Resumo: Este trabalho analisa o princípio da igualdade inscrito na Constituição Federal de 1988 dedicado especificamente às pessoas com deficiência. É perquirida a noção de política pública para assegurar que haja inclusão de indivíduos que sofrem dificuldades para ter acesso às mesmas condições de ensino das pessoas que não padecem de deficiência. Para tanto, são detalhadas as noções de i) princípio; ii) igualdade; iii) política pública; iv) pessoa com deficiência. Para além do estudo em abstrato, apresenta-se pesquisa em campo realizada a partir das experiências profissionais individuais nesses primeiros dez anos de século XXI, especificamente em unidades selecionadas no Município de Curitiba-PR. Com isso, busca-se fazer comparação entre a teoria insculpida em diplomas legais com a praxe do ambiente educacional, ressalvada, obviamente, a limitação do estudo às unidades visitadas. Portanto, feito estudo teórico sobre os objetivos dispostos na Constituição e nas leis, analisa-se a prática. Em seguida, fazem-se sugestões.
Palavras-chave: pessoa com deficiência; igualdade; políticas públicas.
Sumário: 1- Introdução; 2- Objetivos; 3-Metodologia Aplicada; 4- Noção de Princípio; 5- O Princípio da Igualdade e os Contornos Teóricos da Constituição de 1988; 6- Igualdade material e Igualdade formal; 7- Igualdade como direito fundamental; 8- Políticas Públicas; 9- Evolução Histórica das Políticas Públicas; 10- Estrutura das Políticas Públicas; 11- Definição de pessoas com deficiência; 12- Evolução sobre as conceituações que as pessoas com deficiência receberam com o passar do tempo; 13- Políticas Públicas municipais da Cidade de Curitiba para pessoas com Deficiência; 14- Resultados; 15- Conclusão, 16- Referências.
1- INTRODUÇÃO
O Direito à Igualdade é princípio constitucional inscrito na Constituição Federal de 1988. No entanto, seu conteúdo depende de esforço hermenêutico, pois há classificações distintas do que se poderia entender por igualdade, sendo a diferenciação mais comum aquela que separa igualdade material da igualdade formal.
Este trabalho pretende especificar i) o que se entende por princípio; ii) a igualdade como princípio da CF de 1988; iii) a necessidade prestacional para se assegurar o direito à igualdade.
Em seguida, analisa-se a noção de políticas públicas, instrumental típico dos Estados para oferecer à comunidade de destino os meios materiais de se alcançar a igualdade material.
Por fim, estuda-se especificamente a política pública direcionada à pessoa com deficiência, consubstanciada contemporaneamente pelo Estatuto da Pessoa com Deficiência. Com base em pesquisa de campo, analisam-se as condições de atendimento das pessoas com deficiência em Curitiba-PR, especialmente em unidades escolares selecionadas.
2- OBJETIVOS
Estudar as políticas públicas educacionais de promoção da pessoa com deficiência, tendo como base a legislação brasileira e, especificamente, a curitibana. Após fazer análise abstrata das noções de “princípio”, “deficiência” e “políticas públicas”, estuda-se a prática das políticas de promoção da pessoa com deficiência. Embora não haja intenção de analisar todo o Brasil tampouco todo o município de Curitiba-PR, apresenta-se estudo derivado de pesquisa de campo em unidades de educação especificadas.
A partir dessa análise preliminar, apontam-se deficiências e qualidades.
3- METODOLOGIA APLICADA
Revisão bibliográfica e estudo de campo em unidades educacionais selecionadas, no lapso de tempo abaixo indicado, no Município de Curitiba-PR.
4-NOÇÃO DE PRINCÍPIOS
O princípio, na Constituição de 1988, “(...) aponta a necessidade de clarificar a estrutura normativa fundamental do Estado (...) vai em busca de constituir um Direito Constitucional principialista”[1], nos quais se baseiam em concepções sistêmicas, estruturantes, funcionais e institucionais.[2] Dentro desta estrutura normativa fundamental que o Estado contém, encontramos estes princípios como espécies morfológicas as quais atendem diferentes graus de concretização.[3] Segundo CANOTILHO e DWORKIN, “Os princípios seriam normas juridicamente vinculantes, que têm em vista os reclamos de Justiça, acrescentando numa ideia de direito, enquanto as normas podem ser vinculantes, iludindo um conteúdo funcional”[4].
