Resumo: Impulsionado pela modernização das relações de trabalho, a modalidade de prestação por teletrabalho encontra avanços em sua específica regulamentação pela reforma operada na Consolidação das Leis do Trabalho. A implementação da modalidade também tem sido observada no serviço público, com adição de requisitos inexistentes na lei que agravam a prestação do trabalho e são objeto de análise.
Palavras-chave: CLT, teletrabalho, serviço público, produtividade, modo de prestação.
SUMÁRIO: Introdução; 2. O teletrabalho; 3. Teletrabalho no serviço público; 4. Conclusão; 5. Referências.
1. Introdução
A alta velocidade nas mudanças trazidas pelos avanços da tecnologia vem modificando com a mesma rapidez o conjunto das relações humanas. A modernidade trouxe diversas comodidades e o aspecto mais marcante de nossa sociedade é a ampliação das comunicações instantâneas, ampliando sobremaneira o leque de possibilidades em termos de comunicação.
Tais avanços não passaram despercebidos pelas relações de trabalho, uma vez que o mercado econômico aproveitou-se de nichos criados pelas revoluções tecnológicas que exigem agilidade e instantaneidade. A figura do trabalhador em um ambiente físico de trabalho, sob direta supervisão do empregador, deu lugar à necessidade de cumprimento de metas e satisfação dos interesses da empresa.
Impulsionado pelas modificações trazidas principalmente pelas empresas de tecnologia do Vale do Silício, o mercado de trabalho passou a quantificar e valorizar o potencial criativo do empregado em detrimento da vigilância e cumprimento de cargas horárias. Difundiu-se a prática do teletrabalho, por meio do qual a prestação de serviços se revolucionou por excluir a necessidade de presença física do empregado, o que barateou também os custos de manutenção de sedes.
O advento e a difusão desta forma de prestação do trabalho traz inúmeros desafios no campo jurídico, com marcos regulatórios recentes e, por vezes, contraditórios, como se passa a analisar.
2. O teletrabalho
Caracteriza-se o teletrabalho quando há a prestação de serviços pelo empregado sem sua presença física na sede do empregador, utilizando-se de meios digitais e telemáticos.
A legislação trabalhista já previa anteriormente a prestação de trabalho externo, afastando a incidência do cômputo de horas extraordinárias para aqueles trabalhadores que realizavam atividades incompatíveis com o controle de horário[1]:
Art. 62 - Não são abrangidos pelo regime previsto neste capítulo:
I - os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação de horário de trabalho, devendo tal condição ser anotada na Carteira de Trabalho e Previdência Social e no registro de empregados;
(...)
A jurisprudência do Tribunal Superior do Trabalho (TST), entretanto, fixou-se no sentido de que o afastamento da incidência do cômputo de horas extraordinárias só seria possível havendo impossibilidade de controle efetivo pela própria natureza da atividade:
HORAS EXTRAS. TRABALHO EXTERNO. CONTROLE E FISCALIZAÇÃO DE JORNADA. O fato de o empregado prestar serviços de forma externa, por si só, não enseja o seu enquadramento na exceção contida no artigo 62, inciso I, da Consolidação das Leis do Trabalho. Relevante, para tanto, é que haja incompatibilidade entre a natureza da atividade exercida pelo empregado e a fixação do seu horário de trabalho, o que não ocorre no caso dos autos, uma vez que ficou registrada, pela Corte de origem, a existência de controle da jornada do motorista mediante uso de equipamento eletrônico GPS - rastreador por satélite -, além de outros meios de prova que afastam a incidência do regime a que alude o artigo 62, I, da Consolidação das Leis do Trabalho. Recurso de revista de que não se conhece. (TST - RR: 3325920105050031, Data de Julgamento: 05/08/2015, Data de Publicação: DEJT 07/08/2015)
Por outro lado, a recente reforma operada na esfera do direito do trabalho trouxe uma importante modificação para a Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), com a regulação direta do teletrabalho.
De acordo com a nova redação da CLT[2]:
Art. 75-A. A prestação de serviços pelo empregado em regime de teletrabalho observará o disposto neste Capítulo.
Art. 75-B. Considera-se teletrabalho a prestação de serviços preponderantemente fora das dependências do empregador, com a utilização de tecnologias de informação e de comunicação que, por sua natureza, não se constituam como trabalho externo.
