte suave’ ou ‘morte sem dor ou sofrimento’, é derivado do grego, da junção de eu (boa) e thanatos (morte), sendo que deve ser entendido como o ato de retirar piedosamente a vida de uma pessoa que está sofrendo muito por uma doença incurável.
Em outras palavras, eutanásia é um termo utilizado para “designar o ato de provocar a morte por compaixão no que tange a um doente incurável, pondo fim aos seus sofrimentos, ou em relação a um recém-nascido gravemente malformado cuja qualidade de vida seria bastante comprometida” (VIEIRA, 1999, p. 80).
Quanto a origem do termo eutanásia, é válido citar o estudo de Cabette (2013, p.19):
Alega-se que o termo eutanásia foi originalmente proposto por Francis Bacon no ano de 1623 no bojo da obra de sua autoria intitulada Historia vitae et mortis. Não obstante, há quem defenda a tese de que a origem do termo é ainda mais antiga, encontrando-se no pensamento estóico. Cícero (106 – 43 a. C.), na Carta a Ático, já teria empregado a palavra eutanásia como designativa de “morte digna, honesta e gloriosa”. Noticia-se ainda o uso do vocábulo desde a época do Imperador Augusto, sendo também utilizada pelo historiador romano Suetônio. Finalmente, Sêneca, na Epístola a Lucílio (Carta 77), também teria usado a palavra para referir-se à “arte da boa ou doce morte”.
Diante disso, verifica-se que a eutanásia tem como fundamento a piedade e a compaixão com a pessoa acometida por uma doença incurável, que lhe causa muita dor e sofrimento, diferenciando do simples homicídio, que é a vontade simplesmente de retirar a vida da outra pessoa.
Em um aspecto mais doutrinário, verifica-se que a eutanásia se divide em várias espécies e classificações, que serão objetos de estudo à seguir.
Em um primeiro plano, a eutanásia se divide em ativa e passiva. A eutanásia ativa é a eutanásia por ação (comissão), ou seja, “é aquela que se pratica através de atos que ajudam o doente a morrer, buscando com isso aliviar ou eliminar seu sofrimento.” (CABETTE, 2013, p. 23). Esta, por sua vez, se subdivide em eutanásia ativa direta e indireta. A direta é o ato de encurtar a vida da pessoa que esta sofrendo por meio de condutas ativas. Já a indireta é aquela em que não se objetiva diretamente a morte, mas sim um tratamento de redução da dor da pessoa em estado terminal, sendo que a consequência deste tratamento é a retirada da vida. Já a eutanásia passiva é a eutanásia por omissão, ou seja, é a supressão ou interrupção dos cuidados médicos básicos, que oferecem o suporte indispensável à manutenção da vida. (LOPES, 2014).
Exemplificando, a eutanásia por ação seria aquela em que uma pessoa, tomada por compaixão, pois é um requisito para diferenciar a eutanásia do homicídio, atuaria de modo incisivo para a morte de uma pessoa que estaria em um estado de agonia e sofrimento, sendo que a direta poderia ser uma injeção legal, enquanto que a indireta, seria uma injeção de alguma substância analgésica, que levaria a pessoa à morte sem grave sofrimento. Já a eutanásia passiva, seria o ato de se omitir, ou seja, de não fazer algo que deveria, com a finalidade, também, de retirar a vida da pessoa que está agonizando.
Além das duas grandes e principais classificações, temos também outras classificações, com bem explica Luciano de Freitas Santoro (apud LOPES, 2014, p. 57):
Observa-se que a classificação doutrinária de eutanásia em eugênica (aquela que visa ao aprimoramento da raça), em criminal (a eliminar indivíduos considerados socialmente perigosos), em econômico (a eliminar pessoas consideradas inúteis e que acarretam elevado custo econômico assistencial), em experimental (a eliminar pessoas com o fim de realizar experiências científicas) e em solidária (a eliminar pessoas com doença incurável com o objetivo de utilizar seus tecidos e órgãos para transplante em outro doente que apresente melhores chances de sobrevida).
Sobre tais classificações acima citadas, observamos que não se trata especificamente de eutanásia humanitária, mas sim de homicídio, tendo em vista que a motivação de todas elas carece do principal requisito, que é a compaixão ou a piedade, conforme visto no conceito acima estudado.
Ademais, fala-se também em outras classificações de menor relevância propostas pela doutrina como eutanásia voluntária ou involuntária (faz referência à vontade do paciente); verdadeira ou pseudo-eutanásia (praticada por médicos ou não médicos); agônica (morte de um paciente terminal inconsciente, sem sofrimento); lenitiva (que se procura aliviar o sofrimento ou doença incurável); estóica (que tem por finalidade tirar a vida para aliviar os tormentos terrenos e a fuga contra todas as dores e sofrimento); etária ou morte branca (diz respeito a uma obrigação sagrada do filho retirar a vida dos pais); coletiva (retirar a vida de várias pessoas sob o fundamento de uma finalidade pública); teológica (mor motivos religiosos); narcotanásia (morte onde o doente é mantido sob efeito constante de anestésicos, perdendo precocemente sua vida); e a mistanásia (que seria a morte por abandono social, econômico, sanitário, higiênico, educacional, de saúde e segurança a que se encontram submetidas grandes parcelas das populações do mundo). (CABETTE, 2013).
Assim, a eutanásia, apesar das várias formas de classificação acima descritas, é considerada a retirada precoce da vida, calcada na compaixão, frente a um paciente com alguma anomalia incurável e com sofrimento insuportável.
Do ponto de vista criminal, a eutanásia é considerada um homicídio privilegiado, tipificado no artigo 121, §1º, do Código Penal, tendo em vista que a motivação da retirada da vida da outra pessoa é por motivo de relevante valor moral, ou seja, “é aquele cujo conteúdo releva-se em conformidade com os princípios éticos dominantes em uma determinada sociedade. Ou seja, são os motivos nobres e altruístas, havidos como merecedores de indulgência.” (PRADO, 2010, p.48).
No projeto do novo Código Penal (PLS nº 236/2012), traz no seu artigo 122 o crime de Eutanásia, descrito na seguinte forma:
Art. 122. Matar, por piedade ou compaixão, paciente em estado terminal, imputável e maior, a seu pedido, para abreviar-lhe sofrimento físico insuportável em razão de doença grave:
Pena – prisão, de dois a quatro anos.
§1º O juiz deixará de aplicar a pena avaliando as circunstâncias do caso, bem como a relação de parentesco ou estreitos laços de afeição do agente com a vítima.
Conforme se verifica no projeto, a tendência é de se criar um tipo específico para o fato de matar alguém por piedade ou compaixão, sendo que terá uma pena menor do que a atual, que é de 06 a 20 anos, com diminuição de 1/6 a 1/3 de tal penal.
Mas o mais interessante é o fato de possibilitar o perdão judicial, conforme dispõe o §1º acima citado, onde o juiz poderá deixar de aplicar a pena, levando em consideração as circunstâncias específicas do caso, bem como, a relação de parentesco e estreitos laços de afeição.
É um grande progresso para a nossa norma em geral, pois a eutanásia estará sendo aceita de alguma forma. Apesar de ser considerada crime, o agente que a cometer poderá ter sua pena perdoada no final do processo, por uma declaração judicial, satisfazendo assim as duas vertentes que discutem sobre a legalidade ou não da eutanásia.
Quanto aos aspectos de responsabilização do médico, por previsão do seu Código de Ética (Resolução nº 1.931/2009), a eutanásia é vedada, pois o artigo 41 estabelece o seguinte: “É vedado ao médico: Abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal.”
Ademais, sobre a responsabilização do médico, é válido informar a posição de França (2013, p. 539):
A eutanásia, mesmo com o enfemismo de sanidicídio ou benemortásia, não pode deixar de merecer a devida censura, tenha o médico o consentimento dos familiares do paciente (eutanásia involuntária), ou se agiu a pedido do próprio paciente induzindo-o ou fornecendo meios para o chamado suicídio assistido (eutanásia voluntária).
