RESUMO: O presente artigo tem por objetivo uma análise da evolução histórica da filiação; o contexto normativo e extralegal da filiação biológica e socioafetiva; a importância da filiação socioafetiva; repercussão no contexto psicológico e formador de personalidade do adotando; “adoção a brasileira”; a ruptura do relacionamento amoroso a título de casamento ou de união estável e a adoção por casais homoafetivos. Nesse diapasão, depreende-se o problema: Na confrontação entre as formas de filiação biológica e socioafetiva, existe de fato distinções no contexto normativo, bem como no aspecto extralegal? Justifica-se a presente pesquisa em face importância social da temática, principalmente no tocante à demonstração do contexto valorativo da afetividade nas relações de filiação, bem como suas implicações no campo jurídico, tendo a mesma equiparação que a filiação biológica. A metodologia foi à lei, doutrina e jurisprudência. Como hipótese a destacar: o contexto psicológico e formador da personalidade do adotando na filiação socioafetiva; a afetividade; a problemática das “Adoções à Brasileira”, resultando no reconhecimento da paternidade, por quem não é o pai biológico e o desdobramento da ruptura do casamento ou de união estável, na questão da filiação socioafetiva, bem como na filiação biológica.
PALAVRAS-CHAVE: Filiação Biológica e Socioafetiva; Evolução Histórica; Lei; Jurisprudência.
ABSTRACT: He present article aims at an analysis of the historical evolution of the affiliation; the normative and extralegal context of biological and socio-affective affiliation; the importance of socio-affective affiliation; repercussion in the psychological context and personality trainer of adopting; "Adoption of the Brazilian"; the rupture of the love relationship as a marriage or of a stable union, and the adoption by homosexual couples. In this context, the problem is evident: In the confrontation between the forms of biological and socio-affective affiliation, are there any distinctions in the normative context, as well as in the extralegal aspect? The present research is justified by the social importance of the theme, especially in relation to the demonstration of the affective value context in the affiliation relations, as well as its implications in the legal field, having the same equivalence as biological affiliation. The methodology was to the law, doctrine and jurisprudence. As hypothesis to highlight: the psychological context and personality trainer adopting in the socio-affective affiliation; affectivity; the problem of "Brazilian Adoption", resulting in the recognition of paternity, by who is not the biological father and the consequences of the rupture of marriage or stable union, in the question of socio-affective affiliation, as well as biological affiliation.
KEYWORDS: Biological and Socio-Affective Affiliation; Historic Evolution; Law; Jurisprudence.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. O Contexto Evolutivo da Filiação; 3. A Prevalência da Filiação Socioafetiva nas Relações Familiares; 4. Repercussão no Contexto Psicológico e Formador de Personalidade do Adotando; 5. A “Adoção à Brasileira”; 6. A Polêmica Questão da Adoção por Casais Homoafetivos; 7. Ruptura do Relacionamento Amoroso à Título de Casamento ou de União Estável e Reflexos na Filiação; 8. A Filiação Socioafetiva Junto à Filiação Biológica. 9. Considerações Finais. 10. Referências.
1. INTRODUÇÃO
Esse artigo a seguir desenvolvido abordará um importante tema no âmbito jurídico. Com a observância do mesmo, o leitor perceberá a abrangência do tema, usufruindo de um detalhamento, que mostrará desde a evolução da filiação no cenário brasileiro até os tempos modernos com a existência de dois tipos: biológica e a socioafetiva, através da demonstração da legislação, jurisprudência, conceitos e opiniões elaborados por diversos autores, muito deles conhecidos pela maioria dos estudantes do curso de Direito.
O conceito de filiação que possuímos hoje, não é o mesmo que possuíamos antes da Constituição Federal de 1988, já que no passado filiação era apenas a biológica, ou seja, sanguínea. A partir do avanço nas relações familiares com a nossa Carta Magna a filiação é ligação de duas pessoas em uma relação de parentesco: biológica, socioafetiva ou até mesmo por inseminação artificial.
Atualmente no direito brasileiro existe absoluta igualdade entre todos os filhos, fim das adjetivações presentes antes da Constituição Federal, além da filiação biológica e a não biológica. Ambas encontram-se presente no código civil, onde o mesmo veda o reconhecimento da verdade real como apenas a biológica. O código retrata que além do parentesco por consanguinidade ele pode existir de outra origem. A expressão “outra origem” quer dizer a filiação socioafetiva, onde independe de vinculo biológico e têm como fundamento um importantíssimo princípio presente no ECA que é o da doutrina da proteção integral da criança e do adolescente além de outros princípios do direito de família com é o da convivência familiar, do melhor interesse da criança, da afetividade e da proibição de retrocesso social.
A partir da análise do contexto histórico que será demostrado adiante, não há mais dúvida que hoje todos os filhos devem receber o mesmo tratamento, independente de sua origem. O grande questionamento é como as filiações biológicas e as socioafetivas são tratadas atualmente? Insta evidenciar que essa última, vem adquirindo um papel valoroso, formando os novos paradigmas da filiação, que são construídas pelo relacionamento de carinho, companheirismo e cotidianamente.
O objetivo geral desse artigo tem a finalidade de demonstrar a necessidade de construção de uma relação de filiação socioafetiva dentro dos ditames legais, contribuindo para a análise do contexto moderno de filiação, quando a afetividade deve ser o aspecto preponderante em toda a relação de filiação.
Diante da prevalência da sócio afetividade, as implicações das adoções sem o devido processo legal, comumente aceitas no País, conhecidas por “Adoção à Brasileira”, também devem ser consideradas na análise. Porém, ressalte-se, devem ser reprimidas, vez que desprovidas de todo um estudo psicossocial, realizado por equipe técnica multidisciplinar (psicólogos, assistentes sociais). Nesse contexto, é necessário demonstrar que uma relação de filiação socioafetiva construída de forma ilegal, poderá resultar numa probabilidade maior de desfazimento futuro de tal ligação de filiação, em decorrência da ruptura do relacionamento do adotante com a genitora do adotado, com reflexos na filiação.