Parágrafo único. O comparecimento às dependências do empregador para a realização de atividades específicas que exijam a presença do empregado no estabelecimento não descaracteriza o regime de teletrabalho
Art. 75-C. A prestação de serviços na modalidade de teletrabalho deverá constar expressamente do contrato individual de trabalho, que especificará as atividades que serão realizadas pelo empregado.
§ 1o Poderá ser realizada a alteração entre regime presencial e de teletrabalho desde que haja mútuo acordo entre as partes, registrado em aditivo contratual.
§ 2o Poderá ser realizada a alteração do regime de teletrabalho para o presencial por determinação do empregador, garantido prazo de transição mínimo de quinze dias, com correspondente registro em aditivo contratual.
Art. 75-D. As disposições relativas à responsabilidade pela aquisição, manutenção ou fornecimento dos equipamentos tecnológicos e da infraestrutura necessária e adequada à prestação do trabalho remoto, bem como ao reembolso de despesas arcadas pelo empregado, serão previstas em contrato escrito.
Parágrafo único. As utilidades mencionadas no caput deste artigo não integram a remuneração do empregado.
Art. 75-E. O empregador deverá instruir os empregados, de maneira expressa e ostensiva, quanto às precauções a tomar a fim de evitar doenças e acidentes de trabalho.
Parágrafo único. O empregado deverá assinar termo de responsabilidade comprometendo-se a seguir as instruções fornecidas pelo empregador.
Além disso, novo inciso foi adicionado ao artigo 62 da CLT com expressa previsão de que o empregado em regime de teletrabalho não faz jus ao cômputo de horas extraordinárias.
A adição da previsão ao mesmo artigo indica desde já que o teletrabalho não se confunde com trabalho externo, o que fica explicitado na redação do artigo 75-B. Trata-se de modalidade de prestação de trabalho à distância sem que a presença física eventual do empregado descaracterize o regime.
Vê-se que as alterações legislativas vieram privilegiar realidades alteradas pelos avanços da tecnologia, reconhecendo as vantagens evidentes a empregados e empregadores na possibilidade formal de se estabelecer o teletrabalho.
Em relação à responsabilização pelos insumos necessários à prestação de serviços vem prevista no artigo 75-D, com evidente tendência a estabelecer obrigação ao empregador, que afinal é o responsável pelos custos e riscos da atividade econômica. Eventuais gastos despendidos pelo empregador devem ser objeto da avença e ressarcidos.
Interessante disposição, ainda, no que tange à responsabilidade pela saúde e segurança no trabalho incidente no regime. É dever do empregador instruir quanto a precauções necessárias a fim de evitar acidentes e doenças do trabalho, devendo o empregado se comprometer a segui-las.
Referida regulação não se diferencia substancialmente daquela já prevista no regime tradicional de prestação de trabalho. O fornecimento de instruções e equipamentos de segurança não têm o condão de afastar a objetiva responsabilização do empregador por todos os aspectos de saúde e segurança relacionados a sua atividade. Mesmo nos casos em que é livre a forma de prestação do serviço, necessário que se mantenha pelo empregador a constante conscientização e exigência de adoção de todas as medidas para neutralização dos riscos inerentes à atividade.
3. Teletrabalho no Serviço Público
De maneira bastante inovadora no serviço público, diversos órgãos vêm adotando a concessão de regime de teletrabalho a servidores públicos com a finalidade de incrementar a produtividade e diminuir os custos de manutenção de sedes.
Conforme o artigo 37, caput, da Constituição, a Administração Pública deve se reger, entre outros princípios, pelo da eficiência. Assim, só seria possível vislumbrar a possibilidade de teletrabalho no serviço público para aqueles casos em que se pode aferir a produtividade dos servidores. Além disso, deve ser faticamente possível a prestação do trabalho pelo servidor à distância, com a implantação de meios telemáticos suficientes.
É notável, entretanto, que muitas regulamentações em âmbito público tratam o teletrabalho não como um regime de prestação de serviço, mas como verdadeira benesse ou vantagem a ser concedida.
A Resolução 227 de 2016 do Conselho Nacional de Justiça (CNJ)[3] dispõe sobre o teletrabalho no âmbito do Poder Judiciário, e o faz com diversas peculiaridades em relação à lei:
Art. 6º A estipulação de metas de desempenho (diárias, semanais e/ou mensais) no âmbito da unidade, alinhadas ao Plano Estratégico da instituição, e a elaboração de plano de trabalho individualizado para cada servidor são requisitos para início do teletrabalho.
(...)
