RESUMO: O presente artigo destina-se a analisar a possibilidade de utilizar-se a analogia in malam partem no âmbito do direito processual penal, abordando a temática tanto no âmbito doutrinário quanto no da jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça.
Palavras-chave: Processo penal; Analogia in malam partem; Doutrina. STJ.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 2. Analogia in malam parte no âmbito doutrinário. 3. Jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça. 4. Considerações finais. 5. Referências
1. INTRODUÇÃO
Nos termos do art. 3º, do Código de Processo Penal, tem-se que “a lei processual penal admitirá interpretação extensiva e aplicação analógica, bem como o suplemento dos princípios gerais de direito”.
Vê-se, portanto que, por tal dispositivo, é admissível no âmbito do processo penal brasileiro a aplicação analógica, a qual segundo Renato Brasileiro “pode ser definida como uma forma de autointegração da norma, consistente em aplicar a uma hipótese não prevista em lei a disposição legal relativa a um caso semelhante”. (LIMA, 2017, p.10)
Pelo próprio texto legal, amparado pelo entendimento doutrinário acima exposto, mostra-se indene de dúvidas a possibilidade de aplicação do método integrativo da analogia para colmatar eventuais lacunas existentes na ritualística do processo penal. Contudo, questionamentos ressoam quanto à possibilidade da aplicação da analogia in malam partem no regime processual penal.
2. ANALOGIA IN MALAM PARTEM NO ÂMBITO DOUTRINÁRIO
Aquiescendo com a possibilidade de prejuízo ao réu decorrente da aplicação da analogia, Nestor Tavora e Rosmar Rodrigues Alencar dispõem que:
Assim, em face da omissão involuntária da lei, aplicamos norma que disciplina fato análogo. Ao contrário do que acontece no direito penal, no âmbito do qual a analogia não pode ser utilizada em prejuízo do réu, na esfera processual ela goza de ampla aplicação. Todavia deve-se interpreta com reservas a admissibilidade da analogia quando se trata da restrição cautelar da liberdade ou quando importe em flexibilização de garantias, o que seria intolerável à luz da Constituição Federal. (TÁVORA; ALENCAR, 2015, p.41)
No mesmo sentido, assevera Guilherme de Souza Nucci:
No processo penal, a analogia pode ser usada contra ou a favor do réu, pois não se trata de norma penal incriminadora, protegida pelo princípio da reserva legal, que exige nítida definição do tipo prévio em lei. (NUCCI, 2014, p. 38)
Ressalte-se que, ainda em âmbito doutrinário, é assente que o art. 3º, do Código de Processo Penal deve ser entendido nos seus exatos termos, ou seja, somente para normas de direito processual penal é cabível a interpretação analógica, seja esta in bonam ou in malam partem, sendo, em giro diverso, inaplicável tal instituto quando estivermos diante de normas que contenham regra de direito material, conforme bem exemplifica Lima:
Quando o art. 3º do CPP dispõe que a lei processual penal admite o emprego da analogia, há de se ficar atento à verdadeira natureza da norma, ou seja, se se trata de norma genuinamente processual penal ou se, na verdade, estamos diante de norma processual mista dispondo sobre a pretensão punitiva e produzindo reflexos no direito de liberdade do agente. Afinal, na hipótese de estarmos diante de norma processual mista versando sobre a pretensão punitiva, não se pode admitir o emprego da analogia em prejuízo do acusado, sob pena de violação ao princípio da legalidade. Bom exemplo disso diz respeito à sucessão processual prevista no art. 31 do CPP. Segundo o referido dispositivo, no caso de morte do ofendido ou quando declarado ausente por decisão judicial, o direito de oferecer queixa ou prosseguir na ação passará ao cônjuge, ascendente, descendente ou irmão. Por força do disposto no art. 226, § 3º, da Constituição Federal (“Para efeito da proteção do Estado, é reconhecida a união estável entre o homem e a mulher como entidade familiar, devendo a lei facilitar sua conversão em casamento”), grande parte da doutrina insere no rol dos sucessores o companheiro. Logo, a ordem seria cônjuge (ou companheiro), ascendente, descendente ou irmão. A nosso ver, todavia, não se pode incluir o companheiro nesse rol, sob pena de indevida analogia in malam partem. A inclusão do companheiro ou da companheira nesse rol de sucessores produz reflexos no direito de punir do Estado, já que, quanto menos sucessores existirem, maior é a possibilidade de que o não exercício do direito de representação ou de queixa no prazo legal acarreta a extinção da punibilidade pela decadência. Portanto, cuidando-se de regra de direito material, não se pode querer incluir o companheiro, sob pena de indevida analogia in malam partem, malferindo o princípio da legalidade (CF, art. 5º, XXXIX). (LIMA, 2017, p. 102)
Assim, no âmbito doutrinário, é possível observar certa uniformização quanto à possibilidade de aplicação da analogia in malam partem no âmbito do processo penal, desde que esta não incida em normas de direito material em prejuízo ao réu.
