Introdução
O presente trabalho trata de mais uma novidade advinda da reforma trabalhista que pretendeu de alguma forma dificultar a propositura de ação judicial trabalhista, o que já ocorre na cultura européia. As demandas trabalhistas enfrentarão alguns obstáculos daqui para frente que não eram sentidos até então.
As dificuldades para ajuizar a demanda trabalhista se encontra a partir da reforma não somente na parte técnica da petição e dos novos requisitos obrigatórios como também na possibilidade de custar caro ao reclamante em algumas situações. Mas, a reforma não se preocupou apenas com a propositura da demanda, mas também com seu prosseguimento, e isso engloba a desistência da ação, que agora necessita da concordância da parte contrária.
Da desistência da ação
Um ponto de muita relevância no que tange a toda reforma trabalhista está na desistência da ação. A Lei 13.467/2017 acrescentou o § 3º ao art. 841 da CLT impossibilitando que o reclamante desista da ação sem o consentimento do reclamado após o oferecimento da contestação. [1] Para que se tenha claro como funciona isso, devemos partir do começo da demanda. O autor, no caso de uma ação trabalhista, o reclamante entrará com sua petição inicial contendo um ou mais pedidos. Após o ajuizamento da ação, parte-se para a citação do reclamado, que é o ato de chamar a outra parte para se defender dentro do processo do qual é réu, no caso trabalhista, reclamado. A CLT de forma equivocada chama esse ato de notificação, mas na prática nada mais é do que citação. [2] Até esse momento não tem problema nenhum o reclamante desistir da demanda, poderá fazer sem a concordância da outra parte.
No entanto, o próximo passo a ser dado no processo, depende da outra parte, ou seja, o reclamado, que deverá apresentar sua contestação. E é justamente nesse momento que a reforma trabalhista traz a regra da impossibilidade de desistência, salvo concordância da parte contrária. A regra diz que assim que for oferecida a contestação o reclamante não poderá mais desistir do processo sem a concordância do reclamado. Mauro Schiavi lembra que a contestação deve ser apresentada na audiência inaugural, no entanto pelas regras do processo eletrônico deve a mesma ser encaminhada antes da audiência. [3]
Sendo assim, a contestação oferecida de forma eletrônica para ser referida na audiência de forma oral já obsta a desistência da ação por parte do reclamante. Mas afinal, qual a intenção do legislador reformista ao buscar essa regra que foi copiada do processo civil? [4] A resposta para isso está no princípio da boa-fé processual, já que, por vezes vinha ocorrendo do reclamante ter contato com a defesa, e sabendo do teor da contestação vislumbra uma derrota jurídica ou ao menos não aquela vitória esperada e deixa o processo ser arquivado de propósito para entrar com uma nova ação e mudar a tese já com base no que sabe da defesa. [5] [6]
Seguindo essa mesma linha de raciocínio Homero da silva menciona que “no processo do trabalho, existe a possibilidade de arquivamento, mesmo sob protestos da reclamada, com a ausência do trabalhador à audiência inicial. Trata-se de uma forma de extinção do feito sem resolução do mérito, com as mesmas características da desistência do empregado, conforme se extrai do art. 844 da CLT. Assim sendo, ainda que a empresa pretenda se opor à desistência, pode ser pega de surpresa pelo sumiço do empregado, cuja ausência à audiência permite que ele alcance o objetivo da extinção do processo. Ainda mais irritada fica empresa quando recebe notícia de que o empregado chegou a comparecer ao átrio do fórum e, depois, foi orientado a ir embora, por problemas relacionados com as testemunhas ou por alguma outra estratégia utilizada. Esse comportamento pode ser enquadrado em fraude processual e não deve ser estimulado. Algumas reclamadas conseguem se munir de testemunhas, incluindo servidores do judiciário que viram a movimentação do empregado, e podem pedir para constar da ata do arquivamento a conduta maliciosa da parte contrária.” [7]
