ANTONIO CÉSAR MELLO
(Orientador)[1]
RESUMO: O presente artigo científico visa elucidar como se deu a evolução histórica da legislação ambiental no ordenamento jurídico pátrio, abordando todas as leis que surgiram no intuito de tutelar algum bem jurídico voltado para o meio ambiente até os dias de hoje. Para melhor compreensão fez-se uma conceituação sobre meio ambiente sobre a óptica jurídica, discutiu-se de maneira breve os princípios da prevenção e da precaução, haja vista a grande importância que tais princípios possuem no direito ambiental. Em ato contínuo estudou a Lei nº 4.771/65, bem como a Lei nº 9.605/98 versando sobre os crimes ambientais. Por fim, fez uma breve explanação sobre os tipos penais elencados na Lei de Crimes Ambientais.
Palavras-chave: Código Florestal. Lei de Crimes Ambientais. Meio Ambiente.
ABSTRACT: The present scientific article aims to elucidate how the historical evolution of environmental legislation in the legal order of the country has taken place, addressing all the laws that have arisen in order to protect some juridical asset focused on the environment to the present day. For a better understanding, a conceptualization about the environment was made on the juridical point of view. The principles of prevention and precaution were briefly discussed, given the great importance that these principles have in environmental law. He then studied Law No. 4.771 / 65, as well as Law No. 9605/98 dealing with environmental crimes. Finally, he gave a brief explanation of the criminal types listed in the Environmental Crimes Act.
Keywords: Forest Code. Law of Environmental Crimes. Environment.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 1. DIREITO AMBIENTAL. 1.1. CONCEITO DE MEIO AMBIENTE. 1.2. PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL. 1.2.1. Princípio da Prevenção/Precaução. 2. DAS INFRAÇÕES PENAIS DA LEI Nº 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965). 3. DA LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI Nº 9.605/98). 3.1. DOS CRIMES CONTRA A FAUNA. 3.2. DOS CRIMES CONTRA A FLORA. 3.3. DA POLUIÇÃO E OUTROS CRIMES AMBIENTAIS. 3.4. DOS CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO E O PATRIMÔNIO CULTURAL. 3.5. DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL. CONSIDERAÇÕES FINAIS.
INTRODUÇÃO
O artigo científico, em examine, visa elucidar como se deu a evolução do direito ambiental brasileiro, uma vez que será tratado, no presente, a questão dos crimes ambientais. Deste modo, faz-se necessário um breve questionamento sobre o que levou o legislador a dedicar-se a elaboração de normas penais voltadas à proteção do meio ambiente.
Buscou-se dessa forma, salvaguardar o meio ambiente em benefício próprio do homem, tendo como finalidade garantir uma melhor qualidade de vida, ou seja, proteger-se-á o meio ambiente para que a sobrevivência da raça humana seja assegurada.
Cabe ressaltar que com o transcorrer do tempo, as normas que regem o direito ambiental surgiram de modo discreto, como o Decreto nº 4.421 de 28 de dezembro de 1921, criando o “Serviço Florestal do Brasil”; o Decreto nº 27.973 de 23 de janeiro de 1934, criando o primeiro Código Florestal brasileiro; o Decreto nº 24.643 de 10 de julho de 1934, criando o “Código de Águas”; e o Decreto nº 24.645 de 10 de julho de 1934, estabelecendo “medidas de proteção aos animais”. Todavia, tais normas eram bastante confusas, além de não conter em seu texto punições rigorosas aos criminosos ambientais que depredaram o ecossistema livremente por vários anos sem sofrer quaisquer sanções, ao menos no âmbito penal.
Antigamente, havia uma certa dificuldade com relação ao tema, ora em examine, uma vez que tais crimes eram tratados como contravenções penais, ou seja, eram tratados como infrações mais brandas. Assim, a Lei nº 9.065 de 12 de fevereiro de 1998, veio trazendo em seu bojo punições mais severas, punindo todos os agressores do meio ambiente, havendo uma maciça intervenção por parte do Estado.
