RESUMO: O presente artigo tem o escopo de demonstrar a imprescindibilidade da observância dos princípios na prestação dos serviços públicos. Busca-se atrelar a homenagem a tais princípios à concretização dos direitos fundamentais.
PALAVRAS-CHAVE: Serviços Públicos. Sentidos. Critérios. Conceito. Princípios. Generalidade. Continuidade. Eficiência. Modicidade.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Serviço Público. 3. Princípios aplicáveis: 3.1. Princípio da Generalidade. 3.2. Princípio da Continuidade. 3.3. Princípio da Eficiência. 3.4. Princípio da Modicidade. 3.5. Outros Princípios. 4. Conclusão. 5. Referências Bibliográficas.
1 . Introdução
A noção de serviço público está intimamente ligada com o conceito de interesse coletivo. Desta forma, o Estado tem a obrigação de prover os serviços públicos à sociedade em geral, propiciando o bem público.
Assim, ao conceder um serviço público, conforme será analisado neste artigo, a Administração Pública está diante de um compromisso coletivo e deve visar sempre o interesse público, garantido os direitos constitucionais de todas as pessoas. Para isto deve homenagear os princípios aplicáveis.
2. Serviço Público
A expressão serviço público possui dois sentidos: um subjetivo e um objetivo. Quanto ao primeiro, é analisado sob o enfoque de quem executa o serviço público. Já em relação ao sentido objetivo, o serviço público é a atividade em si, prestada pelo Estado e por seus agentes.
A partir do sentido objetivo, sob o qual a doutrina desenvolve seus estudos, emergem três critérios: o orgânico, o formal e o material.
Segundo o critério orgânico, também conhecido como subjetivo, serviço público é o prestado diretamente pelo Estado. Este é tido como ultrapassado, em decorrência da possibilidade de prestação indireta de serviços públicos através de delegação da prestação dos serviços a particulares.
O critério formal analisa o regime jurídico do serviço prestado. Assim, será serviço público qualquer atividade que ofereça utilidade material à sociedade, prestada sob o regime de Direito Público. Porém, certas vezes, são utilizadas regras de Direito Privado na prestação de serviços públicos, como quando prestados por Sociedades de Economia Mista ou por Empresas Públicas.
Já o critério material afirma que certas atividades, em decorrência de sua natureza, devem ser consideradas públicas. Assim, seria considerado serviço público toda atividade que tem por objeto a satisfação de necessidades da coletividade. Cabe citar, que este critério não abrange todas as possibilidades, pois há atividades essenciais prestadas por particulares sem regime de delegação como a educação em escolas particulares e também existem serviços dispensáveis, prestados como serviço público, como as loterias.
Desta maneira, não existe um conceito uniforme que defina os Serviços Públicos, já que os diversos critérios apresentados influem na conceituação dos mais conceituados doutrinadores.
Segundo Hely Lopes Meirelles, “serviço público é todo aquele prestado pela Administração ou por seus delegados, sob normas e controles estatais, para satisfazer necessidades essenciais ou secundárias da coletividade, ou simples conveniências do Estado”.[1]
Por sua vez, o ilustre professor Manuel Messias Peixinho, conceitua o serviço público como:
A despeito da insuficiência dos conceitos e das classificações adotadas pela doutrina, pode-se com finalidade exclusivamente didática definir serviço público como prestação material reconhecida como serviço público, criada por ato normativo de autoridade pública competente (constituição, lei em sentido formal e ato administrativo) e pela jurisprudência, que visa à satisfação de determinado bem ou valor considerado de interesse coletivo, prestado pelo estado ou por delegatário.[2]
Assim, serviço público pode ser definido como toda a atividade exercida direta ou indiretamente pelo Poder Público com o escopo de prover necessidades essenciais do cidadão, da sociedade em geral e do próprio Estado.