Ora, alguns pontos devem ser destacados. Primeiro que pelas regras trabalhistas vigentes somente ocorrerá o arquivamento do processo em caso de não comparecimento do reclamante na primeira audiência, onde o juiz tentará uma conciliação, e seguirá para a apresentação da defesa. [8] Caso o reclamante tenha comparecido nesta audiência e não tenha ocorrido o acordo entre as partes, o juiz poderá marcar uma nova audiência para instrução onde serão colhidas provas testemunhais, eventuais documentos ainda não juntados e possivelmente os depoimentos pessoais. Nesta segunda audiência de intrução em que as partes são intimadas para prestarem seus depoimentos pessoais, a ausência do reclamante não importará mais no arquivamento do processo, e sim implicará em confissão do mesmo. [9]
Um segundo ponto que merece ser mencionado aqui, é o fato da possibilidade de recurso ordinário que caberá ao reclamado em caso de arquivamento do processo, extinguindo o mesmo sem resolução de mérito. Observe-se que, esta medida já existia antes mesmo da reforma visto que a reclamada mesmo vencendo em tese o processo, já que este se extinguiu poderia ter interesse (um dos pressupostos de admissibilidade subjetivo dos recursos) em recorrer para ter uma decisão com resolução de mérito e impedir que o reclamante volte a ajuizar uma ação com os mesmos pedidos e mesma causa de pedir em desfavor do reclamado. Portanto, o interesse recursal não está relacionado apenas à sucumbência na ação, e cabe lembrar que o recurso ordinário presta-se para atacar decisão final que julgue ou não o mérito, ou seja, definitiva ou terminativa, respectivamente. [10]
A terceira questão que surge advém de uma lacuna da nova regra do processo do trabalho. Se por acaso, o reclamado não oferecer a sua contestação, até que momento o reclamante poderia desistir da ação? Manoel Antonio Teixeira Filho, aduz que seria mais prudente o legislador ter redigido o texto da lei referindo que após o prazo da contestação o reclamante somente poderia desistir da ação com a concordância do reclamado, ainda que não tivesse contestado. Como a lei nada diz a esse respetio, o autor entende que caso não seja contestada a ação e o reclamante resolver desistir da mesma, o juiz abrirá um prazo para o reclamado se manifestar se concorda ou não com a desistência, mas em caso de não concordância terá que justificar baseado em alguma motivação, e o juiz irá analisar se rejeita ou não os motivos do reclamado. Caso simplesmente, o reclamado, não se manifeste presume-se que concorda com a desistência, e a mesma deverá ser homologada. [11]
Por outro lado, o autor, [12] lembra ainda que uma possível saída para a lacuna da norma está no processo civil como fonte subsidiária do processo do trabalho, quando traz o momento limite para a desistência da ação, sendo esta até a sentença. [13]
Mauricio Godinho Delgado e Gabriela Neves Delgado recordam que veio outra novidade na reforma trabalhista que guarda relação direta com a desistência da ação por parte do reclamante. É a redação do parágrafo único do art. 847 da CLT, acrescentado pela Lei 13.467/2017. Reza o dispositivo que “a parte poderá apresentar defesa escrita pelo sistema de processo judicial eletrônico até a audiência.” (Grifou-se). Sendo assim, a contestação do reclamado tem um limite temporal em que deverá ser apresentado, que é o prazo comum do dia da audiência inaugural. [14]
Por fim, segundo entendimento de Manoel Antonio Teixeira Filho, a desistência da ação por motivo de transação, não passa de um erro de tipificação jurídica, e o juiz nesse caso, deverá ao analisar os documentos probatórios extinguir o processo com resolução do mérito. [15]
Conclusão
Alguns pontos da reforma trabalhista estão claramente vinculados ao princípio da boa-fé. Ora, como foi visto ao longo da pesquisa, em muitas situações os reclamantes sem motivo algum desistem de suas ações para tirar algum tipo de vantagem indevida, tentando fazer do processo e da justiça um jogo em que o mais esperto vence.
A justiça do trabalho não deve ser entendida dessa forma, e por isso, o legislador acerta ao pedir a concordância do reclamado para encerrar a demanda sem resolução do mérito. Cada caso deverá ser analisado isoladamente, na busca da verdade, para saber a real intenção na desistência da ação, mas a regra certamente irá diminuir tentativas de enriquecimento sem causa quando não há qualquer direito a ser devido ao trabalhador, quando tudo já foi devidamente quitado e o mesmo ajuiza uma ação com esperanças de ganhar algo que não é seu e sem risco algum em caso de improcedência.
