RESUMO: Na contemporaneidade, com o intuito de dar respostas aos anseios da sociedade e à crescente litigância de massa, busca-se a criação e o aperfeiçoamento de ferramentas processuais que dinamizem e instrumentalizem o acesso à Justiça, a isonomia, a celeridade, a segurança jurídica, dentre outros valores e princípios com assento constitucional. As Leis 13.015/2014 e 13.105/2015) foram editadas com o intuito de resolver demandas repetitivas, vindo a reforçar o microssistema dos “recursos repetitivos”. Nessa conjuntura, o vertente estudo pretende analisar, na matéria trabalhista, a partir do novo papel conferido aos Tribunais Regionais do Trabalho, o de uniformização obrigatória de sua jurisprudência, com enfoque para o Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ceará), no que concerne à análise quantitativa das súmulas e teses prevalecentes, a par da normatização regimental dos instrumentos processuais tendentes à padronização dos julgados. O intuito do estudo é examinar a adequação normativa processual à práxis. Para tanto, o trabalho terá abordagem comparativa com outros Regionais, o 5º (Bahia) e o 6º (Pernambuco), que apresentam semelhanças com a Corte Trabalhista do Ceará. O método de pesquisa utilizado foi o dedutivo comparativo, com técnicas de pesquisa documental, bibliográfica, jurisprudencial, de informações e dados de sítios eletrônicos de forma qualitativa.
Palavras chaves: Processo Civil - Litigância de Massa – Uniformização da Jurisprudência.
ABSTRACT: At the present time, in order to respond to the aspirations of society and the growing mass litigation, we seek to create and improve procedural tools that will dynamise and instrumentalize access to justice, isonomy, speed, legal security, among other values and principles with constitutional seat. Laws 13,015 / 2014 and 13,105 / 2015) were edited with the purpose of solving repetitive demands, reinforcing the microsystem of "repetitive resources". At this juncture, the present study seeks to analyze, in the labor field, the new role assigned to the Regional Labor Courts, the obligatory standardization of its jurisprudence, with a focus on the Regional Labor Court of the 7th Region (Ceará), refers to the quantitative analysis of prevailing precedents and theses, along with the normative regulation of procedural instruments tending to the standardization of the judged. The purpose of the study is to examine the normative procedural adequacy to praxis. To do so, the work will have a comparative approach with other Regionals, the 5th (Bahia) and the 6th (Pernambuco), which have similarities with the Labor Court of Ceará. The research method used was the comparative deductive, with techniques of documentary, bibliographic, jurisprudential, information and data search of electronic sites in a qualitative way.
Keywords: Civil Procedure - Mass Litigation - Uniformity of Jurisprudence.
Sumário: 1. Introdução. 2. Direito e mudança social: as alterações legislativas processuais para a conformação do sistema jurídico às novas demandas sociais. 2.1. Em busca de um sistema processual que acompanhe as novas demandas e anseios da sociedade. 2.2. A compatibilidade dessa conformação legislativa à Constituição Federal. 3. O novo papel dos tribunais de 2ª instância na uniformização da jurisprudência regional: uma análise da legislação e da realidade do sistema judiciário trabalhista (TRTs). 3.1. A disciplina normativa no Código de Processo Civil de 1973. 3.2. A entrada em vigor da Lei 13.015/2014. 3.3. A entrada no ordenamento brasileiro do Código de Processo Civil de 2015. 4. A uniformização da jurisprudência do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ceará). 4.1. A uniformização da jurisprudência no Regimento Interno do TRT 7ª Região.. 5. Considerações finais.
1. INTRODUÇÃO
O presente estudo visa tratar do novo papel a ser protagonizado pelos Tribunais Regionais do Trabalho, em particular a Corte trabalhista da 7ª Região (Ceará), relativo à uniformização de sua jurisprudência, que se tornou obrigatória na ordem jurídica hodierna. Essa novel função é decorrente da mudança legislativa no direito processual, que busca atender aos anseios da sociedade atual junto à atividade jurisdicional do Estado, marcada pela alta litigiosidade e crescentes demandas repetitivas.