Por outro lado, a construção de uma relação socioafetiva de filiação, dentro dos moldes de respeito, carinho, educação, trará a repercussão desejada, no contexto de formação familiar, e em todo o desdobramento no direito sucessório, já que o aspecto da afetividade é o que conta das relações atuais.
Assim, a presente pesquisa prima pela demonstração de se visualizar a importância da valorização da filiação socioafetiva, no contexto atual e moderno, da formação familiar.
2. O CONTEXTO EVOLUTIVO DA FILIAÇÃO
É da própria essência do homem, querer ser tratado com dignidade e respeito, independente se veio ou não de uma relação decorrente do casamento. No passado existiam discriminações alarmantes em relação aos filhos adulterinos.
O direito de família pátrio passou por três períodos. O primeiro conhecido como direito de família religioso, direito canônico, onde tudo “girava” em torno da igreja e inspiração em um modelo patriarcal. O segundo chamado de direito de família laico, reduzindo a interferência religiosa na vida privada, redução do poder patriarcal, reconhecendo como bem trata Arnoldo Waldo (2010, p. 243) em 1949 os filhos ilegítimos, em 1962 criando o estatuto da mulher casada e em 1977 a lei do divórcio, apesar disso existiam ainda normas discriminatórias entre os cônjuges, o não reconhecimento das entidades não matrimoniadas e diferenciação entre os filhos. Esta levava em consideração que a relação familiar que merecia a tutela do Estado era a decorrente do casamento, uma vez que, o legislador sempre privilegiou a concepção matrimonialista de família.
Na verdade, para a legislação pré-constituição de 1988, a base família era aquela formada pelo casamento e só o casamento merecia a tutela do Estado, no Código Civil de 1916, o importante era a relação conjugal, mas o que decorria dessa relação conjugal era um privilégio dos filhos legítimos do casamento em relação a qualquer outra forma de filiação. Como bem trata Maria Berenice Dias: “As referências feitas aos vínculos extramatrimoniais e aos filhos ilegítimos eram punitivas e serviam exclusivamente para excluir direitos” (2011, p. 30), nessa época os filhos tinham ou funções de procriação, unidade econômica ou religiosa.
O terceiro (com a Constituição Federal) que têm o nome de direito de família igualitário, reconheceu as entidades não matrimoniadas, igualdade entre homens e mulheres e entre os filhos, sem a utilização das palavras: filhos adulterinos, incestuoso, bastardo, ilegítimo, dentre outras, pois no atual ordenamento constitucional a filiação é uma só, não podendo haver distinções.
Ademais, a Constituição Federal de 1988 teve a preocupação de garantir de forma expressa proteção a todos os filhos, já que discriminações existentes entre eles por causa do patrimônio como ocorriam no passado feriam um dos fundamentos da República Federativa do Brasil que é a dignidade da pessoa humana:
Art. 227. É dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança, ao adolescente e ao jovem, com absoluta prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, à educação, ao lazer, à profissionalização, à cultura, à dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a salvo de toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão:
[...]
§ 6º - Os filhos, havidos ou não da relação do casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação. (BRASIL, 1988, grifos nossos).
Nesse contexto, o TJ do RS decidiu da seguinte forma para ações laçadas antes do surgimento da CF/88, mas em andamento após o seu surgimento, até porque normas incompatíveis com a Carta Magna não foram recepcionadas pelo nosso ordenamento jurídico:
FILIAÇÃO ADULTERINA. INVESTIGAÇÃO DE PATERNIDADE PARA FINS DE ALIMENTOS. Mesmo antes da promulgação da nova Constituição Federal, que equipara os filhos legítimos e ilegítimos e proíbe qualquer designação discriminatória relativamente à filiação, a jurisprudência admitia com supedâneo no art. 4 da lei 883/49- virtualmente revogada nas partes em que contêm discriminações vedadas pela nova ordem constitucional- a investigação incidental de paternidade para fins de prestação de alimentos. Agravo de instrumento interposto pelo réu contra decisão proferida antes da promulgação da nova constituição e que mandou prosseguir, como ação de alimentos, a ação investigatória intentada por suposto filho adulterino, com pedido cumulado de alimentos, admitindo a investigação incidental de paternidade para estabelecimento da prova da relação de parentesco. Recurso improvido. (BRASIL, Agravo de Instrumento Nº 588062430, 1989, Internet, grifos nossos).
Além da CF/88 o artigo 1.596 do Código Civil Brasil de 2002, também trouxe absoluta igualdade entre os filhos, conforme rege, in verbis: “Art. 1596. Os filhos, havidos ou não da relação de casamento, ou por adoção, terão os mesmos direitos e qualificações, proibidas quaisquer designações discriminatórias relativas à filiação”.
Acerca da temática em questão, Paulo Lôbo (2014, p. 199), afirma que na atualidade houve o fim do vergonhoso apartheid legal. A partir da leitura desse contexto histórico percebemos que atualmente existe igualdade na filiação, ou seja, nenhum filho pode ter mais direitos do que o outro.
É importante lembrar que na sociedade hodierna existem dois tipos de filiação: biológica e a socioafetiva, sendo que a primeira diz respeito aos laços de consanguinidade entre os filhos e seus ascendentes. Já na filiação socioafetiva, os verdadeiros valores do carinho, amor, proteção e atenção devem nortear a relação entre pais e filhos que não apresentam laços de consanguinidade, considerado a vertente moderna no direito de filiação.
3. A PREVALÊNCIA DA FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA NAS RELAÇÕES FAMILIARES
A filiação socioafetiva que é aquela onde as relações entre pais e filhos são baseadas nos laços de amor, afeto, companheirismo e não consanguínea, atualmente é a que deve prevalecer. “Nada mais autêntico do que reconhecer como pai quem age como pai, quem dá afeto, quem assegura proteção e garante a sobrevivência” (DIAS, 2009, p. 325).
