RESUMO: O presente artigo busca apresentar a discussão judicial acerca da legalidade e constitucionalidade da edição do Decreto no 8.426/2015, que reestabelece as alíquotas da Contribuição para os Programas de Integração Social e de Formação do Patrimônio do Servidor Público – PIS/PASEP e da Contribuição para o Financiamento da Seguridade Social – COFINS incidentes sobre receitas financeiras das pessoas jurídicas. De início, faz-se uma análise contextual sobre a natureza dos referidos tributos. Em seguida, demonstra-se a evolução histórica da cobrança do PIS/PASEP e COFINS até o reestabelecimento de suas alíquotas. Posteriormente, consideram-se as posições jurídico-doutrinárias em prol dos contribuintes e da Fazenda pública em relação ao tema, incluindo a visão judicial no que atine a tal controvérsia. Por fim, apresentam-se as possíveis tendências das cortes superiores e as conclusões.
Palavras-chave: Tributos, receitas financeiras, PIS/PASEP, COFINS, Decreto no 8.426/15, restabelecimento de alíquota.
Introdução
A Constituição Federal de 1988 trouxe um título à parte para tratar exclusivamente sobre a questão tributária. O Sistema Tributário Nacional, estabelecido entre os artigos 145 e 162 da Constituição, é onde encontram-se definidos os principais conceitos e princípios norteadores da legislação tributária infraconstitucional.
Já no artigo 145 da mesma Constituição, o legislador determinou quais tributos poderiam ser instituídos por cada ente da Federação, respectivamente, dividindo-os em três espécies, tal qual o Código Tributário Nacional – CTN : impostos, taxas e contribuições de Melhoria.
Além dessas três espécies de tributo, a Constituição Federal prevê, no artigo 148, a possibilidade da União instituir, mediante lei complementar, empréstimos compulsórios para atender a despesas extraordinárias, decorrentes de calamidade pública, de guerra externa ou sua iminência, ou em caso de investimento público de caráter urgente e de relevante interesse nacional.
O artigo 149 da Constituição Federal estabelece, por sua vez, a possibilidade de a União instituir contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas, como instrumento de sua atuação nas respectivas áreas.
A controvérsia em relação às espécies tributárias surgiu em razão do art. 5o do CTN que dispõe que “os tributos são impostos, taxas e contribuições de melhoria”, não prevendo empréstimos compulsórios e contribuições sociais como tributos em seu escopo. Empréstimos compulsórios são tratados à parte, no artigo 15 do CTN.
Diante de tal conflito, a doutrina mostra-se dividida quanto a classificação tributária. Dentre as diversas correntes, duas destacam-se: enquanto alguns estudiosos defendem a chamada “teoria tripartite”, que intervém em favor da existência de três espécies de tributo, outros defendem a “teoria pentapartite”, a qual advoga pela existência de 5 espécies de tributos no Brasil.
A teoria tripartite, defendida por alguns tributaristas como Roque Antônio Carraza (2011, p. 137) e Paulo de Barros Carvalho (2012, p. 75) , é aquela que defende como espécies tributárias os impostos, as taxas e as contribuições de melhorias, apenas.
De acordo com os autores, as contribuições sociais, as contribuições de intervenção no domínio econômico, e as contribuições de interesse de categorias profissionais ou econômicas, assim como os empréstimos compulsórios, seriam classificados como subespécies de tributos, estando dentro da classificação de uma das 3 espécies definidas pelo CTN.
Já a teoria pentapartite, que tutela a existência de cinco espécies tributárias, é majoritária. O tributarista Ives Gandra Martins (2011, p. 96), por exemplo, entende que os tributos são classificados em impostos, taxas, contribuição de melhoria, contribuições sociais e empréstimo compulsório.
O Supremo Tribunal Federal, por sua vez, também já se manifestou em defesa da teoria pentapartite. No julgamento do RE n. 146.733-9/SP, em voto condutor, proferido pelo Min. Moreira Alves, adotou a teoria pentapartida:
Ementa: (…). De fato, a par das três modalidades de tributos (os impostos, as taxas e as contribuições de melhoria), a que se refere o art. 145, para declarar que são competentes para instituí-los a União, os Estados, o Distrito Federal, e os Municípios, os arts. 148 e 149 aludem a duas outras modalidades tributárias, para cuja instituição só a União é competente: o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, inclusive as de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
Dessa maneira, têm-se impostos, taxas e contribuições de melhoria a serem instituídos por todos os entes federativos e o empréstimo compulsório e as contribuições sociais, de intervenção no domínio econômico e de interesse das categorias profissionais ou econômicas a serem instituídos exclusivamente pela União.