Estruturou-se o trabalho da seguinte forma. No primeiro capítulo, será abordada a questão da crescente judicialização, sobretudo em demandas repetitivas, os valores socioculturais que influenciam a criação de instrumentos processuais pela legislação ordinária com o intuito de resolver, de forma adequada e efetiva, os conflitos sociais, bem como a compatibilidade dessa legislação ordinária processual com os princípios e valores preconizados na Constituição Federal.
No segundo capítulo, analisar-se-á o novo desenho normativo, assim como o papel de uniformização da jurisprudência conferida aos Tribunais de 2ª instância, tendo por enfoque a legislação trabalhista acerca do tema.
No terceiro e último capítulo, será examinada a práxis do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, no Ceará, quanto à uniformidade dos seus julgados, tomando como parâmetro a quantidade de teses jurídicas editadas (súmulas e teses prevalecentes), assim como a eventual conformação do Regimento interno da Corte face às alterações legislativas que fomentam a conduta padronizadora da jurisprudência.
Com este trabalho, pretende-se demonstrar que o Tribunal Regional do Trabalho no Ceará ainda não superou, satisfatoriamente, as barreiras e entraves culturais, estruturais, e normativos para a promoção da uniformização de sua jurisprudência, medida processual que se tornou impositiva na ordem jurídica vigente.
Esclarece-se, por fim, que não é objeto deste trabalho a análise crítica acerca dos instrumentos processuais de uniformização da jurisprudência[1], mas a verificação de sua eficácia junto à Corte trabalhista cearense.
2. DIREITO E MUDANÇA SOCIAL: AS ALTERAÇÕES LEGISLATIVAS PROCESSUAIS PARA A CONFORMAÇÃO DO SISTEMA JURÍDICO ÀS NOVAS DEMANDAS SOCIAS
2.1. Em busca de um sistema processual que acompanhe as novas demandas e anseios da sociedade
O processo judicial tem por escopo a resolução de conflitos sociais, é, pois, um instrumental utilizado pelo Estado, pela face do Poder Judiciário, para a pacificação da sociedade.
Na perspectiva sociológica, a decisão proferida pelo órgão jurisdicional não resulta, inexoravelmente, no fecho da divergência social, este é resultado de um processo social de conformação perante a sociedade na qual o conflito houvera se instalado. Para Miranda Rosa (2004, pág. 118) “o processo judicial é apenas um dos modos de acomodação de situação de conflito social”.
Neste sentido, para que o direito, através do seu instrumental processual, consiga conformar a sociedade, torna-se necessário conhecer os valores socioculturais dominantes, pois “toda sociedade cria ou desenvolve um certo quadro cultural que abrange e compreende as suas maneiras de ser e de sentir, crenças, valores, costumes, normas sociais [...]” (MIRANDA ROSA, 200, pág. 119).
No contexto da globalização, a sociedade contemporânea é caracterizada, do ponto de vista jurídico, pela excessiva litigiosidade de massa. Isso decorre das crescentes e diversificadas relações de consumo, em que discutem, via de regra, questões jurídicas e fáticas semelhantes.
No Brasil, ocorre o fenômeno da judicialização da vida[2], em que se observa a alta litigiosidade, como consequência da crença das pessoas na Justiça, pois, como assinalou José Renato Nalini (apud Mancuso, 2009, pág. 321), “Após a Constituição de 1988, aquela que mais acreditou na solução judicial dos conflitos, multiplicaram-se as lides. As pessoas acreditaram na Justiça. Essa é uma das causas da pletora de processos”.
Diante dessa realidade, o Parlamento exerceu o seu primordial papel de legislar, ofertando à ordem jurídica pátria um sistema processual apto à resolução desses desacordos de massa, que apresentam semelhanças nas relações jurídicas que os pressupõe. De fato, normas processuais foram editadas para dar resposta a essa realidade social (MANCUSO, 2009, pág. 67) – a litigância crescente e massificada, a exigir também uma mudança na sociedade, em especial na cultura e na prática dos Tribunais, que deverá buscar na uniformização de sua jurisprudência a superação das contradições de sua funcionalidade estrutural e dos julgados que profere. O dissenso jurisprudencial não se coaduna com os valores constitucionais da estabilidade e certeza que representam hoje a segurança jurídica.