Assim, o respeito e a consideração devem nortear toda relação de filiação, independente da consanguinidade, já que a convivência sadia entre pais e filhos tem o verdadeiro valor no contexto da formação da personalidade dos filhos.
Paulo Lôbo (2000, Internet) reforça ainda mais o que foi exposto:
A tutela do Estado voltou-se, então, para as pessoas que integram a família construída sobre os laços do afeto e direcionada para a realização espiritual e ao desenvolvimento da personalidade de seus membros. Tem-se a chamada repersonalização ou despatrimonialização das relações familiares, entendida como a realização pessoal da afetividade e da dignidade humana, no ambiente de convivência e solidariedade como função básica da família da época presente.
Tirar uma criança de uma família onde a mesma estabeleceu laços afetivos para colocá-la na família biológica é uma situação totalmente contrária com o nosso ordenamento jurídico, ferindo inúmeros princípios do direito de família como o da dignidade da pessoa humana e família; da solidariedade familiar; princípio da convivência familiar; princípio do melhor interesse da criança e princípio da afetividade. E, com relação a esse último, segundo Paulo Lôbo (2014, p. 67) “A afetividade é o indicador das melhores soluções para os conflitos familiares”, com a repersonalização do direito de família é dever de todos concretizar esses princípios a criança e ao adolescente.
Sobre a paternidade socioafetiva, há vários julgados dos tribunais que analisam a filiação socioafetiva, tal como:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO ANULATÓRIA DE PATERNIDADE. PROVA DE ERRO. AUSÊNCIA DE PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. Comprovado nos autos que o autor registrou o requerimento como seus filhos porque induzido em erro pela então namorada, e não havendo vínculo de afetividade entre os envolvidos, o que é confirmado pela genitora do requerido, inclusive, apontando e nominando terceiro como sendo o pai biológico, cumpre julgar procedente a ação negatória de paternidade. Deram provimento ao recurso (BRASIL, TJ/RS, Ap. Civil 70040830234, 2011, Internet).
Nesse caso, a ação negatória de paternidade foi dada como procedente, pois além de ter ocorrido um erro quanto à filiação biológica, inexistia filiação socioafetiva, caso a mesma existisse a situação poderia ser diferente como será demostrado mais adiante no trabalho. Neste mesmo sentido:
DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. VÍNCULO GENÉTICO INEXISTENTE. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO AFETIVO ENTRE AS PARTES. Para a procedência da ação negatória de paternidade é necessária a inexistência dos vínculos, deve ser negada a paternidade. Não pode o Judiciário impor os deveres de cuidado, de carinho e de sustento a alguém que, não sendo o pai biológico, também não deseja ser pai Socioafetivo. (BRASIL, TJ-DFT, Ap. Civil. 20120510066166, 2014, Internet, grifos nossos).
Essa apelação não considerou o pai por ausência de vínculo biológico e por ausência de vínculo socioafetivo. Para ser considerado como pai é necessário ou vínculo biológico (sangue) ou o vínculo afetivo (laços de afeto e de solidariedade decorrente da convivência e não do sangue).
No Brasil a maioria dos casos a filiação deriva-se da relação biológica, agora havendo conflito entre a verdade biológica e a verdade socioafetiva, o juiz deve pesquisar qual delas contem o melhor interesse da criança, sendo esta última a mais aplicada (no conflito entre as duas filiações), já que segundo o ECA a criança e o adolescente são sujeitos de direitos, são pessoas em condições peculiar de desenvolvimento e devem serem tratadas como os protagonistas principais.
4. REPERCUSSÃO NO CONTEXTO PSICOLÓGICO E FORMADOR DE PERSONALIDADE DO ADOTANDO
A grande questão na conjuntura moderna é justamente o amparo para as crianças e adolescentes, que foram justamente abandonados pelos seus pais biológicos, e que se encontram nas casas de acolhimento ou, ainda, nas residências de pessoas com quem não apresentam qualquer vínculo consanguíneo.
Para inserção de tais crianças e adolescentes num contexto familiar, onde pessoas interessadas na adoção das mesmas, e consequente formação do vínculo socioafetivo, devem preencher determinados requisitos, dentre os quais, um estágio de aproximação, que configure um estágio de convivência, necessário à formação do carinho e afeto entre adotantes e adotando.
Uma norma prevista no Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA, que se preocupa com esse vínculo socioafetivo entre pais e filhos e a repercussão no contexto psicológico e formador de personalidade do adotando é o art. 46:
Art. 46. A adoção será precedida de estágio de convivência com a criança ou adolescente, pelo prazo que a autoridade judiciária fixar, observadas as peculiaridades do caso.
§ 1o O estágio de convivência poderá ser dispensado se o adotando já estiver sob a tutela ou guarda legal do adotante durante tempo suficiente para que seja possível avaliar a conveniência da constituição do vínculo.
§ 2o A simples guarda de fato não autoriza, por si só, a dispensa da realização do estágio de convivência.
§ 3o Em caso de adoção por pessoa ou casal residente ou domiciliado fora do País, o estágio de convivência, cumprido no território nacional, será de, no mínimo, 30 (trinta) dias.
§ 4o O estágio de convivência será acompanhado pela equipe interprofissional a serviço da Justiça da Infância e da Juventude, preferencialmente com apoio dos técnicos responsáveis pela execução da política de garantia do direito à convivência familiar, que apresentarão relatório minucioso acerca da conveniência do deferimento da medida.
No “estágio de convivência, período no qual a criança e o adolescente vão se adaptar aos pedidos de adoção, é indispensável o laudo da equipe interprofissional, devendo ser elaborado preferencialmente por técnico responsável pela execução da política de garantia de direito à convivência familiar (§4°), suas finalidades são: coibir futuros sofrimentos e más acomodações dos adotados, tanto com relação com sua nova família como também com relação à sociedade; observam o bem-estar, o contexto psicológico da criança ou do adolescente; observar se o adotante tem condições para dar subsistência e educação para o adotado e acompanham o adotante e o adotado através de esculturas e orientações.