Princípios são diretrizes básicas que estão ligadas às decisões políticas imprescindíveis. Estes qualificativos fundamentais são basilares para o Estado, servindo de suporte para as suas atividades, conforme se denota do art. 5º, CF.
5-O PRINCÍPIO DA IGUALDADE E OS CONTORNOS TEÓRICOS DA CONSTITUIÇÃO DE 1988
O princípio é responsável por estruturar o regime dos direitos fundamentais. Contém a função tríplice de delimitar as atividades de i) legislador, ii) intérprete, e iii) particulares.[5]
O princípio da Igualdade foi adotado pela Constituição de 1988 com o objetivo de proporcionar igualdade de oportunidades, igualdade virtual. A partir desta concepção, vedam-se todas as possibilidades de se diferenciar de modo arbitrário, por estar realizando um tratamento diferenciado. No entanto, é possível o tratamento iníquo. Esse tratamento desigual é uma das exigências que o próprio conceito de justiça faz, pois o que as protege são as suas finalidades específicas. Portanto, só há lesão ao princípio da igualdade quando o elemento discriminador não possui uma finalidade acolhida pelo próprio direito. A igualdade tem por objetivo equivaler as condições sociais, não apenas por meio das leis, mas por meio de políticas ou programas de ações estatais. Para Fabio Konder Comparato, a igualdade possui uma eficácia transcendente que ataca todas as desigualdades arroladas na Constituição, como as regionais. Essas desigualdades não são admitidas pela Constituição e sua supressão é ordenada por mandamento constitucional, hierarquicamente superior.[6]
O princípio da igualdade busca aplicar o direito do caso concreto. Segue duas características fundamentais, a saber, i) aplicação da norma geral e abstrata para todos os casos concretos, e ii) possibilidade de discriminar de acordo com embasamento legal e constitucional.[7]
6- A IGUALDADE MATERIAL E A IGUALDADE FORMAL
As igualdades, tanto material como formal, surgem em meio da Revolução Francesa, que foi composta de grupo de revolucionários os quais sempre tentavam diminuir o poder do Estado, promovendo o bem-estar social. Neste período vigorava o Estado Absolutista. O Absolutismo tinha monarca que se considerava representante da vontade divina, acima dos particulares, quem não tinham corpo de direitos e deveres bem definidos.
Com a Revolução Francesa, a ideia da igualdade entre cidadãos, membros de um só corpo nacional, exsurge. No entanto, críticos do liberalismo político apontavam que a igualdade formal fazia-se insuficiente, pois não considerava as necessidades e possibilidades diferenciadas.
O princípio da igualdade acabou subdividindo-se em dois tipos de igualdade. São as igualdades formal e material. Elas estão presentes nos art. 5º, I e art.7º, XXX, da CF de 1988.[8]
Estas igualdades contêm um paradigma normativo que foi explicado por Kelsen. A igualdade material é composta de normas escritas e não escritas, sendo as escritas determinadas por atos arbitrários da pessoa humana. Já as normas não escritas não podem ser plenamente codificadas. Trata-se de estrutura mista. Por outro lado, a igualdade formal é um documento escrito que está no topo do ordenamento do direito positivo; elas existem para certificar a sua validade.[9]
A igualdade material perante a lei demonstra ser um dos pressupostos para que o legislador aplique os direitos sociais. O Estado de Direito observa que não é o tutor de seus cidadãos, assim, não lhe cabe o papel de órgão condutor nos quais delimita os passos de cada pessoa, garantindo o sucesso final, independente de méritos pessoais. Mas o Estado de Direito deve zelar pela igualdade de oportunidades, pelo tratamento diferenciado, respeitoso das diferenças consideradas substanciais.
