FERNANDA ASSAF (Coautor)[1]
Resumo: A falta de confiança de que as instituições garantirão a aplicação do direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas. Esse ambiente de insegurança é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, produzindo efeitos nefastos na economia. A má-fé processual, o ardil e as fraudes empreendidas nos feitos executivos devem ser punidos com maior rigor em defesa da efetividade da jurisdição e da utilidade de suas decisões, agregando, por conseguinte, valor e importância educativa aos jurisdicionados. Procedimentos como bloqueio de cartões e passaportes e suspensão da CNH são muitas vezes eficazes a terem resultados práticos no combate aos devedores especializados, visando à satisfação da execução. Em tempos de impunidades, clama-se pela maior aplicação destas medidas. Como a justiça tende a ser cada vez mais instada a participar da vida econômica do Brasil, aumentar a eficiência e efetividade da jurisdição e fortalecer a segurança jurídica são iniciativas cruciais para redução do Custo Brasil.
Palavras-chave: Medidas restritivas. Efetividade da jurisdição. Custo Brasil. Execução.
Introdução: a vida em sociedade
Não se discute o fato de que para se tornar possível a convivência humana em sociedade é necessário segurança, ordem, enfim, certa normatização para uma coexistência pacífica. Em outras palavras, o direito é fruto da vida social humana: ubi societas, ibis jus.
Ora, nos parece lógico que toda sociedade destituída de um ordenamento jurídico que delimite direitos e elimine os conflitos intersubjetivos de forma organizada mediante o processo, não garante, ao final, a universalização e, por conseguinte a efetividade da tutela jurisdicional aos seus cidadãos.
Nesse contexto, a tarefa da ordem jurídica é exatamente a de harmonizar as relações sociais intersubjetivas e, por conseguinte, promover o bem comum[2], qual seja, propiciar condições no meio social que consintam e favoreçam a cada cidadão e ao grupo social a consecução de seus fins particulares de forma pacífica e organizada, sem com isso interferir na esfera de direito alheio.
Com efeito, a sociedade não pode prescindir da jurisdição exercida pelo Estado-juiz, cujo escopo, em apertada síntese, é, justamente, pacificar os conflitos de interesses, com justiça, frise-se, mediante o processo, seja expressando imperativamente o preceito (ao prolatar uma sentença de mérito), seja realizando no mundo fático o que o preceito estabelece (mediante a execução forçada).
Em outras palavras, o Estado-juiz coloca-se no lugar dos titulares dos interesses em conflito para satisfazer o interesse público da atuação da lei na composição dos conflitos, dando razão àquele que teve in casu, um direito tutelado violado, mediante o exercício do devido processo legal.
Escopos do processo judicial: educação e utilidade das decisões
O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporciona um clima generalizado de confiança no Poder Judiciário e segurança social.
Portanto, na medida em que os cidadãos confiam no poder coercitivo do Estado-juiz, cada um, de per si, tende a ser sempre mais zeloso com os próprios direitos e se sente, por conseguinte, mais responsável pela observância dos direitos alheios.
Dessa forma, a educação oferecida pela tutela jurisdicional ágil e eficiente é um fim a ser alcançado, e não uma mera utopia, de modo a induzir a população a trazer as suas insatisfações a serem remediadas em juízo. Nessa seara, o custo benefício da tutela jurisdicional deve ser favorável ao jurisdicionado titular de um direito, propiciando a este, se impossível o restabelecimento do bem da vida em espécie, tudo aquilo que tem o direito de obter conforme o direito posto, de forma ágil e satisfatória.
Todo processo, conforme salienta o eminente jurista Giuseppe Chiovenda[3], “deve dar a quem tem um direito, tudo aquilo e precisamente aquilo que ele tem o direito de obter”.
Sendo assim, a tutela jurisdicional no intuito de preservar e reparar todo direito tutelado não pode ser inócua.
A busca da efetividade jurisdicional: a primazia do direito tutelado
Ao longo dos anos, a busca pela efetividade da tutela jurisdicional tornou-se objeto de reforma das leis processuais em nosso ordenamento, conforme demonstra a exposição de motivos do Código de Processo Civil de 1973, redigida pelo então Ministro da Justiça Alfredo Buzaid, que assim prescrevia:
“Na reforma das leis processuais, cujos projetos se encontram em vias de encaminhamento à consideração do Congresso Nacional, cuida-se, por isso, de modo todo especial, em conferir aos órgãos jurisdicionais os meios de que necessitam para que a prestação da justiça se efetue com a presteza indispensável à eficaz atuação do direito”[4]
No Brasil, infelizmente, é comum os processos em que as partes 'ganham, mas não levam' e ao Poder Judiciário cabe adotar as providências necessárias para que esse jargão não prevaleça, de forma a respeitar o direito à satisfação do crédito do credor, muitas vezes, tolhido por artifícios maliciosos empregados pelos devedores.
