ANDRÉ DE PAULA VIANA
(Orientador)[1]
RESUMO: O Brasil é signatário da Convenção Americana sobre Direitos Humanos, também chamada de Pacto de San José. A Convenção concede o direito à vida a embriões humanos, "em geral, desde o momento da concepção ", e tem um status legal em consonância com a Constituição em direito brasileiro. O Código Civil do Brasil também protege os direitos dos nascituros. Antes de discorrer sobre a da previsão legal do aborto é preciso entender o que este representa para a sociedade e principalmente para a saúde das mulheres, vez que estudos apontam o aborto como a quinta maior causa de morte em gestantes no Brasil, pesquisas apontam que a cada dois dias uma mulher falece por aborto. Elevando esses dados a termos mundial a Organização Mundial da Saúde (OMS), informa que os dados são referentes a 20 milhões de abortos ao ano, feitos de forma arriscada e na maioria das vezes levando a óbito, e esses dados são ainda mais alarmantes em países subdesenvolvidos e com carência de atendimento público de qualidade como é o caso do Brasil, que além de não oferecer suporte as gestantes ainda possui legislação restritivas ao aborto, sem o devido suporte a gestante. Em um caso de 2008, no entanto, o Supremo Tribunal Federal determinou, por um voto de 6-5, que o direito à vida se aplica apenas a embriões intra - uterinos e que embriões congelados não elegíveis para transferência de útero não detêm direitos fundamentais e podem ser manipulados. para fins de pesquisa. Em 2012, o Supremo Tribunal Federal também autorizou a prática do aborto em fetos com anencefalia. Eventos recentes mostram que essas leis estão prestes a ser emendadas. Em 29 de novembro de 2016, o Supremo Tribunal Federal no Brasil determinou que "o aborto não deve ser crime quando realizado nos primeiros três meses de gravidez". Esta decisão poderia potencialmente estabelecer um novo precedente sobre a lei que cerca o aborto no Brasil. É muito controverso, devido ao fato de que o governo brasileiro acabou de aprovar uma lei, no início de 2016, que visava tornar a lei brasileira sobre o aborto ainda mais rigorosa. Diante de tal importância, será explicitado sobre as principais características do crime de aborto e sobre algumas mudanças propostas legislativas para este crime.
Palavras-chave: aborto, direitos humanos, gestação, legalização, saúde pública.
ABSTRACT: Brazil is a signatory to the American Convention on Human Rights, also called the Pact of San José. The Convention grants the right to life to human embryos, "generally from the moment of conception", and has a legal status in line with Constitution in Brazilian law. The Brazilian Civil Code also protects the rights of the unborn. Before discussing the legal prediction of abortion, it is necessary to understand what this represents for society and especially for women's health, since studies point to abortion as the fifth leading cause of death in pregnant women in Brazil, research indicates that the every two days a woman dies of abortion. The World Health Organization (WHO) reports that data refer to 20 million abortions a year, done in a risky way and most often leading to death, and this is even more alarming in underdeveloped countries and lacking in quality public care, such as Brazil, which, in addition to not supporting pregnant women, still has legislation restricting abortion, without the support of pregnant women. In a 2008 case, however, the Federal Supreme Court ruled, by a vote of 6-5, that the right to life applies only to intrauterine embryos and that frozen embryos not eligible for uterine transfer do not hold fundamental rights and can be manipulated. for research purposes. In 2012, the Federal Supreme Court also authorized the practice of abortion in fetuses with anencephaly. Recent events show that these laws are about to be amended. On November 29, 2016, the Federal Supreme Court in Brazil ruled that "abortion should not be a crime when performed during the first three months of pregnancy." This decision could potentially establish a new precedent on the law surrounding abortion in Brazil. It is very controversial, due to the fact that the Brazilian government has just passed a law, in early 2016, aimed at making Brazilian abortion law even more stringent. Faced with such importance, will be made explicit on the main characteristics of the crime of abortion and on some changes legislative proposals for this crime.
Keywords: abortion, human rights, gestation, legalization, public health.
Os dados relativos ao aborto no Brasil, são desesperadores e revelam que restritividade ligada ao aborto gera inúmeras consequências negativas, principalmente a saúde pública do país, pois os números revelados por pesquisas revelam um auto índice de morte de mulheres que praticaram o aborto.