Nesse diapasão, a Lei n° 12.010/09 eliminou a possibilidade de dispensa do estágio de convivência em hipóteses de adotando com menos de um ano de idade; o estágio de convivência e adoção por pessoa ou casal domiciliado ou residente fora do país é com a finalidade de proibir o “tráfico de menores” e é obrigatório o cumprimento do estágio no território nacional.
Essa análise do contexto psicológico da criança e do adolescente através do estágio de convivência feita pela equipe interprofissional é tendo com base o princípio da convivência familiar. “É o ninho no qual as pessoas se sentem recíproca e solidariamente acolhidas e protegidas, especialmente as crianças”. Ou seja, não basta, portanto, que o adotante se mostre uma pessoa sensata e com amor as pessoas, porque isso não garante ser um bom pai ou uma boa mãe é indispensável o acompanhamento cotidianamente. (LOBO, 2014, 68)
Fato interessante que acontece nas comarcas do interior é justamente o fato do menor, assim que nasce, ser entregue pela mãe biológica (geralmente sem qualquer condição financeira para criação do menor) ao casal de pretensos adotantes, fazendo com que, se inicie tal vínculo de afeto e carinho. Assim, como não existem unidades de acolhimento de menores em situação de risco, o casal passa a criar o menor, sem a observância dos cadastros de adotantes e adotandos, para ingressar, posteriormente com a ação de adoção.
Nesse contexto, infere-se que ficará o magistrado de mãos atadas, para no futuro, determinar que tal menor seja inscrito em cadastro nacional de adoção, ou, no caso de arrependimento posterior da mãe biológica, ocorrer o retorno do menor para tal mãe biológica, quando já adaptada aos adotantes, inclusive com estudo social. Na mesma linha de pensamento:
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE ADOÇÃO CUMULADA COM DESTITUIÇÃO DO PODER FAMILIAR. MÃE BIOLÓGICA, PORTADORA DE PROBLEMAS PSIQUIÁTRICOS. MENINO QUE SE ENCONTRA NA COMPANHIA DOS ADOTANTES DESDE O PRIMEIRO MÊS DE VIDA ATÉ HOJE, ONZE ANOS DEPOIS. Diante dos elementos de prova colhidos no feito, tenho que merece reforma a decisão, a fim de destituir o poder familiar e conceder a adoção do menino aos apelantes, já que possuem a guarda fática da criança há mais de onze anos, esta os reconhecendo como seus pais. Laudo social favorável à adoção. Apelação cível provida. (BRASIL, TJ-RS, Apelação Cível Nº 70060000304, 2014, Internet, grifos nossos).
A jurisprudência supracitada retrata justamente a questão da valorização da filiação socioafetiva, já que configurados os laços de atenção, amor, carinho, responsabilidade entre adotantes e adotando, sendo que os primeiros já detêm a guarda fática do segundo, não existe qualquer hipótese de retroceder tal constatação, havendo a necessidade de legalização de tal situação de fato e de direito.
5. A “ADOÇÃO À BRASILEIRA”
A “adoção à brasileira” é quando os pais ou o pai registra civilmente uma criança, que biologicamente não é sua com a finalidade de criar laços afetivos com a criança. Não há erro na declaração, pois os declarantes sabem não ter gerado biologicamente a criança e não há falsidade, já que este expressa precisamente à declaração.
Esse instituto vem sendo acolhido pela maioria da doutrina, pelo STJ e pela sociedade, ou seja, protegendo mais uma vez a filiação socioafetiva. É importante informar que o Senado Federal critica esse instituto por argumentar que a mesma atualmente estar ensejando a venda ou tráfico de crianças e que esse tipo de adoção não leva em consideração o interesse da criança. “Todavia, a intenção dolosa, tal como rapto de criança, não pode ser enquadrada nessa espécie, pois o móvel não é a solidariedade e a afetividade, mas a satisfação egoística”. (LÔBO, 2014, p. 228).
Entretanto, apesar de o referido doutrinador entender assim a forma como a sociedade acolhe esse instituto, algumas pessoas se aproveitam dele para enganar a sociedade, o estado e a criança de que estão querendo que esta se desenvolva a partir da convivência familiar, quando na verdade querem explorá-la.
Acerca do assunto, esse é o entendimento dos tribunais pátrios:
RECURSO ESPECIAL - AÇÃO DECLARATÓRIA DE NULIDADE DE REGISTRO CIVIL - NEGATIVA DE PRESTAÇÃO JURISDICIONAL-ALEGAÇÃO DE VIOLAÇÃO GENÉRICA- RECURSO ESPECIAL, NO PONTO DEFICIENTE FUNDAMENTADO- APLICAÇÃO DA SÚMULA N. 284/STF - ADOÇÃO À BRASILEIRA- PATERNIDADE SOCIOAFETIVA - IMPOSSIBILIDADE, NA ESPÉCIE DE DESFAZIMENTO - RECURSO ESPECIAL IMPROVIDO. 1. O conhecimento do recurso especial exige a clara indicação do dispositivo, em tese, violado, bem assim em que medida o aresto a quo teria contrariado lei federal, o que in casu não ocorreu com relação à pretensa ofensa ao artigo 535 do Código de processo Civil (Súmula n. 28 STF). 2. Em se tratando de adoção à brasileira, a melhor solução consiste em só permitir que o pai-adotante busque a nulidade do registro de nascimento, quando ainda não tiver sido constituído o vínculo de sócio afetividade com o adotado. 3. Recurso especial improvido. (BRASIL, STJ, TJ-PB, Resp. 1088157 PB 2008/0199564-3, 2009, Internet, grifos nossos).