Para Frischein, a desigualdade é composta por diversos fatores que acabam, por motivos diversos, fazendo uma separação entre grupos; esta separação acaba sendo feita por meio das classes ou dos círculos sociais. As desigualdades são enfrentadas por meio dos direitos sociais, conforme art.6º da CF de 1988.[10]
“Art.6º São direitos sociais a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção, à maternidade e a infância, a assistência aos desamparados como na forma da Constituição.[11]
Estes direitos fundamentais são direitos básicos e necessários ao cidadão individualmente tomado. Assim, as normas gerais acabam entrando em conformidade com o seu sentido subjetivo.[12]
Nesse sentido, a socióloga Sylvia Walby afirma que a estrutura da Constituição, em seu aspecto formal, tem por objetivo agregar todas as características, que estão expressas não apenas na Constituição, mas nas Emendas Constitucionais e nos Tratados Internacionais que contêm a estrutura das Emendas Constitucionais.
A estrutura formal da Constituição pode até ser considerada rígida, pois a codificação engessa a literalidade da redação. Entretanto, além da interpretação literal, é necessária hermenêutica mais ampla, capaz de abranger modificações que ocorrem ao tempo da interpretação. Essa leitura material da Constituição concretiza o princípio da igualdade, pois abrange, temporalmente, desigualdades não previstas pela redação original.
Por conseguinte, além de oferecer os elementos estruturantes dos Estados nacionais, as Constituições também representam, desde o século XVIII, instrumento de direitos e garantias essenciais para a vida comunitária.
Quem acabou por instituir a Constituição sob o aspecto formal foi Hans Kelsen, “que define a Constituição como normas que não necessitam de um conteúdo especifico, que buscam validar os direitos positivos dentro de um sistema que possui uma divisão sobre o tipo que a Constituição possui”.[13]Hans Kelsen acabou formulando a noção de Constituição como documento solene, composto por um conjunto de normas jurídicas que podem ser modificadas mediante a observância de prescrições especiais, cujo objetivo é dificultar a modificação de tais normas. Para Kelsen são normas fundamentais que servem de parâmetro para a constitucionalidade, que está inserida no texto constitucional.
No Brasil, o preâmbulo da Constituição Federal, ao ver do STF e da maioria da doutrina, não possui normas constitucionais, pois não faz parte da Constituição Formal. A Constituição contêm duas partes, que se subdividem em parte orgânica e parte dogmática. A parte orgânica está relacionada com a divisão do exercício do poder político, podendo ser territorial e funcional; são matérias próprias da Constituição, que estão presentes no art. 1º da CRFBR.[14]
“ Art.1º: A República Federativa do Brasil, formada pela união indissolúvel dos Estados e Municípios e do Distrito Federal, constitui-se em Estado Democrático de Direito e tem como fundamentos: I- Soberania. II- Cidadania. III - Dignidade da pessoa humana. IV- Os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa. V- Pluralismo jurídico. Parágrafo único: todo o poder emana do povo, que exerce por meio de representantes efeitos ou diretamente nos termos desta Constituição”.[15]
Segundo BULOS, “esta situação acaba estabelecendo a forma do Governo que é representada pela República (...) que é composta pelo Executivo, Legislativo e Judiciário (...) estas normas são as responsáveis por organizar o Estado”.
A parte dogmática está ligada aos direitos, garantias e remédios constitucionais, por ser considerada a parte central do documento escrito. Possui poder normativo, mas não é a única que possui estas prerrogativas dentro da Constituição. Ela tem por objetivo prolongar a eficácia de determinados direitos e deveres ao longo do tempo, buscando assegurar que determinados predicados e determinadas prerrogativas não sejam facilmente suprimidos, pois relevantes para a vida social do país. Nisso, esses direitos e deveres apenas poderiam ser alterados mediante Emenda Constitucional, cujo procedimento é, em Constituições rígidas como a brasileira, de rito diferenciado. Necessitar-se-iam três quintos de cada Casa do Congresso Nacional em dois turnos distintos para que houvesse modificação da redação constitucional.[16] Ademais, se estamos tratando de normas fundamentais, impossível a supressão de direitos, porque fazem parte das denominadas cláusulas pétreas. Mais uma vez, denota-se a vontade constituinte de preservar direitos e deveres ao longo do tempo.