2. Impostos x contribuições socias
O imposto, de acordo com o artigo 16 do CTN, é definido como sendo uma obrigação que tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte.
Enquanto as contribuições sociais estão previstas no art. 149 da Constituição Federal e são subdivididas em três espécies: contribuições sociais em sentido estrito, contribuições de intervenção no domínio econômico (CIDE) e contribuições de interesse das categorias profissionais ou econômicas.
As contribuições sociais em sentido estrito, por seu turno, podem ser divididas em previdenciárias (aquelas destinadas ao custeio da Previdência Social) e não previdenciárias (voltadas ao financiamento da Seguridade Social como um todo).
Nesse sentido, a principal diferença entre impostos e contribuições sociais reside justamente na vinculação da receita a uma determinada finalidade. Enquanto a instituição de imposto independe de qualquer atividade estatal específica, a instituição de determinada contribuição social deve possuir finalidade específica, com valores de sua arrecadação vinculados à finalidade de sua criação.
3. Breve histórico da PIS/PASEP e da COFINS
Em 1970, foram criadas duas contribuições sociais: o PIS (Programa de Integração Social), por meio da Lei Complementar no 07 e o PASEP (Programa de Formação de Patrimônio do Servidor Público), por meio da Lei Complementar no 08:
O Programa de Integração é um programa de complementação de renda governamental. Até a Constituição de 1988, a taxa PIS-COFINS era destinada para quotas deste programa, sendo que o rendimento destas quotas podem ser sacadas anualmente e somente em eventos específicos como aposentadoria, morte ou doenças graves (Neoplasia e AIDS). O matrimônio não é mais motivo para o saque. Outra possibilidade de ganho é o abono salarial que segue a seguinte métrica, tendo cinco anos de cadastro no banco de dados que é o PIS, trinta dias trabalhados formalmente e media salarial igual ou inferior a dois salários mínimos informados por Relação Anual de Informações Sociais. Existem outras possibilidades de ganho como o defeso para pescadores. Há também um banco de dados onde a CEF, o Sistema Único de Saúde, o Ministério de Trabalho e Emprego, entre outros, tem os dados de cidadãos, porém somente a CEF acata o DCT que serve para a contagem do tempo do cadastro do cidadão.
O PIS foi instituído com a justificativa de promover a integração do empregado na vida e no desenvolvimento das empresas. Na prática consiste em um programa de transferência de renda, possibilitando melhor distribuição da renda nacional.
Atualmente o abono do PASEP (funcionários públicos) é pago no Banco do Brasil, enquanto que o abono do PIS (funcionários de empresas privadas) é feito na Caixa Econômica Federal. (PIS/PASEP, 2017)
A recepção das Leis Complementares instituidoras do PIS e do PASEP se deu por meio do artigo 239 da Constituição Federal de 1988, in verbis:
Art. 239. A arrecadação decorrente das contribuições para o Programa de Integração Social, criado pela Lei Complementar nº 7, de 7 de setembro de 1970, e para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, criado pela Lei Complementar nº 8, de 3 de dezembro de 1970, passa, a partir da promulgação desta Constituição, a financiar, nos termos que a lei dispuser, o programa do seguro-desemprego e o abono de que trata o § 3º deste artigo.
(…)
§ 3º Aos empregados que percebam de empregadores que contribuem para o Programa de Integração Social ou para o Programa de Formação do Patrimônio do Servidor Público, até dois salários mínimos de remuneração mensal, é assegurado o pagamento de um salário mínimo anual, computado neste valor o rendimento das contas individuais, no caso daqueles que já participavam dos referidos programas, até a data da promulgação desta Constituição. (BRASIL, Constituição, 1988)
Já a COFINS, por sua vez, foi criada, com amparo na alínea b, inciso I do artigo 195 da Constituição, por meio da Lei Complementar no 70 de 1991. Destinada, como o próprio nome explicita, a seguridade social, que abrange a previdência social, a saúde e a assistência social.