Essa mudança na conduta uniformizadora tribunalícia, caso aconteça, repercutirá, invariavelmente na própria sociedade, a exemplo de uma tendente redução da litigância, e, consequentemente, da própria cultura judiciarista[3] . O fato de saber como o tribunal pensa e decide acerca de determinada questão jurídica, poderá reduzir a litigiosidade, pois a sociedade deverá avaliar a relação custo-benefício ao se socorrer dos órgãos jurisdicionais para buscar a resolução dos seus conflitos.
A esperada transformação na praxis forense, através da efetiva utilização do aparato processual-procedimental para o julgamento das causas repetitivas, guarda consonância com os valores da sociedade contemporânea e da Constituição Federal de 1988, que prima pela concretização dos valores e princípios do acesso à Justiça, da efetividade, igualdade, segurança jurídica, duração razoável do processo, dentre outros. Assim, tanto a Lei 13.015/2014, quanto o Código de Processo Civil de 2015[4] (CPC de 2015), vieram com a promessa de ajuste do sistema judiciário trabalhista às expectativas da sociedade. Portanto, é necessário que os tribunais de 2º grau incorporem essa “nova ideologia” trazida pelo CPC, pois
a sensação generalizada e difusa de injustiça ocorre quando a lei não é aplicada de modo igual por todos os juízes. “acontece dos juízes interpretarem a Lei de um modo em alguns casos e de modo diferente em casos rigorosamente assemelhados. Há boas razões para a distinção? Esse é o debate da Justiça (JORGE NETO, 2016, pág. 111).
Deste modo, a busca pela padronização dos julgados fulminará com a imprevisibilidade da atividade judiciária, que viola os valores e princípios constitucionais da isonomia e segurança jurídica.
Esse fenômeno do dissenso pretoriano é, inclusive, conhecido como loteria judiciária[5]. Sobre esse fato, assinala Walter Alexandre Mena (apud MANCUSO, 2009, pág. 319, nota de rodapé 55):
Natural e previsível, portanto, mas exclusivamente em primeiro grau, do que decorre a divergência entre os mais variados juízes, cada qual interpretando a lei de modo diverso, a ausência de perfeita ‘previsibilidade’ das decisões judiciais. O que não se admite, porém, é a persistência dessa divergência nos Tribunais estaduais, cuja missão é justamente a de uniformizar a jurisprudência no âmbito estadual. [...] É necessário acabar com a justiça lotérica: dentro do mesmo Tribunal, Câmaras ou Turmas decidem de forma antagônica, como se cada uma delas não representasse o próprio Tribunal, mas cada um tribunal distinto.
2.2. A compatibilidade dessa conformação legislativa à Constituição Federal
Conforme dito anteriormente, as alterações legislativas, consubstanciadas nas Leis 13.015/2014 e 13.105/2015, vieram para promover e efetivar os direitos fundamentais processuais da igualdade/isonomia (art. 5º, caput), da segurança jurídica, da duração razoável do processo, do acesso à Justiça[6].
No Estado constitucional democrático brasileiro, há de se firma um processo igualmente democrático comprometido com a concretização dos valores consagrados pela Lei Maior. Assim, deve-se buscar implementar uma jurisprudência estável, com vistas à segurança jurídica, um julgamento célere, que prime pela razoável duração do processo e efetividade, e isonômico, ao conferir um tratamento igualitário às questões jurídicas similares:
[...] o processo civil [...] põe especial atenção no assegurar a igualdade das partes. As disposições do processo trabalhista [...], de natureza não-penal, são regidas pelo mesmo tipo de preocupações. É que, em tais casos, não se trata do julgamento de condutas contrárias à ordem pública e aos interesses da sociedade como um todo, mas sim, do exame dos conflitos surgidos entre componentes da sociedade ou, por vezes, entre a expressão institucionalizada desta, que é o Estado, e aqueles indivíduos ou entidades de natureza privada (MIRANDA ROSA, 2004, pág. 119).
Mancuso (2009, pág. 311) assevera que a legitimação do Judiciário tem por fundamento o desempenho efetivo de suas funções estatais, através da pacificação de “conflitos com justiça, razoável previsibilidade e sem dilações excessivas”. Assim, tem-se que os instrumentos processuais voltados à padronização da interpretação do direito se compatibilizam com as normas fundamentais do processo, e visam, em última análise, a concretização dos valores consagrados na Constituição e de vários princípios, tais como, acesso à Justiça, duração razoável do processo, isonomia, segurança jurídica, dentre outros.