E continua tal autor:
Assim, fica claro que o médico não pode nem deve, de forma alguma e em nenhuma circunstância, contribuir ativamente para a morte do paciente, pois isso se contrapõe ao seu compromisso profissional e a sua formação moral. O médico, amparado na sua tradição e no seu Código de Ética, fundamenta tal posição nos ditames que lhe vedam “utilizar em qualquer caso meios destinados a abreviar a vida do paciente, ainda que a pedido deste ou de seu representante legal”. Orienta-se no princípio que deve empregar o melhor do seu esforço e da sua ciência no sentido de “promover a vida humana e jamais utilizar seus recursos para promover a morte”. É inaceitável qualquer forma de eutanásia, tal qual nós entendemos, sempre que se possa ter o mesmo resultado – não sofrimento –, mantendo o respeito pela vida do paciente. Não é justo também que, por razões utilitaristas, alguém venha privar um moribundo dos chamados procedimentos primários, ainda que de certa forma paliativos. Também deve ser registrado que entre a ação e a omissão existe apenas um vácuo filosófico, mas a intenção do resultado é a mesma. (FRANÇA, 2013, p. 539/540).
Muitos são os autores que contrariam tal entendimento e questionam o Código de Ética Médica, alegando que o médico poderia sim fazer a eutanásia, especialmente a eutanásia ativa indireta, fundamentando que tal ato não seria nem mesmo criminoso.
Situação diversa é a da eutanásia ativa indireta, cuja consequência jurídica merece outra resposta de nossa legislação penal, razão pela qual sua prática não merece qualquer reprovação. Como já mencionado, na eutanásia ativa indireta a utilização de fármacos necessários para aliviar o sofrimento do paciente acaba por catalisar a sua morte. Porém, não se pode exigir do médico outra atitude, já que, em face do princípio bioético da beneficência, deve-se fazer o bem ao seu paciente. É desumano e degradante permitir que alguém seja submetido a intenso sofrimento quando existem meios que lhe possibilitam ter o mínimo de dignidade. (SANTORO, apud, LOPES, 2014, p. 93).
Diante disso, tais autores que são a favor da eutanásia ativa indireta, fundamentam que a conduta médica não seria criminosa, pois estariam amparados na excludente de culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa, ou seja, para aquele caso, não haveria a possibilidade de outra conduta.
E em um outro fundamento, Capez (2004, p. 34) relata a possibilidade de não punir a eutanásia omissiva (passiva), sob o fundamento de que “em situações extremas, não há bem jurídico a ser tutelado, já que a vida só existe do ponto de vista legal, mas em nada se assemelha aos padrões mínimos de uma existência digna, dado que a pessoa está apenas vegetando.”
Apesar de todos estes apontamentos, hoje tal situação está longe de ser resolvida, pois nossa legislação ainda prevê que a eutanásia passiva e ativa, tanto direta, como indireta, ainda é considerada crime, antiética e antirreligiosa, sendo punida por nosso ordenamento jurídico, pelos conselhos de medicina e pela grande maioria das religiões, fato este que dificultam de se modificar o pensamento atual.
3.2 Distanásia
A distanásia, termo um pouco menos conhecido que a eutanásia, não se trata de uma forma de retirada da vida ou antecipação da morte, mas sim uma forma de prolongamento da vida, totalmente desnecessária, que, na práxis, causa muita dor, não só ao paciente, mas principalmente aos familiares.
De forma etimológica, o termo distanásia “deriva do grego dis (afastamento) e thánatos (morte), consistindo, portanto “no emprego de recursos médicos com o objetivo de prolongar ao máximo possível a vida humana”” (CABETTE, 2013, p. 26).
Em outras palavras, a distanásia se trata de uma “morte vagarosa e sofrida de um ser humano, prolongada pelos recursos oferecidos pela medicina.” (MASSON, 2011. p. 23).
Hoje, com os avanços na medicina, temos muitos meios de manter uma pessoa com algum tipo de atividade corporal em funcionamento, mesmo sem qualquer atividade cerebral, como no caso de aparelhos que auxiliam na respiração e batimentos cardíacos.
Com isso, em muitos casos, se um médico quiser, ele pode prolongar as atividades corporais de uma pessoa por horas, dias e, até, por meses. E isso, com certeza, levaria a um tratamento desumano, pois impediria a morte digna da pessoa, bem como, faria com que os familiares sofressem de forma desnecessária.
Apesar de não haver uma definição absoluta para a distanásia, ela caracteriza-se pela adoção de medidas terapêuticas excessivas e que não direcionam para a cura, mas para o sofrimento do paciente. Trata-se de o médico adotar medidas fúteis e desproporcionais que configuram tratamento desumano e degradante, por permitir o prolongamento da vida exclusivamente em temos quantitativos e não qualitativos. Cuida-se de procedimento que ofende a dignidade da pessoa humana, fundamento do Estado Democrático de Direito brasileiro. (LOPES, 2014, p. 61).
Assim, a distanásia, por ferir a dignidade da pessoa humana, deve ser totalmente rechaçada e combatida por nosso Ordenamento Jurídico, pois afeta toda a sociedade.
Ademais, o próprio Código de Ética Médica, no seu Capítulo I, que cuida dos Princípios Fundamentais, proclamou no inciso XXII que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará sob sua atenção todos os cuidados apropriados.” Além do mais, no parágrafo único do artigo 41 do mesmo estatuto legal, prevê que nos “casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
Ocorre que, em muitos casos, vemos que alguns médicos e auxiliares utilizam-se da distanásia como forma de arrecadar mais honorários e ganhos, pois, quanto mais dias o paciente ficar internado, mais gastos com remédios e internamentos seus familiares ou o estado terão que dispor.
Além de contrariar várias normas éticas, a distanásia também pode ser considerada, em nosso entendimento, como crime de constrangimento ilegal, tipificado no artigo 146[2] do Código Penal, tendo em vista que obriga o paciente e seus familiares a fazer algo que a lei não determina, podendo, dependendo da intenção, caracterizar até outros crimes.
Ademais, por se tratar de grave infração aos direitos humanos, os atos consistentes em distanásia também devem ser julgados pelas Cortes Internacionais de Direitos Humanos, punindo os países que a aceitarem.
Por fim, a distanásia, ao nosso ver, deveria ser gravemente punida, pois se trata de uma violação da dignidade da pessoa humana, princípio basilar de um estado democrático de direito, sendo que, além de prejudicar o paciente e seus familiares, prejudica a sociedade em geral, que fica receosa de poder ser a próxima vítima de tal ato.
3.3 Ortotanásia:
Também como uma das formas de abreviação da vida, temos a ortotanásia, que em muitos países vem sendo aceita legalmente, sendo que tal aceitação está sendo amplamente discutida no direito brasileiro.
O termo ortotanásia, de forma etimológica, “advém do grego orthós (normal, correta) e thánatos (morte), designando, portanto, a “morte natural ou correta” (CABETTE, 2013, p. 24/25). Tal termo é bem parecido com a eutanásia, mas não podemos confundi-los, pois são formas de morte que merecem um tratamento jurídico e ético diverso.
Alguns doutrinadores escrevem que a ortotanásia é uma das formas de eutanásia, chamando-a de “eutanásia omissiva, eutanásia moral ou terapêutica” (NUCCI, 2013, p. 638). Mas de uma abordagem técnica, tal conceito é errado, pois a eutanásia, em todas as suas classificações, são formas de abreviar a vida do paciente, podendo o agente agir com ação ou omissão. Já a ortotanásia não é uma forma de abreviação, mas sim uma forma correta de morrer.
Nas palavras de Lopes (2014, p. 58):
A eutanásia passiva não se confunde com a ortotanásia. Enquanto nesta a causa do evento morte já se iniciou, e por isso a morte é inevitável e iminente, na eutanásia passiva a omissão é a causadora do resultado morte. Na eutanásia passiva, omitem-se ou suspendem-se procedimentos indicados e proporcionais e que poderiam beneficiar o paciente, tais como os cuidados paliativos ordinários e proporcionais. Já na ortotanásia, suspendem-se os procedimentos considerados extraordinários e desproporcionais, diante da inevitável e iminente morte.