7- IGUALDADE COMO DIREITO FUNDAMENTAL
Gilmar Mendes afirma que os direitos fundamentais em nossa Constituição Federal acabam se dividindo em cinco aspectos que são i) os direitos individuais, ii) os direitos coletivos, iii) os direitos sociais, iv) direitos de nacionalidade e v) direitos políticos que estão relacionados à existência e a participação em partidos políticos. Estes direitos podem ter sidos criados por ordenamentos jurídicos, por manifestações de vontade, e outros, que são reconhecidos por estarem expressos, nas cartas legislativas.
O direito fundamental é conhecido também como “liberdade pública” ou “Direito Humano”, que é um conjunto de direitos e garantias do ser humano institucionalizado, visando garantir o respeito à vida, à liberdade, à igualdade e à dignidade para o pleno desenvolvimento. Tem como características principais a historicidade, por conter toda a bagagem de fatos ocorridos em momentos anteriores; também cita-se a imprescritibilidade: não se perdem no decurso do tempo; existe ainda a irrenunciabilidade, ou seja, não podem ser livremente dispostos pelo indivíduo; são invioláveis porquanto a falta de observância determina consequências administrativas, cíveis e penais; a universalidade porque são direitos que estão disponíveis a todos os cidadãos; a efetividade, pois o Poder Público é o responsável por garantir os direitos considerados fundamentais, inclusive mediante atos coercitivos monopolizados estatalmente. Os direitos fundamentais são os direitos do homem jurídico que são garantidos pela Constituição. São direitos que fazem parte de uma ordem jurídica concreta.[17]
Canotilho observa que o princípio da igualdade “(...) é um dos princípios que acaba estruturando o regime dos direitos fundamentais, pois para ele ‘todos são iguais perante a lei, não podendo haver nenhuma distinção’”.[18]
Para Canotilho, as regras e princípios jurídicos fundamentais possuem um grau de diferenciação que se relaciona com as singularidades de cada cidadão.[19]
A teoria e a prática da igualdade, segundo Dworkin,[20] abrange a teoria da igualdade distributiva, que também é conhecida pela expressão “igualdade de bem-estar”. Ela não está relacionada com a distribuição de poder político ou com os direitos individuais, mas com a justa distribuição de recursos existenciais, caracterizados pela finitude.[21] Ele relata que essa modalidade de igualdade é garantida quando não há necessidade de haver nenhum tipo de recurso adicional que tenha que ser substituído por outros presentes. Esta concepção de igualdade diz que as pessoas têm “direitos naturais”[22] sobre qualquer situação, e o governo acaba as tratando como iguais quando protege a sua base. Nota-se que a teoria dworkiniana padece de excessiva abstração, a qual abre margem para interpretações diversas. Ainda assim, persiste o mandamento geral segundo o qual governos devem proteger e regular a propriedade e distribuição de bens de modo que, no resultado final, assegure-se bem-estar generalizado.
No entanto, destaque-se que grupos de interesse tentam exigir do governo resultados que não dizem respeito necessariamente ao bem-estar generalizado, mas à distribuição de bens, de oportunidades e de desejos especificamente grupais. Nisso, deve o legislador e o agente político serem capazes de discriminar, com sua margem de discricionariedade, quais bens e direitos realmente acarretam, para toda a sociedade, bem-estar generalizado, ainda que oferecidos apenas a setores específicos da comunidade política.
8- POLÍTICAS PÚBLICAS
São definidas por MEAD[23] como sendo um conjunto de ações, as quais irão introduzir efeitos específicos. Elas apresentam, de um modo geral, campos multidisciplinares tendo como foco central as explicações sobre a natureza da política pública e os seus processos, que buscam sistematizar as teorias construídas nos campos da sociologia, da ciência política e da economia.
A política pública é um campo de conhecimento que busca, ao mesmo tempo, acionar o governo ou analisar os efeitos práticos da ação governamental. Ela apresenta uma autonomia relativa do Estado, que possui diferentes capacidades para a implementação de objetivos os quais variam muito por conta do desenvolvimento histórico de cada país.
9- EVOLUÇÃO HISTÓRICA DAS POLITICAS PÚBLICAS
O estudo das Políticas Públicas ocorre entre os séculos XVII e XIX, tendo como atividade principal a manutenção da segurança política interna e a preservação da propriedade privada.