Logo, pode-se aferir que a Lei nº 9.065/98, também conhecida como Lei de Crimes Ambientais, veio modificando algumas infrações que eram tratadas como contravenções em crimes, prevendo ainda a criminalização de pessoas jurídicas, estabelecendo quais são os atos lesivos ao ecossistema (meio ambiente), bem como a resposta correspondente por parte do poder público, tanto no âmbito penal quanto no administrativo.
Contudo, há alguns óbices quanto à aplicabilidade da Lei de Crimes Ambientais, principalmente no aspecto cultural, pois na grande maioria dos casos, o autor do crime ambiental não se vê como um infrator, ou seja, para o mesmo sua atitude está ligada a valores culturais, achando que está agindo corretamente. Assim, pode-se observar que o caráter de prevenção que a referida legislação tenta impor resta prejudicado, ainda que minimamente.
Ocorre que a sociedade em sim, até um passado próximo, não era habituada a cultura ambiental, resultando em uma percepção errônea com relação às legislações ambientais, pois pensavam que tais leis eram, de certo modo, injustas.
Logo, faz-se necessário uma conscientização da sociedade para que a mesma desenvolva uma nova percepção quanto aos princípios ambientais, buscando uma formação cultural e moral da mesma, a fim de dar origem à novos conceitos voltados para a preservação ambiental.
Assim, diante de todo o exposto, abordar-se-á a conceituação de direito ambiental, bem como de meio ambiente, além de estudar seus princípios, corroborando com o entendimento das Leis ambientais que serão explanadas no transcorrer do presente artigo científico.
1. DIREITO AMBIENTAL
O direito ambiental, no entender de Paulo Affonso Leme Machado (2009, 54), trata-se de um sistematizador, ou seja, ele é responsável por fazer a conexão entre a legislação, jurisprudência e doutrina no que diz respeito ao meio ambiente.
Por sua vez, José Afonso da Silva (2010, p. 41-42) conceitua direito ambiental dizendo que:
O Direito Ambiental deve ser considerado sob dois aspectos: a) Direito Ambiental objetivo, que consiste no conjunto de normas jurídicas disciplinadoras da proteção da qualidade do meio ambiente; b) Direito Ambiental como ciência, que busca o conhecimento sistematizado das normas e princípios ordenadores da qualidade do meio ambiente.
Luís Paulo Sirvinskas (2003, p. 26) entende que direito Ambiental “é a ciência jurídica que estuda, analisa e discute as questões e os problemas ambientais e sua relação com o ser humano, tendo por finalidade a proteção do meio ambiente e a melhoria das condições de vida no planeta”.
Assim, após trabalhar a conceituação de direito ambiental faz-se necessário conceituar também o que vem a ser meio ambiente, haja vista que o mesmo é um objeto do direito ambiental.
1.1. CONCEITO DE MEIO AMBIENTE
A Lei nº 6.938 de 31 de agosto de 1981 “dispõe sobre a Política Nacional do Meio Ambiente”, logo em seu artigo 3º, I, diz que meio ambiente é “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.
O doutrinador José Afonso da Silva (2010, p. 02) conceitua, diante à carência legislativa, o meio ambiente como sendo “a interação do conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento da vida de todas as formas”.
Deste modo, pode-se aferir que há uma distinção feita pela doutrina em meio ambiente natural, artificial, cultural e do trabalho.
O artigo 225 da Constituição da República Federativa do Brasil de 1988 (CRFB/88) diz que:
Art. 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao Poder Público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
Logo, pode-se aferir que o artigo citado acima refere-se ao meio ambiente natural compreendendo a atmosfera, o solo, a água, a fauna, a flora, dentre outros que enquadram-se nesta espécie.