Caso não haja formas de se obrigar os devedores a pagarem as dívidas, mesmo após tanta recalcitrância, haverá uma insegurança de grande monta e todos brasileiros sofrerão as consequências das atitudes ardilosas dos maus pagadores, com a instabilidade econômica e aumento dos juros.
Sem embargos do mínimo existencial e a dignidade da pessoa humana, o processo não é um fim em si mesmo. É instrumento de concretização da justiça, ou seja, da preservação dos direitos consagrados pela ordem constitucional ao jurisdicionado que efetivamente é titular.
Nesse sentido, segue aresto abaixo:
“O processo, em si, deve ser entendido apenas como um meio para se atingir a pacificação dos conflitos sociais, e não como um fim” (TRF-5 - AGTR: 42722 AL 2002.05.00.012784-9, Relator: Desembargador Federal Ubaldo Ataíde Cavalcante, Data de Julgamento: 05/10/2006, Primeira Turma, Data de Publicação: Fonte: Diário da Justiça - Data: 21/12/2006 - Página: 228 - Nº: 102 - Ano: 2006)
Partindo desta premissa, podemos concluir que o magistrado no seu mister deve interpretar as leis à luz dos ideais democráticos informados pelos princípios da liberdade, autonomia da vontade, do pacta sunt servanda e do direito a propriedade e da promoção do bem comum, visando o cumprimento dos objetivos da República (Carta Magna, artigo 3º).
O judiciário e o custo Brasil
No passado recente o funcionamento da Justiça era uma problemática de discussão restrita a comunidade jurídica. A classe empresarial estava à margem disto, preocupando-se apenas com os aspectos do câmbio, juros, produtividade e do negócio propriamente dito.
Contudo, com o decorrer dos anos, com a abertura da economia nos anos 90, e das reformas liberais decorrentes em nosso país, o número de transações econômicas aumentou de forma substancial.
O protagonismo econômico de muitas transações também mudou, deslocando-se do governo e suas estatais para a iniciativa privada, impulsionando a formação de uma relação contratual entre as partes.
Por sua vez, o mercado de crédito explodiu com a inovação de inúmeras formas de títulos de crédito, espécies de transações, objetos, de proteção e garantia. Em consequência, novas demandas tiveram que ser absorvidas pelo Judiciário.
Todas estas transformações políticas e econômicas fizeram com que a Justiça fosse percebida como importante fator que compõe o chamado ‘Custo Brasil’.
Como leciona o Dr. Armando Castelar Pinheiro[5]:
“Uma forma simples de definir Custo Brasil é como sendo o custo adicional de transacionar, de realizar negócios, no Brasil, em comparação ao custo em um país com instituições que funcionam adequadamente. Nesse sentido, Custo Brasil é um conceito associado, de um lado, às instituições do país e, de outro, ao custo de transacionar”.
Desde então, até os dias atuais, em especial nos processos de execução, nos deparamos muitas vezes com uma morosidade e frustração dos titulares de créditos, que não conseguem recuperar seus créditos nas contendas judiciais.
O problema não se restringe apenas à morosidade, mas alcança a não conclusão, quando não se efetiva a primazia do direito tutelado na espécie.
Veja que na prática da rotina forense de um causídico que milita em favor de credores existem de inúmeros processos de execução de crédito frustrados por ‘irrecuperabilidade’, nos termos do artigo 921, inciso III do CPC.
Muitas vezes a frustração ocorre por meio de empregos ardis dos devedores como, por exemplo, ocultação de bens, fraudes, encerramento de atividades comerciais, necessitando-se, portanto, de maior rigor da atividade judiciária, com aplicação de medidas coercitivas e restritivas postas à sua disposição no Novo Código de Processo Civil, objeto de estudo no item seguinte.
Em alguns casos, a falta de rigor coloca em risco a efetividade jurisdicional, estimulando a inadimplência e encarecendo os financiamentos em detrimentos de todos aqueles cumpridores pontuais de suas obrigações contratuais, produzindo efeitos nefastos na economia.