Em outras palavras, a principal diferença entre a eutanásia passiva e a ortotanásia seria no momento da omissão, pois na eutanásia, a sua omissão seria a causadora da morte da pessoa. Já na ortotanásia, tal omissão não seria a causa da morte, tendo em vista que a morte já era certa, sendo que a omissão somente abreviou tal fato, diante da ineficiência dos possíveis procedimentos médicos existentes.
Frente a esta diferenciação, que já foi uma forma de conceituar a ortotanásia, estudando tal procedimento, verificamos que a “ortotanásia consiste na ‘morte a seu tempo’, sem abreviação do período vital (eutanásia) nem prolongamentos irracionais do processo de morrer (distanásia)” (CABETTE, 2013, p. 25).
Nas palavras de Luciano de Freitas Santoro (apud, LOPES, 2014, p. 59), a ortotanásia:
“é o comportamento do médico que, frente a uma morte iminente e inevitável, suspende a realização de atos para prolongar a vida do paciente, que o levariam a um tratamento inútil e a um sofrimento desnecessário, e passa a emprestar-lhe os cuidados paliativos adequados para que venha a falecer com dignidade”. Para o autor, faz-se também necessário o consentimento do paciente ou, quando impossibilitado, de seus familiares.
Assim, não se trata de agir ou deixar de agir para causar a morte de alguém (eutanásia), muito menos, utilizar-se de tratamentos extraordinários, desproporcionais e fúteis para manter a vida vegetativa (distanásia); mas sim, humanizar o processo de morrer, sem prolongamentos desproporcionais, bem como, sem sofrimento para o doente e seus familiares.
Diante disso, a ortotanásia se enquadra como um intermédio entre a eutanásia e distanásia. Nas palavras de Juan Masiá (apud, LOPES, 2014, p. 61/62):
... deve ser encontrado um meio-termo entre acelerar a morte pela conduta eutanásica e adotar a obstinação terapêutica, ou seja, sem desistir antes do tempo, mas também, sem submeter a pessoa a um encarniçamento terapêutico. Não se trata de simples supressão do tratamento. Não é apenas suprimir o tratamento que causa dor ao paciente e que busca de qualquer forma curá-lo, mas, ao contrário, é aceitar a condição e que é um ser humano, de que a morte é algo natural e próprio desse ser, e passar a se empregar outro tratamento, propiciando-lhe alívio em suas dores e sofrimento.
Finalizando a conceituação da ortotanásia, interessante apontamento faz França (2013, p. 535), dizendo que é a “suspensão de meios medicamentosos ou artificiais de vida de um paciente em coma irreversível e considerado em “morte encefálica”, quando há grave comprometimento da coordenação da vida vegetativa e da vida de relação”.
Assim, a ortotanásia é uma das formas mais humanitárias de morte digna, pois propicia ao paciente uma morte sem dor, bem como, aos familiares, o fim da angústia e do sentimento de pena de seu parente, perfazendo uma das formas da dignidade da pessoa humana.
Hoje, no nosso meio jurídico, pelos valores morais que estão em jogo, buscando evitar o sofrimento prolongado de alguém vitimado por doença grave, a ortotanásia ainda é considerada como o crime de homicídio privilegiado, igualmente a eutanásia, pois seria um homicídio por relevante valor moral, sendo que nosso direito penal não admite a construção de uma causa supralegal de exclusão da ilicitude fundada no consentimento do ofendido. (MASSON, 2011).
Mas tal entendimento não é o fim da esperança de uma melhora no nosso ordenamento jurídico, pois o projeto do novo Código Penal (PLS nº 236/2012), prevê a seguinte possibilidade no artigo 122, §2º:
“Não há crime quando o agente deixa de fazer uso de meios artificiais para manter a vida do paciente em caso de doença grave irreversível, e desde que essa circunstância esteja previamente atestada por dois médicos e haja consentimento do paciente, ou, na sua impossibilidade, de ascendente, descendente, cônjuge, companheiro ou irmão.
A respeito deste projeto de dispositivo legal, há de se observar uma grande vitória dos adeptos da ortotanásia, pois, se entrar em vigor, estaríamos diante de uma excludente de ilicitude, ou seja, a ortotanásia não seria mais considerada crime.
É claro que tal projeto de lei ainda está sendo discutido, mas o interessante é que, especificamente sobre tal artigo que se refere à ortotanásia, verifica-se que é passível uma pacificidade em aprova-lo, principalmente pela comissão que está estudando tal projeto, restando uma pequena resistência pela bancada dos parlamentares evangélicos.
No campo da ética médica, tem-se como fundamento a utilização da ortotanásia com os mesmos fundamentos acima expostos para distanásia, quais sejam, o disposto no Capítulo I, que cuida dos Princípios Fundamentais do Código de Ética Médica (Resolução nº 1.931/2009), que proclamou no inciso XXII que “nas situações clínicas irreversíveis e terminais, o médico evitará a realização de procedimentos diagnósticos e terapêuticos desnecessários e propiciará sob sua atenção todos os cuidados apropriados.” Além do mais, no parágrafo único do artigo 41 do mesmo estatuto legal, prevê que nos “casos de doença incurável e terminal, deve o médico oferecer todos os cuidados paliativos disponíveis sem empreender ações diagnósticas ou terapêuticas inúteis ou obstinadas, levando sempre em consideração a vontade expressa do paciente ou, na sua impossibilidade, a de seu representante legal”.
Sobre o assunto, é válido citar as ponderações de Lopes (2014, p. 89):
Na ortotanásia, o médico tem a possibilidade física de agir e os meios disponíveis para adotar a conduta que prolongará a vida do seu paciente. Entretanto, carecerá o médico de capacidade de motivação, já que a dignidade da pessoa humana impede transformar esse doente em mero objeto, submetendo-o a um tratamento fútil para lhe dar mais quantidade de vida, razão pela qual esse meio não poderá ser entendido como adequado para prolongar sua vida.
E continua tal autor:
Dessa forma, é clara a licitude da ortotanásia, posto que embora o médico deva assistir o seu paciente, não tem efetivamente o poder de salvá-lo. Nota-se que é necessária a indispensável capacidade de agir (requisito dos crimes omissivos impróprios), não havendo qualquer finalidade em simplesmente prolongar a sua vida quando a morte for iminente e inevitável, especialmente porque o meio utilizado não se mostra adequado por atentar contra a dignidade desse paciente, por meio de tratamento desumano e degradante. (LOPES, 2014, p. 90).
Além destes posicionamentos, é válido citar ainda os entendimentos da cúpula nacional do Conselho Federal de Medicina. Primeiramente, para Roberto D’Ávila, Diretor do CFM e um dos responsáveis pela redação do texto da Resolução nº 1.931/2009, em uma entrevista concedida pelo Jornal O Globo em 12 de novembro de 2006, foi dito que a ortotanásia não se trata de uma infração ética, sendo que o médico deve banir a prática fútil e a obstinação terapêutica. Disse ainda que os médicos devem se preocupar mais com seus pacientes, sempre objetivando a eliminação do sofrimento, mesmo que a morte seja certa, tratando a morte como algo natural e não como uma inimiga a ser combatida a qualquer custo. (CABETTE, 2013).
No mesmo sentido, manifestou perante o Jornal Nacional da Rede Globo de Televisão, em entrevista concedida em 12 de novembro de 2006, o Presidente do Conselho Federal de Medicina, Dr. Edson de Oliveira Andrade, tendo destacado que a medicina tem a finalidade de ajudar os seres humanos, não podendo ser arrogante a ponto de achar que pode superar os limites da natureza, sendo que o objetivo da Resolução nº 1.931/2009 é que nenhuma pessoa seja submetida a sofrimento desnecessário. (CABETTE, 2013).
Desta forma, como já informado acima, nem mesmo os médicos deverão ser punidos por praticarem a ortotanásia, de forma que, muito menos os familiares e pessoas próximas ao paciente poderão sofrer qualquer tipo de sanção, penal ou civil, pois todos estarão acobertados pelo princípio da dignidade da pessoa humana.
Assim, a ortotanásia, apesar de ainda ser considerada crime, está ganhando grande assento no nosso ordenamento jurídico, pois a doutrina vem sendo bem favorável à sua utilização, bem como, a nossa legislação está caminhando para a sua descriminalização, tornando lícita frente aos casos específicos.