3. Princípios
Os princípios servem como guias norteadores para a análise de uma determinada matéria e são imprescindíveis para a correta aplicação do determinado pelas normas jurídicas. Segundo Miguel Reale “toda forma de conhecimento filosófico ou científico implica a existência de princípios, isto é, de certos enunciados lógicos admitidos como condição ou base de validade das demais asserções que compõem dado campo do saber”.[3]
Desta forma, é necessário apresentar neste trabalho os princípios reguladores da prestação dos serviços públicos, que são: a generalidade, a continuidade, a eficiência e a modicidade.
3.1. Princípio da Generalidade
É também conhecido como princípio da igualdade dos usuários. Segundo o Princípio da Generalidade os serviços públicos devem visar atingir o maior quantitativo possível de pessoas, sem discriminação entre os usuários. Ou seja, os serviços públicos devem buscar a universalização dos serviços públicos, respeitando assim a aplicação do princípio constitucional da impessoalidade, disposto no art. 37 da CRFB, “in verbis”:
Art. 37 - A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
(...)
Cabe salientar que o princípio da impessoalidade, representa um vertente da isonomia. Assim, a Administração deve ter como objetivo somente o interesse público e não ter como escopo o interesse privado. Qualquer ato praticado com objetivo diverso da satisfação do interesse público será nulo por desvio de finalidade.
É latente que para a Administração Pública respeitar o princípio da generalidade e assim atingir o maior número de pessoas são necessários recursos que o Estado muitas vezes não possui. Desta forma, conforme será exposto adiante, o esforço conjunto empreendido, sob a forma de uma Parceria Público-Privada, pelo Estado e pelos particulares são uma solução para a escassez de recursos estatais que impedem a correta prestação de serviços públicos, garantidos pela Constituição Federal, desde que observados os limites devidos.
3.2. Princípio da Continuidade
O serviço público deve ser acessível e prestado de forma contínua. Este princípio exige a prestação de forma ininterrupta do serviço, para que a coletividade possa satisfazer suas necessidades.
O princípio não impede a interrupção justificada da prestação do serviço que pode ocorrer por motivos de ordem geral, como força maior como também por situações que derivem de uma situação emergencial ou ainda após um prévio aviso em decorrência de razões de ordem técnica e segurança das instalações (conforme disposto pelo art 6, parágrafo 3º, inciso I, da Lei 8.987 de 1995).
Todos os princípios têm como escopo a prestação adequada dos serviços públicos, tendo neste aspecto, destaque especial o determinado pelo princípio da continuidade. Cabe transcrever abaixo, o art. 6º da Lei 8.987/95:
Art. 6º - Toda concessão ou permissão pressupõe a prestação de serviço adequado ao pleno atendimento dos usuários, conforme estabelecido nesta Lei, nas normas pertinentes e no respectivo contrato.
§1º Serviço adequado é o que satisfaz as condições de regularidade, continuidade, eficiência, segurança, atualidade, generalidade, cortesia na sua prestação e modicidade das tarifas.
§2º A atualidade compreende a modernidade das técnicas, do equipamento e das instalações e a sua conservação, bem como a melhoria e expansão do serviço.
§3º Não se caracteriza como descontinuidade do serviço a sua interrupção em situação de emergência ou após prévio aviso, quando:
I - motivada por razões de ordem técnica ou de segurança das instalações; e,
II - por inadimplemento do usuário, considerado o interesse da coletividade.
É importante lembrar que há grande controvérsia em relação à interrupção na prestação do serviço em decorrência do não pagamento pelo usuário. José dos Santos Carvalho Filho, ao se referir à relação Estado-usuário, afirma que:
Se o serviço for facultativo, o Poder Público pode suspender-lhe a prestação no caso de não pagamento, o que guarda coerência com a facultatividade em sua obtenção. É o que se sucede, por exemplo, com os serviços prestados por concessionários, cuja suspensão é expressamente autorizada pela Lei nº 8.987/95, que dispõe sobre concessões de serviços públicos. Tratando-se, no entanto de serviço compulsório, não será permitida a suspensão, e isso não somente porque o Estado o impôs coercitivamente, como também porque, sendo remunerado por taxa, tem a Fazenda mecanismos privilegiados para a cobrança da dívida.[4]
Em regra, a suspensão do serviço será admissível se este for remunerado por preço público (tarifa), mesmo que possua natureza compulsória. Por outro lado, existem decisões que entendem ser inadmissível a suspensão do serviço quando o usuário é o Poder Público, sob o argumento da supremacia do interesse público sobre o interesse privado.