3. O NOVO PAPEL DOS TRIBUNAIS DE 2ª INSTÂNCIA NA UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA REGIONAL: UMA ANÁLISE DA LEGISLAÇÃO E DA REALIDADE DO SISTEMA JUDICIÁRIO TRABALHISTA (TRTs)
[...] aqui não somos uns, somos todos. Que todos sejamos sempre um. O voto de cada qual é sempre menor do que o voto da maioria formada [...] (BRASIL, STF, PET 3388-RR, acórdão, pág. 194).
3.1. A disciplina normativa no Código de Processo Civil de 1973
Na vigência do CPC de 1973 (Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973), a uniformização da jurisprudência foi tratada nos arts. 476 a 479 (Título IX, Capítulo I), podendo o juiz ou a parte apelante, nos termos parágrafo único do art. 476, suscitar que o tribunal se pronuncie acerca da interpretação do direito[7].
Ocorre que, conquanto compatível este normativo do CPC de 173 com o processo do trabalho, através do art. 769 da Consolidação das Leis Trabalhistas (CLT), a práxis do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ceará) revelou, no mínimo, uma incapacidade ou desinteresse institucional no sentido de promover a padronização dos seus julgados[8].
3.2. A entrada em vigor da Lei 13.015/2014
Este normativo trouxe uma disciplina própria para a uniformização da jurisprudência no âmbito dos TRTs. A lei em referenciada relaciona-se diretamente com a atuação do Superior Tribunal do Trabalho (TST), pois a nova lei surge justamente para otimizar a funcionalidade interna desta Corte, cuja missão institucional é a de, primordialmente, promover a unidade da interpretação do direito federal do trabalho e uniformizar a jurisprudência.
Não é tarefa da Corte Superior trabalhista atuar como terceira instância recursal. A sua razão de ser, do ponto de vista institucional, é de instância extraordinária, e não ordinária, sob a perspectiva jurídico-processual (VIEIRA DE MELLO FILHO; VIEIRA DE MELLO NETO, 2016, pág. 1183).
Os Tribunais Regionais do Trabalho, que são as cortes trabalhistas de segunda instância, em sua grande maioria, não são afeitos à uniformidade de sua jurisprudência. Tal constatação é um diagnóstico generalizante das cortes trabalhistas brasileiras. Vieira de Mello Filho e Vieira de Mello Neto (2016, pág. 1184) observam que o TST ainda vacila em sua missão de promoção a uniformidade da interpretação de lei federal e de uniformizadora da jurisprudência, pelo fato de que a decisão “já nasce rebelde, divergente e contraditória dentro dos próprios Tribunais”.
Uma das causas do dissenso pretoriano de 2º grau relaciona-se com o próprio normativo da CLT, que, no seu parágrafo 3º do art. 896[9], permitiu a vicissitude jurisprudencial, não havendo na legislação celetária um estímulo à padronização dos seus julgados.
Existe outra causa que não pode ser olvidada: a subdivisão colegiada (turmas ou câmaras) das cortes de segunda instância (VIEIRA DE MELLO FILHO[10]; VIEIRA DE MELLO NETO, 2016, pág. 1185)
[...] os Tribunais, visando alcançar maior celeridade nos seus julgamentos, fracionaram-se em múltiplos órgãos jurisdicionais – Turmas -, algumas delas com composição pares (04 membros) e atuação alternada de seus membros, o que acarretou a explosão da distonia jurisprudencial, configurando a real imprevisibilidade das decisões, acentuando a insegurança jurídica e levando ao descrédito o judiciário trabalhista. Pior, tornou-se, a nosso ver, inalcançável a tarefa de uniformizar a jurisprudência a ser empreendida pelo Tribunal Superior do Trabalho, porque ausentes instrumentos jurídicos capazes de contornar a assimetria recursal consubstanciada na divergência interna dentro dos Tribunais [...].
Assim, em que pese o papel primordial de exame de questão federal em matéria trabalhista pelo TST, não tem sido para esse desiderato que os processos lhes tem chegado para resolução. As decisões oriundas das cortes de 2º grau, dos Tribunais Regionais do Trabalho, já chegam à Corte Superior trabalhista conflituosas, consoante se revelou acima.