3.4. Suicídio Assistido
O suicídio, que é considerado como “a destruição deliberada da própria vida” (MASSON, 2011, p. 53), sempre foi um ponto alto de discussão no direito, não somente em relação à legislação, mas também no âmbito moral, social e, também, religioso. Há religiões que amaldiçoam o suicida, alegando que sua alma iria diretamente para o inferno, sem qualquer passagem pelo purgatório ou julgamento. Já outras religiões, aceitam o suicídio, se tiver a finalidade religiosa, como um meio de salvação e privilégios após a morte.
O vocábulo suicídio provém do latim, suicidium, de sui (a si) e caedes (ação de matar) do verbo (caedo, is cedici, caesum caedere). Significa a auto-eliminação, ou ainda, a morte do ser humano iniciada por ele mesmo, voluntariamente, utilizando-se de meios violentos contra si. (VIEIRA, 2012, p. 162).
Na antiguidade, a grande maioria das legislações consideravam como crime o suicídio, com punição dos parentes do suicida, sendo uma exceção ao princípio da personalidade das penas hoje existente. No direito romano, os herdeiros do suicida tinham seus bens confiscados, pois a preservação da vida era um meio de proteger o patrimônio familiar. No direito canônico, com a influência do cristianismo, o suicídio era considerado um crime contra Deus e comparado ao homicídio, sendo que seu corpo, mesmo morto, era levado à forca e tinha, também, a pena de excomunhão, sendo negado um funeral e uma sepultura cristã, atingindo tal excomunhão também os herdeiros, que eram também penalizados pelo confisco dos bens. Se houvesse um suicídio tentado, o infrator tinha a mesma pena do homicídio tentado.
As legislações estrangeiras, na antiguidade, em sua maioria, consideravam crime o suicídio. Assim era na Inglaterra, cuja common law previa a aplicação de penas contra o cadáver e seus familiares, tais como privação de honras fúnebres, exposição do cadáver atravessado com um pau, sepultamento em estrada pública, confisco dos bens. Na Grécia, o suicida tinha a sua mão direita cortada, a fim de ser enterrada à parte. (CAPEZ, 2004, p. 85).
No período humanitário, por influência dos iluministas, o suicídio começou a não ser mais considerado crime, pois o entendimento era de que:
. a pena só poderia recair sobre um corpo insensível e sem vida, ou sobre inocentes. Ora, o castigo que se aplicasse contra os restos inanimados do culpado não poderia produzir outr impressão sobre os espectadores senão a que estes experimentariam ao verem fustigar uma estátua. (BECARIA, 2001, p. 57).
No Brasil, a legislação penal atual não incrimina o suicídio, principalmente por determinação do princípio da alteridade, o qual diz que o direito penal somente este autorizado a punir a ofensa a bens jurídicos de terceiros, com exceção das fraudes contra seguro e alguns casos excepcionais. Mas punição somente pelo suicídio, com o fim somente de retirar a própria vida não há. Ademais, não se poderia penalizar o suicídio, tendo em vista que a morte é uma das causas de extinção da punibilidade, conforme reza o artigo 107, inciso I, do Código Penal.
Muito se fala sobre a penalização do sujeito que tenta o suicídio. Mas, por questões humanitárias e por política criminal, a nossa legislação resolveu, acertadamente, não punir tal pessoa, com o fundamento de que, se a pessoa chegou a este ponto, é porque está passando por sérios problemas, não merecendo castigo, mas sim ajuda, amparo, tratamentos e proteção. (MASSON, 2011).
Mas deve-se frisar que, embora o suicídio não seja considerado um crime, ele é um fato ilícito, ou seja, é um fato que ofende o ordenamento jurídico, tendo em vista que a vida é considerada como um bem jurídico indisponível, podendo até ser cometido o crime de constrangimento ilegal contra o ato de retirar a própria vida pelo suicida. (PRADO, 2010).
Apesar do suicídio não ser punido, a atuação de terceiros para o suicídio, bem como, para a eliminação da vida, é totalmente e gravemente punida pelo nosso ordenamento jurídico, pois há a previsão dos crimes de indução, instigação e auxílio ao suicídio (122 CP), homicídio (121 CP), infanticídio (123 CP), aborto (124, 125 e 126 CP), dentre outros crimes que também protegem a vida humana com outros bens jurídicos.
O suicídio assistido nada mais é do que a conduta do crime descrito no artigo 122 do Código Penal, na modalidade de auxílio, pois ajuda a pessoa a retirar a própria vida. A diferença do simples auxílio ao suicídio se da na motivação, sendo que, no suicídio assistido, o sujeito que auxilia tem fins humanitários, frente a dor (física ou psicológica) que o suicida esteja sentindo. Neste sentido, destaca Carlos Maria Romeo Casabona (apud, LOPES, 2014, p. 62/63):
Esse comportamento diferencia-se do suicídio genérico em virtude de sua motivação, posto que a prática da autoeutanásia, de acordo com Carlos Maria Romeo Casabona: “seria único medio de abreviar el sufrimiento físico y moral derivado de una enfermedad terminal o de una minusvalía irreversible” enquanto o suicídio simples “consiste en quitarse uno mismo violenta y voluntariamente la vida que ya no quiere ser vivida por cualquier otro motivo y en circunstancias diferentes”.
Diferente da eutanásia e ortotanásia, que são formas de chegar a morte por provocação de terceiros, influenciados por piedade, o suicídio assistido é uma forma de autoeutanásia, ou seja, é quando o próprio indivíduo, por razões próprias, seja de dores insuportáveis, seja por algum desgosto com a vida, deseja tirar a própria vida, mas com a assistência de uma terceira pessoa, que se compadece da situação pessoa do suicida.
O suicídio assistido, também conhecido como autoeutanásia ou suicídio eutanásico, é o comportamento em que o próprio indivíduo dá fim à sua vida sem a intervenção direta de terceiros na conduta que o levará à morte, embora essa outra pessoa, por motivos humanitários, venha a participar prestando assistência moral ou material para a realização do ato. (LOPES, 2014, p. 62).
Creio que o suicídio assistido somente pode se dar da forma de auxílio, pois as formas de indução (criar a ideia) e instigação (fomentar a ideia), não seriam compatíveis, pois não partiriam da vontade expressa e inequívoca do paciente suicida. Tal diferenciação, apesar das duas formas de auxílio ao suicídio serem tipificadas no mesmo crime, o suicídio assistido teria uma atenuante em sua pena, por ter cometido o crime por relevante valor moral, conforme previsto no artigo 65, inciso II, alínea ‘a’, do Código Penal. Já o simples auxílio, indução ou instigação ao suicídio não, podendo, dependendo da motivação, ter a pena agravada ou majorada.
Diante de tudo isso, o suicídio assistido ainda é considerado como comportamento criminoso, pois a vida ainda é considerada um bem jurídico indisponível, tendo punição pelo nosso Código Penal, até mesmo se da tentativa de suicídio resulta lesões corporais graves, sendo também, tal ato, proibido pela ética médica.
Apesar disso, sabemos que o suicídio é um ato que ocorre com certa frequência em nosso meio social, pois com as dores e sofrimentos intermináveis, muitas pessoas preferem se suicidar, do que viver com tais sofrimentos. Em conversa com uma das escrivãs da polícia civil de Umuarama-PR, obtivemos a informação extraoficial de que há, pelo menos, um suicídio por mês na região, sendo que tal fato não é noticiado em jornais com o fim de não fomentar as pessoas que já estejam pensando em cometer tal ato.
O Brasil, conforme relatórios da OMS, é considerado o oitavo país em número de suicídios. Em 2012, foram registradas 11.821 mortes, sendo 9.198 homens e 2.623 mulheres (taxa de 6,0 para cada grupo de 100 mil habitantes). Entre 2000 e 2012, houve um aumento de 10,4% na quantidade de mortes – alta de 17,8% entre mulheres e 8,2% entre os homens. O país com mais mortes é a Índia (258 mil óbitos), seguido de China (120,7 mil), Estados Unidos (43 mil), Rússia (31 mil), Japão (29 mil), Coreia do Sul (17 mil) e Paquistão (13 mil).[3]
Diante disso, observar-se que o suicídio é sim uma prática recorrente de várias pessoas em nossa sociedade, sendo que tais pessoas são condenadas por seus pares, que não entendem o motivo do suicídio, nem tampouco se compadecem de tais situações, demonstrando uma total falta de empatia com o próximo.