“O risco imposto pela ilegalidade do aborto é majoritariamente vivido pelas mulheres pobres e pelas que não têm acesso aos recursos médicos para o aborto seguro. O que há de sólido no debate brasileiro sobre aborto sustenta a tese de que “o aborto é uma questão de saúde pública”. Enfrentar com seriedade esse fenômeno significa entendê-lo como uma questão de cuidados em saúde e direitos humanos, e não como um ato de infração moral de mulheres levianas.”. (BRASIL. Aborto e Saúde pública no Brasil – 20 anos. Ministério da Saúde, 2009, fls. 14 e 15).
Em uma pesquisa realizada pela Revista Época, verificou-se que uma em cada sete mulheres brasileiras entre 18 e 39 anos já fez aborto, somando um total de mais de 5 milhões, transferindo para porcentagem tem-se um do total de 15% da população em idade reprodutiva, a pesquisa revelou também que não há um padrão especifico que caracterize essas mulheres, qualquer uma pode realizar o aborto, independente de classe social, religião ou cultura.
Assim como essas pesquisas, outras vem sendo constantemente realizadas, porque o tema aborto ainda gera muita repercussão em nosso país, e toda essa repercussão está vinculada a questões morais e religiosas, porém a verdade é que a ilegalidade que gira em torno desta mostra claramente consequências negativas, pois mesmo este tendo uma previsão legal que o coíbe, a pratica desse ainda é uma constante e na maioria das vezes realizada de forma precária que coloca em risco a vida da gestante, uma pessoa que já tem seus direitos assegurados e continua a perpetuar a desigualdade social, pois o maior risco são as mulheres mais pobres que vivenciam, pois estas não tem acesso a um tipo de aborto seguro e nem a recursos médicos.
O que precisa ser frisado é que está discussão é antiga, vem de uma longa origem histórica e não é exclusiva ao Brasil, pois temos um mundo dividido entre a permissividade do aborto e sua proibição, como é o caso de nossa legislação, salvo algumas exceções.
O passo fundamental para entender a proibição do aborto, é avaliar as questões culturais e religiosas, é impossível levantar o assunto sem vincular essas duas vertentes, ou seja, para a maioria das religiões, o aborto é crime, pois retira-se uma vida, sendo assim trata-se de uma conduta inadequada, e para muitos é necessário punir com rigor, para outros nem tanto, consideram como uma infração de pequeno potencial ofensivo. Em nossa sociedade, é considerado crime, existe tipificação, punição e salvo algumas exceções é permitido.
Em tempos atuais uma boa parcela da sociedade vem entrando em divergência quanto a sua permissividade, buscando assim mudanças significativas, hoje a discussão não está apenas entre os legisladores, a classe medica, política ou religioso, todos mesmo que de forma indireta possuem afinidade com o tema revelando se a favor ou contra o aborto, tanto que com certa constância, vemos grupos de classe se organizando através de manifestações tanto positivas como negativas, é fácil deparar-se com companhas feministas em defesa do direito da mulher versus campanhas religiosas defendo a vida dos nascituros.
A prática do aborto nem sempre foi objeto de incriminação, sendo muito comum à sua realização entre os povos hebreus e gregos. Em Roma, a Lei das XII Tábuas e as leis da República não cuidavam do aborto, pois consideravam o produto da concepção como parte do corpo da gestante não como ser autônomo, de modo que a mulher que abortava nada mais fazia que dispor do próprio corpo. Em tempos posteriores o aborto passou a ser considerado uma lesão ao direito do marido à prole, sendo a sua prática castigada. Foi então com o cristianismo que o aborto passou a ser efetivamente reprovado no meio social, tendo os imperadores Adriano, Constantino e Teodósio reformado o direito e assimilado o aborto criminoso ao homicídio.
Na Idade Média o teólogo Santo Agostinho, com base doutrina de Aristóteles, considerava que o aborto seria crime apenas quando o feto tivesse recebido alma, o que se julgava ocorrer quarenta ou oitenta dias após a concepção, segundo se tratasse de varão ou mulher. São Basilio, no entanto, não admitia qualquer distinção considerando o aborto sempre criminoso. E certo que, em se tratando de aborto, a Igreja sempre influenciou com os seus ensinamentos na criminalização do mesmo, fato este que perdura até os dias atuais. No Brasil, o Código Criminal do Império de 1830 não previa o crime de aborto praticado pela própria gestante, mas apenas criminalizava a conduta de terceiro que realizava o aborto com ou sem o consentimento daquela. O Código Penal de 1890, por sua vez, passou a prever a figura do aborto provocado pela própria gestante. Finalmente, o Código Penal de 1940 tipificou as figuras do aborto provocado (CP, art. 124 — a gestante assume a responsabilidade pelo abortamento), aborto sofrido (CP, art. 125 — o aborto é realizado por terceiro sem o consentimento da gestante) e aborto consentido (CP, art. 126) o aborto realizado por terceiro com o consentimento da gestante) (CAPEZ, 2010).