3. JURISPRUDÊNCIA DO SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA
Em giro diverso, no que pertine às decisões do Superior Tribunal de Justiça, revela-se despiciendo concluir o entendimento majoritário quanto à possibilidade de utilização da analogia in malam partem no âmbito do processo penal.
É que, conforme se demonstrará com a colação de julgados, a despeito de existirem situações em que notório é o prejuízo ao réu quando da aplicação da analogia, a Corte Cidadã vem albergando a possibilidade. Em outros, o mesmo Tribunal vem entendo pela impossibilidade de utilização do referido método integrativo no âmbito do direito processual penal por culminar analogia in malam partem.
Sobre os primeiros julgados referidos, ou seja, em relação à possibilidade de aplicação de analogia in malam partem no âmbito do processo penal, tem-se que o Superior Tribunal de Justiça acolhe a possibilidade de que, utilizando-se analogicamente dos arts. 294, parágrafo único, 297, 300, 932, II, 995, parágrafo único, todos do vigente Código de Processo Civil, atribua-se efeito suspensivo a recurso em sentido estrito interposto em face de decisão que determina a soltura do acusado, verbis:
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA PARA ANTECIPAR OS EFEITOS DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELO TRIBUNAL. DECISÃO JUSTIFICADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ATIVIDADE TÍPICA DE MILÍCIA PRIVADA. ROUBOS. TORTURA. VIOLAÇÕES DE DOMICÍLIO. AMEAÇAS. INCÊNDIO. ORDEM DENEGADA.
1. A Quinta Turma deste STJ, em julgado recente, acolheu orientação no sentido de que não se verifica eventual nulidade na decretação da prisão preventiva por meio de antecipação de tutela recursal pleiteada no bojo de recurso em sentido estrito manejado pelo Ministério Público (HC 309.390⁄RR, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 3⁄5⁄2016, DJe 10⁄5⁄2016).
2. É admissível a concessão de tutela provisória com feição acautelatória, para adiantar decisão judicial ou conferir efeito suspensivo a recurso que não o tem, diante da natural demora no processamento do recurso em sentido estrito em ação de grande magnitude, que conta com 30 réus, para resguardar a eficácia da decisão de mérito a ser proferida por ocasião do julgamento do mérito do recurso, desde que demonstrado o risco de lesão grave ou de difícil reparação (fumus boni iuris e periculum in mora).
3. Comprovada a materialidade dos delitos e apontados indícios suficientes de autoria, a partir da citação de trechos de interceptações telefônicas e depoimentos de testemunhas e vítimas, a prisão preventiva encontra justificativa na necessidade de proteção à ordem pública, em razão da gravidade concreta das condutas praticadas, em atividade típica de milícia privada. Ademais, a segregação antecipada mostra-se necessária por conveniência da instrução criminal, em razão do temor das vítimas e testemunhas em prestarem seus depoimentos.
4. Ordem denegada.
(HC 372.065/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 21/02/2017, DJe 24/02/2017)
A mencionada utilização da analogia no julgado acima transcrito é bem exposto no voto do Relator:
A medida cautelar no presente caso foi requerida como uma espécie de tutela recursal antecipada. O Ministério Público pediu a atribuição de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, e postulou fosse decretada a prisão preventiva dos acusados, pelos fundamentos que declinou, de maneira a adiantar uma decisão judicial que entendeu urgente, diante da natural delonga no processamento do recurso em sentido estrito em ação dessa magnitude, que conta com 30 réus, e o tipo de atividade ilícita que são acusados de desempenhar (milícia privada).
O art. 3º do Código de Processo Penal permite a aplicação analógica de dispositivos do Código de Processo Civil.
O novo Código de Processo Civil Brasileiro, embora tenha abolido o título que cuidava dos procedimentos cautelares típicos, na verdade expandiu a possibilidade de o julgador decidir e de a parte requerer tutelares provisórias de urgência ou de evidência, em caráter antecedente ou incidental, inclusive no âmbito recursal, bastando a leitura dos arts. 294, parágrafo único, 297 (poder geral de cautela), 300, 932, II, 995, parágrafo único, verbis:
Art. 294. A tutela provisória pode fundamentar-se em urgência ou evidência.