Ou seja, infere-se que o STJ considerou a invalidade do registro, porque não ocorreu à formação da paternidade socioafetiva, se tivesse o vínculo afetivo criado ele iria decidir diferentemente, a jurisprudência do STJ concede à prevalência a paternidade socioafetiva nos casos de crianças adotadas irregularmente, por pessoas que realizam isso de maneira consciente e voluntária.
Enquanto o STJ e o doutrinador Paulo Lôbo (2014, p. 228), apoiam esse instituto com o fundamento de que o art. 227 da CF/88, afirma que é dever de todos (família, estado e da sociedade) assegurar à criança o direito “à convivência familiar” com “absoluta prioridade”, outros criticam esse instituto por vários motivos dentre os quais: adoção à brasileira é crime, segundo o art. 242 do CP, a mesma pode dar margem a tráfico de crianças e diferentemente na adoção legalmente constituídas onde a equipe interprofissional analisa o contexto psicológico e formador de personalidade do adotando, através do “estágio de convivência” na “adoção a brasileira”, não existe essa análise.
Apesar de ser acolhida na prática por muitos, a “adoção a brasileira”, conforme a legislação pátria, não deve ser aceita, pois o estágio de convivência que ocorre nos processos de adoção é suprimido, o que não pode ocorrer. Vários julgados tiraram a criança da família substituta, por aquela não se adaptar ou até por sofrer maus tratos durante o estágio de convivência. Se acolhermos esse instituto estaríamos ferindo o princípio do melhor interesse da criança.
Fato interessante, e de ordem prática, ocorre muito nas comarcas interioranas, inclusive no Estado de Alagoas, consiste no cidadão conhecer uma mulher que já tem filho (só registrado em nome da mulher), e começam a conviver em união estável. Ocorre que a convivência vai dando certo, e o homem, numa forma de demonstração de amor para com a mulher e o filho biológico da mesma, registra o filho como se fosse seu biologicamente, na forma de “adoção à brasileira”. Os anos de convivência vão desgastando o relacionamento, e o casal se separa de fato, quando então aquele cidadão resolve ingressar judicialmente, de forma egoísta, com ação negatória de paternidade em relação ao filho não biológico, como forma de se livrar de possível ação de alimentos a ser intentada por tal filho contra o mesmo.
É mais do que evidente que tal ação deverá ser julgada improcedente, em decorrência do vínculo socioafetivo já criado entre os mesmos, devendo prevalecer os interesses do menor. Acerca do assunto, vejamos a jurisprudência:
DIREITO DE FAMÍLIA. AÇÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE. EXAME DE DNA. AUSÊNCIA DE VÍNCULO BIOLÓGICO. PATERNIDADE SOCIOAFETIVA. RECONHECIMENTO. "ADOÇÃO À BRASILEIRA". IMPROCEDÊNCIA DO PEDIDO. 1. A chamada "adoção à brasileira", muito embora seja expediente à margem do ordenamento pátrio, quando se fizer fonte de vínculo socioafetivo entre o pai de registro e o filho registrado, não consubstancia negócio jurídico vulgar sujeito a distrato por mera liberalidade, tampouco avença submetida à condição resolutiva consistente no término do relacionamento com a genitora. 2. Em conformidade com os princípios do Código Civil de 2002 e da Constituição Federal de 1988, o êxito em ação negatória de paternidade depende da demonstração, a um só tempo, da inexistência de origem biológica e também de que não tenha sido constituído o estado de filiação, fortemente marcado pelas relações socioafetivas e edificado na convivência familiar. Vale dizer que a pretensão voltada à impugnação da paternidade não pode prosperar quando fundada apenas na origem genética, mas em aberto conflito com a paternidade socioafetiva. [...] 5. A manutenção do registro de nascimento não retira da criança o direito de buscar sua identidade biológica e de ter, em seus assentos civis, o nome do verdadeiro pai. É sempre possível o desfazimento da adoção à brasileira mesmo nos casos de vínculo socioafetivo, se assim decidir o menor por ocasião da maioridade; assim como não decai seu direito de buscar a identidade biológica em qualquer caso, mesmo na hipótese de adoção regular. Precedentes. 6. Recurso especial não provido. (BRASIL, STJ - REsp: 1352529 SP 2012/0211809-9, 2015, Internet, grifos nossos).
Sobre a situação explicitada, a relação de filiação pressupõe estabilidade e a paternidade, e, segundo Silmara Chenelato (2004, p. 66), “não é roupa que se veste e se desveste”, e continua afirmando que “ser pai não pode ser aceito como estado variável, segundo seu animus e/ou segundo o estágio ou estádio de relacionamento com a mãe”
Outro contexto importante relevado no acórdão do Superior Tribunal de Justiça diz respeito ao fato do direito do menor justamente buscar, quando completar a maioridade, a verdadeira identidade biológica de seus genitores, na hipótese de ter sido adotado.
6. A POLÊMICA QUESTÃO DA ADOÇÃO POR CASAIS HOMOAFETIVOS
Numa sociedade ainda marcada pelo preconceito, o Direito deve se fazer presente, para justamente tutelar as relações de filiação envolvendo casais homoafetivos, propiciando o equilíbrio e a harmonia social.
Nesse sentido, o Direito deve ser utilizado como forma de atualização do convívio social, resguardando o direito em relação aos casais homoafetivos, no sentido de promoverem adoção.