Para a nossa legislação o aborto é classificado como crime contra a vida, vida essa protegida pelo Código Penal, Decreto-Lei nº 2.848, de 07 de dezembro de 1940, em sua parte especial, mas especificamente nos artigos 124 ao 128, in verbis:
Art. 124 - Provocar aborto em si mesma ou consentir que outrem lhe provoque:
Pena - detenção, de 1 a 3 anos.
- A gestante que consente, incide nesse artigo, enquanto o terceiro que executa o aborto, com concordância da gestante, responde pelo art. 126.
- É crime próprio, já que nelas o sujeito ativo é a gestante; é crime de mão própria, uma vez que não admitem coautoria, mas apenas participação.
Aborto provocado sem o consentimento da gestante
Art. 125 - Provocar aborto, sem o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 3 a 10 anos.
Aborto provocado com o consentimento da gestante
Art. 126 - Provocar aborto com o consentimento da gestante:
Pena - reclusão, de 1 a 4 anos.
§ único - Aplica-se a pena do artigo anterior, se a gestante não é maior de 14 anos, ou é alienada ou débil mental, ou se o consentimento é obtido mediante fraude, grave ameaça ou violência.
Aborto qualificado
Art. 127 - As penas cominadas nos dois artigos anteriores (arts. 125 e 126) são aumentadas de 1/3, se, em consequência do aborto ou dos meios empregados para provocá-lo, a gestante sofre lesão corporal de natureza grave; e são duplicadas, se, por qualquer dessas causas, lhe sobrevém a morte.
Aborto legal ou permitido
Art. 128 - Não se pune o aborto praticado por médico:
I (aborto necessário) - se não há outro meio de salvar a vida da gestante;
II (aborto sentimental) - se a gravidez resulta de estupro (ou de “atentado violento ao pudor”, já que é possível em face da mobilidade dos espermatozoides - embora o CP não permite, mas é pacífico o entendimento de que pode ser aplicada a chamada analogia “in bonam partem”) e o aborto é precedido de consentimento da gestante ou, quando incapaz, de seu representante legal.
Diante da previsão legal contida nos artigos acima citados, entende-se o aborto como a interrupção da gestação e consequente morte do feto. Dentre os métodos mais usuais e comuns inclui-se a ingestão de medicamentos próprios ao aborto, introdução de objetos que atingem o feto, procedimentos como raspagem, curetagem ou sucção entre outros métodos, cabe ressaltar que ao momento do aborto constar que o feto já estava sem vida, não há caracterização do crime, o mesmo é considerado como crime impossível.
Na concepção do saudoso doutrinador Mirabete (2008, p. 62),
Pode-se se dizer que aborto, “é a interrupção da gravidez com a destruição do produto podendo advir está interrupção espontaneamente, quando, por exemplo, a gestante possui problemas de saúde, acidentalmente como quando sofre uma queda, e provocado, que é aquele querido por alguém, e por tanto este, recebe a tutela do direito Penal.
A primeira divergência na tipificação do aborto reside no produto da concepção, pois é a morte desse produto, no caso a morte do feto que vai indicar se houve ou não o crime de aborto. Cabe aqui salientar que em tempos atuais e de acordo com a nova doutrina civil, a vida já se inicia com a fecundação do óvulo, mas caracteriza-se o aborto a morte do ovo, ou seja, três semanas após a gestação, ou a morte do embrião que corresponde das primeiras três semanas até os três meses, pois após três meses, em síntese o período abortivo compreende das três primeiras semanas da gestação adiante e o crime se configura, mesmo que não haja expulsão do feto.
É importante frisar, o crime de aborto só é configurado havendo vida intrauterina, o produto acondicionado a mãe, não se fala em aborto pós-parto, caracterizando outro crime, o crime de homicídio, praticado de forma dolosa, sendo assim o praticante do aborto deverá ser processado e julgado em procedimento especial via Tribunal do Júri.