Em decorrência da falta de segurança de que o crédito vai ser recuperado o credor embute o risco nos juros, em especial, nos contratos de financiamento, onerando ou mesmo restringindo o crédito, o que também implica na diminuição de investimentos.
A participação da Justiça no custo Brasil se dá em razão do alto nível de insegurança jurídica e de efetividade da jurisdição, o que provoca o aumento do risco e dos custos das transações econômicas, afetando a competitividade das empresas brasileiras e onerando, por conseguinte, a renda familiar dos consumidores.
A realidade das medidas atípicas executivas
A confiança é pressuposto de todo e qualquer negócio. É a força motriz da economia porquanto permite a troca de serviços e/ou produtos e benefícios mútuos entre as pessoas. É, de certo modo, um meio indispensável para o surgimento e conclusão de negócios.
Com a evolução da sociedade, da tecnologia e da globalização, os negócios jurídicos, além de serem instrumentos econômicos, passaram a exercer uma “função social” que juntamente com a boa-fé objetiva tornaram-se princípios norteadores do Código Civil de 2002.
Como leciona o professor Miguel Reale, o ato de contratar corresponde ao valor da livre iniciativa, erigida pela Constituição de 1988 a um dos fundamentos do Estado Democrático do Direito. Assim sendo, é natural que se atribua ao contrato uma função social, a fim de que ele seja concluído em benefício dos contratantes sem conflito com o interesse público[6].
Já o principio da boa-fé objetiva, pode ser compreendido como um conceito ético de conduta, moldado nas ideias de proceder com correção, com dignidade, pautada a atitude nos princípios da honestidade, da boa intenção e no propósito de a ninguém prejudicar[7].
Sendo assim, o juiz na aplicação do direito ao caso concreto deverá analisar sua aplicação na interpretação/contexto do negócio jurídico celebrado, no momento da constatação do abuso de direito ou na avaliação da responsabilidade pré ou pós-contratual.
Neste aspecto, de forma a prestigiar e preservar a confiança nos negócios o legislador também consagra o princípio da boa-fé objetiva e da cooperação, nos artigos 5º e 6º no novo Código de Processo Civil.
No mesmo compasso, o artigo 77, inciso IV, do Código de Processo Civil é claro ao dispor que a parte deve cumprir com exatidão as decisões jurisdicionais, de natureza provisória ou final, e não criar embaraços à sua efetivação.
Assim, compreende-se que o processo fluirá melhor existindo uma confiança na perspectiva de retidão, em sentido diametralmente oposto, a ausência de boa-fé objetiva, resulta em desconfiança, burocracia, má vontade, sendo um obste ao prosseguimento regular do feito[8].
Feito este introito, passaremos a uma análise do artigo 139 do novo Código de Processo Civil, sob o prisma do credor, que permite ao julgador adotar medidas restritivas de direitos para fazer com que a dívida seja quitada, de modo garantir a devida efetividade da jurisdição.
O novo Código de Processo Civil de 2015 estabeleceu uma nova sistemática em nosso ordenamento, no sentido de salvaguardar a efetividade da prestação jurisdicional, além de renovar na baia da processualística a ideia da cooperação processual.
O novo diploma outorgou ao magistrado a possibilidade de tomar medidas coercitivas, no intuito de zelar pelo cumprimento das decisões judiciais.
É o que preconiza o artigo 139, inciso IV do NCPC, nos seguintes termos:
“Art. 139. O juiz dirigirá o processo conforme as disposições deste Código, incumbindo-lhe:
IV - determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniária;
A jurisprudência tem se posicionado no sentido da adoção de medidas atípicas, em casos extremos, como por exemplo, a suspensão de passaporte, carteira nacional de habilitação, bloqueio de cartões de crédito, etc.
Tais medidas são excepcionais, havendo necessidade de esgotamento de todos os meios tradicionais e legalmente previstos para satisfação do crédito, justificando-se segundo critério de equidade, diante do caso concreto.