Por sua vez os artigos 215 e 216, ambos da CRFB/88 tratam da questão do meio ambiente cultural, estabelecendo o que segue:
Art. 215. O Estado garantirá a todos o pleno exercício dos direitos culturais e acesso às fontes da cultura nacional, e apoiará e incentivará a valorização e a difusão das manifestações culturais.
Art. 216. Constituem patrimônio cultural brasileiro os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à ação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira (...)
Assim, os mesmos compreendem os bens materiais e imateriais que contenham alguma espécie de valor histórico, como uma área destinada a paleontologia, por exemplo.
No que diz respeito ao meio ambiente artificial, Luís Paulo Sirvinskas (2003, p. 277) define como sendo “aquele construído pelo homem. É a ocupação gradativa dos espaços naturais, transformando-os em espaços artificiais”, podendo-se citar com exemplos pinacotecas e bibliotecas.
E finalmente o artigo 200, VII e VIII da CRFB/88 estabelece sobre o meio ambiente do trabalho, ou seja, o mesmo refere-se a proteção do indivíduo em seu ambiente laboral, devendo-se observar às normas de segurança.
1.2. PRINCÍPIOS DO DIREITO AMBIENTAL
No presente tópico trabalhar-se-á a questão principiológica que baliza o direito ambiental no ordenamento pátrio brasileiro. Todavia, diversos são os princípios que salvaguardam o meio ambiente, porém, abordar-se-á alguns princípios que possuem maior relevância para o presente trabalho.
Feita tais considerações, faz-se necessário entender o que vem a ser princípios jurídicos dentro do ordenamento pátrio brasileiro.
Neste diapasão, Miguel Reale conceitua princípios dizendo que:
(...) são enunciações normativas de valor genérico, que condicionam e orientam a compreensão do ordenamento jurídico, a aplicação e integração ou mesmo para a elaboração de novas normas. São verdades fundantes de um sistema de conhecimento, como tais admitidas, por serem evidentes ou por terem sido comprovadas, mas também por motivos de ordem prática de caráter operacional, isto é, como pressupostos exigidos pelas necessidades da pesquisa e da práxis. (REALE 2003, p. 37)
Neste diapasão, Mauricio Godinho Delgado (2011, p. 180) entende que “princípio traduz, de maneira geral, a noção de proposições fundamentais que se formam na consciência das pessoas e grupos sociais, a partir de certa realidade, e que, após formadas, direcionam-se à compreensão, reprodução ou recriação dessa realidade”.
Com relação à função dos princípios dentro do ordenamento jurídico brasileiro, Silvio de Salvo Venosa (2004, p. 162) diz que através “dos princípios, o intérprete investiga o pensamento mais elevado da cultura jurídica universal, buscando orientação geral do pensamento jurídico”.
Assim, fica evidenciado a enorme importância que os princípios possuem dentro do ordenamento jurídico pátrio, devendo os operadores do direito valerem-se dos mesmos para interpretação e aplicação da Lei, para que os mesmos sejam utilizados em casos concretos.
1.2.1. Princípio da Prevenção/Precaução
Abordar-se-á de maneira breve tais princípios, uma vez que são de suma importância para o direito ambiental.
A prevenção está voltada para prevenir o acontecimento de provável dano, sempre que o perigo encontrar-se identificado. Logo, pode-se aferir que quando de uma atividade que possa resultar lesão ao meio ambiente, sendo tal lesão conhecida, deverão ser tomadas todas as providências necessárias para que caso ocorra algum incidente, esta seja evitado por inteiro ou que os prejuízos sejam minimizados.
Por sua vez, a Precaução tem sua aplicabilidade voltada para os casos onde não existem meios necessários para averiguar se tal atividade gerará prejuízo ou não ao meio ambiente.
2. DAS INFRAÇÕES PENAIS DA LEI Nº 4.771/65 (CÓDIGO FLORESTAL DE 1965)
A CRFB/88 estabelece em seu artigo 225 que “todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida”. Estabelece, ainda, no §1º, VII, do artigo supramencionado, que “incumbe ao Poder Público proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais a crueldade”.