Dentre as novidades trazidas pelo normativo referenciado[11], destacam-se:
• a expressa possibilidade de a parte suscitar o incidente processual;
• a possibilidade de rejulgamento da causa pelo tribunal[12]. O Código de Processo Civil de 1973 só admitia a uniformização antes do julgamento pelo colegiado tribunalício. Assim, a Lei nº 13.015 prevê que a uniformização possa ser efetuada após o julgamento realizado pelo órgão fracionado, na condição de que seja interposto recurso de revista.
Uma vez promovida a uniformidade do julgado perante o tribunal, as súmulas ou as teses prevalecentes regionais servirão para denegar o seguimento do recurso de revista, pelo Presidente do TRT. Decerto, essa medida implica na fixação de um filtro ou de contenção à remessa de processos para a Corte Superior.
Doravante, cabe ao Tribunal, no exercício de um dever funcional, promover a uniformidade da interpretação do direito nos casos sob sua jurisdição, cujo fiel cumprimento desse múnus servirá ao encurtamento do tempo de tramitação do processo ao obstaculizar a remessa de processos ao TST para reapreciação da lide, além de conferir segurança jurídica, face à consistente e à previsibilidade dos seus julgados.
3.3. A entrada no ordenamento brasileiro do Código de Processo Civil de 2015
O Código de Processo Civil de 2015 trouxe muitas novidades, das quais se destacam: as normas fundamentais do processo, a força vinculante dos precedentes judiciais, bem como mecanismos instrumentais para a fixação de teses jurídicas pelos tribunais: o Incidente de Uniformização de Demandas Repetitivas (IRDR) e o Incidente de Assunção de Competência- (IAC)[13]. A uniformização da jurisprudência, doravante, passou a ser obrigatória.
Com a vigência do CPC de 2015, passam a coexistir no sistema jurídico processual em matéria trabalhista, três ferramentas dirigidas à padronização da jurisprudência: o IUJ, o IRDR e o IAC.
Assim, diante dos instrumentos normativos existentes, não se há como admitir, doravante, a persistência, a recalcitrância do dissenso pretoriano interno dos Regionais trabalhistas, sobretudo porque o Tribunal Superior do Trabalho deverá buscar exercer o seu papel institucional de uniformizador da interpretação do direito federal e nacional, e não regional. Este último, passa a ser mister das Cortes regionais, que ganhará uma visibilidade perante a sociedade. A tendência do sistema judiciário trabalhista será a de evitar o “rito de passagem” dos litígios para o TST[14]. Não servirá agora, portanto, a Corte máxima da Justiça do trabalho a missão de uniformização da jurisprudência intra Tribunais Regionais, mas somente inter cortes, tampouco como terceira instância revisora.
Doravante, segue-se à última seção que analisará a uniformidade jurisprudencial do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região, a partir do quantitativo de teses jurídicas firmadas, seja através de súmulas ou teses prevalecentes, bem como a conformação ou não do normativo interno (Regimento Interno) às alterações processuais promovidas pelas Leis 13.015/2014 e 13.105/2015 (CPC de 2015).
4. A UNIFORMIZAÇÃO DA JURISPRUDÊNCIA DO TRIBUNAL REGIONAL DO TRABALHO DA 7ª REGIÃO (CEARÁ)
Esta seção destina-se a examinar em que medida a Corte Regional trabalhista do Ceará se adaptou, ou até mesmo conformou seu Regimento interno às novas diretrizes e aos instrumentos processuais que visam a estandardização de suas decisões judiciais. Para tal fim, será elencada a quantidade de súmulas e teses prevalecentes, e examinadas eventuais alterações promovidas no normativo intestino desta Corte, devendo ser esclarecido, ainda, que será feita uma análise comparativa de tais dados com outros dois tribunais, o da 5ª Região (Bahia) e o da 6ª (Pernambuco), dadas as características em comum em questões geográfico-regionais, econômicas e sociais, além de serem classificados pelo Conselho Nacional de Justiça (CNJ) como tribunais de médio porte[15].