Já no século XX, com o passar do tempo, o Estado fica responsável por promover o bem-estar social, que acaba exigindo uma atuação diferenciada. Isso para resolver os problemas específicos da comunidade. As políticas públicas surgem nos Estados Unidos da América, em meados do século XX. Nesse período, as políticas acabam se inspirando nas ações que a ideologia política inspirava.
Estas medidas acabam sendo introduzidas na estrutura do Estado por meio de quatro estudiosos:[24] H. Lasewell, H. Simon, C. Lindblom e D. Easton. Lasewell inicia este estudo ainda na década de 30, tendo como objetivo conciliar o conhecimento cientifico/acadêmico com a produção empírica do governo. Lindblom acaba questionando a ênfase do racionalismo de Lasewell. Com isto, Simon propõe outras variantes a estrutura das políticas públicas. Easton contribui para estruturar a definição da política pública como sistema ou como relação entre definição, formulação, resultado e ambiente. Aos poucos, estas medidas passam a ser analisadas como algo único.
10- ESTRUTURA DAS POLÍTICAS PÚBLICAS
As políticas públicas possuem subsistemas, os quais são compostos por um número especifico de conjunções de estratégias, que se distinguem por conta dos valores, crenças e ideias, além dos recursos de que dispõem.
As arenas sociais são as responsáveis por empreender as atividades das políticas públicas (integra o ator a política)[25], que acabam constituindo as redes sociais (grupos que visam à defesa de direitos sociais)[26]. Estas, por sua vez, atenuam o campo de ação individual. As redes, muitas vezes, restringem as ações individualmente consideradas e, com isto, as suas estratégias. Conformam, assim, estruturas, que se definem como conjunto de ações que limitam o campo de atuação individual.
Os subsistemas conformam um processo político decisório, que cuida das questões de forma. A forma assegura a credibilidade perante o público, que, assim, apresenta maior propensão a aceitar o que é disposto pelo Estado.
As políticas públicas são definidas abstratamente pelo Poder Público, mas nem sempre os resultados práticos estão de acordo com o que foi planejado. Isso porque há diversos fatores e níveis de decisões que se apresentam em instâncias diferentes. Nisso, nota-se que nem sempre existem prazos bem definidos para a consecução dos planos.
Portanto, os resultados dependem da implementação realizada de acordo com percepções subjetivas sobre as alternativas. A execução corresponde à aplicabilidade da ação. Nesse aspecto, a avaliação é processo fundamental para que se possa afirmar eficácia do que foi imaginado, bem como para poder oferecer ao indivíduo participante noção sobre a eficácia do que foi disposto pelo governo.
11- DEFINIÇÃO DE PESSOA COM DEFICIÊNCIA
A definição de pessoa com deficiência está expressa no decreto 3.298 de 1999 e regulamentada pela lei 7853 de 1989[27], que abrange um grande número de situações que versam sobre anomalias físicas, psíquicas, fisiológicas, que muitas vezes são de difícil caracterização. Segundo Roberto Bolonhini Junior[28]:
“O sistema normativo pátrio aponta diferenças entre deficiência, deficiência permanente e incapacidade, e também elenca os seus diversos tipos, tais como física, mental, auditiva, visual e múltipla, objetivando alcançar toda e qualquer pessoa que apresente uma espécie de anomalia físico-psíquica, aparente ou não”.
De acordo com o CIDID/1980[29] – a deficiência é conceituada como uma repercussão imediata da doença sobre o corpo, impondo uma alteração estrutural ou funcional a nível tecidual ou orgânico.
Seguindo esta linha podemos afirmar que:
a) Deficiência é toda perda ou anormalidade de uma estrutura ou função psicológica, fisiológica, ou anatômica que gera a incapacidade para o desempenho da atividade dentro do padrão considerado normal para o ser humano.
b) Deficiência permanente é aquela que ocorreu ou se estabilizou durante um período de tempo suficiente para não permitir recuperação ou ter probabilidade de que se altere apesar de novos tratamentos.
c) Incapacidade é uma redução efetiva e acentuada da capacidade de integração social, com necessidade de equipamentos, adaptações, meios ou recursos especiais para a pessoa portadora de deficiência possa receber ou transmitir informações essenciais ao bem-estar pessoal ou atividade a ser exercida. ”[30]
12- EVOLUÇÃO SOBRE AS CONCEITUAÇÕES QUE AS PESSOAS COM DEFICIÊNCIA RECEBERAM COM O PASSAR DO TEMPO
Atualmente se utiliza para estas pessoas a denominação de “pessoa com deficiência”, por representar a condição que a pessoa se encontra, porém, estas denominações nem sempre foram assim.