Parágrafo único. A tutela provisória de urgência, cautelar ou antecipada pode ser concedida em caráter antecedente ou incidental.
Art. 297. O juiz poderá determinar as medidas que considerar adequadas para efetivação da tutela provisória.
Art. 300. A tutela de urgência será concedida quando houver elementos que evidenciem a probabilidade do direito e o perigo ou o risco ao resultado útil do processo.
§ 2º - A tutela de urgência pode ser concedida liminarmente ou após justificação prévia.
Art. 932. Incumbe ao relator:
II - apreciar o pedido de tutela provisória nos recursos e nos processos de competência originária do tribunal;
Art. 995. Os recursos não impedem a eficácia da decisão, salvo disposição legal ou decisão judicial em sentido diverso.
Parágrafo único. A eficácia da decisão recorrida poderá ser suspensa por decisão do relator, se da imediata produção de seus efeitos houver risco de dano grave, de difícil ou impossível reparação, e ficar demonstrada a probabilidade de provimento do recurso.
Não se trata, aqui, de criar mais uma hipótese de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito, em violação Do art. 584 do CPP, que o concede, expressamente, apenas nos casos de decisão de perda da fiança e denega ou julga deserta a apelação – art. 581, XV –, mas de admitir a possibilidade de o relator deferir uma tutela acautelatória, em casos específicos, tão somente quando presentes os requisitos indispensáveis, de modo a resguardar a eficácia da decisão de mérito do recurso. (FONSECA, 2017, pp. 9/10)
Vê-se, portanto, que, apesar da atribuição de efeito suspensivo ao recurso em sentido estrito por força da aplicação analógica de dispositivos previstos no Código de Processo Civil culminar em notório prejuízo do réu, o Superior Tribunal de Justiça vem acolhendo tal possibilidade.
Cuida-se, portanto, de clarividente exemplo de utilização de analogia in malam partem no âmbito do direito processual penal.
Ressalte-se, outrossim, que o entendimento acima é exarado nas duas Turmas do Superior Tribunal de Justiça que detém competência criminal, senão observe-se:
HABEAS CORPUS. PRISÃO PREVENTIVA. MEDIDA CAUTELAR PARA ANTECIPAR OS EFEITOS DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO. POSSIBILIDADE. NOTÍCIA DE AMEAÇAS A VÍTIMAS E TESTEMUNHAS. CIRCUNSTÂNCIA APTA A EVIDENCIAR RISCO REAL À INSTRUÇÃO CRIMINAL. AUSÊNCIA DE ILEGALIDADE.
1. Esta Corte tem acolhido orientação no sentido de que não se verifica eventual nulidade na decretação da prisão preventiva por meio de antecipação de tutela recursal pleiteada no bojo de recurso em sentido estrito manejado pelo Ministério Público (HC n. 309.390/RR, Ministro Felix Fischer, Quinta Turma, DJe 10/5/2016)
2. Não há falar em ilegitimidade da prisão preventiva, uma vez que decretada por conveniência da instrução criminal, ante a notícia de ameaças a vítimas e testemunhas.
3. Ordem denegada. Pedido de reconsideração da decisão liminar, por consequência, prejudicado, às fls. 269/276.
(HC 412.047/AM, Rel. Ministro SEBASTIÃO REIS JÚNIOR, SEXTA TURMA, julgado em 12/12/2017, DJe 19/12/2017)
HABEAS CORPUS. PROCESSUAL PENAL. MEDIDA CAUTELAR CONCEDIDA PARA ANTECIPAR OS EFEITOS DE RECURSO EM SENTIDO ESTRITO INTERPOSTO CONTRA DECISÃO QUE INDEFERIU PEDIDO DE PRISÃO PREVENTIVA DO PACIENTE. POSSIBILIDADE. PRISÃO PREVENTIVA DECRETADA PELO TRIBUNAL. DECISÃO JUSTIFICADA. GARANTIA DA ORDEM PÚBLICA E CONVENIÊNCIA DA INSTRUÇÃO CRIMINAL. ATIVIDADE TÍPICA DE MILÍCIA PRIVADA. ROUBOS. TORTURA. VIOLAÇÕES DE DOMICÍLIO. AMEAÇAS. INCÊNDIO. ORDEM DENEGADA.