Nesta linha, vejamos as seguintes decisões:
“Ação civil pública. Cumprimento de sentença. Apreensão de Carteira Nacional de Habilitação (CNH) e passaporte. Art. 139, inc. IV, do NCPC. Medida excepcional tendente à efetividade da prestação jurisdicional. Ausência de violação aos princípios da dignidade da pessoa humana, razoabilidade, proporcionalidade e direito de ir e vir. Menor onerosidade, ademais, que não pode ser invocada para eximir o devedor de obrigação que lhe é afeta. Poder-dever de cautela. Decisão mantida. Recurso não provido. (TJ-SP - AI: 20840729020178260000 SP 2084072- 90.2017.8.26.0000, Relator: Oswaldo Luiz Palu, Data de Julgamento: 31/05/2017, 9ª Câmara de Direito Público, Data de Publicação: 31/05/2017)
“HABEAS CORPUS - RESTRIÇÃO DE SAÍDA DO PAÍS SEM PRÉVIA GARANTIA DA EXECUÇÃO – BLOQUEIO DE CARTÕES DE CRÉDITO – BLOQUEIO DE ATIVOS FINANCEIROS – SUSPENSÃO DA CNH - MEDIDAS
ALICERÇADAS NO ART. 139, IV, DO NCPC. 1 - Paciente que nos autos da ação de execução de título extrajudicial não nomeou bens para garantia do Juízo. Medida adotada como meio de satisfação da execução, legalmente disponibilizada no ordenamento (art. 139, IV, do NCPC). Ausência de ilegalidade, arbitrariedade, efeito teratológico ou mesmo impedimento ao regular direito de ir e vir do paciente. Habeas corpus que não se presta como sucedâneo recursal. Inadequação da via eleita. "MANDAMUS" NÃO CONHECIDO. (TJ-SP 21777835220178260000 SP 2177783-52.2017.8.26.0000, Relator: Maria Lúcia Pizzotti, Data de Julgamento: 08/11/2017, 30ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 10/11/2017)
“AGRAVO DE INSTRUMENTO. EXECUÇÃO. MEDIDAS ATÍPICAS. SUSPENSÃO DA CARTEIRA DE HABILITAÇÃO. APREENSÃO DE PASSAPORTE. CANCELAMENTO DE CARTÃO DE CRÉDITO. Pedido de aplicação de medidas atípicas com base no art. 139, inciso IV do CPC/2015, para coagir a agravada ao pagamento do débito. Em que pese a dificuldade da empresa exequente em receber o seu crédito e o decurso do tempo desde o ajuizamento da execução, as medidas postuladas pela agravante deverão ser aplicadas em casos excepcionais. Precedentes desta Corte. NEGAR PROVIMENTO AO AGRAVO DE INSTRUMENTO. (Agravo de Instrumento Nº 70072515653, Décima Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Giuliano Viero Giuliato, Julgado em 23/03/2017)
“CUMPRIMENTO DE SENTENÇA – Ação indenizatória em fase de execução – Fase de cumprimento que se arrasta desde 2013, sem satisfação do crédito exequendo, nem mesmo parcialmente – Exequente que requereu a retenção da CNH e do passaporte do devedor, bem como o bloqueio de todos seus cartões de débito e de crédito – Decisão interlocutória do juízo de origem que indeferiu tais providências – Inconformismo da exequente – Acolhimento parcial – Medidas atípicas pleiteadas determináveis com fulcro no art. 139, IV, do CPC/2015, que ampliou as providências à disposição dos magistrados para além da penhora e da expropriação de bens como meios de cobrança – Situação processual que justifica a adoção das indigitadas providências, em razão do insucesso de todas as medidas anteriormente tomadas, à exceção do bloqueio de cartões de débito, porquanto inócua, ante a inexistência de saldo nas contas bancárias do devedor – Recurso parcialmente provido (TJ-SP - AI: 20634993120178260000 SP 2063499- 31.2017.8.26.0000, Relator: Rui Cascaldi. Data de Julgamento: 26/06/2017, 1ª Câmara de Direito Privado, Data de Publicação: 26/06/2017)
Em trecho da fundamentação, o Desembargador Rui Cascaldi explicitou:
“No caso em tela, verdade é que até se chegou a identificar um imóvel de propriedade do recorrido, matriculado sob o nº. 3.807 do cartório de registro imobiliário da comarca de Cotia. Contudo, sobre tal bem já incidiam outras penhoras, vindo ele posteriormente a ser judicialmente alienado, mediante arrematação, para terceiro (R. 36 fl. 157). Também foram identificados veículos, mediante pesquisa pelo sistema Renajud (fl. 103), todos com diversas restrições judiciais (fls. 159-160). Chama a atenção, ademais, o fato de estarem as contas bancárias do devedor sem saldo, constatação que contrasta com sua condição de cirurgião plástico de renome, com pacientes famosos, dono de clínica especializada e que desfruta, de acordo com elementos trazidos aos autos, de elevado padrão de vida”.