Deve-se ver com ressalvas tais colocações do senso comum, pois, a vida é realmente um bem indisponível? Porque uma pessoa não pode retirar a própria vida, sem ser discriminada ou, muitas vezes, rechaçada pela grande maioria das pessoas da sociedade?
Nas palavras de Vieira (2012, p. 165):
O suicídio decorrente de desmotivação de viver; do ódio enraizado dentro de si ou do sentimento de culpa; da vontade de vingança; da sensação de insegurança; da vergonha; da melancolia proveniente de uma perda real ou ideal; da impotência e desamparo; das fantasias de resgate, configura-se, por vezes, em um ato de esperança, libertário ou ainda uma fuga dessa dor. É processo singular, ou seja, cada pessoa, e somente ela, tem a real noção de sua dor, de estar no mundo tal e qual.
Desta forma, vendo que para algumas pessoas o suicídio é a única solução, não seria justo, frente a dignidade da pessoa humana, impedir tal ato, motivo pelo qual, deve ser repensado os dispositivos legais que impedem o suicídio assistido, ou mesmo, que o pune igualmente ao crime de indução, instigação e auxílio ao suicídio.
Ademais, como há uma tendência no projeto do novo Código Penal, pelo que vimos acima, de uma possibilidade de perdão judicial para o crime de eutanásia, porque não se pensar em tal extinção da punibilidade para o suicídio assistido? Se a eutanásia, que entendemos ser mais grave, tem se discutido esta possibilidade, porque no suicídio assistido não poderia ser implementado tal perdão também?
Ora, acreditamos que agir para retirar a vida de alguém é muito mais grave do que somente auxiliar uma pessoa a retirar a própria vida. Questionando, qual conduta é, de forma aparente, mais grave e mais fria? O ato de aplicar uma injeção letal no paciente, ou, somente o ato de dar a injeção nas mãos do paciente para ele se auto-aplicar?
Cremos que o ato de agir diretamente para a morte de alguém seja mais grave. Diante disso, entendemos que, se a eutanásia terá alguns privilégios, como a possibilidade de perdão judicial, com certeza, por previsão do princípio da proporcionalidade, o suicídio assistido também deverá ter.
Assim, com tais exposições, devemos começar a pensar no suicídio assistido como uma forma legal de eliminação da vida humana, para aqueles que desejam a morte, sendo ‘ela’ a única solução para os problemas, por se tratar de um dos corolários da dignidade da pessoa humana.
4 O DIREITO DE MORRER FUNDAMENTADO NOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS
Como já discutimos acima, hoje, quase toda a humanidade teme a morte, pois a mesma, por ser desconhecida, pelas grandes e discutíveis teorias do pós vida, tem ficado longe das discussões da sociedade, sempre discutindo como adiar a vida.
Mas será que não temos direito à morte? Ou, em outra questão: Será que a vida é um direito ou um dever? Há poucos dias, estudando sobre os direitos fundamentais descritos em nossa Constituição Federal, me deparei com esta pergunta, se a vida é um direito ou um dever!
4.1 Vida: direito ou dever?
Respondendo a presente questão, verifica-se que a vida é um bem jurídico protegido por nossa Constituição, escrito no caput do artigo 5º, sendo considerado por muitos doutrinadores como um bem jurídico indisponível.
Paulo e Alexandrino (2011, p. 120) descrevem que o “direito à vida é o mais elementar dos direitos fundamentais; sem vida, nenhum outro direito pode ser fruído, ou sequer cogitado”.
Como afirmam muitos autores, o direito à vida começa com a concepção, sendo que tal direito também está protegido na Declaração Universal dos Direitos do Homem, bem como, no Pacto de São José da Costa Rica, sendo que tal proteção se inicia desde o ventre materno. (CANOTILHO, MENDES, SARLET, STRECK, 2013, p. 215).
Ademais, somente a título de comentário, muito se discute sobre a questão dos direitos dos embriões utilizados para fertilização in vitro, que são descartados após certo tempo, pois há autores que discutem seus direitos referentes à possível vida.
De um ponto de vista inicial em bem superficial, pensa-se que a vida é um bem jurídico indisponível. Isto se dá pelos esforços que o Estado tem desempenhado para punir qualquer tipo de violação contra a vida, principalmente punindo os crimes que atingem diretamente a vida, como o homicídio; indução, instigação e auxílio ao suicídio; infanticídio e o aborto. De outra banda, há de se verificar que a vida pode ser até protegida mediante constrangimento ilegal, conforme dispõe o artigo 146, §3º, II, do Código Penal.
Ademais, no âmbito criminal, verifica-se também outros crimes que protegem de forma indiretamente a vida, como a lesão corporal seguida de morte, latrocínio, abandono de incapaz com resultado morte, sequestro com resultado morte, estupro com resultado morte, dentre tantos outros crimes dispostos na legislação penal.
Vale frisar ainda que a vida tem um caráter de “sagrado” para muitas pessoas, principalmente no campo religioso, onde dizem que a vida, em nenhuma hipótese, pode ser retirada, sob o fundamento que a vida vem de Deus.
Sobre este prisma, é válido expor os pensamentos de Dworkin (2009, p. 115):
... a exemplo de nossa preocupação com a sobrevivência de nossa espécie como um todo, a idéia de que cada vida humana individual é inviolável tem raízes em duas bases do sagrado que se combinam e confluem: a criação divina ou evolutiva que produz, como se fosse do nada, um ser complexo e racional, e igualmente um triunfo daquilo que comumente chamamos de “milagre” da reprodução humana, que faz com que cada novo ser humano seja, ao mesmo tempo, diferente dos seres humanos que o criaram e em continuação deles. (...). A segunda forma de criação sagrada – o investimento humano, em oposição ao natural – é também imediata quando a gravidez é planejada, pois a decisão deliberada dos pais de gerar e trazer ao mundo um filho é, sem dúvida, uma decisão criadora.
Acreditamos que não há discussão sobre a vida ser muito importante. Mas será que ela deve ser imposta sobre quaisquer condições? Pensando do lado de algumas religiões, principalmente na religião cristã, verifica-se que a vida deve prevalecer sobre qualquer outro bem jurídico.
Mas, felizmente, nossa Constituição Federal constituiu o Estado Brasileiro como um estado laico, ou seja, um estado que não tem uma religião como oficial, podendo todo brasileiro escolher e melhor forma de crença que achar mais atraente. E, diante disso, todos os direitos e deveres constitucionais e, até, os infraconstitucionais, devem ser vistos sem a influência da religião, que muitas vezes encobrem a visão do ser humano.
... a dignidade, bem como o direito à vida, à liberdade e à morte devem ser analisados sob esse ângulo, ou seja, sem que as crenças religiosas possam interferir, por intermédio do Estado, em seu exercício. Mesmo porque, especialmente em relação à morte, as diferentes religiões e crenças lidam com ela de maneiras distintas. (DIAS, 2012, p. 85).
Desta forma, deixando a religião e o caráter sagrado da vida para o campo subjetivo pessoal, analisando a vida como um bem jurídico protegido pela Lei, podemos observar que a vida se trata sim de um direito e não um dever, podendo ser relativizada em alguns casos.
E tal relativização está bem estampada na própria constituição federal, em seu artigo 5º, inciso XLVII, onde dispõe a vedação da pena de morte, “salvo em caso de guerra”. Ou seja, temos até a pena de morte em nosso direito.
Verificando mais a fundo, temos os casos de exclusão de ilicitude no próprio Código Penal, descritos em seu artigo 23, podendo o sujeito retirar a vida de outra pessoa em casos de estado de necessidade, legítima defesa, estrito cumprimento do dever legal e exercício regular do direito.
Desta forma, verificando que o direito à vida não é absoluto, devendo ser analisado ao caso concreto, principalmente nos casos em que se conflitam com o direito à liberdade, também descrito no caput do artigo 5º da Constituição. Ademais, se não fosse desta forma, se a vida fosse um bem absolutamente inviolável, porque não se puniria o suicídio?