Referências
1 – Reza o novo parágrafo do dispositivo da CLT: “Art. 841. [...] § 3º Oferecida a contestação, ainda que eletronicamente, o reclamante não poderá, sem o consentimento do reclamado, desistir da ação.”
2 – Assim dispõe o art. 841 da CLT: “Recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou chefe de secretaria dentro de 48 horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência de julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias.”
3 – SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/17. 1. ed. São Paulo: LTr Editora, 2017, p. 95.
4 – O Novo Código de Processo Civil traz dispositivo semelhante ao que agora está inserido na CLT. Encontramos a referida regra no art. 485, § 4º: “oferecida a contestação, o autor não poderá, sem o consentimento do réu, desistir da ação.”
5 – SCHIAVI, Mauro. A reforma trabalhista e o processo do trabalho: aspectos processuais da Lei n. 13.467/17. 1. ed. São Paulo: LTr Editora, 2017, p. 95.
6 – Tal argumento encontra-se nos motivos do Projeto de Lei n. 6.787/2016 que assim dispõe: “No art. 841, acrescentamos um parágrafo condicionado a desistência do reclamante à anuência do reclamado. Muitas vezes são ajuizadas reclamações sem fundamento fático, em que as partes reclamam direitos que sabem não serem devidos, diante da possibilidade de desistirem até mesmo no momento da audiência , tão logo tomam conhecimento da defesa da outra parte. Com isso, movimentam a máquina judiciária, mas não arcam com o ônus decorrente de sua iniciativa. Portanto, se não houver concordância do reclamado, a ação seguirá seu rumo e o reclamante, caso não obtenha sucesso, terá que arcar com as custas processuais. É uma medida que, esperamos, contribuirá para a redução de ações ajuízadas sem fundamento.”
7 – SILVA, Homero Batista Mateus da. Comentários à reforma trabalhista. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2017, p. 156.
8 – De acordo com o art. 844 da CLT: “o não comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não comparecimento do reclamado importa revelia, além da confissão quanto à matéria de fato.” (Grifou-se)
9 – Esse é o entendimento da Súmula 9 do TST: “A ausência do reclamante, quando adiada a instrução após contestada a ação em audiência, não importa arquivamento do processo.” Tal Súmula deverá ser vista em conjunto com a Súmula 74, I, do TST que reza o seguinte: “Aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor.”
10 – SARAIVA, Renato; MANFREDINI, Aryanna. Curso de Direito Processual do Trabalho. 12. ed. rev. ampl. e atual. Salvador: Editora JusPodivm, 2015, p. 485.
11 - TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações introduzidas no processo do trabalho pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 138.
12 – Idem, p. 138.
13 – Reza o art. 485, § 5º do NCPC que: “A desistência da ação pode ser apresentada até a sentença.”
14 – DELGADO, Mauricio Godinho; DELGADO, Gabriela Neves. A reforma trabalhista no Brasil: com os comentários à Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 340.
15 – TEIXEIRA FILHO, Manoel Antonio. O processo do trabalho e a reforma trabalhista: as alterações introduzidas no processo do trabalho pela Lei n. 13.467/2017. São Paulo: LTr, 2017, p. 138.
Advogado militante (OAB/RS 73.357), trabalha nas áreas cível e trabalhista. Formado em Ciências Jurídicas e Sociais pela PUCRS no ano de 2007. Especialista em Direito do Trabalho e Processo do Trabalho pelo IDC-RS no ano de 2010. Mestre em Direito Processual Civil pela PUCRS no ano de 2014. Professor de Direito da Graduação e Pós-Graduação da Universidade de Santa Cruz do Sul -UNISC.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: KRIEGER, Mauricio Antonacci. Da reforma trabalhista: desistência da ação Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 fev 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51354/da-reforma-trabalhista-desistencia-da-acao. Acesso em: 23 dez 2024.
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