Para a caracterização do crime é necessário o produto de uma concepção, dentro do útero da gestante, produto que ganha vida com a fecundação do óvulo, assim se houver a presença de terceiros no decorrer do ato, e não havendo aceitação da gestante, visa proteger-se também a integridade corporal desta.
Dentro da previsão legal encontrada nos artigos 124 a 128, tem-se suas peculiaridades, por exemplo, o previsto no art. 124, trata-se de crime próprio, sendo assim somente a gestante pode provocar, já nos demais casos que encontram respaldo nos arts 125 e 126, o crime pode ser efetuado por qualquer sujeito, que passam a figurar como sujeitos ativos, e no polo passivo estaria o feto e a gestante.
O objeto material, é o produto da fecundação, porém tal conceito causa opiniões diferenciadas entre os doutrinadores, há questão é quando se inicia a vida, para alguns com a fecundação do óvulo, para outros somente quando este caracteriza-se como feto.
Os elementos materiais caracterizam-se diversas formas, pois é o tipo de material a ser utilizado para o crime, como por exemplo os meios físicos, químicos ou orgânicos que vai caracterizar o crime, todavia é necessário a comprovação do estado gravídico, e vida do feto, sem estes não se fala em crime.
Nesse caso é avaliado a intenção em cometer o crime, o principal elemento é o dolo direto, ou seja, o agente que produzir o resultando, ou consciente do que pode acontecer assume o risco, não cabe aqui falar da modalidade culposa, salvo exceções acidentais, em que o sujeito respondera por lesão corporal culposa, se no caso for a própria gestante, não se fala em culpa.
Para a consumação é necessário a morte do feto, não tem que haver necessariamente sua expulsão, a tentativa se caracteriza pela realização das manobras que propiciam o aborto, mas que por algum motivo não se atinge o resultado esperado.
O primeiro tipo de aborto vislumbrado em nosso Código Penal, é o auto aborto ou aborto consentido, especificamente previsto no art. 124, ele traz em seu bojo duas condutas que identificam o crime de aborto, a primeira o auto aborto, através do qual a gestante “provoca” o aborto, vez que se identifica a sua vontade em não dar continuidade a gestação utilizando-se de diversos meios para cessa-la, a segunda figura incriminadora é a do aborto consentido, para tanto requer a participação de terceiros, os quais adquirem o consentimento da gestante para praticas abortivas. Cabe ressaltar que em ambos, são crimes de mão própria, ou seja, só podem ser praticados pela gestante admitindo-se, no entanto, participação, o terceiro participante respondera de acordo com art. 126 do CP.
“(...) admite-se a participação como atividade acessória, quando o partícipe se limita a instigar, induzir ou auxiliar a gestante tanto a praticar o auto aborto como a consentir que lhe provoque. (...). Contudo, se o terceiro além dessa mera atividade acessória, intervindo na realização propriamente dos atos executórios, responderá não como coautor, que a natureza do crime não permite, mais como autor do delito do art. 126” (BITENCOURT, 2005, p. 432)
O segundo tipo de aborto previsto é o aborto provocado por terceiro, doutos do assunto costumam afirmar que se trata do pior tipo de aborto, sendo assim sua penalidade é maior em relação aos demais, pois o mesmo apresenta agravantes em sua consumação. Nele o aborto é provocado por terceiros sem a aceitação da gestação, colocando em risco tanto o feto quanto a gestante, para discorrer sobre esse tipo de aborto é preciso destacar dois pontos principais, a presunção do não consentimento da gestante, dada as qualidades psíquicas da mesma. Destarte, se a gestante for menor de quatorze anos, é alienada ou débil mental, ou mesmo se, o consentimento do aborto é obtido através de fraude, grave ameaça ou violência, responderá o agente pela cabeça do art. 125.
Sequenciadamente tem-se o art.126, com a figura do aborto consensual, na verdade ele corre em paralelo ao já citado art.124. Nele o objetivo é penalizar o terceiro que auxilia ou pratica manobras abortivas na gestante através do seu consentimento, ao falar dessa figura penal encontra-se definido o chamado concurso necessário, pois segundo sua tipificação penal é necessária a participação de duas ou mais pessoas para sua prática, ficando claro que cada agente participativo irá responder distintamente pelo delito, mesmo tendo sido consumado o crime em conjunto. Outra pequena ressalva reside no consentimento, este deve permanecer ate a consumação do crime, caso a gestante desista no período conhecido como inter criminis, muda-se a tipificação, passa-se de aborto consensual para aborto provocado, respondendo somente o terceiro.