Na verdade, pelo que se percebe, nossa legislação, bem como o Princípio da Alteridade, não pune lesão a bem jurídico próprio, dentro deste bem jurídico, a própria vida, sendo que a punição se está na lesão ao bem jurídico de outra pessoa, com as ressalvas de excludentes que acima mencionamos.
Não podemos confundir o “direito à vida” com o “direito sobre a vida”, de modo que a vida individual, bem jurídico, deve ser sempre interpretada conforme a Constituição Federal, fazendo uma ponderação sobre todos os direitos e garantias fundamentais, sendo embasada sempre na Dignidade da Pessoa Humana.
Assim, verifica-se não só o direito à vida, mas um direito à vida digna, embasando também um direito à morte digna, pois, com base nestes princípios, a morte digna se dá quando uma pessoa não deseja mais viver, em face do sofrimento desumano que está passando.
E tal sofrimento, enfatizando, não é somente um sofrimento físico, mas também psicológico e social, que pode influenciar sobre a vontade da pessoa em continuar vivendo ou, se desejar, em buscar a morte.
O direito fundamental à vida não significa que a pessoa tem a obrigação de viver, mas tem o direito de viver dignamente, sendo que, caso tal dignidade não seja mais possível, o direito à vida traz o direito à morte digna, como fundamento da dignidade da pessoa humana.
4.2 Direito à liberdade e o Princípio da Autonomia
De outra vertente, verificamos que temos como um direito fundamental o direito à liberdade, sendo um dos direitos mais abertos do nosso Ordenamento Jurídico, pois pode ser a liberdade pessoal, de pensamento, de ir e vir, religiosa, dentre tantas outras espalhadas por nossa Carta Magna. E tal direito está juntamente intitulado no mesmo dispositivo legal que dispõe sobre o direito à vida, ou seja, está disposto no caput, do artigo 5º, da Constituição Federal.
Nas palavras de Montesquieu (apud DIAS, 2012, p. 132): “não existe palavra que tenha recebido tantos significados e tenha marcado os espíritos de tantas maneiras quanto a palavra liberdade”.
Tal direito de liberdade decorre diretamente da revolução ideológica liberal, ocorrida entre os séculos XVIII e XIX, que tinha como lema a liberdade, igualdade e fraternidade, sendo que tal pensamento e manifestação mudou a sociedade em geral. (PAULO, ALEXANDRINO, 2011).
Tal direito, nesta época, foi descrito no artigo 4º da Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão de 1789, da seguinte forma: “A liberdade consiste em poder fazer tudo o que não prejudica ao outro.”
Interessante este dispositivo legal, pois reflete muito bem sobre o ponto de discussão que trazemos à baila neste estudo, pois, está ligado diretamente ao direito de morrer dignamente, visto que, se eu tirar a minha própria vida, não poderia prejudicar outra pessoa.
E qual é o limite da liberdade? Este é bem claro e disposto no artigo 5º, inciso II, da Constituição Federal: “ninguém será obrigado a fazer ou deixar de fazer alguma coisa senão em virtude da lei”. Tal dispositivo se trata do Princípio da Legalidade, sendo que, para o cidadão comum, ele é livre para fazer tudo o que não é proibido por uma legislação. Diante disso, a liberdade está estritamente interligada com a legalidade, posto que todos nós podemos fazer tudo o que não esteja proibido por prévia disposição legal.
Ademais, a liberdade é um dos fundamentos do Estado Democrático de Direito, pois, não há democracia e dignidade da pessoa humana sem liberdade.
Ressalta-se, por oportuno, que com isso não estamos a sustentar a equiparação, mas a intrínseca ligação entre as noções de liberdade e dignidade, já que, como ainda teremos ocasião de melhor analisar, a liberdade e, por conseguinte, também o reconhecimento e a garantia de direitos de liberdade (e dos direitos fundamentais de um modo geral), constituem uma das principais (senão a principal) exigência da dignidade da pessoa humana. (SARLET, 2012, p. 56).
E dentro da liberdade concedida por nossa Constituição, temos o Princípio da Autonomia da Vontade, prevendo a possibilidade do indivíduo ser livre em suas vontades e de determinar-se conforme seus pensamentos.
Segundo Morais (2010, p. 292):
Semanticamente, autonomia é derivado do grego autos, que significa ao mesmo tempo o mesmo, ele mesmo e por si mesmo, e nonus, que significa compartilhamento, lei do compartilhar, uso, lei. Nesse sentido, autonomia significa propriamente a competência humana em dar-se suas próprias leis. Da junção dos dois termos confere à ideia de autonomia o significado de autogoverno; autodeterminação para a pessoa tomar decisões que afetam sua vida, saúde, integridade físico-psíquica e relações sociais. Portanto, autonomia refere-se à capacidade do ser humano de decidir o que é bom; aquilo que é seu bem-estar.
A autonomia dispõe que a pessoa pode se determinar da forma que achar correta, ter autodeterminação, ou seja, é a capacidade de fazer os atos que escolher, sendo que se opõe à servidões externas ou submissão aos desejos de outras pessoas.
Diante disso, verifica-se que a autonomia está interligada aos direitos fundamentais, especificamente nos direitos da personalidade, previstos em nossa Constituição Federal, sendo também um princípio basilar decorrente da dignidade da pessoa humana.
Assim, todos os cidadãos, especificamente os Brasileiros, diante do que prevê a Constituição Federal, possuem a liberdade e autonomia de escolherem sobre a vida e a morte, se isso somente resultasse em prejuízos para si próprios, não podendo o Estado interferir em seus direitos amplamente protegidos.
Ademais, tal direito de morrer dignamente, como já exposto algumas vezes acima, faz parte da dignidade da pessoa humana, ponto central do presente estudo.
4.3 A dignidade da pessoa humana e o direito de morrer.
Chegamos ao principal fundamento do direito à morte, ou seja, é com base especialmente no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana que se fundamenta o direito á vida digna e, também, à morte digna.
Conceituando a dignidade da pessoa humana, importante trazer as palavras de Sarlet (2012, p. 73), que o fez, brilhantemente, da seguinte forma:
temos por dignidade da pessoa humana a qualidade intrínseca e distintiva reconhecida em cada ser humano que o faz merecedor do mesmo respeito e consideração por parte do Estado e da comunidade, implicando, neste sentido, um complexo de direitos e deveres fundamentais que assegurem a pessoa tanto contra todo e qualquer ato de cunho degradante e desumano, como venham a lhe garantir as condições existenciais mínimas para uma vida saudável, além de propiciar e promover sua participação ativa e co-responsável nos destinos da própria existência e da vida em comunhão com os demais seres humanos, mediante o devido respeito aos demais seres que integram a rede da vida.
Assim, a dignidade da pessoa humana é inerente a todo ser humano, sendo que tal dignidade não pode ser retirada, ou seja, não há possibilidade de que o indivíduo perca sua dignidade. Diante disso, vale ressaltar que, mesmo as pessoas que tenham violando gravemente a dignidade de outras pessoas, como os criminosos, nunca perderá a sua dignidade. Aliás, mesmo após a morte, a dignidade da pessoa humana surte efeitos. (BARBOSA-FOHRMANN, 2012).
A dignidade da pessoa humana, de uma abordagem história, teve início no período clássico, sendo que o ser humano era considerado importante e digno frente à posição social que tinha perante a sociedade. Após, o pensamento estóico entendia-se que a dignidade da pessoa humana era inerente a todo ser humano, estando vinculado a ideia de liberdade pessoal de cada indivíduo. Com o advento do cristianismo, o ser humano começou a ser visto por sua essência ou substância pessoal, vinculado à relação de Deus com a humanidade, pois o homem foi feito à sua imagem e semelhança. (CANOTILHO, MENDES, SARLET, STRECK, 2013).
No período posterior, adentrando no jusnaturalismo, diante de uma concepção a partir da natureza racional do ser humano, Immanuel Kant cria o conceito de dignidade da pessoa diante da autonomia da vontade, criando a ideia de que o homem é um fim em si mesmo, não podendo ser tratado como objeto. Define que o ser humano, em função de sua racionalidade, ocupa um lugar privilegiado em relação aos demais seres vivos. (SARLET, 2012).
