RESUMO: O presente artigo disserta acerca da limitação da jornada como forma de proteção individual e coletiva. Busca-se vincular os conceitos presentes na Encíclica Católica Rerum Novarum (1891), nas Convenções da OIT e nos princípios constitucionais de proteção do trabalhador com a limitação da jornada, salientando-se os benefícios sociais.
PALAVRAS-CHAVE: Jornada. Limitação. Proteção individual e coletiva.
SUMÁRIO: 1. Introdução 2. Desenvolvimento 3. Conclusão 4. Referências Bibliográficas.
1. Introdução
A noção de limitação da jornada de trabalho está intimamente ligada com a própria origem do Direito do Trabalho. No contexto da Revolução Industrial os trabalhadores eram submetidos a jornadas extenuantes (12 a 160 horas por dia), sendo este um dos fatores que propiciaram a união dos trabalhadores em busca de melhores condições de trabalho.
Neste sentido, destaca-se os ensinamentos de Gustavo Felipe Barbosa Garcia:
No início do século XIX, na maioria dos países da Europa, a jornada de trabalho era por volta de 12 a 16 horas por dia, com grande utilização de mão de obra de mulheres e crianças.
Em protesto às péssimas condições de trabalho, observam-se diversas reivindicações dos trabalhadores, dando início à união de esforços para alcançar objetivos comuns, inclusive no sentido da diminuição da jornada de trabalho e melhoria do valor dos salários.[1]
Desse modo, é nítida a importância da limitação da jornada para o trabalhador e a sociedade como um todo. Ressalta-se que não somente o indivíduo é beneficiado, sendo toda a coletividade objeto dessa proteção.
2. Desenvolvimento
A CRFB/88 impõe a duração do trabalho normal não superior a 8 horas diárias e 44 horas semanais (art 7º, XIII, CR). Tal limitação homenageia diretamente os valores sociais do trabalho (art 1º, IV, CR) e o postulado máximo da dignidade da pessoa humana (art 1, III, CR; DUDH e CADH).
Isto porque o excesso de trabalho agride a saúde física e psíquica do trabalhador bem como sua convivência familiar e social. Neste sentido, a Dra. Vólia Bonfim Cassar dispõe que:
A duração do trabalho está limitada a 8 horas por dia, no limite de 44 horas semanais – art. 7º, XIII, da CRFB. Todo trabalho acima destes patamares é considerado como extraordinário.
O limite máximo de labor de duas horas extras por dia, previsto no art. 59 da CLT, dirige-se ao empregador, que está proibido de exigir do empregado trabalho além deste parâmetro Isto se explica porque o excesso de trabalho traz fadiga, estresse e segrega laços íntimos e sociais..[2]
Outrossim, a limitação da jornada influi diretamente na higidez do meio ambiente do trabalho. O Ministro Maurício Godinho Delgado afirma que:
Modernamente, o tema da jornada ganhou importância ainda mais notável, ao ser associado à análise e realização de uma consistente política de
saúde no trabalho.
Efetivamente, os avanços dos estudos e pesquisas sobre a saúde e segurança laborais têm ensinado que a extensão do contato do indivíduo com certas atividades ou ambientes é elemento decisivo à configuração do potencial efeito insalubre de tais ambientes ou atividades. Essas reflexões têm levado à noção de que a redução da jornada e da duração semanal do trabalho em certas atividades ou ambientes constitui medida profilática importante no contexto da moderna medicina laboral. Noutras palavras, as normas jurídicas
concernentes à duração do trabalho já não são mais — necessariamente — normas estritamente econômicas, uma vez que podem alcançar, em certos casos, a função determinante de normas de saúde e segurança laborais, assumindo, portanto, o caráter de normas de saúde pública.
(...)
É importante enfatizar que o maior ou menor espaçamento da jornada
(e duração semanal e mensal do labor) atua, diretamente, na deterioração ou
melhoria das condições internas de trabalho na empresa, comprometendo ou aperfeiçoando uma estratégia de redução dos riscos e malefícios inerentes ao ambiente de prestação de serviços. Noutras palavras, a modulação da duração do trabalho é parte integrante de qualquer política de saúde pública, uma vez que influencia, exponencialmente, a eficácia das medidas de medicina e segurança do trabalho adotadas na empresa. Do mesmo modo que a ampliação da jornada (inclusive com a prestação de horas extras) acentua, drasticamente, as probabilidades de ocorrência de doenças profissionais ou acidentes do trabalho, sua redução diminui, de maneira significativa, tais probabilidades da denominada “infortunística do trabalho”.[3]
Desse modo, a limitação da jornada constitui política pública de prevenção à acidentes do trabalho e doenças ocupacionais, eis que jornadas maiores aumentam estatisticamente a ocorrência da “infortunística do trabalho”. Protege-se, portanto, não somente o indivíduo, como preservam-se recursos públicos ligados a área da saúde pública e da previdência social.