O denominado aborto qualificado é a junção cominativa dos artigos 125 e 126, os quais tem suas penas previstas acrescidas de um terço, de acordo com os meios que foram empregados para sua consumação, os quais podem causar desde lesão corporal até mesmo a morte da gestante, caso esta aconteça a pena é duplicada. Extrai-se, portanto, que o resultado mais gravoso não era pretendido pelo agente causador, mais que advêm de uma consequência das suas ações, portanto, refere o art. 127 a um crime preterdoloso (PEDROSO, 2008). Havendo a intenção de obter resultados mais agravados a gestante pode responder por lesão corporal ou homicídio em concurso com o delito de aborto, independente da morte do feto.
Não responderá pela figura qualificada a gestante, até por que será uma das vítimas. De igual sorte, para Mirabete, o participe, se lhe for imputado o crime previsto no art. 124, não responderá pela qualificadora, pois não participou dos atos executórios do delito, razão pela qual seria uma solução forçosa o emprego desta prejudicial (2008, p. 68-69).
Parte-se então para um tipo de aborto diferenciado o aborto necessário, com previsão no art. 128 o qual se subdivide, pois nele encontra-se duas possibilidades legal á pratica do aborto, a primeira diz respeito ao aborto necessário ou terapêutico, já a segunda figura é determinada como aborto sentimental, ético ou humanitário.
O aborto necessário ou terapêutico é aquele cujo o profissional da medicina realiza com o objetivo único e exclusivo de salvar a vida da parturiente, pois durante o período gestacional podem ocorrer diversos tipos de complicações, como por exemplo gravidez de risco.
Pode-se afirmar sem dúvidas que nessa situação encontra-se um conflito de interesses entre os princípios jurídicos vistos até aqui, é a vida do feto contra a vida da mulher, sendo assim é necessária uma interpretação hermenêutica, a qual propicia-se uma ponderação, e opta-se por assegurar a vida da gestante, vez que a possibilidade de nascimento do nascituro nesses casos é raríssima. Cabe aqui salientar sobre a excludente da ilicitude para o profissional medico que realiza o aborto, pois a gestante encontra-se em estado de necessidade, com previsão legal no art. 23, I, CP), e não há nesses casos em que se falar de risco atual ou iminente, pois em qualquer momento gestacional que seja detectado risco de morte a gestante, há a sustentação legal para este tipo de aborto.
No art. 128 tem-se a figura do médico como profissional legitimado a prática do aborto necessário, porém os demais profissionais que assessoram no procedimento estão sob a guarda da teoria da “acessoriedade limitada da participação”, não podendo ser punidos (BITENCOURT, 2005, p. 439).
Analisando a segunda vertente permissiva ao aborto tem-se o aborto sentimental, ético ou humanitário. A modalidade de aborto sentimental é decorrente do crime de estupro, e nesta o médico que a pratica estará acobertado pela excludente da ilicitude do Estado de necessidade (art. 23, inc. I) ou pela excludente da culpabilidade da inexigibilidade de conduta diversa. Sua permissão tornou o aborto justificado pelo fato de que a concepção do feto nas condições do estupro causa dor psíquica e moral a vítima, não podendo exigir dessas condições para criação de seu filho.
De acordo com Pedroso (2008, p.271), para a pratica dessa modalidade aborto, não há a necessidade da sentença que condena o criminoso, ou de uma autorização judicial, é necessário apenas provas precisas que caracterizam o crime, entre elas laudo pericial, atestados, declarações de testemunhas, diante dessas pode-se realizar o aborto. Lembrando-se que, se mantido em erro quanto à ocorrência do estupro, não responderá o médico por crime, pois “terá em seu favor o erro de proibição (eximente putativa) afastando sua culpabilidade. A gestante falaz, nessa conjuncutura, responde, como autora mediata, pelo crime do art. 124, in fine, do CP.
O aborto eugênico, previsto no inciso II do art. 128 corresponde ao aborto cujo feto possui anomalias graves as quais podem ser derivadas de heranças genéticas, algum tipo de má-formação, ou até mesmo por ingestão de substâncias abortivas que prejudicam a formação do feto, fatos que tornam inviável a vida intrauterina, ou mesmo nascendo venham a morrer. Em muitos casos as gestantes têm ingressado em juízo requerendo a permissão judicial para a retirada de seu filho e na maioria absoluta dos casos diante da situação os magistrados têm deferido o pedido.