O Regional da 7ª Região editou, até a presente estudo[16], 12 súmulas e 3 teses prevalecentes (total de 15 teses firmadas). No TRT da 5ª Região (BA), são 62 súmulas e 26 precedentes normativos[17] (total de 88 teses jurídicas consolidadas[18]). Na Corte trabalhista da 6ª Região (PE), editaram-se 42 súmulas e 3 precedentes normativos (total de 45 precedentes[19]).
A par desses dados estatísticos, infere-se que o Tribunal Regional do Ceará encontra-se em último lugar nesse comparativo. Assim, em relação a tribunais congêneres, constata-se uma lentidão na mudança de cultura uniformizadora do tribunal trabalhista cearense, devendo, no caso, a corte investigar as razões que justifiquem eventuais entraves culturais, sobretudo em razão da imperatividade quanto à necessidade de padronização dos julgados. É certo dizer que esse dado numérico – quantidade de teses jurídicas firmadas - não serve para, per si, inferir o descumprimento dos normativos que obrigam à uniformização, mas é indicativo da ausência ou do retardo de protagonismo da corte neste dever institucional.
4.1. A uniformização da jurisprudência no Regimento Interno do TRT 7ª Região
Neste tópico, será examinada a conformação dos normativos internos das cortes (eventuais alterações no Regimento Interno) no sentido de adequar-se para operacionalizar, institucionalmente, os incidentes processuais de uniformidade dos julgados (IUJ, IRDR, IAC).
Ressalta-se ser fundamental as cortes procederem às conformações normativas internas à luz das leis processuais, sobretudo porque detém competência legislativa complementar, bem como também em razão de imprimir efetividade, certeza, previsibilidade e segurança jurídica no processamento e julgamento dos incidentes uniformizadores. O exercício desse poder normativo se justifica, inclusive, para adequar o processamento desses incidentes às peculiaridades regionais, porventura existentes. Não se pode olvidar que, no Brasil, existem 24 Tribunais Regionais do Trabalho em funcionamento, razão por que pode ser justificada a complementação regimental dessas ferramentas processuais para melhor adequação à realidade de cada região.
Além do mais, o Código de Processo Civil conferiu um destacado lugar ao instituto dos precedentes judiciais, oferecendo um normativo até então inexistente no sistema jurídico pátrio sobre a matéria. Os precedentes representam uma grande aposta para o futuro do processo e do direito processual, em seu viés teórico e prático, daí merecer a importância que lhe cabe, sobretudo nesse primeiro momento de inovação da ordem jurídica.
Posto isto, passa-se ao exame de eventuais alterações realizadas nos Regimentos Internos dos Regionais sob análise.
No normativo regimental do TRT da 7ª Região, no art. 166, § 1º a 5º, encontra-se o disciplinamento do incidente de uniformização da jurisprudência, foram promovidas alterações somente no sentido de adequar-se ao incidente previsto na Lei nº. 13.015/2014. O Regimento, todavia, ainda se encontra silente quanto ao IRDR e IAC, trazidos pelo CPC.
Mesma realidade se infere da análise dos normativos dos TRT da Bahia e de Pernambuco, e, em que pese apresentarem uma quantidade maior de súmulas e teses prevalecentes em comparação com o Regional do Ceará, ainda não disciplinaram os incidentes previstos no CPC de 2015.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
1. As mudanças legislativas em matéria processual vem ao encontro dos anseios, desejos da sociedade contemporânea, que demonstra alta litigiosidade, sobretudo em questões de demandas seriadas (de massa). A legislação também vem para instrumentar corretamente os valores e princípios constitucionais, dentre os quais, acesso à Justiça, isonomia, segurança jurídica e duração razoável do processo.
2. Em contrapartida, deve o sistema judiciário absorver essa nova “ideologia” processual, de valorização dos precedentes e da observância das normas fundamentais do processo e assumir o papel e uniformizador de sua jurisprudência. Os Tribunais Regionais do Trabalho tem à disposição três ferramentas processuais que promovem a uniformidade da interpretação de seus julgados. O efetivo uso desses instrumentos, além de propiciar higidez e consistente da jurisprudência na corte, propiciará um novo papel de destaque na sociedade.