Ademais, em tempos de crise econômica evidenciada pelos elevados índices de desemprego e da crescente informalidade, que causam graves à sociedade, ressalta-se que a limitação da jornada também constitui uma política de empregos. Esta é um mecanismo de combate ao desemprego, já que, em síntese, jornadas menores geram a necessidade de mais trabalhadores.
Destaca-se ainda que a economia é um ciclo e, assim, a remuneração destes trabalhadores retorna ao mercado. A geração de empregos impulsiona o mercado consumidor, o que faz com que a iniciativa privada não seja prejudicada pela limitação. Neste sentido, o Ministro Maurício Godinho Delgado dispõe que
De fato, a evolução do Direito do Trabalho no mundo ocidental tem demonstrado que a modulação da jornada e da duração do trabalho consiste em um dos mais eficazes mecanismos de combate ao desemprego. A redução da duração diária, semanal e mensal do labor abre, automaticamente (ainda que não em proporção equivalente), inúmeros novos postos de trabalho, ou — na pior das hipóteses — obstacula, de modo franco e direto, o ritmo de avanço da taxa de desocupação no mercado de trabalho.
É comum argumentar-se que essa redução provocaria efeitos paradoxais sobre o próprio nível de emprego. Sustenta-se que embora a medida seja, de fato, hábil a elevar a taxa de ocupação, em um primeiro momento, ela também produziria, logo a seguir, uma retração na atividade econômica (em virtude da elevação do custo trabalhista), ensejando, consequentemente, nova — e mais grave — diminuição na oferta de postos de trabalho no mercado.
Não é, contudo, o que a evolução do sistema capitalista tem demonstrado. Ao contrário, as medidas de redução de jornada e/ou duração semanal de trabalho têm se mostrado compatíveis e até mesmo funcionais ao avanço do sistema econômico. É que tais medidas tendem a incentivar o conjunto de operadores econômicos à busca de maiores investimentos em tecnologia e intensificação de capital, como meio de compensarem a restrição legal na utilização da força de trabalho. Com isso, o sistema vê-se estimulado, do ponto de vista organizacional e tecnológico, ao avanço e aperfeiçoamento quando defrontado com situações de redução da duração do tempo laborativo..[4]
3. Conclusão
Conclui-se destacando que a evolução do direito do trabalho ratifica a importância da limitação da jornada dos trabalhadores. Esta evolução que teve como marcos, por exemplo, a Encíclica Católica Rerum Novarum, de 1891. Segundo o Prof Gustavo Filipe, a Encíclica “estabelecia o mandamento de que as horas de trabalho no dia não deveriam exceder as forças do trabalhador, devendo-se fixar, igualmente, o devido repouso”.[5]
Esta participação da Igreja Católica inspirou e influenciou diversos países na proteção trabalhista, chamando atenção para a importância do repouso e de uma jornada justa. Tratam-se de valores Cristãos totalmente inerentes aos objetivos constitucionais de construção de uma sociedade justa, livre e solidária, garantindo o desenvolvimento nacional, erradicando a pobreza e reduzindo as desigualdades.
Outro marco foi a criação da OIT em 1919 (a Convenção nº 1 da OIT versa justamente sobre a duração do trabalho, bem como as Convenções nº 30, 31 e 67). Salienta-se que a Convenção nº 47 da OIT teve como uma de suas preocupações a redução do desemprego através da limitação da jornada.
Tais marcos culminaram, no Brasil, com a CRFB/88, que, como dito, traz em seu seio, como fundamentos, os valores sociais do trabalho e da livre iniciativa além da dignidade da pessoa humana. Justifica-se, assim, a limitação da jornada, como medida de proteção de toda a sociedade.
4. Referências Bibliográficas
BONFIM, Vólia. Direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 11.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO. 2015.
DELGADO, Mauricio Godinho Curso de direito do trabalho / Mauricio Godinho Delgado. — 16. ed. rev. e ampl..— São Paulo : LTr, 2017.
GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho – 12. Ed. Re.,atua e ampl – Rio de Janeiro: Forense, 2018.
NOTAS:
[1] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Curso de Direito do Trabalho – 12. Ed. Re.,atua e ampl – Rio de Janeiro: Forense, 2018. p. 911.
[2] BONFIM, Vólia. Direito do trabalho / Vólia Bomfim Cassar. – 11.ª ed. rev. e atual. – Rio de Janeiro: Forense; São Paulo: MÉTODO. 2015. p. 628
[3] DELGADO, Mauricio Godinho Curso de direito do trabalho / Mauricio Godinho Delgado. — 16. ed. rev. e ampl..— São Paulo : LTr, 2017. p. 974.
[4] DELGADO, Mauricio Godinho. Op. Cit., p. 975.
[5] GARCIA, Gustavo Filipe Barbosa. Op. Cit., p. 911.
Graduado em Direito pela PUC-RJ. Especialista em Direito Público pela UCP-RJ. Servidor público federal.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, José Felippe Rangel da. A importância social da limitação da Jornada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 10 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51664/a-importancia-social-da-limitacao-da-jornada. Acesso em: 23 dez 2024.
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