1. A Quinta Turma deste STJ, em julgado recente, acolheu orientação no sentido de que não se verifica eventual nulidade na decretação da prisão preventiva por meio de antecipação de tutela recursal pleiteada no bojo de recurso em sentido estrito manejado pelo Ministério Público (HC 309.390/RR, Rel. Min. FELIX FISCHER, Quinta Turma, julgado em 3/5/2016, DJe 10/5/2016).
2. É admissível a concessão de tutela provisória com feição acautelatória, para adiantar decisão judicial ou conferir efeito suspensivo a recurso que o não o tem, diante da natural demora no processamento do recurso em sentido estrito em ação de grande magnitude, que conta com 30 réus, para resguardar a eficácia da decisão de mérito a ser proferida por ocasião do julgamento do mérito do recurso, desde que demonstrado o risco de lesão grave ou de difícil reparação (fumus boni iuris e periculum in mora) (HC 372.065/RS, HC 365.399/RS e HC 365.838/RS, todos de minha relatoria, Quinta Turma, julgados em 21/2/2017, DJe 23/2/2017).
3. Comprovada a materialidade dos delitos e apontados indícios suficientes de autoria, a partir da citação de trechos de interceptações telefônicas e depoimentos de testemunhas e vítimas, a prisão preventiva encontra justificativa na necessidade de proteção à ordem pública, em razão da gravidade concreta das condutas praticadas, em atividade típica de milícia privada. Ademais, a segregação antecipada mostra-se necessária por conveniência da instrução criminal, em razão do temor das vítimas e testemunhas em prestarem seus depoimentos.
4. Condições subjetivas favoráveis, tais como primariedade e residência fixa, por si sós, não obstam a segregação cautelar, quando presentes os requisitos legais para a decretação da prisão preventiva.
5. Mostra-se indevida a aplicação de medidas cautelares diversas da prisão, quando evidenciada a sua insuficiência para acautelar a ordem pública.
6. Ordem denegada.
(HC 378.957/RS, Rel. Ministro REYNALDO SOARES DA FONSECA, QUINTA TURMA, julgado em 09/03/2017, DJe 14/03/2017)
Entendimento diverso é o exarado para fins de aplicação da multa por litigância de má-fé no direito processual penal, vez que o Superior Tribunal de Justiça entende que aplicação deste instituto do direito processual civil no âmbito processual penal implicaria em analogia in malam parte, senão veja-se:
PROCESSO PENAL. HABEAS CORPUS. TRÁFICO DE DROGAS. ALEGAÇÃO DE AUSÊNCIA DE MATERIALIDADE DO DELITO. REVOLVIMENTO FÁTICO-PROBATÓRIO. IMPROPRIEDADE DA VIA ELEITA. PLEITO DE DESCONSTITUIÇÃO DO TRÂNSITO EM JULGADO PARA INTERPOSIÇÃO DOS RECURSOS ESPECIAL E EXTRAORDINÁRIO. ESCOAMENTO IN ALBIS DO PRAZO RECURSAL. MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. SEARA PENAL. IMPOSSIBILIDADE. ORDEM PARCIALMENTE CONCEDIDA.
1. O habeas corpus não se presta à análise de alegação cuja apreciação demanda revolvimento do conjunto fático-probatório.
2. Se as instâncias ordinárias, mediante valoração do acervo probatório produzido nos autos, entenderam, de forma fundamentada, não só pela materialidade do delito, mas também por ser o réu autor do crime descrito na denúncia, não cabe a esta Corte a análise das afirmações relacionadas ao pleito de "nulidade do processo", sob a alegação de que não há "materialidade do crime", na medida em que demandaria exame detido de provas, inviável em sede de writ.
3. Hipótese em que não há falar em cerceamento de defesa, uma vez que, publicado o acórdão dos embargos declaratórios, transcorrendo 40 dias, a defesa deixou de apresentar o recurso em tempo hábil, o que culminou no trânsito em julgado da sentença condenatória.
4. Esta Corte Superior firmou o entendimento de que não é cabível a imposição de multa por litigância de má-fé no âmbito do processo penal, porquanto sua aplicação constituiria indevida analogia in malam partem, haja vista ausência de previsão expressa no Código de Processo Penal. Precedentes.