Assim, pode-se observar que a referida proteção conferida pela CRFB/88 ao meio ambiente veio ratificar a preocupação/apreensão da sociedade para com o mesmo, pois com o passar dos anos o homem vem evoluindo e isso acarreta uma enorme degradação ambiental, fazendo-se necessário que o mesmo seja tutelado pelo Estado. Deste modo, pode-se aferir que o homem continuará a desenvolver-se, pois é uma peculiaridade inerente a sua condição. Todavia, esse desenvolvimento deve estar em consonância com o meio ambiente, devendo se dar de forma racional e sustentável.
Cabe obtemperar que antes da promulgação da CRFB/88, a Lei nº 4.771 de 15 de setembro de 1965, instituiu o Código Florestal, disciplinando quanto à utilização e preservação das florestas, bem como das demais vegetações.
Deve-se ressaltar, ainda, que tal lei fora recepcionada pela CRFB/88. O artigo 26 do referido Código Florestal de 1965 previa diversas formas de contravenções, um enorme avanço, pois tinha como finalidade coibir atos que viessem a degradar/destruir a flora.
No entanto, a Lei nº 9.605/98 revogou diversas infrações, convertendo-as em crimes, imputando aos criminosos ambientais punições mais severas. Diante da insuficiência do artigo 26 do Código Florestal de 1965, foram elaborados novas tipificações penais com penas majoradas. Em suma, ocorreu um majoramento no que diz respeito ao rigor, mesmo que ambas as leis não empreguem o encarceramento dos infratores, exceto no caso de reincidência.
O Código Florestal de 1965 perdeu relevância quanto às infrações penais. Não obstante as normas não repetidas na Lei nº 9.605/98 permaneceram em vigência até certo período, posto que com o advento da Lei nº 12.651 de 25 de maio de 2012 (Novo Código Florestal) tais dispositivos foram revogados, visto que a referida lei optou por não cuidar da esfera penal.
O artigo 26 do antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65) dizia que “constituem contravenções penais, puníveis com três meses a um ano de prisão simples ou multa de uma a cem vezes o salário mínimo mensal, do lugar e da data da infração ou ambas as penas cumulativamente”. Logo, pode-se aferir que o referido artigo possibilitava a aplicação de três tipos de sanções, sendo elas: prisão, multa ou ambas cumuladas.
As agravantes penais davam-se, sem prejuízo das contidas no Código Penal (Decreto-Lei nº 2.848 de 07 de dezembro de 1940) e na Lei de Contravenções Penais (Decreto-Lei nº 3.688 de 03 de outubro de 1941), assim estabelecia o artigo 31 do referido Código Florestal de 1965, in verbis:
Art. 31. São circunstâncias que agravam a pena, além das previstas no Código Penal e da Lei de Contravenções Penais:
a) cometer a infração no período de queda das sementes ou de formação das vegetações prejudicadas, durante a noite, em domingos ou dias feriados, em épocas de seca ou inundações;
b) cometer a infração contra a floresta de preservação permanente ou material dela provindo.
Com base no artigo 29, ainda, do Código Florestal que fora revogado, os trazia em seu escopo sobre quem recairia as penalidades, conforme segue:
Art. 29. As penalidades incidirão sobre os autores, sejam eles:
a) diretos;
b) arrendatários, parceiros, posseiros, gerentes, administradores, diretores, promitentes compradores ou proprietários das áreas florestais, desde que praticadas por prepostos ou subordinados e nos interesses dos proponentes ou dos superiores hierárquicos;
c) autoridades que se omitirem ou facilitarem, por consentimento ilegal, na prática do ato.
Deste modo, analisando-se o artigo supracitado, observar-se-á que tentava-se responsabilizar àquele que de algum modo corroborasse para a prática infracional, sendo a flora tutelada com mais eficácia.