Entre a década de 90 e o ano 2000, era muito comum a utilização da terminologia da “pessoa com necessidades especiais”, a qual está sendo extinta por não representar aspectos concretos sobre a respectiva denominação, por dar a ideia de que a pessoa não se importava com a sua condição; esta denominação também caracterizava uma ideia eufemística.
Igualmente ultrapassada é a expressão “pessoa portadora de deficiência”, pois a portabilidade transmite a ideia de que seria possível abrir mão da deficiência.
Neste sentido, a melhor expressão a se utilizar é “pessoa com deficiência”[31], porque, além de não ser eufemística, não transmite a noção de que a deficiência incapacita a pessoa para todas as atividades cotidianas, porquanto, na maior parte das vezes, a deficiência apenas afeta alguns aspectos da vida comum.
13- POLÍTICAS PÚBLICAS MUNICIPAIS DA CIDADE DE CURITIBA PARA PESSOAS COM DEFICIÊNCIA
As políticas públicas existentes no município de Curitiba-PR são muito escassas a esta parcela da sociedade, porque essas politicas abrangem tão somente dois campos, que são i) acessibilidade e ii) educação.
A educação propriamente dita é realizada em locais específicos, os quais buscam treinar e qualificar estas pessoas ao mercado de trabalho. Agentes públicos, muitas vezes, prejulgam a capacidade técnica ou cognitiva da pessoa com deficiência, sem atentar às especificidades individuais[32]. Isso quando há políticas destinadas a pessoas com deficiência, uma vez que basicamente restringidas a escolas públicas municipais e estaduais. Nas escolas privadas, sequer se nota política interna de inclusão de pessoas com deficiência, muito menos política capaz de oferecer educação acorde às particularidades da deficiência.
As escolas particulares, por mais que possuam uma infraestrutura melhor, por vezes não aceitam estas pessoas dada a necessidade de atendimento diferenciado. Assim, denota-se preconceito velado dessas instituições em relação a pessoas com deficiência.
A implementação destas politicas se tornaram obrigatórias por conta da delimitação da Lei de Inclusão, que é popularmente conhecida como Estatuto da Pessoa com Deficiência (Lei 13.146 de 2015), a qual foi inspirado pela Convenção de Nova Iorque, a qual gera a obrigatoriedade destas ações ao Estado.
A resistência dos estabelecimentos de ensino privado já se faz notar[33]. A CONFENEN ofereceu Ação Direta de Inconstitucionalidade contra o estipulado no art. 28, §1º c/c art. 30, Lei 13.146 de 2015:
Art. 28. Incumbe ao poder público assegurar, criar, desenvolver, implementar, incentivar, acompanhar e avaliar (…)
§ 1o Às instituições privadas, de qualquer nível e modalidade de ensino, aplica-se obrigatoriamente o disposto nos incisos I, II, III, V, VII, VIII, IX, X, XI, XII, XIII, XIV, XV, XVI, XVII e XVIII do caput deste artigo, sendo vedada a cobrança de valores adicionais de qualquer natureza em suas mensalidades, anuidades e matrículas no cumprimento dessas determinações (grifo nosso)
Entretanto, essa resistência não tende a persistir, graças à eficácia horizontal – ou seja, entre particulares – dos direitos fundamentais[34]. Essa noção já é bem aceita no Supremo Tribunal Federal, que exerce a função de corte constitucional no Brasil.