No REsp 628.833-RS do STJ [5], este procurou conciliar a situação de inadimplência e a natureza do devedor. O Município, em caso de inadimplência no pagamento de tarifa, poderá ter seu fornecimento de energia elétrica suspenso para determinados órgãos, como bibliotecas, ginásios esportivos e depósitos, mas não poderia ter suspenso o fornecimento de energia para hospitais, escolas e usinas, por exemplo. Ainda neste sentido, o STJ no REsp 460.271 SP, fixou a impossibilidade de suspensão em razão da natureza da atividade exercida pelo órgão ou entidade pública, excluindo a possibilidade de corte para os serviços essenciais.
Vale afirmar, que muitas vezes, por deficiências estruturais geradas em decorrência da falta de recursos ou da má administração do Estado para manter os serviços, estes acabam não sendo prestados de forma contínua. As parcerias público-privadas caso empregadas corretamente, podem garantir melhores condições técnicas e de manutenção para os serviços públicos de maneira geral, possibilitando assim a consolidação na prática do princípio da continuidade dos serviços públicos.
3.3. Princípio da Eficiência
De acordo com este princípio a prestação do serviço público deve se dar de modo que atenda efetivamente as necessidades da coletividade, do usuário e do Estado, com o maior aproveitamento possível e com baixo custo.
A Constituição Federal impõe que os particulares colaboradores têm a obrigação de manter adequado o serviço público que executarem, conforme previsto pelo art. 175, parágrafo único, da CFRB, “in verbis”:
Art. 175 - Incumbe ao Poder Público, na forma da lei, diretamente ou sob regime de concessão ou permissão, sempre através de licitação, a prestação de serviços públicos.
Parágrafo único. A lei disporá sobre:
I - o regime das empresas concessionárias e permissionárias de serviços públicos, o caráter especial de seu contrato e de sua prorrogação, bem como as condições de caducidade, fiscalização e rescisão da concessão ou permissão;
II - os direitos dos usuários;
III - política tarifária;
IV - a obrigação de manter serviço adequado.
A eficiência, portanto, exige que a atividade seja realizada observando determinados padrões de qualidade. Segundo Diogo de Figueiredo Moreira Neto:
Para que os padrões de qualidade sejam juridicamente exigíveis, é necessário que se definam parâmetros legais, para que sua satisfação possa ser aferida, como, por exemplo, sob critérios de tempo, de recursos empregados, de generalidade do atendimento ou das respostas dos usuários (feed-back), pois, como já se esclareceu, o conceito jurídico de eficiência jamais poderá ser subjetivo, de outro modo chegar-se-ia ao arbítrio na atividade de controle.[6]
3.4. Princípio da Modicidade
Este princípio visa impedir que o fator econômico, ou seja, que o custo se torne um fato impeditivo para a fruição do serviço público pela coletividade. Assim, a modicidade esta associada à acessibilidade, exigindo que a política tarifária (CRFB art 175, parágrafo único, inciso III) obedeça aos recursos econômicos dos usuários dos serviços públicos.
Segundo Sérgio de Andreá Ferreira, este princípio:
Traduz a noção de que o lucro, meta da atividade econômica capitalista, não é objetivo da função administrativa, devendo o eventual resultado econômico positivo decorrer da boa gestão dos serviços, sendo certo que alguns deles, por seu turno, têm de ser, por fatores diversos, essencialmente deficitários ou, até mesmo, gratuitos.[7]
Cabe salientar que o princípio da modicidade é corolário do princípio da generalidade, pois caso seguido à risca irá propiciar o mais amplo acesso ao serviço por parte da coletividade.