A Ação Penal (AP), nestes casos será pública incondicionada, devido a natureza do bem jurídico, ora tutelado, ser difuso. Ainda que, a infração venha a ocorrer em uma propriedade privada, a AP será pública, por ser o bem de interesse de todos. Deste modo, observar-se-á que os artigos 33 e 34 do antigo Código Florestal previam as autoridades que podiam propor a AP, onde a CRFB/88 optou por não recepcionar tais artigos, concedendo competência privativa ao Ministério Público (MP) a propositura de Ação Penal Pública, conforme estabelece o artigo 129, I, da CRFB/88.
Todavia, a justiça estadual será a competente para julgar as contravenções em examine, mesmo tratando-se de bens, serviços ou interesses da União, conforme prevê a Súmula nº 38 do Superior Tribunal de Justiça (STJ).
Cabe obtemperar que a maior pena estabelecida para tais contravenções era de somente um ano, logo, a competência do presente feito deveria ser dos Juizados Especiais Criminais. Incontroverso, que em decorrência da apenação máxima prevista, os Juizados Especiais eram os competentes, no caso de infrações com menor potencial ofensivo. Assim, era possível ocorrer a suspensão do processo promovido pelo MP quando oferecida a denúncia, conforme estabelece a Lei nº 9.099 de 26 de setembro de 1995 (Lei dos Juizados Especiais Cíveis e Criminais), em seu artigo 89. Era possível, também, haver a transação penal que consistia na reparação do dano causado, bem como na aplicação de maneira imediata da pena restritiva de direitos.
Ademais, o referido Código Florestal de 1965, estabelecia em seu artigo 35 sobre outra sanção, qual seja: a apreensão dos instrumentos que foram utilizados na infração, sendo tais instrumentos vendidos em hasta pública.
Deve-se ressaltar, ainda, que o Código Florestal de 1967, por mais que contivesse conteúdo penal, o mesmo avançou pouco neste âmbito, basicamente arrolou as contravenções, não possuindo a eficácia esperada do direito penal/criminal.
3. DA LEI DOS CRIMES AMBIENTAIS (LEI Nº 9.605/98)
Em 1998 fora editada a Lei nº 9.605, como dito anteriormente, tendo como finalidade a regulamentação do artigo 225 da CRFB/88, contendo alguns vetos, respeitando o período de vacância necessária para sua vigência. Assim, em que pese sua publicação ter sido em 12 de fevereiro de 1998, sua vigência deu-se em 30 de março do mesmo ano.
Deve-se ressaltar a natureza híbrida da referida lei, pois além de versar sobre os crimes ambientais, também preocupa-se com as infrações de cunho administrativo, bem como aspectos de colaboração internacional voltados para a preservação ambiental.
Diversas críticas ressoavam quando a referida lei fora publica por conta da mesma comportar alguns vícios. Destas, pode-se aferir que algumas advieram de pressões feitas por lobistas (lobbies) interessados na matéria; outras em decorrência de convicções errôneas sobre o interesse real da sociedade quanto a preservação dos recursos ambientais e da qualidade do meio ambiente; muitas, por fim, resultam da extravagância do legislador, que utilizou-se de definições mais amplas e indeterminadas, contendo diversas improbidades técnicas, linguísticas e lógicas, sendo flagrantemente contraditórias com a imposição de clareza e precisão no fechamento das tipificações penais.
Contudo, observa-se que tal diploma, ora em examine, demonstra um progresso político na questão da proteção ambiental, por batizar uma regulação da penalidade administrativa com sanções mais rigorosas, além de tipificar os crimes ambientais, mesmo na forma culposa.
A Lei dos Crimes Ambientais trouxe uma importante inovação possibilitando que pessoas jurídicas, tanto públicas quanto privadas, fossem responsabilizadas penalmente. O artigo 3º da referida lei estabelece sobre o presente tema que:
Art. 3º As pessoas jurídicas serão responsabilizadas administrativa, civil e penalmente conforme o disposto nesta Lei, nos casos em que a infração seja cometida por decisão de seu representante legal ou contratual, ou de seu órgão colegiado, no interesse ou benefício da sua entidade.