Dito isso, pode-se afirmar que Curitiba-PR tem mais preocupação com a pessoa com deficiência do que a média dos Municípios brasileiros, até porque trata-se de uma das cidades mais ricas do país. Desde 1982, registra-se legislação sobre pessoa com deficiência. A Lei Municipal 6.327 de 1982 declarou a Associação de Deficientes Físicos do Paraná como associação de utilidade pública. Mais recentemente, criou tradutor gestual no quadro de funcionários (Lei Municipal 13.804 de 2011); exigiu cadeiras de rodas em escolas públicas e privadas (Lei Municipal 14.198 de 2012); estipulou dever de supermercados de fornecer apoio a consumidores com deficiências visuais (Lei Municipal 14.351 de 2013).
14- RESULTADOS
Mesmo políticas públicas sofrem com a falta de tratamento verdadeiramente especializado para com pessoas com deficiência. Na Educação Especial Nilza Tartuce, onde foi feito trabalho de campo (2016), notou-se ausência de discriminação das reais capacidades e potencialidades das pessoas com deficiência. Essa figura era tratada homogeneamente, sem maiores preocupações com anseios individuais que porventura viesse a apresentar. Mesmo nas APAE, que têm relações bastante estreitas com o setor público, nota-se que não há o devido preparo do pessoal para que sejam bem delimitadas as necessidades, potencialidades e anseios dos atendidos.
15- CONCLUSÃO
O princípio constitucional que encerra o direito à igualdade é mandamento da Constituição Federal de 1988 que segue a lógica das Constituições que se inspiram na Constituição de Weimar e na experiência mexicana de 1917. Nelas, há mandamento para que o Estado preste serviços e ações que assegurem a igualdade material, distinta da igualdade formal presente nas Constituições liberais dos séculos XVII e XVIII.
Para além da atuação estatal, a contemporaneidade entende presente a eficácia horizontal dos direitos fundamentais, segundo a qual entes privados devem ser compelidos a oferecer ações afirmativas capazes de assegurar a inclusão. Embora haja resistência por parte dos setores privados, esta imposição é aceita pelos tribunais constitucionais ao redor do mundo, regra da qual o Brasil não é exceção.
Assim, constituíram-se políticas públicas e privadas para que se assegurasse que a pessoa com deficiência pudesse usufruir da mesma qualidade de vida que as demais.
No entanto, nota-se que o disposto no Estatuto da Pessoa com Deficiência tem pouco vigor prático, é dizer, pouca eficácia. Assim como ocorre em outros diplomas legais brasileiros, a lei sofre com a sempre ameaça de tornar-se letra morta.
A título de exemplo, trouxemos a Ação Direta de Inconstitucionalidade da CONFENEN, que busca o direito de exigir, das pessoas com deficiência, valores superiores para efeitos de mensalidade escolar.
O Estatuto da Pessoa com Deficiência é marco relevante para que se fale em genuína inclusão social, mas, para além dos direitos de cotas estabelecidos no corpo desse diploma, é necessário que os agentes públicos e os privados interessados busquem entender a individualidade de cada pessoa com deficiência. O impedimento, por vezes, não deriva da condição física ou psíquica, mas das barreiras externas. Além disso, mesmo os obstáculos fisiológicos não impedem a pessoa com deficiência de exercer inúmeras funções e competências socialmente úteis. Cabem às escolas especializadas e às instituições educacionais privadas realizar verdadeira avaliação da condição de cada pessoa com deficiência, de modo a satisfazer seus anseios como indivíduo, respeitadas, obviamente, as limitações que porventuram façam-se intransponíveis.
16- REFERÊNCIAS
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[1] KELSEN, Hans. Teoria Geral do Direito e Estado. Tradução de Luiz Carlos Borges. 3. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998, p.182.
[2] Idem.
[3] Idem.
[4] BULOS UADI, Lamengo. Constituição Anotada. 8. ed. São Paulo: Saraiva, p. 72.
[5] Idem.
[6] MORAES, Alexandre de. Direito Constitucional. 24. ed. São Paulo: Saraiva, p. 36-38.
[7] BULOS UADI, Lamengo, op. cit., p. 212
[8] FRISCHEIN, Luiza Cristina Fonseca. A Construção da Igualdade e o Sistema da Justiça no Brasil – Alguns Caminhos e Possibilidades. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2004, p.7
[9] KELSEN Hans, op. cit., p. 182.
[10] FRISCHEIN, Luiza Cristina Fonseca, op. cit., p.5
[11] BULOS UADI, Lamengo, op. cit., p.425.