Em nossa sociedade muito se discute sobre o problema a anencefalia e a permissibilidade nesses casos por tratar-se de uma má formação no cérebro pode haver a morte do feto dentro do útero ou horas após o seu nascimento, a morte do feto é inevitável, por isso acredita-se que não há motivos para levar a gestação adiante, como agravantes a estes casos ainda há o abalo emocional que tanto a gestação quanto a família podem sofrer, fora as complicações para a saúde da mulher.
Até pouco tempo atrás as gestantes que tomavam conhecimento da anencefalia ingressavam com ações, mas nem sempre os pareceres eram favoráveis, quando não se deparavam com uma situação penosa e desgastante causada pelos recursos que postergavam a decisão.
Nesse diapasão, muitas mães ao tomarem conhecimento da anencefalia, ingressam em juízo requerendo a retirada dos filhos. A grande problemática se dava, na permissão jurisdicional, que poderia ser favorável ou desfavorável, todavia, em alguns casos havia recursos que postergavam a eficácia da decisão judicial, tornando mais difícil e penosa a gestação.
Diante de tais circunstâncias, a arriscada permissibilidade do aborto nos casos de anencéfalo chegou ao Supremo Tribunal Federal, através da ADPF 54, sendo que em 2012, sobre a relatoria do ministro Marco Aurélio a nobre corte entendeu que não viola os art.´s 124, 125 e 126 do código penal, o aborto de anencéfalos.
É preciso deixar claro que a decisão do supremo trouxe o benefício da escolha para a gestantes pois há casos em que a mesma, mesmo tendo consciência de que o feto virá a óbito ainda assim optam por levar a gestação até o fim, mas para aquelas que desejam encerrar a gravidez fica facultativo a sua realização dentro da previsão legal, tanto em clinicas particulares e especializadas ou através do Sistema único de saúde.
No ano de 2007, iniciou-se a tramitação do Projeto de Lei 478/2007, conhecido, que a população apelidou de Estatuto do Nascituro, este por sua vez já obteve a aprovação da Comissão de finanças e tributação, porém ainda aguarda designação da Comissão de Constituição e Justiça da Cidadania (CCJC).
Para doutos do assunto um significativo retrocesso legal, que prejudica e fere artigos do CP Brasileiro, o qual desde 1940, pois o mesmo interfere na interrupção da gravidez no caso de estupro ou de risco à saúde da mulher. Para os contra o projeto de lei além de ser um retrocesso ainda atinge veemente a CF, pois atinge a laicidade do Estado, além de retirar das mulheres que já são assegurados em lei, sem contar demais prejuízos que pode acarretar, não só a mulher, mas a sociedade como um todo.
Os contrários ao projeto de Lei, argumentam que se trata de um projeto de lei elaborado por congressistas, os quais possuem motivação religiosas radicais ou por valores morais deturpados.
Todavia para o entendimento do mesmo é preciso prender-se a algumas informações entre elas, o principal a ser entendido é o termo nascituro e qual sua abrangência, palavra derivada do latim que corresponde ao significado “aquele que vai nascer”. Diante dessa concepção o PL 478/2007, classifica o nascituro como qualquer ovulo que possa a vir ser fecundado por um espermatozoide, seja pelo ato normal de concepção ou por inseminação artificial in vitro, sendo assim o feto concebido ou ainda embrião/feto são igualados, sem qualquer tipo de afirmação que sustente.
Dos problemas encontrados no citado projeto o que mais chama a atenção é a proibição do aborto nos casos de estupro, ou seja, nos casos em que decorrência desse crime, a mulher engravide, essa por sua vez teria que manter a gestação, o que para muitos trata-se de uma tripla humilhação, pois além de ter sido agredida sexualmente, seria esta coagida pelo Estado a dar continuidade a gestação, mesmo tendo sido vítima de uma violência que lhe acarreta lembranças negativas prejudicando consecutivamente seu emocional, uma vez que está teria que conviver com uma criança fruto de uma violência e ainda manter-se próxima do agressor, do criminoso, o qual seria obrigado a pagar a pensão.