§ 2º A meta de desempenho estipulada aos servidores em regime de teletrabalho será superior à dos servidores que executam mesma atividade nas dependências do órgão.
Art. 13. O servidor é responsável por providenciar e manter estruturas física e tecnológica necessárias e adequadas à realização do teletrabalho.
Vê-se, portanto, que nos termos da regulamentação transcrita, o teletrabalho ultrapassa a caracterização de uma modalidade de trabalho e passa ao campo de prestação com contraprestação exigida.
Utilizando-se a resolução do CNJ como parâmetro, a conclusão que se chega é que o regime de teletrabalho no serviço público possui exigências não previstas na lei e que destoam completamente da regulamentação trazida pela CLT sobre o tema.
Como mera forma de prestação de um mesmo trabalho em que os custos de manutenção são abatidos pela comodidade concedida ao empregado de trabalhar à distância, não há como se compatibilizar uma exigência de incremento de produção como se penalização fosse.
Sobre a regulamentação do teletrabalho no âmbito do Tribunal de Contas da União, cita-se SILVA (2015):
O estudo do SOBRATT averiguou que o teletrabalho no TCU recebeu o consentimento do Ministério Público Federal (MPF) no Distrito Federal em 2012. O MPF avaliou que as Portarias do TCU 139/2009 e 99/2010, que autorizam determinados servidores a desempenhar suas atividades fora do órgão, não violam os princípios de isonomia e moralidade ao criar direitos a uma classe restrita de servidores do tribunal e que estas estabelecem critérios eficazes para controle de segurança, qualidade e eficiência do serviço externo. Um requisito sui generis do programa é a existência de exigência mínima de produtividade superior em 15% em relação às metas determinadas para atividades presenciais. Este aspecto sim traz certa polêmica em relação ao princípio da isonomia já que o trabalho realizado em casa seria o mesmo daquele feito presencialmente no local de trabalho. Não haveria razão de existir exigência de maior produtividade ao teletrabalho só porque é realizado em casa, permanecendo inconscientemente a mentalidade de que o trabalhador em sua residência trabalha menos, ainda que produza o mesmo em relação à produção em seu local do trabalho. Tal exigência tem o intuito de incentivo à produção, pelo conforto que a casa proporcionaria ao trabalhador, o que ocasionaria estímulo maior ao trabalho, mas afronta a igualdade e acarreta certa discriminação.
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Há de se argumentar, por outro lado, que os servidores públicos se encontram em uma relação especial de sujeição, o que lhes importa gravames impostos pela Administração de forma mais intensa do que o particular.
No entanto, tal argumentação perde força frente à completa potestatividade no estabelecimento de incremento de metas em relação ao trabalho presencial. Não há em lei qualquer regulação que determine o aumento da carga de trabalho do servidor em razão de prestações à distância.
Que se fale então da exigência prevista na resolução do CNJ de manutenção e aquisição dos meios de trabalho pelo próprio empregado, previsão esta repetidamente reproduzida em regulamentações de teletrabalho. Não há circunstância em que se possa visualizar o ônus sobre o fornecimento de meios de trabalho a ser suportado pelo próprio servidor. Previsão desse tipo rebaixa a prestação de serviços em teletrabalho a um patamar de privilégio a ser compensado pelo servidor, com a incidência de gravames pela simples opção de utilização de regime diferenciado.
O que se verifica, portanto, é uma excessiva oneração da atividade do servidor sem nenhuma justificativa legal por parte da Administração. A exigência potestativa de que o empregado ou servidor público arque com os custos da máquina administrativa sem nenhum tipo de compensação viola o direito à igualdade entre os integrantes de uma mesma carreira.~o de?????e manutençoluçstaçes àga de trabalho do servidor em razs serviores. Alanutençr a segui-las.
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Observa-se, entretanto, que os mesmos tipos de disposição são encontrados em outros regulamentos. De acordo com a Portaria n. 39 de 2017 da Procuradoria Geral da República (grifo nosso)[4]:
Art. 6º A estipulação de metas de desempenho (diárias, semanais e/ou mensais) no âmbito da unidade, alinhadas ao Plano Estratégico da instituição, e a elaboração de plano de trabalho individualizado para cada servidor são requisitos para início do teletrabalho.
§1º As chefias imediatas estabelecerão as metas a serem alcançadas, sempre que possível em consenso com os servidores, comunicando previamente à chefia institucional do órgão ou a outra autoridade por esta definida.