Tanto a PIS/PASEP quanto a COFINS, a princípio, foram instituídas com a cobrança feita cumulativamente, ou seja, ambas incidiam em cada uma das etapas do processo produtivo ou da cadeia de comercialização, sem direito ao creditamento, acarretando a incidência em cascata.
Somente com a instituição das Leis no 10.637 (PIS/PASEP), de 30 de dezembro de 2002, e no 10.833 (COFINS), de 29 de dezembro de 2003, que surgiu a não-cumulatividade para a cobrança da PIS/PASEP e da COFINS, inspirada na forma de cobrança do IPI. Tal alteração na cobrança trouxe a contrapeso o aumento de suas alíquotas: de 0,65% para 1,65% e de 3% para 7,6%, respectivamente.
Ainda em 2003, a não-cumulatividade da PIS/PASEP e da COFINS foi constitucionalizada, por meio da Emenda Constitucional no 42/2003, que inseriu o § 12 no artigo 195 da Constituição, com o seguinte teor:
§ 12. A lei definirá os setores de atividade econômica para os quais as contribuições incidentes na forma dos incisos I, b; e IV do caput, serão não-cumulativas. (BRASIL, Constituição, 1988)
4. PIS/PASEP e COFINS sobre receitas financeiras
A Lei 10.833/03, apesar de tratar primordialmente da COFINS, reuniu em um só dispositivo as disposições da PIS/PASEP, conforme art. 15 da dita lei. Dessa, maneira, grande parte dos dispositivos presentes na lei em questão referem-se tanto à COFINS quanto à PIS/PASEP. Dentre os dispositivos coincidentes está a previsão da incidência da PIS/PASEP e da COFINS sobre o total das receitas auferidas no mês pela pessoa jurídica, independentemente de sua denominação ou classificação contábil, conforme art. 1o da mesma Lei.
Com base em tal dispositivo, qualquer receita auferida pela empresa, seja ela operacional ou não, compõe a base de cálculo da PIS/PASEP e da COFINS, até mesmo as receitas financeiras, incluídas aí juros, os descontos recebidos, os rendimentos de aplicações financeiras de renda fixa, as receitas de títulos vinculados ao mercado aberto, as receitas sobre quaisquer outros investimentos temporários, os prêmios sobre resgate de títulos e debêntures, as atualizações monetárias e as variações monetárias em função da taxa de câmbio.
Em abril de 2004, com a edição da Lei no 10.865, ficou autorizada, não só a incidência da PIS/PASEP e da COFINS sobre importação, como também a redução e o restabelecimento das alíquotas de ambas as contribuições incidentes sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas no regime não-cumulativo, conforme excerto:
Art. 27. O Poder Executivo poderá autorizar o desconto de crédito nos percentuais que estabelecer e para os fins referidos no art. 3o das Leis nos 10.637, de 30 de dezembro de 2002, e 10.833, de 29 de dezembro de 2003, relativamente às despesas financeiras decorrentes de empréstimos e financiamentos, inclusive pagos ou creditados a residentes ou domiciliados no exterior.
(…)
§ 2o O Poder Executivo poderá, também, reduzir e restabelecer, até os percentuais de que tratam os incisos I e II do caput do art. 8o desta Lei, as alíquotas da contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não-cumulatividade das referidas contribuições, nas hipóteses que fixar. (BRASIL, Lei no 10.865, 2004)
Dessa maneira, respaldado pela previsão contida no artigo cito, o Decreto no 5.164, de 30 de julho de 2004, reduz a zero as alíquotas da Contribuição para o PIS/PASEP e da COFINS incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas à incidência não-cumulativa das referidas contribuições, exceto receitas financeiras oriundas de juros sobre capital próprio e decorrentes de operações de hedge, no texto de seu art. 1o.
Logo em 2005, o Decreto no 5.164 é revogado pelo Decreto no 5.442. A Alíquota zero sobre as receitas financeiras foi mantida. A modificação em relação à norma anterior veio em relação a aplicação da alíquota zero, também, sobre as receitas oriundas de operações de hedge, permanecendo a exceção do juros sobre o capital próprio.