Embora não prevista na legislação, mormente no art. 1.723 do CC (que só admite a união estável entre homem e mulher), a adoção por casais homoafetivos encontra seu arcabouço na jurisprudência, amparado nos princípios já demonstrados durante o nosso texto como o do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa, da cidadania, da afetividade, e ainda o Princípio da Proteção Integral da Família, que justamente proporcionam a igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva. Vejamos a jurisprudência:
CIVIL. PROCESSUAL CIVIL. RECURSO ESPECIAL. UNIÃO HOMOAFETIVA. PEDIDO DE ADOÇÃO UNILATERAL. POSSIBILIDADE. ANÁLISE SOBRE A EXISTÊNCIA DE VANTAGENS PARA A ADOTANDA. [...] II. Debate que tem raiz em pedido de adoção unilateral - que ocorre dentro de uma relação familiar qualquer, onde preexista um vínculo biológico, e o adotante queira se somar ao ascendente biológico nos cuidados com a criança -, mas que se aplica também à adoção conjunta- onde não existe nenhum vínculo biológico entre os adotantes e o adotado. III. A plena equiparação das uniões estáveis homoafetivas, às uniões estáveis heteroafetivas, afirmada pelo STF (ADI 4277/DF, Rel. Min. Ayres Britto), trouxe como corolário, a extensão automática àquelas,das prerrogativas já outorgadas aos companheiros dentro de uma união estável tradicional, o que torna o pedido de adoção por casal homoafetivo, legalmente viável. [...]. VI. Estudos feitos no âmbito da Psicologia afirmam que pesquisas [...] têm demonstrado que os filhos de pais ou mães homossexuais não apresentam comprometimento e problemas em seu desenvolvimento psicossocial quando comparados com filhos de pais e mães heterossexuais. O ambiente familiar sustentado pelas famílias homo e heterossexuais para o bom desenvolvimento psicossocial das crianças parece ser o mesmo [...] (BRASIL, STJ – TJ-SP, REsp: 1281093 SP 2011/0201685-2, 2013, Internet, grifos nossos).
Outro aspecto que merece consideração, e que foi devidamente destacado na decisão do Superior Tribunal de Justiça, diz respeito ao fato da criação do filho por casal homoafetivo, em nada influenciar na formação psicossocial de tal filho, se comparado aos filhos de casais de relação heteroafetiva, segundo estudo de psicologia jurídica realizado por Farias (2009, p 75-76) . A explicação para tal fato diz respeito ao aspecto da criança interpretar as funções e não o sexo biológico das pessoas.
Assim, defende-se a interpretação de que temos sempre um conceito de que aquela pessoa que impõe as regras está associada ao sexo masculino, ao passo que a figura do sexo feminino exerce os cuidados da criança e da casa. Nada impede, portanto, que tais aspectos sejam passados para a criança, por pessoas que apresentam o mesmo sexo biológico, desde que repassem para a criança, as duas características já mencionadas.
Portanto, dentro de uma análise do estudo psicossocial que deve nortear os processos de adoção, deve ocorrer a análise do contexto que cerca o casal homoafetivo interessado, bem como o melhor interesse da criança, como previsto no art. 43 do Estatuto da Criança e do Adolescente.
Entendemos ainda, que o fato de constar o nome de dois pais ou duas mães no registro de nascimento de tais adotados, não deve constranger tais adotados, quando são submetidas a esclarecer a filiação, já que o desprendimento dos adotantes, na aceitação do adotado com amor e carinho, supera qualquer situação, inclusive por proporcionar ao adotado, a volta do sonho de viver, numa sociedade muitas vezes perversa.
7. RUPTURA DO RELACIONAMENTO AMOROSO À TÍTULO DE CASAMENTO OU DE UNIÃO ESTÁVEL E REFLEXOS NA FILIAÇÃO.
Tanto o pai como a mãe (que possuem o poder familiar) são incumbidos de zelar pela formação intelectual e emocional da sua prole, em algumas situações por toda a vida ou do nascimento com vida até os 18 anos através de educação, amor, carinho, alimentação, segurança e principalmente de companheirismo em razão do princípio da solidariedade.
O Código Civil brasileiro no art. 1.597, que assim rege, in verbis: “Art. 1597. O divórcio não modifica os direitos e deveres dos pais em relação aos filhos”. Nesse sentido o artigo 1634 do mesmo código afirma quais são esses direitos, dentre os quais são: manter companhia, guarda, educação, exigir que lhes prestem obediência e respeito, dentre outros.
Na filiação biológica não há dúvida de que o fim do casamento ou da união estável os pais continuam com direitos e deveres com relação aos filhos, a grande dúvida atualmente é se os direitos e deveres permanecem ocorrendo com o término do casamento ou da união estável na filiação socioafetiva.
Os tribunais tem o entendimento de que mesmo ausente à filiação biológica existindo a filiação socioafetiva, os deveres dos pais para com os filhos, continuam existindo, como mostrará abaixo, por exemplo, o dever de alimentos:
PRETENSÃO NEGATÓRIA DE PATERNIDADE C/C EXONERAÇÃO DE ALIMENTOS- PATERNIDADE BIOLÓGICA EXCLUÍDA- PATERNIDADE SÓCIO AFETIVA COMPROVADA. Comprovado nos autos pela prova testemunhal a relação paterno/filial entre a investigante e o investigado, por longo período é de reconhecer-se a paternidade. A paternidade sócio afetiva não pode ser ignorada, ainda que o exame de DNA seja negativo, quando o próprio investigado assume a filiação da investigante publicamente, e age com tal perante o meio social em que vive. (BRASIL, TJ-MG, Ap. Civil 10024096002175002, 2013, Internet, grifos nossos).
É bom lembramos que para resolvermos essa pergunta não existe uma resposta precisa, o juiz nesse caso deve analisar o melhor interesse da criança, dependendo de cada caso ou considerando a filiação socioafetiva ou desconstituindo o vínculo de parentesco “forçado”, onde o pai não quer a criança ou o adolescente, que não é biologicamente seu.
Outro aspecto que merece destaque, diz respeito ao fato da própria Convenção Internacional sobre os Direitos da Criança da ONU, mais precisamente em seu art. 9º, destacar o Direito de Convivência entre pais e filhos separados, e ainda o compartilhamento da responsabilidade de criação dos filhos.