Portanto, a finalidade da aludida norma não é a de impor penas ou restringir direitos, mas, meramente persuadir o inadimplente, impondo-lhe situações tão onerosas e inconvenientes de tal forma que lhe seja mais vantajoso pagar a continuar descumprindo a condenação que lhe foi imposta.
Conclusão
A falta de confiança de que as instituições garantirão o direito vigente gera dúvidas sobre a estabilidade das relações jurídicas e incertezas sobre as consequências dos atos baseados nas normas jurídicas vigentes, ocasionando no âmbito da sociedade à sensação de insegurança jurídica.
Conforme exposto, esse ambiente é pouco favorável ao desenvolvimento da atividade econômica, o que limita a competitividade das empresas, encarece o crédito, provoca a retração de investimentos, enfim, produz efeitos nefastos na economia.
A segurança jurídica, uma quimera, ideal, um norte, um parâmetro, ou na visão de um realista esperançoso, pode ser concebido como um objetivo a ser alcançado, na qual nos perfilamos.
A ideia inerente a sua concepção pode ser entendida como uma estabilidade duradoura/permanente de normas jurídicas certas, estáveis, previsíveis calculáveis e, ao mesmo tempo coercitivas, de modo a incutir na sociedade os deveres de convivência que devem ser observados.
O exercício continuado e eficiente da jurisdição proporcionará um clima generalizado de confiança no Poder judiciário, qual seja de segurança social e insatisfações eliminadas.
Neste mister, o juiz, na qualidade de presidente do processo, tem o dever-poder de zelar pela devida efetividade da jurisdição de modo a garantir a satisfação do direito do verdadeiro titular na lide.
O inciso IV do artigo 139 do código de processo Civil confere ao magistrado o poder de “determinar todas as medidas indutivas, coercitivas, mandamentais ou sub-rogatórias necessárias para assegurar o cumprimento de ordem judicial, inclusive nas ações que tenham por objeto prestação pecuniárias”.
A má-fé processual, o ardil e as fraudes empreendidas na seara dos feitos executivos devem ser punidos com maior rigor em defesa da efetividade da jurisdição e da utilidade de suas decisões, agregando, por conseguinte, valor e importância educativa aos jurisdicionados.
As medidas atípicas determináveis com fulcro no artigo 139, inciso IV, do CPC/2015, ampliaram as providências à disposição dos magistrados para além da penhora e da expropriação de bens como meios de cobrança.
As contendas de crédito tem uma peculiaridade própria: devedores insolventes ou mesmo aqueles “profissionais” que empregam todo tipo de artifícios ardilosos para não pagar o débito. Nesse último caso, o procedimento de praxe deve dar lugar a melhor percepção e rigor do juiz na aplicação das referidas medidas atípicas do vigente código de processo civil.
Sob este aspecto, medidas mais drásticas devem ser tomadas de modo a compelir este tipo de devedor, com mais vigor, a proceder ao pagamento, sob pena de se admitir a inocuidade do provimento jurisdicional. Obviamente, devem ser sopesadas com observância dos princípios da razoabilidade e proporcionalidade em cada caso concreto.
Procedimentos como bloqueio de cartões e passaportes e suspensão da CNH são muitas vezes eficazes a terem resultados práticos no combate aos devedores especializados, visando à satisfação da execução.
Veja-se que em muitas decisões proferidas[9] referidas medidas são indeferidas sob o singelo argumento de que não produzem eficácia no sentido de atingir algum numerário ou bens passíveis de constrição do devedor.
Data maxima venia, não concordamos com esse argumento.
Primeiramente, porque as medidas estão previstas legalmente, conforme já apontado.
Em segundo lugar, elas são parte integrante do poder geral de cautela do juiz, cuja finalidade não é a de impor penas ou restringir direitos, de per si, mas, meramente persuadir o inadimplente, impondo-lhe situações tão onerosas e inconvenientes de tal forma que lhe seja mais vantajoso pagar a continuar descumprindo a condenação que lhe foi imposta, em defesa da tão propalada efetividade jurisdicional e segurança jurídica.
No que tange a aventada violação ao direito de ir e vir decorrentes da apreensão de passaporte e CNH, não deve prosperar. A medida não fere o direito de ir e vir daqueles que reconhecidamente se valem de artimanhas para não quitarem suas dívidas, uma vez que podem se locomover com transporte público.