§2º A meta de desempenho do servidor em regime de teletrabalho será, no mínimo, equivalente à estipulada para os servidores que executarem as mesmas atividades nas dependências do MPU, podendo aquela ser majorada em até 20% (vinte por cento) em relação a esta.
Já a Portaria n. 304 de 2016 do Ministério da Indústria, Comércio Exterior e Serviços[5] (grifo nosso):
Art. 5º - As atividades do Teletrabalho terão metas de desempenho para cada servidor, que serão fixadas pela chefia imediata ou pelo dirigente da Subunidade, com ciência do titular da Unidade do servidor, mediante apresentação do Plano de Trabalho da Unidade.
Observa-se que sequer há uniformidade na exigência de incremento de produção para manutenção do teletrabalho. Cria-se, dessa forma, um regime penalizador que só se torna atrativo em razão das potenciais comodidades usufruíveis pelo empregado ou servidor público ocasionadas peal prestação de trabalho à distância.
Deve-se reconhecer, entretanto, que as legislações de vigência de carreiras no serviço público são taxativas em estabelecer cargas horárias a serem aferidas, disposição de observância obrigatória ou regulamentação diferenciada. Considerando que ao Administrador Público é dado apenas agir em estrita conformidade com a lei, a concessão de regime diferenciado de prestação de trabalho não pode acarretar um aumento desmedido da força de trabalho despendida ou a omissão de trabalho exigido pela lei.
O ponto de equilíbrio entre estas duas realidades está em justamente aferir, com exatidão, e a depender do labor efetivado por cada servidor, a proporção de metas que equivalha à carga horária que lhe é legalmente exigida.
4. Conclusão
Exigir produtividade para além daquela comumente atribuível ao serviço presencial não só carece de previsão legal para sua implementação, mas se traduz em verdadeiro enriquecimento sem causa da administração. O servidor que se ativa por intermédio de teletrabalho normalmente possui exigência de incremento em produção que não encontra correspondência em vantagens senão a própria possibilidade de labor à distância.
É necessário que os órgãos públicos adaptem suas interpretações quanto à aplicação do teletrabalho às premissas da lei. Não se trata de vantagem a ser concedida ao empregado ou servidor público, mas mero modo de prestação de trabalho que por si só traz vantagens à administração – como o encolhimento de gastos com manutenção de sedes.
A tendência de avanços ainda mais profundos em tecnologia traz a consequência de progressiva modernização do serviço público que, na mesma toada, precisará se adaptar às novas realidades.
5. Referências
SILVA. Aimée Mastella Sampaio da. A aplicação do teletrabalho no serviço público brasileiro. In: Anais do 3º Congresso Internacional de Direito e Contemporaneidade. Universidade Federal de Santa Catarina, 2015. Disponível em: <http://coral.ufsm.br/congressodireito/anais/2015/1-2.pdf>. Acessado em 04.03.2018.
TST. Recurso de Revista 3325920105050031, Data de Julgamento: 05/08/2015, Data de Publicação: DEJT 07/08/2015. Disponível em: <https://tst.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/217627268/recurso-de-revista-rr-3325920105050031>. Acessado em 05.03.2018.
[1] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acessado em 07.03.2018.
[2] Disponível em: <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/decreto-lei/Del5452.htm>. Acessado em: 06.03.2018
[3] Disponível em: <http://www.cnj.jus.br/busca-atos-adm?documento=3134>. Acessado em 04.03.2018.
[4] Disponível em: <http://bibliotecadigital.mpf.mp.br/bdmpf/bitstream/handle/11549/104897/PT_PGR_MPU_2017_39.pdf?sequence=1&isAllowed=y>. Acessado em 05.03.2018
[5] Disponível em: <http://www.lex.com.br/legis_27205920_PORTARIA_N_304_DE_21_DE_OUTUBRO_DE_2016.aspx>. Acessado em 05.03.2018
Bacharel em Direito pela Universidade Federal de Mato Grosso do Sul. Especialista em Direito Público pela Universidade Cândido Mendes-RJ. Servidora do Ministério Público da União desde 2012, atua perante o Ministério Público do Trabalho.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: DALLOUL, Samara Yasser Yassine. Teletrabalho no serviço público e a (i)legalidade da exigência de acréscimo de produtividade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 mar 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51474/teletrabalho-no-servico-publico-e-a-i-legalidade-da-exigencia-de-acrescimo-de-produtividade. Acesso em: 23 dez 2024.
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