Parágrafo único. A responsabilidade das pessoas jurídicas não exclui a das pessoas físicas, autoras, co-autoras ou partícipes do mesmo fato.
Observar-se que o direito penal, em suma, busca tradicionalmente imputar sanções penais para pessoas físicas. Assim, neste contexto o artigo 2º da Lei nº 9.605/98 dispõe sobre a imputabilidade de pessoa física em crimes ambientais, in verbis:
Art. 2º Quem, de qualquer forma, concorre para a prática dos crimes previstos nesta Lei, incide nas penas a estes cominadas, na medida da sua culpabilidade, bem como o diretor, o administrador, o membro de conselho e de órgão técnico, o auditor, o gerente, o preposto ou mandatário de pessoa jurídica, que, sabendo da conduta criminosa de outrem, deixar de impedir a sua prática, quando podia agir para evitá-la.
A lei em comento foi adiante e em seu artigo 4º trouxe em sua redação a possibilidade da desconstituição de personalidade jurídica, in fine:
Art. 4º Poderá ser desconsiderada a pessoa jurídica sempre que sua personalidade for obstáculo ao ressarcimento de prejuízos causados à qualidade do meio ambiente.
Logo, pode-se aferir que o artigo supracitado permite que quando de sua aplicação no caso concreto, um determinado órgão, revestido pela CRFB/88, possa valer-se de tal permissibilidade, afastando toda regra quanto a personificação jurídica para que a pessoa física que tenha realmente cometido a infração contra o meio ambiente possa ser penalizada.
Feitas tais considerações, abordar-se-á adiante o capítulo V da Lei nº 9.605/98, versando tal capítulo sobre os crimes contra o meio ambiente.
3.1. DOS CRIMES CONTRA A FAUNA
Com relação aos crimes praticados contra a fauna, os artigos 29 a 37 do referido diploma legal, são responsáveis por tutelar tal bem jurídico. Os animais estão relacionados à sobrevivência humana, pois a vida humana encontra-se enlaçada aos seres que compõem o globo terrestre. Deste modo, o legislador visou a proteção da fauna tutelando tal matéria.
Cabe obtemperar que os animais são tutelados com maior intervenção por parte do Estado, através do direito penal. Logo, são tidos como crimes a caça sem a devida permissão por exemplo (art. 29, caput, Lei nº 9.605/98).
3.2. DOS CRIMES CONTRA A FLORA
Nos artigos de 38 a 53 da Lei de Crimes Ambientais, o legislador visou detalhar minuciosamente as circunstâncias que poderiam caracterizar, mesmo que de maneira teórica, os crimes praticados contra a flora. Todavia, o operador do direito a manusear tal diploma legal deve-se nortear pela tutela da flora adaptando-o para as necessidades da espécie humana.
Deste modo, o legislador utilizou-se de parâmetros preventivos e repressivos, objetivando a aplicabilidade das sanções penais ambientais. Todavia, deve-se ressaltar que a despeito da flora merecer proteção, o legislador foi infeliz ao tipificar alguns crimes, seja por sua tipificação penal de culpa simples em algumas práticas, seja pela redação de má qualidade e/ou pela abertura que o mesmo concedeu a certos tipos penais, englobando de maneira rigorosa, eventos que não ofendam a um bem juridicamente tutelado, como uma simples poda de jardim, incorrendo o autor no artigo 48 do referido diploma legal.
3.3. DA POLUIÇÃO E OUTROS CRIMES AMBIENTAIS
Por sua vez os artigos 54 a 61 são responsáveis por tutelar os danos à saúde dos seres humanos, o ambiente laboral, além alguns outros bens ambientais.