5. Ordem parcialmente concedida somente para afastar a multa por litigância de má-fé aplicada pelo Tribunal de origem.
(HC 401.965/RJ, Rel. Ministro RIBEIRO DANTAS, QUINTA TURMA, julgado em 26/09/2017, DJe 06/10/2017)
PENAL E PROCESSUAL PENAL. AGRAVO REGIMENTAL EM AGRAVO NO RECURSO ESPECIAL. INTEMPESTIVIDADE. DESCABIMENTO DE EMBARGOS DE DECLARAÇÃO EM FACE DE DECISÃO DE INADMISSÃO DE RECURSO ESPECIAL. AUSÊNCIA DE IMPUGNAÇÃO AOS FUNDAMENTOS DA DECISÃO RECORRIDA. PEDIDO DE CONDENAÇÃO POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ. NÃO CONHECIMENTO.
1. Não se conhece de agravo regimental que não tenha impugnado satisfatoriamente os fundamentos da decisão recorrida a teor do art. 932, III, CPC, e Súm. 211/STJ.
2. A jurisprudência da Corte é firme no sentido de que o agravo é o único recurso cabível contra decisão que inadmite o recurso especial na origem. Dessa forma, a oposição de embargos de declaração não têm o condão de interromper o prazo recursal.
3. Na seara penal, é incabível a imposição de multa por litigância de má-fé, tendo em vista a ausência de previsão expressa no Código de Processo Penal. Precedentes (PET no AgRg no AgRg nos EAREsp 619.952/SP, Rel. Ministro LUIS FELIPE SALOMÃO, CORTE ESPECIAL, julgado em 15/06/2016, DJe 29/06/2016).
4. Agravo regimental não conhecido.
(AgRg no AREsp 618.694/RS, Rel. Ministro NEFI CORDEIRO, SEXTA TURMA, julgado em 19/09/2017, DJe 27/09/2017)
PROCESSUAL PENAL – HABEAS CORPUS – ART. 95, “D” DA LEI 8.212/1991 – INTERPOSIÇÃO DE APELAÇÃO – OPOSIÇÃO, CONTRA O ACÓRDÃO, DE DOIS EMBARGOS DECLARATÓRIOS – RECONHECIMENTO, PELA CORTE A QUO, DE LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ, POR PROTELAÇÃO INDEVIDA – APLICAÇÃO DE MULTA – PROCESSO ANULADO DESDE A PROLAÇÃO DA SENTENÇA, INCLUSIVE, POR ESTE SUPERIOR TRIBUNAL DE JUSTIÇA – ANULAÇÃO QUE ABARCOU A APLICAÇÃO DA MULTA – INEXISTÊNCIA, ADEMAIS, DE MULTA POR LITIGÂNCIA DE MÁ-FÉ NO ÂMBITO DO DIREITO PROCESSUAL PENAL – AUSÊNCIA DE PREVISÃO LEGAL – OBJETIVO DISTINTO DO DIREITO PROCESSUAL CIVIL E, POR CONSEGUINTE, INCOMPATÍVEL COM A MULTA POR ESSA RAZÃO – PREVALÊNCIA DA GARANTIA CONSTITUCIONAL DA AMPLA DEFESA, COM OS MEIOS E RECURSOS A ELA INERENTES – EVENTUAL PROCRASTINAÇÃO DA PARTE QUE ENSEJA, QUANDO MUITO, O INÍCIO DA EXECUÇÃO DA PENA – PRECEDENTES – AUSÊNCIA, ADEMAIS, DE PARÂMETROS PARA A FIXAÇÃO DA MULTA – ORDEM CONCEDIDA.
1. Anulado o processo desde a prolação da sentença, inclusive, por este Superior Tribunal de Justiça (HC 46.648/SC), resta inadmissível a cobrança da multa imposta em sede de embargos declaratórios pelo Tribunal a quo, eis que a decisão restou abarcada pela anulação do processo.
2. Ademais, o processo penal não comporta a aplicação de multa por litigância de má-fé, por ausência de previsão legal.
3. Também não é o caso de aplicação das disposições do Código de Processo Civil por analogia (artigo 3º do Código de Processo Penal), pois o objetivo do Direito Processual Penal é distinto do Processual Civil, eis que este tem por escopo a prolação de sentença para solucionar a lide existente entre as partes (via de regra de natureza semelhante), enquanto que aquele (entre partes desiguais: Estado x réu) busca legitimar o jus puniendi estatal, garantindo-se ao acusado todas as garantias e prerrogativas legais.
4. Não bastasse isso, óbices práticos também impediriam a aplicação da multa por litigância de má-fé no âmbito do processo penal, pois seu parâmetro é o “valor da causa”, inexistente no Código de Processo Penal, sendo inadmissível que sua fixação fique ao discricionário arbítrio do Magistrado.