Tal alíquota zero permaneceu até a edição, em 2015, do Decreto no 8.426, que restabeleceu a incidência da PIS/PASEP e da COFINS sobre receitas financeiras auferidas por pessoas jurídicas sujeitas ao regime de apuração não-cumulativa das referidas contribuições. O artigo 1o desse diploma normativo determinou o restabelecimento de alíquota para 0,65% da PIS/PASEP e para 4% da COFINS; resultando num incremento final da carga tributária em 4,5%.
A Receita Federal do Brasil (2015) publicou Nota Explicativa, ainda em abril, logo após a edição do Decreto no 8.426/15, na qual ressaltava o fato de que a Lei no 10.835/04, que instituiu a incidência da PIS/PASEP e da COFINS na importação, autorizou também o executivo a reduzir e restabelecer as alíquotas das mencionadas contribuições incidentes sobre as receitas financeiras auferidas pelas pessoas jurídicas sujeitas ao regime de não cumulatividade.
Nesse sentido, a Receita Federal do Brasil esclarece que o restabelecimento da alíquota da PIS/PASEP 0,65% e da alíquota da COFINS para 0,4% e se deu com o intuito de evitar abrir mão de recursos para seguridade social, tendo tal restabelecimento se dedado apenas de maneira parcial, dado que os limites estabelecidos em lei são de 1,65% e 7,6% respectivamente.
Com a edição do Decreto no 8.426/15, que determinou o restabelecimento das alíquotas sobre receitas financeiras, surgiram diversas ações judiciais questionando a legalidade e a constitucionalidade do aumento por meio de decreto presidencial.
Quanto a constitucionalidade de tal decreto, alguns contribuintes alegaram tratar-se de ato inconstitucional, haja vista que a Constituição Federal em seu art. 153, §1o, autoriza o Poder Executivo a alterar as alíquotas de imposto de importação, de exportação, sobre produtos industrializados e sobre operações financeiras, não existindo previsão para o aumento da alíquota de contribuições via decreto do Executivo.
Os contribuintes ainda alegam que é vedado à União, aos Estados, ao Distrito Federal e aos Municípios “exigir ou aumentar sem lei que o estabeleça”, em conformidade com o estabelecido no art. 150, inciso I.
Em contrapartida, a Fazenda Nacional alega que não se trata de aumento de alíquota por meio de decreto e sim de restabelecimento, conforme disposto no art. 27, §2o, da Lei no 10.865/04, que dispôs sobre a possibilidade do Poder Executivo de reduzir e restabelecer as alíquotas da PIS/PASEP e da COFINS até os limites percentuais previstos na mesma lei.
A princípio, os tribunais inferiores acataram os argumentos apresentados pelos contribuintes, como é o caso da decisão tomada pelo Tribunal Regional Federal da 5o Região, no processo AC 0806001932015408300 PE, no qual a 1a Turma decide por dar provimento ao recurso e conceder ordem determinando que a impetrada se abstenha de adotar quaisquer medidas em relação a cobrança das referidas contribuições, nesse sentido:
3. Nos termos do art. 150, I, da CF/88, a fixação de alíquota mediante decreto viola o princípio da legalidade (constitucionalmente ressalvadas as alterações das alíquotas do II, do IE, do IPI, do IOF e da CIDE-Combustível), exigindo-se lei formal, sem possibilidade de disposição em contrário pela lei ordinária, para a fixação de todos os elementos essenciais do tributo.
Outra decisão favorável ao contribuinte foi tomada pela 12a Vara Federal do Rio de Janeiro, em sede de mandado de segurança impetrado pela Concessionária Porto Novo S/A, que solicitou a suspensão da cobrança da PIS/PASEP e da COFINS, afastando integralmente a aplicação do Decreto no 8.426/15. Em sua decisão, asseverou o juiz:
(…) em observância ao princípio da legalidade tributária, todos os elementos da hipótese de incidência do tributo, tais como o fato gerador, contribuinte, o aspecto temporal e espacial, a base de cálculo, bem como a alíquota devem estar previstos em lei. Sendo assim, a alíquota, enquanto integrante da hipótese de incidência tributária, não pode ser objeto de delegação por parte do ente competente para instituição e/ou majoração do tributo.