Para tanto, privilegiando a participação de pais divorciados na criação dos filhos, recente modificação na nossa legislação, configurada através da lei nº 13.058/2014, veio modificar vários artigos do Código Civil, para estabelecer a guarda compartilhada dos filhos do casal. Como reflexo direto das modificações, podemos citar o art. 1.583 § 2º do CC, que passa a ter a seguinte redação:
Art. 1583 do CC: A guarda será unilateral ou compartilhada:
[...]
§ 2º Na guarda compartilhada, o tempo de convívio com os filhos deve ser dividido de forma equilibrada com a mãe e o pai, sempre tendo em vista as condições fáticas e os interesses dos filhos.
Assim, o ordenamento jurídico caminha sempre para privilegiar a repartição do tempo de convivência dos filhos com seus pais, mesmo no caso de ruptura do vínculo amoroso entre tais pais. Assim, pelo Princípio norteador da igualdade entre homens e mulheres, consagrados na Constituição Federal de 1988, tal principio apresenta reflexo nas relações entre pais e filhos, e, por consequência, o poder familiar compete aos pais, igualmente, devendo ser considerado um encargo decorrente da paternidade e da maternidade, sendo que cada um deve assumir responsabilidade, mesmo ocorrendo o fim do relacionamento amoroso do casal.
Por conseguinte, os pais deverão dividir a responsabilidade de educação e saúde, participando diretamente na formação da personalidade do filho, empreendendo todo o amor da criação do mesmo.
Existem, logicamente, casos em que tal guarda compartilhada não é aconselhável, principalmente nos casos em que existiu violência doméstica na relação do casal, ou, ainda, nos casos de constantes conflitos entre o casal (onde o filho vai se sentir preso à tais conflitos), também não é aconselhável o deferimento da guarda compartilhada. Finalmente, casos em que existe forte modificação de ambientes, já que tal tipo de guarda se contrapõe à continuidade do lar, que deve ser conservada na formação da personalidade do menor, já que hábitos e padrões diferenciados, provocarão instabilidade emocional e psíquica na formação do menor.
Veja-se nessa mesma esfera de raciocínio, o entendimento do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul:
APELAÇÃO. FAMÍLIA. AÇÃO DE GUARDA C/C ALIMENTOS. Em vista da doutrina da proteção integral à criança, as trocas de guarda somente podem ser realizadas quando demonstrada nos autos sua necessidade. Embora o disposto no § 2.º do art. 1.584 do CC/02, descabe o exercício da guarda compartilhada por pais que não mantém relação harmoniosa e se um deles se opõe ao pedido. Não há necessidade de existir animosidade entre as partes para indeferimento da guarda compartilhada. Inexistindo contatos frequentes entre os pais a fim de possibilitar o melhor tratamento e questões afins sobre a criação [...] (BRASIL, TJ-RS - AC: 70038206165, 2011, Internet, grifos nossos).
Assim, a guarda compartilhada nem sempre é aconselhável, principalmente quando não existe a chamada divisão de responsabilidades ou concreta cooperação nas tarefas em relação ao menor. A guarda compartilhada num cenário como o mencionado, em nada contribuiria para o desenvolvimento do menor, já que as desavenças iriam influenciar no cumprimento de tais responsabilidades e cooperação nas tarefas em prol do menor.
Acerca do assunto, vejamos entendimento do Tribunal de Justiça do Estado de Minas Gerais.
FAMÍLIA - GUARDA COMPARTILHADA - AUSÊNCIA DE CONVIVÊNCIA HARMONIOSA ENTRE OS GENITORES - INDEFERIMENTO - GUARDA DE MENOR - PREVALÊNCIA DO INTERESSE, BEM ESTAR E SEGURANÇA DESTE EM RELAÇÃO AOS INTERESSES/DIREITOS DOS ADULTOS PARENTES - Não se desconhece que parte da doutrina e da jurisprudência sustentam o estabelecimento da guarda compartilhada como regra e imposta, em provável interesse do menor. Entretanto, conclui-se que tal entendimento demonstra-se, ainda, minoritário; sobretudo, em relação à jurisprudência, inclusive desta Câmara e deste Tribunal, que se ampara na realidade da convivência com os casos concretos na rotina do exercício da judicatura, no sentido de que não se deve deferir a guarda compartilhada quando não existe a convivência harmoniosa entre os genitores. No mais, tem-se que a guarda de menor é direito que deve sempre estar condicionado ao interesse, segurança e bem estar deste, preferencialmente, em relação aos interesses e direitos dos adultos parentes; decorrendo, a princípio, da lei, como consequência natural do poder familiar, e, excepcionalmente, de decisões judiciais, conforme acordo entre as partes ou a situação fática. (BRASIL, TJ-MG, AC: 10079100301922005, 2013, Internet).
Portanto, o contexto legal da guarda compartilhada contido na lei nº 13.058/2014, deve ser analisado caso a caso, sob pena de ser prejudicial ao menor, já que a cooperação de responsabilidades em relação ao filho tem que está nítida, caso contrário, melhor a fixação da guarda para um dos pais, com a devida regulamentação do direito de visitação para o outro genitor do menor. Quando as desavenças afloram, os genitores tendem a utilizar o filho como forma de tentar atingir o outro, prejudicando sobremaneira, a saúde e o desenvolvimento normal do menor.
8. A FILIAÇÃO SOCIOAFETIVA JUNTO À FILIAÇÃO BIOLÓGICA
No contexto já abordado, podemos claramente responder os questionamentos colocados na introdução, já que entendemos que não existe diferença normativa de proteção em relação às filiações biológica ou socioafetiva, vez que baseadas, sobretudo em Princípios, como já mencionados em tópicos anteriores: do melhor interesse da criança, da dignidade da pessoa, da cidadania, da afetividade, e ainda o Princípio da Proteção Integral da Família, que justamente proporcionam a igualdade entre a filiação biológica e socioafetiva.