[12] Idem.
[13] Idem.
[14] Idem.
[15] Idem.
[16] Idem.
[17] MENDES, Gilmar Ferreira. Curso de Direito Constitucional. 2.ed. São Paulo: Saraiva, p:233-239.
[18] Idem.
[19] Idem.
[20] DWORKIN, Ronald. A Virtude Soberana: a Teoria e a Prática da Igualdade. São Paulo: Martins Fontes, 2005, p. 4-5.
[21] Idem.
[22] Idem.
[23] MEAD, L. M. Public Policy: Vision, Potential, Limits, Policy Currents, Fevereiro: 1-4. 1995
[24] Para uma síntese desta trajetória, ver Parsons (1997: 278-8).
[25] RUA, Maria das Graças, Instituto de Gestão Economia e Políticas Públicas. Politicas Públicas - Abordagem das Políticas Públicas :Disponível em:
[26] Idem.
[27] BATTISTELLA, Linamara Rizzo. Conceito de Deficiência segundo a Convenção da ONU e os Critérios da CIF. Disponível em:
[28] BOLONHINI JUNIOR, R. Portadores de Necessidades Especiais: as Primeiras Prerrogativas dos Portadores de Necessidades Especiais e a Legislação Brasileira. 2. ed. São Paulo: Atlas, 2010, p. 3-4.
[29] BATTISTELLA, Linamara Rizzo, op. cit, p. 13.
[30] BOLONHINI JUNIOR, R., op. cit., p. 3-4.
[31] SERPA, Maria do Carmo Aboudid Varella. Pessoa Idosa e Pessoa Portadora de Deficiência: Retrospectiva Histórica, Avanços e Desafios. In: MINISTÉRIO PÚBLICO DO ESTADO DO ESPÍRITO SANTO. Pessoa Idosa e Pessoa Portadora de Deficiência: da Dignidade Necessária. v.3. t.1. Vitória: CEAF, 2003.
[32] Para sustentar semelhante afirmação, fez-se pesquisa de campo na Escola de Educação Especial Nilza Tartuce. A visita deu-se em junho de 2016. Não se trata, porém, de caso isolado. Mesmo nas APAE notam-se prejulgamentos. Pessoas com Síndrome de Down tinham atividades bem delimitadas, sem que se notasse preocupação com o grau de intensidade da enfermidade. Novamente, fez-se pesquisa de campo entre 2006 e 2009.
[33] DINIZ, Hirmínia Dorigan de Matos Diniz; LIMA, Gabriel Móres de. Ação Direta de Inconstitucionalidade 5.357 MC/DF (publicada no DJe de 20.11.2015), com Pedido de Medida Cautelar. Relator: Min. Edson Fachin. Requerente: Confederação Nacional dos Estabelecimentos de Ensino – CONFENEN. Decisão monocrática: pedido de suspensão da eficácia do parágrafo 1. do artigo 28 e caput do artigo 30 da Lei n. 13.146/2015 – Indeferimento da Medida Cautelar Ad Referendum do Plenário do STF. In: Revista Jurídica do Ministério Público do Estado do Paraná. Ano 3. nº 4, agosto/2016. Curitiba: Ministério Público do Estado do Paraná, 2016, p. 441.
[34] Conforme manifestado em CLETO, Vinicius Hsu. A Convenção de Nova Iorque e o Estatuto da Pessoa com Deficiência: ordenamento brasileiro e políticas públicas. Conteúdo Jurídico, Brasilia-DF: 16 dez. 2016. Disponível em: . Acesso em: 20 ago. 2017.
Pós-graduanda lato sensu pela UFPR, graduada em Direito pela OPET e graduanda em História pelo Centro Universitário Internacional Uninter.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FIORI, Caroline Aguida. Políticas públicas de ensino para pessoas com deficiência e o direito à igualdade: teoria e prática em unidades selecionadas de Curitiba Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 fev 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51355/politicas-publicas-de-ensino-para-pessoas-com-deficiencia-e-o-direito-a-igualdade-teoria-e-pratica-em-unidades-selecionadas-de-curitiba. Acesso em: 23 dez 2024.
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