3. Todavia, no Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região (Ceará), comparativamente a outros de porte congênere (BA, PE), constata-se o ritmo lento do papel protagonista da Corte quanto ao escopo uniformizador dos seus julgados, haja vista a baixa e tímida quantidade de súmulas e teses prevalecentes até então editadas. Igualmente, infere-se uma deficitária adequação do normativo interno da Corte cearense, no sentido de melhor operacionalizar, institucionalmente, os incidentes processuais de uniformidade dos julgados, considerando que os institutos do IRDR e IAC ainda não foram regulamentados. Deve, pois, o TRT 7ª Região buscar superar barreiras ou entraves culturais, estruturais e normativos no sentido de promover, na prática, essa tendência uniformizadora, vigente na ordem jurídica brasileira.
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[1] Várias são as críticas dirigidas aos institutos processuais que tratam da uniformidade dos julgados, dentre elas, destacam-se: 1) a possibilidade de engessamento, rigidez da interpretação frente à natural evolução da sociedade, o que acarretaria descompasso/desatualização do direito interpretado face ao dinamismo das relações sociais; 2) a barreira cultural em absorver o sistema de precedentes, bem como a elaboração e a aplicação equivocadas das teses jurídicas ou súmulas, porquanto se trata da internalização de um instituto jurídico pertinente aos países de tradição common law, distinto, pois, do sistema brasileiro, que é o da civil Law.
[2] Essa expressão é de forma corrente utilizada por Luís Roberto Barroso, ao mencionar que fatos importantes do ponto de vista político, social ou moral estão sendo decididos, com definitividade, pelo Poder Judiciário. Judicialização, ativismo judicial e legitimidade democrática. Disponível em: <http://www.direitofranca.br/direitonovo/FKCEimagens/file/ArtigoBarroso_para_Selecao.pdf>. Acesso em: 17 jul. 2017.
[3] Expressão utilizada por Marcelo Barbi Gonçalves, O novo Código de processo civil entre a alquimia e o combate à cultura judiciarista. Revista dialética de direito processual: RDDP, referência n. 146, pág. 65-72, maio, 2015.
[4] Na Exposição de Motivos do novo CPC, foram expressamente listados os objetivos pretendidos com a edição desse diploma processual: “1) estabelecer expressa e implicitamente verdadeira sintonia fina com a Constituição Federal; 2) criar condições para que o juiz possa proferir decisão de forma mais rente à realidade fática subjacente à causa; 3) simplificar, resolvendo problemas e reduzindo a complexidade de subsistemas, como, por exemplo, o recursal; 4) dar todo o rendimento possível a cada processo em si mesmo considerado; e, 5) finalmente, sendo talvez este último objetivo parcialmente alcançado pela realização daqueles mencionados antes, imprimir maior grau de organicidade ao sistema, dando-lhe, assim, mais coesão.”, disponível em:
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[6] Sobre esse tema, um excelente estudo, de autoria de Maria Tereza Aina Sadek, intitulado “Acesso à justiça porta de entrada para a inclusão social”, que discorre sobre a morosidade na solução dos conflitos é um importante entrave para alcançar a porta de saída e, em decorrência, para a realização do acesso à justiça.
Disponível em: < http://books.scielo.org/id/ff2x7/pdf/livianu-9788579820137-15.pdf >. Acesso em: 15 jul. 2017.
[7] “Art. 476. Compete a qualquer juiz, ao dar o voto na turma, câmara, ou grupo de câmaras, solicitar o pronunciamento prévio do tribunal acerca da interpretação do direito quando:
I - verificar que, a seu respeito, ocorre divergência;
II - no julgamento recorrido a interpretação for diversa da que Ihe haja dado outra turma, câmara, grupo de câmaras ou câmaras cíveis reunidas.
Parágrafo único. A parte poderá, ao arrazoar o recurso ou em petição avulsa, requerer, fundamentadamente, que o julgamento obedeça ao disposto neste artigo.”
[8] Conrad Hübner Mendes traz um importante estudo acerca do comportamento colegiado nos tribunais. Seu enfoque é sobre o STF. Ele, através da metáfora “as onze ilhas”, revela que as decisões dos ministros da Corte Suprema são “fragmentadas, parece uma colcha de retalhos”. Ele assinala que o STF precisa de um “choque de colegialidade”. Essa crítica pode se dirigir a qualquer órgão jurisdicional colegiado, inclusive. In
Disponível em: < http://www.osconstitucionalistas.com.br/conrado-hubner-mendes-o-stf-e-refem-do-capricho-dos-seus-ministros>. Acesso em: 14 jul. 2017.