A dúvida maior deste projeto de lei reside na seguinte questão, mesmo que muitos possam considerar o nascituro como um ser humano e portanto portador de direitos, mesmo que ainda não tenha nascido, onde fica o direito da gestante que também é ser humano, e que já possui seus direitos constituídos, como forçar essa que já fui submetida a uma violência física e moral, ter que suportar emocionalmente e psicologicamente uma gestação da qual foi vítima de um crime, onde reside o direito de escolha dessa, deve prevalecer o do nascituro que ainda não teve seus direitos constituídos ou da mulher que foi vitimizada.
Outro ponto de suma importância previsto no PL 478/2007 é o encerramento da fertilização in vitro e de pesquisas com células tronco.
De acordo com Brilhante (2013),
“Nascituro é o ser humano concebido, mas ainda não nascido. O conceito de nascituro inclui os seres humanos concebidos ‘in vitro”'(Art 2°). O Estatuto que prevê a “proteção integral” do nascituro não permitiria mais as inseminações artificiais ou pesquisas com células-tronco embrionárias, e prevê de 1 a 3 anos de prisão a quem “congelar, manipular ou utilizar nascituro como material de experimentação” (Art. 25). Não que apresente em seu texto qualquer tipo de reflexão filosófica ou científica acerca do que é a vida; pelo contrário, ele se baseia na afirmação tácita de que o óvulo fertilizado in vitro é um “nascituro” e deve gozar de todas as proteções decorrentes desse fato.
É de forma mais absurda ainda o projeto visa proibir ainda o aborto em casos de gestação de anencéfalos, em especifico no art. 10, encontra-se a previsão de veto que o Estado fornece as gestantes de anencéfalo de cessarem a gestação, como uma forma de não discriminar o nascituro, privando ele de alguma expectativa de vida e consecutivamente de seus direitos, o que vem na contramão da lógica, pois cientificamente é comprovado que tais fetos não conseguem sobreviver.
E as proibições do projeto não cessam por aí não, no art. 28 do citado projeto, encontra-se um atentando contra a liberdade de expressão pois segundo este fazer atos públicos de apologia ao aborto, ou a quem pratica, com o objetivo de incentiva-lo tornaria se crime, podendo ser punido de seis meses a um ano de prisão. E por fim os que criticam o projeto o veem como um risco iminente para a saúde da mulher, pois a gestante diante dessas situações previstas no projeto, teriam receio em procurar tratamento médico, pois correriam até mesmo o risco de serem punidas como prevê o art.23 deste Estatuto com uma pena estipulada de um a três anos de detenção.
O PLC 3/2013, desde a sua proposição até o presente momento vem causando imensas confusões e divergências, pois para a maioria das pessoas o mesmo tem como escopo a legalização do aborto, ele teve sua aprovação em julho de 2013, porém o fato mais interessante é que o mesmo teve sua tramitação em caráter de urgência, que na época teve como fundamento o surto do Zika vírus que supostamente causava anencefalia, tornou-se raro, pois sua tramitação durou pouco mais de dois meses, sendo aprovado unanimemente em quatro rápidas votações tanto na Câmara quanto no Senado, a maioria dos parlamentares alegam que não tiveram tempo hábil para tomar conhecimento do teor do Projeto e saber distinguir sua verdadeira importância, entretanto, para torna-lo lei só precisa ser sancionado pela presidência.
Há quem diga que foi uma das votações mais estranhas já vista, devido a rapidez em sua votação, títulos duvidosos, acredita-se que a verdadeira intenção era ocultar a verdadeira proposta por trás deste, que de forma direta ou indireta passou desapercebida pelos parlamentares até mesmo os mais rigorosos e temerosos a legalização do aborto, pois a votação foi unanime a favor do projeto.
O projeto foi desencadeado pelo Poder Executivo, mais precisamente das mãos do Ministro da Saúde. Dr. Alexandre Padilha, que no dia 20 de fevereiro de 2013 que se reuniu com o Ministro Alexandre Padilha e com o deputado Henrique Eduardo Alves, atual presidente da Câmara a época, para pedir-lhe que, em homenagem ao Dia Internacional da Mulher, que seria celebrado no dia 8 de março de 2013, fosse votado no plenário da Câmara, em regime de urgência, o Projeto de Lei 60/1999. Este projeto, nominalmente, trata do atendimento prioritário nos hospitais à mulher vítima de violência.