A relação de filiação (biológica ou não) deve ser considerada em razão da posse de estado, configurada na forma de convivência familiar, onde realmente é desenvolvido o aspecto fundamental da afetividade. Tal posse de estado tem como pressuposto “o trato sucessivo, uma duração suficiente, embora não seja abalada por interrupções que não geram a descontinuidade na filiação socioafetiva” (PIMENTA, 1986, p. 165).
Nesse sentido, inferimos que a filiação juridicamente considerada, é quase sempre a de natureza cultural (não necessariamente natural), seja ela biológica ou não biológica.
No contexto normativo de direito, e considerando o contido nos dispositivos do art. 227 da Carta Magna e nos arts. 1.593, 1.596 e 1.597 do Código Civil, consideram-se como estados de filiação: filiação biológica resultante de ambos os pais, havida de relação de casamento ou da união estável, ou em face do único pai ou mãe biológicos, na família monoparental; filiação não-biológica (socioafetiva) em face de ambos pais, configurada através de estudos psicossociais que desencadeiam a adoção dentro dos ditames legais; ou em virtude do pai ou da mãe, que promoveu a adoção exclusiva do filho. Ademais, o próprio art. 1593 do Código Civil faz justamente a menção sobre a possibilidade de a filiação ter por base o parentesco na consanguinidade ou em “outra origem”, locução que engloba a origem afetiva. (FACHIN, 2003, p. 17).
Já no aspecto extralegal, também devidamente demonstrado de que não existe qualquer diferenciação entre as filiações biológica e socioafetiva, já que a educação e os cuidados que deverão ser ministrados aos filhos são os mesmos, independente dos pais (heteroafetivos ou homoafetivos) ou biológicos, já que o afeto deve sempre prevalecer nas relações de pais e filhos. Estudos na área de psicologia, mencionados no tópico sobre a adoção por casais homoafetivos, demonstraram que as crianças terão o mesmo desenvolvimento psicológico, como se fossem criadas por casais heteroafetivos.
Agora numa relação de confronto entre as filiações biológica e socioafetiva, deve prevalecer a segunda, tendo em vista que pai é aquele que cuida, educa, se sacrifica pelo filho, razão pela qual, a filiação socioafetiva deve ser sempre valorizada em detrimento do contexto apenas biológico (de procriação). Daí a importância da boa formação do contexto socioafetivo, o que por vezes é prejudicado, como nos casos das “adoções à brasileira”, onde não existe o prévio período de adaptação e convivência, necessários à construção do afeto.
Tal confronto mencionado no parágrafo anterior sempre existirá, devido às constantes mutações no convívio social, que logicamente afetam a relação de filiação, já que o fato social constitui verdadeira “metamorfose ambulante”, como mencionava o grande cantor Raul Seixas, comportando mutações para novos paradigmas comportamentais.
9. CONSIDERAÇÕES FINAIS
No contexto abordado, ficou devidamente configurado que nas relações de filiação, é privilegiado o interesse supremo dos filhos, que se encontram em condição de vulnerabilidade e necessitam de todo um amparo e responsabilidade de seus genitores, seja a filiação biológica ou socioafetiva.
No próprio contexto evolutivo, observamos que a questão da filiação sai da sociedade patriarcal, com o reconhecimento exclusivo dos filhos havidos do casamento, para um contexto de reconhecimento de filhos havidos no contexto socioafetivo, quando não existe qualquer vínculo de consanguinidade entre pais e filhos, privilegiando em tais relações, o amor, o carinho, o afeto, a consideração, a proteção, que são aspectos que devem preponderar no relacionamento entre pais e filhos.
Atento aos Princípios que amparam o interesse dos filhos, principalmente no que diz respeito à Supremacia de tais interesses, concluímos que devem ser preservados, ao máximo, os interesses de tais pessoas em formação, para que o afeto e a proteção sejam o norte e contribuam para a formação da personalidade dos mesmos.
Verificamos que tais interesses dos filhos devem prevalecer inclusive na chamada “Adoção à Brasileira”, sendo que uma vez formado os vínculos de afetividade entre o adotante e o adotado, e no caso de desfazimento do relacionamento amoroso do adotante com a genitora do adotado, as responsabilidades do adotante prevalecem em relação ao adotado, inclusive toda a responsabilidade na criação do menor, com repercussão a título de alimentos devidos.
Nesse mesmo diapasão, para os casos de crianças e adolescentes, que necessitam de adoção, e consequente integração em núcleo familiar, observamos a necessidade incontestável do estágio de convivência, para que os valores inerentes a filiação socioafetiva sejam aflorados, como o afeto, a convivência harmônica, o carinho e dedicação, necessários à formação da personalidade dos filhos.
Analisamos que a filiação envolvendo a adoção por casais homoafetivos é perfeitamente concebível, em relação ao melhor interesse do menor, e que em nada influencia na formação psicossocial de tal menor, se comparado aos filhos de casais heterossexuais, já que as funções de comando (eminentemente masculina) e de cuidado (feminina) podem ser transmitidas por pessoas do mesmo sexo biológico, e são perfeitamente assimiladas pelo adotado.
Observamos também, que embora o ordenamento jurídico defenda a convivência igualitária do filho com os pais divorciados, nem sempre a tal guarda compartilhada é aconselhável para a formação do menor, principalmente quando existe animosidade entre os pais, o que prejudica sobremaneira a divisão de responsabilidades e cooperação entre os pais.
O presente texto demonstrou a importância da valorização da filiação socioafetiva, no contexto atual e moderno, da formação familiar.
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Pós-Graduada em Direito Penal e Processual Penal. Advogada OAB/ AL 14.311
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: ALMEIDA, Carolline Gêda Peixoto Melo. As normas do Direito Familiar e o convívio social: A Filiação Socioafetiva junto à filiação biológica Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 23 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51731/as-normas-do-direito-familiar-e-o-convivio-social-a-filiacao-socioafetiva-junto-a-filiacao-biologica. Acesso em: 23 dez 2024.
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