... no contexto plasmado por Kant, pode-se afirmar que a dignidade impõe que o homem seja tratado, na totalidade de sua relações sociais, como sujeito, e não como objeto, o que implica no reconhecimento da sua capacidade de autodeterminar-se no direito do livre desenvolvimento da personalidade, fomentando-se que o indivíduo exercite suas próprias opções “sem perder a autoestima nem o apreço da comunidade. (SIQUEIRA, OLIVEIRA, 2013, p. 214).
A partir de então, começou-se a pensar e falar muito sobre a dignidade da pessoa humana, sendo até criado uma legislação específica com a revolução francesa, denominada Declaração dos Direitos do Homem e do Cidadão, em 1789.
No século XIX, por influência dos movimentos trabalhistas, que reivindicavam melhores condições de trabalho das camadas sociais menos favorecidas, começou-se um movimento pela dignidade do trabalho, alegando que a sociedade deveria assegurar ao indivíduo relações de respeito para com os outros indivíduos, sob pena de estar negando a própria dignidade da pessoa em caso de discriminação social. (BARBOSA-FOHRMANN, 2012).
Mas, somente após as duas guerras mundiais, com as atrocidades vistas contra a pessoa humana, é que tais ideias de dignidade da pessoa humana começaram a ser mais fortificadas e estabelecidas para a toda a sociedade, especialmente nos países ocidentais, sendo, então, criadas várias normas de direito internacional, sendo destacada a Declaração Universal dos Direitos Humanos de 1948.
No direito brasileiro, a dignidade da pessoa humana está consagrada em nossa constituição, não como direitos e garantias fundamentais, mas como um dos fundamentos do Estado, visto que se encontra no artigo 1º, inciso III, da CF, devendo servir de norte para o intérprete e para o legislador.
Nas palavras de Canotilho, Mendes, Sarlet, e Streck, (2013, p. 124/125):
Em termos gerais, a doutrina constitucional parte do pressuposto de que a dignidade da pessoa humana assenta-se em fundamento ético-filosóficos, sendo ínsita à condição humana, representando um “princípio supremo no torno da hierarquia das normas”. Com efeito, a qualificação normativa da dignidade da pessoa humana como princípio fundamental traduz a certeza de que o art. 1º, III, da Constituição não contém apenas (embora também) uma declaração de conteúdo ético, na medida em que representa uma norma jurídico-positiva dotada, em sua plenitude, de status constitucional formal e material. Como tal, afigura-se inequivocamente carregada de eficácia, alcançando, portanto, a condição de valor jurídico fundamental da comunidade. Importa considerar, neste contexto, que a dignidade da pessoa humana desempenha o papel de valor-guia não apenas dos direitos fundamentais, mas de toda a ordem jurídica (constitucional e infraconstitucional), razão pela qual, para muitos, se justifica a caracterização da dignidade como princípio constitucional de maior hierarquia axiológica.
Diante disso, verifica-se que a dignidade da pessoa humana deve ocupar um lugar de destaque, constituindo um núcleo essencial dos direitos fundamentais, não podendo estes direitos, a exemplificar como a vida e a liberdade, ser contrários à dignidade da pessoa humana.
Ademais, a dignidade da pessoa humana deve ser analisada em duplo efeito. Primeiramente deve agir como limitador do poder de atuação do Estado. Em segundo plano, deve agir para assegurar a igualdade entre as pessoas.
Assim sendo, ingressando no ponto central do presente trabalho, observamos que há um conflito de direitos, especialmente entre o direito fundamental da vida, que para muitos tem o caráter de indisponibilidade, contra o direito da liberdade, dentre eles, da liberdade de escolha pela morte.
De um ponto bem superficial, observa-se que a vida deve vir em primeiro lugar, sendo que se for para analisar e qualificar a vida em relação à liberdade, sempre opinaremos para salvar a vida. Mas, de um ponto mais profundo, diante do fundamento do estado constitucional brasileiro que é a dignidade da pessoa humana, verificaremos que a vida não se sobrepõe à liberdade de escolha da morte digna, visto que está atrelada à dignidade da pessoa humana.
Ademais, conforme afirma Barroso (2013, p. 275):
A autonomia é, no plano filosófico, o elemento ético da dignidade, ligado à razão e ao exercício da vontade em conformidade com determinadas normas. A dignidade como autonomia envolve a capacidade de autodeterminação do indivíduo, de decidir os rumos da própria vida e de desenvolver livremente a sua personalidade. Significa o poder de fazer valorações morais e escolhas existenciais sem imposições externas indevidas.
Assim, também faz parte da dignidade da pessoa humana o direito de escolher o rumo da própria vida, dos próprios bens, se tais rumos não prejudicarem terceiras pessoas. E é o que se propõe com o presente trabalho, pois temos sim o direito a uma morte digna, visto que há casos extremos em que a vida não seria mais humana, muito menos digna.
Neste mesmo sentido, Vieira (2012, p. 161) expõe “que existe, sim, o direito de morrer quando a dignidade da pessoa humana deixa de “existir”, em razão do sofrimento físico ou psíquico, levando-nos à reflexão de que se assim não fosse seria necessário apenar a tentativa, além de considerar o viver uma obrigação.”
O que vale a vida de uma pessoa moribunda, vegetando em uma cama, em um hospital, podendo ser visitado por algumas horas somente por seus parentes? Tal prolongamento da vida somente prejudicará mais o paciente e seus familiares, sendo que, conforme acima já discutido na distanásia, tal atitude é totalmente desumana.
Assim, a eutanásia, ortotanásia e o suicídio assistido, deve sim, ser formas de morte digna para as pessoas que não desejam mais viver, não somente em casos de doenças terminais, mas também em casos em que a pessoa, que está sofrendo por algum motivo relevante, possa escolher a boa morte, se isto não prejudicar a terceiras pessoas.
E isso se dá pelo fato de que, quando a vida não ser mais digna, a dignidade da pessoa humana, atrelada ao direito fundamental da liberdade, possibilita a concessão da boa morte, pois, se continuar viva, a pessoa terá tal vida como um fardo e não como uma dádiva.
Conforme afirma Moraes (2010, p. 36): “A Constituição Federal proclama, portanto, o direito à vida, cabendo ao Estado assegurá-lo em sua dupla acepção, sendo a primeira relacionada ao direito de continuar vivo e a segunda de se ter vida digna quanto à subsistência.”
Vale ainda acrescentar que a “prevalência da dignidade da pessoa humana e do mínimo existencial sempre é, em primeiro plano, de ser aferida na situação concreta, da pessoa diretamente atingida, não podendo ser dissolvida no contexto coletivo...” (SARLET, 2012, p.145).
No mesmo sentido, verifica-se no direito alemão o seguinte pensamento:
Contudo, o ponto crucial (e a verdadeira “questão tormentosa”) no debate sobre a inviolabilidade da dignidade humana é representado pela hipótese de sua relação com os direitos fundamentais e também pela possibilidade de ser envolvida no jogo das “ponderações” com outros direitos e bens constitucionais protegidos. É claro que essa perspectiva exige, por certo, abandonar a concepção absoluta e também diferenciar a dignidade segundo cada caso concreto, e a partir de uma escala gradual de proteção. De acordo com as concepções absolutas da dignidade humana, a inadmissibilidade de ponderação com outros direitos decorre da premissa de que a dignidade humana [Menschenwurde] não é e não tem conteúdo de direito. Além disso, afirma-se que ela tem um significado algo extraordinário na ordem dos valores [Wertordnung] da Lei Fundamental, de tal modo que escaparia dos cânones interpretativos dos direitos fundamentais. (RIDOLA, 2014, p. 73/74).
Assim, cada caso deve ser analisando em concreto, na prática, devendo ser verificado o motivo pelo qual a pessoa não está querendo mais viver, pois, em muitos casos em que há tratamentos, tais possibilidades devem ser disponibilizadas, com o fim, sempre, de evitar a morte.
Mas como disse acima, em casos extremos, onde não se há mais razões para viver, a possibilidade da boa morte deve ser concedida à pessoa, com base no Princípio da Dignidade da Pessoa Humana.