O Projeto de Lei 60/99 estava totalmente inerte desde o ano de 2002 e por motivos políticos e ainda não totalmente revelados ganhou uma atenção especial desde então. O texto foi emendado e ganhou aprovação no dia 05 de março de 2013, e foi renomeado como Projeto de Lei Originário da Câmara 3/2013, ou PLC 3/2013. Rapidamente foi aprovado e por unanimidade pela Comissão dos Direitos Humanos do Senado, seguidamente foi aprovado pela Comissão de Assuntos Sociais do Senado, até que na data de 4 de julho de 2013, sem que houvesse sido apresentado um único pedido de emenda, o PLC 3/2013 foi aprovado por unanimidade no Plenário do Senado e, em seguida, encaminhado à Presidência da República para ser sancionado.
Se diz que o intuito do projeto é assegurar atendimento as vítimas de violência sexual, não há de forma explicita em nenhuma parte do projeto a terminologia aborto, embora que de forma sublimar se entenda como tal. Acredita-se que tenha sido colocado de forma omissiva com o intuito de ser aprovado por todos os Senadores mesmos os contrários a legalização.
O objetivo é assegurar que as unidades de saúde ofereçam atendimento emergencial, sem nenhum tipo de distinção ou restrição as vítimas de violência sexual e quando necessário encaminha-las ao serviço de assistência social. Subentende que o caráter emergencial é realizado após o pedido não podendo ser postergado. E verificando que a vítima está grávida deve ser encaminhada para o serviço de aborto. Os serviços de assistência social aos quais a vítima deve ser encaminhada, que não eram mencionados no projeto original, são justamente os serviços que encaminharão as vítimas aos serviços de aborto ditos legais.
Fica claro, portanto que independe do hospital, seja ele de ordem religiosa ou não, contrario ou não, se for dentro do território brasileiro será obrigado a cumprir com tal norma, encaminhando as vítimas de violência ao serviço de aborto. O projeto não contempla a possibilidade da objeção de consciência.
Há tempos no Brasil e no mundo discute-se sobre a legalidade do aborto, e este por sua vez sempre rende divergências, pois embutidos a ele, tem-se as questões morais e religiosas. Porém nos últimos anos, diariamente grupos diferentes da sociedade vem clamando por mudanças, pois a evolução dos tempos e a disseminação do conhecimento, permitiu-se avaliar a possibilidade de mudanças no direito das mulheres, são novos tempos, novos conceitos. Há quem defenda com todo clamor o aborto como crime do mesmo modo há aqueles que pedem pela sua descriminalização.
E ambas as partes apresentam argumentos, consideráveis no mínimo razoáveis, os que defendem o aborto a alegam gravidez indesejável, precoce, pressões familiares, sociais, falta de apoio do parceiro entre outros, já os que veem o aborto como crime defendem o direito à vida, independente do período em que a gestação se encontra, defendendo assim a vida intra e extrauterina.
E esses impasses refletem em nossos legisladores que não estão conseguido encontrar soluções pacíficas e que mediem a necessidade da sociedade, fato claramente observado nos dois projetos de lei citados no trabalho, o PL 478/2007 e o PLC 3/2013, em ambos está nítido que não há uma possibilidade de lidar com parcimônia no que tange o aborto.
Cabe salientar, que ao analisar nossa legislação não podemos esquecer de nossa Carta Magna, que mesmo havendo previsão em nosso Código Penal, nossa Constituição também assegura o direito à vida, como garantia fundamental, sendo assim qualquer lei esbarra ou pode ser suprimida por ser infraconstitucional, a única forma real de conseguir mudar a legalidade do aborto seria uma emeda a Constituição, ou este sempre será reprimido.
A realidade é que mesmo sendo proibido dados gerados por pesquisas demonstrar que o número de abortos realizados no Brasil é assustador e crescente, pois há uma facilidade imensa para a realização do aborto, principalmente por meios clandestinos, fora que este trata-se de um crime solitário que dificulta sua investigação e possível punição, e consequentemente além da morte do feto, muitas mulheres tem perdido a vida todos os dias. Não há dúvidas que muita coisa deve ser revista em nossa legislação.
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[1] Mestrado em Ciências Ambientais pela Universidade Brasil, Brasil (2015). Advogado do Escritório de Advocacia, Brasil
Bacharelando do Curso de Ciências Sociais e Jurídicas da Universidade Brasil.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALVES, Leonardo Mateus. O aborto e suas vertentes na legislação brasileira Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 maio 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51720/o-aborto-e-suas-vertentes-na-legislacao-brasileira. Acesso em: 23 dez 2024.
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