[9]“Art. 896 - Cabe Recurso de Revista para Turma do Tribunal Superior do Trabalho das decisões proferidas em grau de recurso ordinário, em dissídio individual, pelos Tribunais Regionais do Trabalho, quando:
a) derem ao mesmo dispositivo de lei federal interpretação diversa da que lhe houver dado outro Tribunal Regional do Trabalho, no seu Pleno ou Turma, ou a Seção de Dissídios Individuais do Tribunal Superior do Trabalho, ou contrariarem súmula de jurisprudência uniforme dessa Corte ou súmula vinculante do Supremo Tribunal Federal.”
[10] Chama-se a atenção de que o autor, em sendo Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, fala com propriedade de causa, pois vivencia na lida laborativa diária os dramas e os desafios da árdua missão uniformizadora de seus julgados.
[11] Art. 896, § 3º. Os Tribunais Regionais do Trabalho procederão, obrigatoriamente, à uniformização de sua jurisprudência e aplicarão, nas causas da competência da Justiça do Trabalho, no que couber, o incidente de uniformização de jurisprudência previsto nos termos do Capítulo I do Título IX do Livro I da Lei nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 (Código de Processo Civil). (Redação dada pela Lei nº 13.015, de 2014) (ATO n. 491 de 23 de setembro de 2014 do Presidente do TST, Ministro Antonio José de Barros Levenhagen, que fixou parâmetros procedimentais para dar efetividade àquela lei na Justiça do Trabalho
[12] Há razoáveis questionamentos e polêmicas quanto a essa possibilidade, todavia, por não se incluir no objeto do vertente estudo, deixar-se-á de mencioná-las.
[13] Não é objeto do presente estudo uma análise pormenorizada acerca desses processuais de promoção do alinhamento da jurisprudência, razão pela qual se restringirá à sua citação. Em linhas breve, o IAC está disciplinado no art. 947 e parágrafos (características: relevante questão de direito; com grande repercussão social; sem repetição em múltiplos processos); por sua vez, o IRDR, normatizado nos art. 976 a 987, tem por características: a efetiva repetição de processo; controvérsia sobre a mesma questão unicamente de direito; e o risco de ofensa à isonomia e à segurança jurídica).
[14] Essa expressão foi utilizada no Relatório do CNJ designado por Justiça em Números de 2016, pág. 206.
[15] Consta essa classificação na pág. 153 do referenciado Relatório do CNJ. A escolha desses TRTs, com finalidade comparativa justifica-se pela razão de serem os pertencentes à região Nordeste que receberam essa classificação de médio porte.
[16] Os dados foram extraídos do site do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região; Disponível em: < http://www.trt7.jus.br/index.php?option=com_content&view=article&id=2936&Itemid=173 >. Acesso em: 05 mar. 2018.
[17] É o equivalente à tese prevalecente. A distinção entre estes atos normativos está no quórum de aprovação dos enunciados. Súmula exige unanimidade; as teses prevalecentes ou precedentes normativos, a maioria do colegiado.
[18]Dados extraídos do site da Corte regional trabalhista da Bahia; Disponível em: < http://www.trt5.jus.br/jurisprudencia>. Acesso em: 05 mar. 2018.
[19] Informações colhidas do endereço eletrônico da Corte regional trabalhista de Pernambuco; Disponível em: < http://www.trt6.jus.br/portal/teses-prevalecentes-de-uniformizacao-da-jurisprudencia>. Acesso em: 05 mar. 2018.
Mestranda em Direito, com ênfase em Ordem Jurídica Constitucional, do Programa de Pós-graduação em Direito da Universidade Federal do Ceará (PPGD/UFC). Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Universidade Anhanguera-Uniderp. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Servidora Pública Federal - Analista Judiciário do Tribunal Regional do Trabalho da 7ª Região.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COELHO, Zayda Torres Lustosa. Direito e transformação social: os desafios para se implementar a uniformização da jurisprudência no TRT 7º Região Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 mar 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51451/direito-e-transformacao-social-os-desafios-para-se-implementar-a-uniformizacao-da-jurisprudencia-no-trt-7o-regiao. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Maria D'Ajuda Pereira dos Santos
Por: Amanda Suellen de Oliveira
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