5. Logo, ainda que a defesa venha a se utilizar do processo penal como um meio procrastinatório para impedir o aperfeiçoamento da coisa julgada a ela desfavorável, não há como se aplicar multa por litigância de má-fé, pois a garantia constitucional da ampla defesa, com todos os meios e recursos a ele inerentes, deve prevalecer.
6. Eventual atitude manifestamente protelatória da defesa justifica, quando muito, o início da execução da pena imposta ao acusado.
Precedentes do STF e do STJ.
7. Ordem concedida para obstar a execução da pena de multa imposta ao paciente oriunda de sua condenação por litigância de má-fé.
(HC 117.320/SC, Rel. Ministra JANE SILVA (DESEMBARGADORA CONVOCADA DO TJ/MG), SEXTA TURMA, julgado em 02/12/2008, DJe 19/12/2008)
Vislumbra-se, que as mesmas Turmas do Superior Tribunal de Justiça que permitem a decretação da prisão preventiva com fulcro em aplicação analógica de dispositivos do Código de Processo Civil, medida esta que traz grave prejuízo ao réu, dispõem ser inaplicável o instituto eminentemente processual da litigância de má-fé no âmbito do direito processual penal sob pena de analogia in malam partem.
Não se mostra razoável o tratamento diferenciado para as situações acima, sendo certo que se é possível a decretação de prisão preventiva com fundamento em dispositivos do Código de Processo Civil analogicamente aplicados ao Código de Processo Penal, não se vislumbra qualquer motivação idônea para que, também por força da analogia, se aplique a multa por litigância de má-fé no âmbito do direito processual penal, afinal se até mesmo a liberdade do indivíduo é passível de restrição por força desse método integrativo, a mera sanção patrimonial decorrente da aplicação da multa por litigância de má-fé não deveria encontrar óbice no argumento de que esta decorreria de analogia in malam partem.
4. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Assim, pode-se concluir que, no âmbito doutrinário, há certo consenso de que é possível a aplicação da analogia in malam partem no âmbito do direito processual penal, ao passo que, no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, afigura-se que a possibilidade da utilização de analogia in malam partem dependerá da análise do caso concreto, sendo aplicável para fins de possibilitar a decretação de prisão preventiva em sede de antecipação de tutela recursal e inaplicável no âmbito da multa por litigância de má-fé.
5. REFERÊNCIAS
BRASIL. Código de Processo Penal. Decreto-Lei nº 3.689 de 3 de outubro de 1941. Disponível em . Acesso em 23 de abr. 2018.
BRASIL. Código de Processo Civil. Lei nº 13.105 de 16 de março de 2015. Disponível em . Acesso em 23 de abr. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 117.320-SC. Relator ministra Jane Silva (Desembargadora convocada do TJ/MG). Julgado em 2 de dezembro de 2008. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 372.065-RS. Relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgado em 21 de fevereiro de 2017. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2018.
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 378.957-RS. Relator ministro Reynaldo Soares da Fonseca. Julgado em 9 de março de 2017. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2018
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Agravo Regimental no Agravo em Recurso Especial n. 618.694-RS. Relator ministro Nefi Cordeiro. Julgado em 19 de setembro de 2017. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2018
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 401.965-RS. Relator ministro Ribeiro Dantas. Julgado em 26 de setembro de 2017. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2018
BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Habeas Corpus n. 412.047-AM. Relator ministro Sebastião Reis Júnior. Julgado em 12 de dezembro de 2017. Disponível em: . Acesso em 23 de abr. 2018.
LIMA, Renato Brasileiro de. Manual de processo penal: volume único. 5 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Ed. Juspodivm, 2017.
NUCCI, Guilherme de Souza. Código de processo penal comentado. 13 ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
TÁVORA, Nestor; ALENCAR, Rosmar Rodrigues. Curso de direito processual penal. 10 ed. rev., ampl. e atual. Salvador: Editora Juspodivm, 2015.
Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Pós-graduado em Ciências Criminais pela Universidade Estácio de Sá e Assessor I no Tribunal de Justiça do Estado do Ceará;<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: OLIVEIRA, Samuel Gonçalves de. Analogia in malam partem no Processo Penal: análise na doutrina e jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 abr 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51603/analogia-in-malam-partem-no-processo-penal-analise-na-doutrina-e-jurisprudencia-do-superior-tribunal-de-justica. Acesso em: 23 dez 2024.
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