Sobre esta possibilidade, Dworkin (2009, p. 251) trouxe alguns exemplos:
Todos os dias, no mundo todo, pessoas racionais pedem que lhe sejam permitido morrer. Às vezes, pedem que outras as matem. Algumas delas já estão morrendo, muitas em meio a grandes sofrimentos, como Lillian Boyes, uma inglesa de setenta anos que agonizava devido a uma forma terrível de artrite reumatoide, com dores tão lancinantes que nem mesmo os analgésicos mais poderosos conseguiam mitigar. Lillian gritava de dor quando seu filho, delicadamente, lhe tocava as mãos com as pontas dos dedos. Algumas pessoas querem morrer porque não querem continuar vivas da única maneira que lhes resta, como Patrícia Diane Trumbull, uma nova-iorquina de quarenta e cinco anos que estava com leucemia e recusou tratamento quimioterápico e os transplantes de medula mesmo depois de informada de que o tratamento lhe ofereceria uma entre quatro possibilidades de sobreviver. Patrícia assim decidiu porque conhecia a devastação resultante do tratamento e achava que a probabilidade de sobreviver não compensaria o sofrimento atroz que teria de suportar.
Em exemplos análogos, continua o ilustre pensador:
Ou Janet Adkins, uma mulher do estado de Oregon que, aos cinquenta e quatro anos de idade, sabia estar nos estágios iniciais do mal de Alzheimer e preferia morrer quando ainda em condições de tomar essa decisão por si própria. Às vezes, os parentes pedem permissão para pôr fim à vida de algum membro da família, pois o paciente em questão já se encontrava em estado vegetativo irreversível. Foi o caso de Nancy Cruzan, cujo córtex cerebral fora destruído por falta de oxigênio depois de um acidente e cujo suporte vital foi finalmente retirado em 1990, depois de passar sete anos vivendo como um vegetal e de seus pais terem recorrido diversas vezes do Supremo Tribunal. (DWORKIN, 2009, p. 251).
Assim, como dito, em casos extremos, a morte é, sem dúvida, a única solução plausível, pois, qual seria a dignidade de viver sem um mínimo de felicidade? Acredita-se que nenhuma. Não há razão para que o Estado e a sociedade interfira, de forma tão brusca, na vida privada e íntima das pessoas, tolhendo a liberdade de escolha e de autodeterminação de seu futuro, mantendo tal pessoa a cumprir uma pena, sem mesmo ter cometido crime algum, infringindo assim, a sua dignidade como ser humano.
Ao contrário disso, o Estado deve zelar sempre pela vida digna, feliz e saudável, sendo que, em casos onde não se há o mínimo, caso o sujeito queira e esteja totalmente esclarecido quanto às consequências, o direito de morrer deve ser disponibilizado, sem responsabilizações penais e civis para aqueles que, sem interesse algum, os auxiliar.
Ademais:
Não podemos compreender o que a morte significa para as pessoas – por que alguns preferem morrer a continuar existindo, permanentemente sedados ou incompetentes; por que outros preferem “lutar até o fim”, mesmo quando em meio a sofrimentos terríveis ou quando já perderam a consciência e não têm como saborear a luta; por que tão poucas pessoas acham que, uma vez inconscientes para sempre, morrer ou viver não faz absolutamente qualquer diferença – não conseguiremos compreende nada disso, ou muitas outras coisas que as pessoas pensam sobre a morte, enquanto não a pusermos de lado por um momento e nos voltarmos para a vida. (DWORKIN, 2009, p. 281).
Não estamos propondo aqui que as pessoas, que estejam com problemas de saúde ou pessoas infelizes, sejam mortas. Mas queremos que elas tenham o direito de decidir por elas mesmas, com seus próprios fundamentos pessoais, com suas justificativas, com sua liberdade de autodeterminação.
Conforme escreve Vieira (1999, p. 89): “A nosso ver, é mais acertada a corrente defensora do ser livre e autônomo, o qual pode renunciar a todo direito, inclusive ao direito à vida, desde que sua escolha seja realmente voluntária, resultante de uma informação completa e bem detalhada acerca da questão.”
Sendo assim, finalizando, observa-se que, diante do Princípio Fundamental da Dignidade da Pessoa Humana, atrelado ao direito à liberdade e à vida digna, existe sim, em nosso Ordenamento Jurídico, a possibilidade da pessoa escolher a boa morte, pois, se a mantivermos viva, perderemos a essência do nosso Estado Democrático, bem como, estaremos causando-lhe mais lesões do que a própria morte.
5 CONCLUSÃO
Concluindo tal trabalho, podemos observar que a morte não deve ser tratada como um tabu, como algo desconhecido, devendo ser combatida a todo custo pelos profissionais da saúde ou pelos operadores do direito. A morte deve ser vista como um fato natural, inerente à pessoa humana, pois todos os seres vivos, humanos ou não, irão morrer um dia.
Assim, a morte nada mais é do que o fim de todos. É a única certeza que temos da vida. Sei que é difícil aceita-la, mas devemos sempre compreendê-la e estar preparados para ela, seja a hora que for, vivendo dignamente nossas vidas, buscando sempre a felicidade e a paz interior.
Há casos em que a vida digna é impossível, por determinadas razões. Tem-se discutido muito sobre as formas de abreviação da vida nos casos de doentes terminais, que estão em uma cama de hospital, sem qualquer probabilidade de reabilitação, trazendo muito sofrimento para todos os seus entes queridos. Mas há de se falar também dos casos em que a pessoa não deseja mais a vida, que já tentou de todas as formas encontrar a felicidade e não se conseguiu, pois, porque estas pessoas também não teriam o direito à morte digna?
Acreditamos que todos tem a liberdade de escolher o melhor momento para a morte, sendo que, se submeter tais pessoas a tratamentos obrigatórios, com certeza, para elas, seria pior do que a morte, sendo então infringido sua dignidade e sua liberdade de escolha.
Assim, devemos discutir mais sobre o presente assunto, sobre o direito à morte digna e suas formas obtenção, com o fim de obtermos o direito de viver com dignidade, acabando com a prisão interior e a falta de liberdade de pessoas que estão em busca da felicidade, seja na vida ou na morte.
Ademais, na própria bíblica é descrito: “Mas vale a morte que uma vida na aflição; e o repouso eterno que um definhamento sem fim.” (Eclo 30, 17).
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[1] Art. 3º A retirada post mortem de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano destinados a transplante ou tratamento deverá ser precedida de diagnóstico de morte encefálica, constatada e registrada por dois médicos não participantes das equipes de remoção e transplante, mediante a utilização de critérios clínicos e tecnológicos definidos por resolução do Conselho Federal de Medicina.
§ 1º Os prontuários médicos, contendo os resultados ou os laudos dos exames referentes aos diagnósticos de morte encefálica e cópias dos documentos de que tratam os arts. 2º, parágrafo único; 4º e seus parágrafos; 5º; 7º; 9º, §§ 2º, 4º, 6º e 8º, e 10, quando couber, e detalhando os atos cirúrgicos relativos aos transplantes e enxertos, serão mantidos nos arquivos das instituições referidas no art. 2º por um período mínimo de cinco anos.
[2] Art. 146 - Constranger alguém, mediante violência ou grave ameaça, ou depois de lhe haver reduzido, por qualquer outro meio, a capacidade de resistência, a não fazer o que a lei permite, ou a fazer o que ela não manda:
Pena - detenção, de três meses a um ano, ou multa.
[3] http://g1.globo.com/ciencia-e-saude/noticia/2014/09/brasil-e-o-8-pais-com-mais-suicidios-no-mundo-aponta-relatorio-da-oms.html.
Mestre em direito pela Universidade Paranaense; Especialista em direito e processo penal pela Universidade Estadual de Londrina; Professor das disciplinas de direito e processo penal da Universidade Paranaense; Advogado criminalista.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DORIGON, Alessandro. O direito de morrer com dignidade - um estudo sobre a eutanásia, ortotanásia e o suicídio assistido. Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 fev 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51349/o-direito-de-morrer-com-dignidade-um-estudo-sobre-a-eutanasia-ortotanasia-e-o-suicidio-assistido. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Helena Vaz de Figueiredo
Por: FELIPE GARDIN RECHE DE FARIAS
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
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