3.5. Outros Princípios
Além dos princípios supracitados, a doutrina reconhece a existência de outros princípios, tais como:
· Princípio da regularidade – além de contínuo, o serviço público deve ser prestado de modo regular, ou seja, sem apresentar variação apreciável das características técnicas de sua prestação aos usuários.
· Princípio da atualidade – também conhecido como princípio do aperfeiçoamento. A Administração tem a obrigação de aproveitar na prestação de serviços os avanços científicos e tecnológicos, que irão propiciar uma melhora na qualidade da prestação. É um corolário do princípio da eficiência.
· Princípio da cortesia – os usuários são os destinatários dos serviços públicos, desta maneira existe um dever legal, além de um dever, obviamente, moral, de tratá-los de modo urbano e educado, recebendo um atendimento adequado.
4. Conclusão
Conclui-se destacando a importância da aplicação prática dos princípios ao ser prestado o serviço público. Apenas desse modo serão homenageados os ditames do postulado máximo da dignidade da pessoa humana (art 1º, III, CRFB/88; CADH e DUDH), concretizando-se os direitos fundamentais.
5. Referências Bibliográficas
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010.
FERREIRA, Eduardo Paz; REBELO, Marta. O Novo Regime Jurídico das Parcerias Público-Privada em Portugal. In: Revista de Direito Público na Economia, n.4. Belo Horizonte: Fórum, out-dez 2003.
MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001.
PEIXINHO, Manoel Messias. Serviços Públicos Delegados, Fonte de Custeio e Direitos Fundamentais. Revista da Faculdade de Direito de Campos. 10 ed. Campos dos Goytacazes: Revista da Faculdade de Direito de Campos, 2007, v. , ____. As Parcerias Público-Privadas no Direito Estrangeiro e no Brasil: Instrumentos de concretização de Políticas Públicas e de Direitos Fundamentais. In: PEIXINHO, Manoel Messias (Org.). Marco Regulatório das Parcerias Público-Privadas no Direito Brasileiro. Rio de Janeiro: Lumen Júris, 2010.
REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Ed.. São Paulo: Saraiva. 2006.
Superior Tribunal de Justiça, Resp 628.833 – RS, 1ª Turma, Rel Min. JOSÉ DELGADO, em 22.06.2004 (Informativo STJ nº 215, em julho de 2004).
[1] MEIRELLES, Hely Lopes. Direito Administrativo Brasileiro. 18ª Ed. São Paulo: Malheiros, 1998. p. 38
[2] PEIXINHO, Manoel Messias. Serviços Públicos Delegados, Fonte de Custeio e Direitos Fundamentais. Revista da Faculdade de Direito de Campos. 10 ed. Campos dos Goytacazes: Revista da Faculdade de Direito de Campos, 2007, v. , p. 111-128.
[3] REALE, Miguel. Lições Preliminares de Direito. 27ª Ed.. São Paulo: Saraiva. 2006. p. 303.
[4] CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 23ª ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010. p.360.
[5] STJ, REsp 628.833 – RS, 1ª Turma, Rel Min. JOSÉ DELGADO, em 22.06.2004 (Informativo STJ nº 215, em julho de 2004).
[6] MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo: parte introdutória. 12ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2001. p. 418.
[7] FERREIRA, Sérgio de Andréa. Direito Administrativo Didático. 3ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 1985. p.235.
Graduado em Direito pela PUC-RJ. Especialista em Direito Público pela UCP-RJ. Servidor público federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, José Felippe Rangel da. Os princípios aplicáveis aos serviços públicos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 abr 2018, 09:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51570/os-principios-aplicaveis-aos-servicos-publicos. Acesso em: 23 dez 2024.
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