Apesar de algumas sentenças favoráveis ao contribuinte nos Tribunais Regionais Federais - TRF, as decisões mais recentes, no entanto, têm sido favoráveis à Fazenda Pública, nos termos do acórdão proferido no âmbito do processo AC 50086515320164047201 SC, no qual o contribuinte questiona a legalidade e a constitucionalidade do referido decreto, de ementa:
TRIBUTÁRIO. PIS E COFINS. DECRETO No 8.426/2015. RECEITAS FINANCEIRAS. RESTABELECIMENTOS DE ALÍQUOTAS. Inocorrência de violação à constituição. O Decreto no 8.426/2015, ao restabelecer as alíquotas para a tributação pela PIS e pela COFINS das receitas financeiras (anteriormente fixadas em zero, com a edição dos Decretos 5.164/2004 e 5.442/2005), está restrito aos termos da autorização dada pela Lei 10.865/2004, artigo 27, parágrafo 2o (que viabilizou a possibilidade de redução e restauração das referidas alíquotas, nos limites dos percentuais previstos nos incisos I e II do caput do art. 8o da Lei 10.865). Hipótese em que não se verifica violação à Constituição (artigos 149, 150, 153 e 195), em especial, ao princípio da legalidade, ou à legislação infraconstitucional.
O TRF 4o Região em julgamento decidiu, em 09 de maio de 2017, mais uma vez, em favor da União. O acórdão proferido por esse tribunal, na esfera da apelação cível no 5016963-18.2016.4.04.7201/SC, na qual o contribuinte alega que o aumento das alíquotas da PIS e da COFINS ferem o princípio da isonomia:
O restabelecimento da incidência do PIS e da COFINS sobre as receitas financeiras para as empresas optantes pelo regime da não cumulatividade não ofende o princípio da isonomia, o qual veda tratamento desigual para contribuintes que estejam em situações equivalentes, o que não se verifica entre empresas submetidas a regimes de apuração diversos, ainda que se trate de pessoas jurídicas pertencentes a um mesmo setor econômico. Ademais, a imposição de determinada forma de regime de apuração não depende exclusivamente da atividade econômica da empresa, mas também de outros fatores relacionados a critérios de extrafiscalidade, o que autoriza a dispensa de tratamento diferenciado para contribuintes em situações distintas.
Já o TRF da 3a Região, em acórdão proferido no âmbito do processo no 0002326-82.2016.4.03.6100/SF, no qual o contribuinte defende que o restabelecimento das alíquotas da PIS e da COFINS pelo Decreto no 8.426/2015 ofende os princípios da legalidade e não-cumulatividade, decidiu:
O Decreto no 8.426/15, editado com fundamento no art. 27, §2o, da Lei no 10.865/04, não implicou em ofensa aos princípios da legalidade, da tipicidade fechada, da indelegabilidade da competência e da reserva legal, uma vez que não promoveu a majoração ou a instituição de novo tributo, mas apenas o restabelecimento de alíquota cuja cobrança já estava autorizada pela legislação, na medida em que os elementos essenciais para a validade e exigibilidade do tributo (hipótese de incidência, sujeição passiva, alíquota e base de cálculo) foram definidos pelas Leis no 10.637/02 e no 10.833/03.
Em agosto de 2016, a ministra do Supremo Tribunal Federal Rosa Weber negou seguimento do recurso que discute a cobrança da PIS/PASEP e da COFINS sobre receitas financeiras. O entendimento da ministra é que se trata de matéria infraconstitucional e, portanto, deve ser apreciada pelo Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Em sua decisão a ministra afirma que, uma vez que a matéria infraconstitucional foi analisada pelos tribunais inferiores, não cabe alegação de afronta ao artigo 150, § 1o, da Constituição Federal.
É bem verdade que tal decisão, por ter sido tomada de maneira monocrática, pode ser revista e voltar a ser tratada pela Corte Suprema, como no caso do ICMS na base de cálculo da PIS/COFINS, no entanto, por hora cabe ao STJ apreciar a matéria.
A controvérsia fora analisada pelo Superior Tribunal de Justiça em 19 de setembro de 2017, no Resp. no 1.586.950-RS (2016/0049204-1), na 1a Turma. A Turma, por maioria, vencidos os Srs. Ministros Relator e Regina Helena Costa (voto-vista), negou provimento ao recurso especial, nos termos do voto-vista do Sr. Ministro Gurgel de Faria, que lavrará o acórdão. Votaram com o Sr. Ministro Gurgel de Faria (voto-vista) os Srs. Ministros Benedito Gonçalves (voto-vista) e Sérgio Kukina.