Deve-se ressaltar que no Brasil as grandes causadoras de poluição ao meio ambiente são as indústrias, ficando a sociedade a mercê das regras que tais indústrias usam ou deixam de usar em prol da população. Logo, sanções administrativas envelhecidas foram transformadas à condição de crime.
Todavia, percebe-se que novamente o legislador utilizou-se de tipificações penais abertas, ou seja, sem obedecer a taxatividade e legalidade estrita que são inerentes do direito penal. Um exemplo claro se tem no artigo 54 da referida lei, quando o legislador utiliza a seguinte redação:
Art. 54. Causar poluição de qualquer natureza em níveis tais que resultem ou possam resultar em danos à saúde humana, ou que provoquem a mortandade de animais ou a destruição significativa da flora.
Observa-se que quando o mesmo utiliza-se da expressão “destruição significativa”, demonstra claramente a falta técnica com que foi elaborada a redação do artigo supracitado.
Ademais, o artigo 56 do mesmo diploma legal estabelece que:
Art. 56. Produzir, processar, embalar, importar, exportar, comercializar, fornecer, transportar, armazenar, guardar, ter em depósito ou usar produto ou substância tóxica, perigosa ou nociva à saúde humana ou ao meio ambiente, em desacordo com as exigências estabelecidas em leis ou nos seus regulamentos.
Deste modo, pode-se aferir que o dispositivo, em examine, vem regulamentar o modo de atuar das empresas no âmbito administrativo próprio, além de evidenciar, mais uma vez, que o legislador utilizou-se de uma norma penal em branco.
3.4. DOS CRIMES CONTRA O ORDENAMENTO URBANO E O PATRIMÔNIO CULTURAL
Em se tratando de crimes cometidos em face do ordenamento urbano e do patrimônio cultural, estes encontram-se elencados nos artigos 62 a 65 da Lei de Crimes Ambientais. Assim, pode-se aferir que o meio ambiente cultural e artificial também foram tutelados, estes com sanções que visam preservar os bens materiais e imateriais tidos como culturais.
Neste diapasão, observa-se que o legislador procurou, com tais sanções penais, obedecer dispositivos constantes na CRFB/88, como o artigo 24, VII que dispõe sobre a “proteção ao patrimônio histórico, cultural, artístico, turístico e paisagístico”, por exemplo.
3.5. DOS CRIMES CONTRA A ADMINISTRAÇÃO AMBIENTAL
Na Seção V do Capítulo V da referida lei, o legislador buscou garantir que o Poder Público cumpra seu papel através dos seus agentes públicos, qual seja: a defesa e preservação do direito ambiental para todos os seres vivos.
Ademais, os artigos 68 e 69 do referido diploma legal estabelece que:
Art. 68. Deixar, aquele que tiver o dever legal ou contratual de fazê-lo, de cumprir obrigação de relevante interesse ambiental:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Parágrafo único. Se o crime é culposo, a pena é de três meses a um ano, sem prejuízo da multa.
Art. 69. Obstar ou dificultar a ação fiscalizadora do Poder Público no trato de questões ambientais:
Pena - detenção, de um a três anos, e multa.
Art. 69-A. Elaborar ou apresentar, no licenciamento, concessão florestal ou qualquer outro procedimento administrativo, estudo, laudo ou relatório ambiental total ou parcialmente falso ou enganoso, inclusive por omissão:
Pena - reclusão, de 3 (três) a 6 (seis) anos, e multa.
§ 1o Se o crime é culposo:
§ 1o Se o crime é culposo:
§ 2o A pena é aumentada de 1/3 (um terço) a 2/3 (dois terços), se há dano significativo ao meio ambiente, em decorrência do uso da informação falsa, incompleta ou enganosa.