O mesmo é dito em relação ao uso do passaporte. Não havendo condições financeiras para pagar o seu débito, não há, por lógica, dinheiro para fazer viagens internacionais, de modo que o passaporte não lhe tem serventia neste momento.
Com relação ao bloqueio de cartões, não há que se falar em violação da dignidade ou do mínimo existencial. Os cartões de crédito servem exclusivamente para fazer compras e assim contrair novas dívidas. A apreensão dos cartões não impedirá o devedor de fazer consumo básico de sua sobrevivência, mas poderá ajuda-lo a economizar.
Reprise-se: não se discute que tais medidas sejam excepcionais, havendo necessidade de esgotamento de todos os meios tradicionais e legalmente previstos para satisfação do crédito, justificando-se segundo critério de equidade, diante do caso concreto.
Em tempos de impunidades, clama-se pela maior aplicação destas medidas. Como a justiça tende a ser cada vez mais instada a participar da vida econômica do Brasil, aumentar a eficiência e efetividade da jurisdição e fortalecer a segurança jurídica são iniciativas cruciais para reduzir o Custo Brasil.
Dessa forma, a educação oferecida pela tutela jurisdicional ágil e eficiente é um fim a ser alcançado, e não uma mera utopia, de modo a resgatar a credibilidade e importância social e econômica do Poder Judiciário.
Referências bibliográficas
CAPPELLETTI, Mauro e GARTH, Bryant. Acesso à justiça. Do original: Access to Justice: The Worldwide Movement to Make Rights Effective. A General Report – Milão, Dott. A. Giuffrè, 1978. Tradução de Ellen Gracie Northfleet. Porto Alegre, Sergio Antonio Fabris editor, 1988.
CINTRA, Antonio Carlos de Araújo et al. Teoria Geral do Processo. 14ª edição, Malheiros editores.
DINAMARCO, Cândido Rangel. Fundamentos do Processo Civil Moderno. 3ª edição, Tomo II, Malheiros editores.
______________________________. A instrumentalidade do processo. 7ª edição, Malheiros editores.
______________________________. Instituições de Direito Processual Civil. Tomo II, 5ª edição, Malheiros editores.
MAIOR, Jorge Luiz Souto. A efetividade do processo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 13, outubro/dezembro de 2000, p. 34.
MARINONI, Luiz Guilherme. Tutela específica. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2000.
NERY JÚNIOR, Nelson. Princípios do processo civil na constituição federal. 8ª edição, Editora Revista dos Tribunais.
______________________ e NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil comentado e Legislação extravagante. 16ª edição, Editora Revista dos Tribunais.
PINHEIRO, Armando Castelar. A Justiça e o Custo Brasil. REVISTA USP, São Paulo, n. 101, P. 141-158 março/abril/maio 2014.
[1] Especialista em Direito Contratual pela PUC-SP
[2] Papa João XXIII, Pacem in terris (Encíclica Mater et Magistra).
[3] CHIOVENDA, Giuseppe apud Jorge Luiz Souto Maior. A efetividade do processo. Revista do Tribunal Regional do Trabalho da 15ª Região, n. 13, outubro/dezembro de 2000, p. 34.
[4] Lei n. 5.869/73. Exposição de motivos do Código de processo civil. Capítulo VII – Conclusão
[5] PINHEIRO, Armando Castelar. REVISTA USP, São Paulo, n. 101, P. 141-158, março/abril/maio de 2014.
[6] REALE, Miguel. A função social dos contratos. Disponível em: http://www.miguelreale.com.br/artigos/funsoccont.htm. Acessado em 29/08/2017.
[7] Silvio Rodrigues. Direito Civil. São Paulo, 3º Volume, Ed. Saraiva, 28ª ed., pág. 60.
[8] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil Artigo por Artigo. 1. Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2015.
[9] AI n. 2209407-22.2017.8.26.0000. Egrégio Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo. Desembargador Relator Carlos Nunes. 31ª Câmara de Direito Privado. Julgado em 31/01/18.
Advogado e Consultor. Pós-Graduado em Direito Societário pelo Instituto Insper (SP), com Especialização em Direito Processual Civil pela Fundação Armando Álvares Penteado – FAAP (Lato Sensu). Atua nas áreas de Direito Empresarial, Societário, Direito Bancário e Recuperação Judicial
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