Não obstante o julgado, o mesmo não tem caráter vinculante, pois não se deu em regime de repercussão geral ou de caráter vinculante nos termos do art. 332 do Novo Código de Processo Civil:
Art. 332. Nas causas que dispensem a fase instrutória, o juiz, independentemente da citação do réu, julgará liminarmente improcedente o pedido que contrariar:
I - enunciado de súmula do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça;
II - acórdão proferido pelo Supremo Tribunal Federal ou pelo Superior Tribunal de Justiça em julgamento de recursos repetitivos;
III - entendimento firmado em incidente de resolução de demandas repetitivas ou de assunção de competência;
IV - enunciado de súmula de tribunal de justiça sobre direito local. (BRASIL, Lei 13.105, 2015)
Nessa senda, os demais juízos e tribunais inferiores poderão decidir a despeito do entendimento do STJ, entrementes que dentro deste, no referido julgado, evidenciou-se a divergência entre seus ministros, caracterizada em três correntes:
1) Ilegalidade do Decreto no 8.426/15 em razão da inclusão das receitas financeiras no conceito de faturamento da empresa, conforme voto do Min. Rel. Napoleão Nunes Maia Filho;
2) Ilegalidade do cito decreto em razão da fixação da alíquota por meio de decreto sem autorização legal prévia, o que não seria o caso, entendimento expressado no voto da Min. Regina Helena Costa; e
3) Legalidade do decreto, haja vista que a Lei no 10.865 de 2004 estabeleceu a possibilidade de redução e aumento da alíquota, entendimento esposado pelo Relator para o acórdão, Min. Gurgel de Faria, seguido pela maioria da turma.
Conclusão
Pelo exposto, a despeito da ausência de ressalva constitucional acerca da legalidade estrita quando da alteração da alíquota de contribuições, dentre os diversos entendimentos judiciais, ganha força a corrente jurisprudencial que considera constitucional o Decreto no 8.426/15, favorecendo a União, denegando os pedidos do contribuinte e considerando legal a incidência da PIS/PASEP e da COFINS sobre receitas financeiras.
Compartilha-se da opinião do Ministro Gurgel de Faria. O Decreto no 8.426/15 tem seu escopo forjado com esteio na Lei no 10.865/2004, que autoriza o aumento e a diminuição da alíquota da PIS/PASEP e da COFINS não cumulativos. Uma vez que a lei não foi declarada inconstitucional, não há que se falar em inovação no ordenamento jurídico e fixação da alíquota por decreto. A alíquota fora fixada por lei, e o decreto foi meio, por ela determinado, para seu aumento.
REFERÊNCIAS
BRASIL, Constituição, 05 de outubro de 1988, Brasília, 1988.
BRASIL, Lei no 10.865, 30 de abril de 2004, Brasília, 2004.
BRASIL, Código de Processo Civil, Lei no 13.105, 16 de março de 2015, Brasília, 2015.
CARRAZA, Roque Antônio. Curso de Direito Constitucional Tributário. 27a ed. São Paulo: Malheiros, 2011.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. 24o ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
MARTINS, Ives Gandra da Silva (coord). Curso de Direito Tributário. 13o ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
PIS/PASEP, 2017. Disponível em: . Acessado 30 de janeiro de 2018.
RECEITA FEDERAL DO BRASIL, Nota Explicativa sobre o Decreto no 8.426/2015, Brasília, 2015. Disponível em: . Acessado 07 de fevereiro de 2018.
Especialista em Direito Tributário pela Universidade Candido Mendes - UCAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: NETO, José da Costa Oliveira. Receitas financeiras e a incidência da contribuição PIS/PASEP e da COFINS: Controvérsia acerca do restabelecimento de alíquotas pelo Decreto no 8.426/2015 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51637/receitas-financeiras-e-a-incidencia-da-contribuicao-pis-pasep-e-da-cofins-controversia-acerca-do-restabelecimento-de-aliquotas-pelo-decreto-no-8-426-2015. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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