Deste modo, analisando a redação dos artigos, acima citados, pode-se aferir que qualquer pessoa pode praticar tal infração. Todavia, tais crimes são formas que o legislador encontrou para combater a corrupção.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Analisando-se o presente artigo científico pode-se concluir que a Lei de Crimes Ambientais (Lei nº 9.605/98) praticamente revogou todos os artigos constantes no antigo Código Florestal (Lei nº 4.771/65), vindo a ser revogada integralmente quando da vigência do novo Código Florestal (Lei nº 12.651/2012) sem tipificações penais.
O ordenamento jurídico pátrio ficou mais rigoroso, pois conforme abordou-se no presente artigo, dispositivos que eram tidos apenas como infrações administrativas sofreram modificações e passaram a ser tipificados como crimes contra o meio ambiente, à medida que outros integrantes do Código Florestal deixaram de ser tipificados como crime e/ou tiveram outra redação em decorrência do surgimento da Lei nº 9.605/98. Assim, observa-se que o ordenamento jurídico pátrio brasileiro restou mais severo quanto a apenação de condutas em desfavor do meio ambiente.
Observou-se, ainda, no presente artigo que a CRFB/88 com seu advento passou a compreender o meio ambiente de forma ampla, ou seja, englobando o ambiente cultural, artificial, natural e do trabalho.
Ademais, a CRFB/88 possibilitou a responsabilização penal das pessoas jurídicas públicas e/ou privadas (Art. 225, §3º). Neste diapasão, a Lei nº 9.605/98 regulamentou tal possibilidade, sendo um extremo avanço para a legislação ambiental brasileira. Cabe obtemperar, que também fora possibilitado o fenômeno da desconsideração da personalidade jurídica, buscando punir as pessoas que utilizam-se de pessoas jurídicas como meio de proteção para a promoção de crimes contra o meio ambiente.
Deve-se ressaltar a falta técnica, a má redação com que fora elaborado a redação da Lei nº 9.605/98, uma vez que sua redação traz dispositivos vagos e imprecisos. Ademais, pode-se depreender analisando o diploma legal em comento que, em grande parte, são normais penais em branco, ou seja, acaba gerando uma dependência de outra norma para que a mesma tenha o efeito esperado. Em síntese, será a própria Administração Pública a responsável por delimitar quais condutas serão enquadradas no tipo penal.
Cabe obtemperar que um dos balizadores do direito ambiental é o princípio da prevenção/precaução, buscando a todo modo obstar o dano ao meio ambiente e não simplesmente aceitar a conversão por tais praticas infracionais em reparação dos danos causados.
Por fim, pode-se concluir o presente artigo aduzindo que a melhor solução para a questão ambiental é a educação. A CRFB/88 em seu artigo 225, §1º, VI diz que deve-se “promover a educação ambiental em todos os níveis de ensino e a conscientização pública para a preservação do meio ambiente”. Todavia, deve-se ter em mente que tal iniciativa não é de responsabilidade somente do Estado, cabendo a toda sociedade.
Assim, será possível desconstruir a ideia arcaica que meio ambiente é somente florestas, mato, verde. Ademais, com a grande massa populacional concentrada nos centros urbanos, é necessário que se faça uma política nacional de conscientização/educação ambiental para que toda população possa sentir no transcorrer do seu dia a dia que é parte constante de um meio ambiente, seja ele urbano, cultural, natural ou do trabalho.
5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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[1] Possui graduação em Direito pelo Centro Universitário Ritter dos Reis (Canoas - RS - 1996), especialista em Direito e Estado pela Universidade do Vale do Rio Doce (Governador Valadares - MG), é Mestre em Ciências do Ambiente pela Fundação Universidade Federal do Tocantins (Palmas - TO). É doutor em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais. (Belo Horizonte).
Bacharelanda do curso de Direito pela Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Leila Maia. A história da evolução dos crimes ambientais no ordenamento jurídico brasileiro Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 28 maio 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51759/a-historia-da-evolucao-dos-crimes-ambientais-no-ordenamento-juridico-brasileiro. Acesso em: 23 dez 2024.
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