IGOR DE ANDRADE BARBOSA
(Orientador)[1]
RESUMO: Esta pesquisa tem como objetivo o estudo da atuação do direito administrativo sancionador. Proporcionará a visualização deste Direito quanto uma alternativa para conter o processo de expansão do Direito Penal. Abordaremos a proposta de Hassemer, organizada por Diogo Mentor, que nos servirá como ponto de partida para interpretação das sanções administrativas, além de reflexões sobre a expansão do Direito Penal e a interpretação da delimitação entre esses dois direitos. Apresentará dogmática jurídica com base bibliográfica, e serão realizadas a partir de materiais publicado em livros, artigos, dissertações e teses. Com início abordando teorias sobre a temática do Direito Penal clássico e moderno e o Direito penal econômico, a partir de então desenvolve-se sobre a expansão penal e o direito de intervenção baseados nos estudos de Hassemer. Em suma, uma explanação sobre a expansão do Direito penal em temas administrativos, e o direito de intervenção estatal sancionador.
Palavras-chave: Administrativização; Direitos supra-individuais; Intervenção; Direito Econômico.
ABSTRACT:This research aims to study the the performance of administrative Law sanctioner. This research will provide the visualization of this Law as an alternative to stop the process of expansion of criminal Law. we will address Hassemer's proposal, organized by Diogo Mentor, which will be pointed as a starting point for the interpretation of the administrative sanctions besides reflecting on the expansion of criminal Law e a interpretation of delimitation between these two laws. The present research will present legal dogmatic with bibliographic basis, and will be carried out from materials published in books, articles, dissertations and theses. With the beginning approaching theories about the thematic of modern and classic criminal Law and the economic criminal Law, from then on develops on the criminal expansion and the intervention Law based on Hassemer’s studies. In short, an explanation about the expansion of criminal Law in administrative themes, and the sanctioner state-owned intervention Law.
Key-words: Administrativization; supraindividual Laws; Intervention; economic Law.
SUMÁRIO: Introdução. 2. 1. A visão do Direito Penal Clássico e o Direito Moderno. 3. 2. Conceituando o Objeto da Discussão: O Direito Penal Econômico. 6. 2.1. Responsabilização Criminal da Pessoa Jurídica. 3. A expansão penal pode levar ao direito de intervenção? 3.1. Direito Administrativo sancionador como direito de intervenção. 3.2. O Direito de Intervenção segundo a teoria de Winfried Hassemer. Conclusão. Referências.
INTRODUÇÃO
O fenômeno da globalização está a transformar os Estados, que se veem obrigados a regular e controlar o mercado, desencadeando a necessidade de uma maior intervenção Estatal sobre a economia. Associe-se, a esta constatação, a liberalização de mercados, decorrente da mundialização da economia e do rompimento das fronteiras dos países. Surgiu, pois, uma sociedade pós-industrial e de risco, nesse contexto, expande-se o campo de incidência da criminalidade econômica, acarretando mudanças nas premissas
sociais que requisitam a intervenção punitiva.
O reconhecimento da existência de uma sociedade de riscos, atuais e potenciais, requer do Estado uma nova concepção intervencionista, cuja expansão acaba por influenciar o Direito Penal tradicional. Impõe-se a tutela de valores diversos daqueles até então protegidos.
O principal desenvolvimento desta pesquisa gira em torno da expansão do direito penal com propostas apresentadas por Hassemer, que põem em pauta a ponte de ligação entre o Direito Penal e o poder investigatório do Direito Administrativo Sancionador.
Assim, o foco é a Intervenção e sanções administrativas como uma extensão do Direito Penal, quanto à abrangência de fenômenos no mundo penal, bens jurídicos protegidos, responsabilidade da pessoa jurídica, pois a incidência do Direito Penal econômico abrange questões relacionadas agora não só mais a um indivíduo, mas à segurança e o desenvolvimento do indivíduo na sociedade pós-industrial.
Nesse diapasão o Direito Penal Econômico, vinha subsistindo aos problemas individuais por conflitos coletivos. Exige-se então uma proteção dirigida aos bens jurídicos da coletividade, os supra-individuais, bens jurídicos universais.
Então, vejamos a Administrativização do Direito Penal.
1 - A visão do Direito Penal Clássico e o Direito Moderno
A cada dia, a humanidade descobre novas necessidades e alcança novos objetivos. Estas transformações ocorrem em todas as áreas do conhecimento humano, e entre elas, na ciência jurídica.
O Direito é dinâmico. Acompanha a evolução da sociedade, adaptando-se aos seus clamores. Dentro dos ramos do Direito, encontramos no Direito Penal o exemplo fiel e legítimo de adaptação social. De forma brilhante, o Professor Magalhães Noronha presenteou o Direito Penal brasileiro com uma frase memorável que merece ser relembrada: "A história do direito penal é a história da humanidade. Ele surge com o homem e o acompanha através dos tempos, isso porque o crime, qual sombra sinistra, nunca dele se afastou”.
Realmente, ele atravessa os séculos tal qual um camaleão, alterando suas cores (seus comportamentos), para estudar seus anseios, suas revoltas, seus atos violentos, a criminalidade. Bem como, encontrar formas de prevenir e combater a criminalidade através da aplicação justa de uma penalidade. Nada mais é estático. A única coisa imutável é a mudança. O homem é o resultado de fazeres humanos do passado, que o colocam no presente e determinam o seu futuro.
Entender o contexto atual em que o homem se insere é o primeiro passo para saber lidar com o Direito Penal na modernidade. Apreender as demandas sociais emergentes aviva cada vez mais a imprescindível interdisciplinaridade com a qual o Direito, e mais especificamente o Direito Penal, é obrigado a conviver.
É adequado a definição de cada modelo para entender qual melhor se encaixa na sociedade contemporânea. O debate nada mais é que doutrinário e principiológico.
Segundo Ana Carolina Carlos (p.21) o direito penal clássico teria surgido com o objetivo de limitar sua aplicação aos fins da pena, garantir a humanização e vincular o legislador a bens jurídicos penais. Nesse Direito, o bem jurídico é tido como referencial à liberdade no contrato social e funciona como requisito de criminalização. Os princípios de legalidade e anterioridade da lei penal também são características deste Direito, denominado clássico, que representaria principalmente um instrumento de limitação de intervenção Estatal.
Historicamente, tem-se o período Iluminista como o início das manifestações de revolta contra a arbitrariedade do poder punitivo e a luta por definições claras e objetivas sobre o conceito de crime. Até esse momento, não se falava em crime sem que comentasse os elementos: direito subjetivo, danosidade social e necessidade da pena.
Alselm Von (1989), citado por Diego Mentor (2016) a noção de crime passa a entender como uma violação a um direito subjetivo de outrem, agora não mais o simples confronto com a norma legal. Nesse momento, o conceito volta-se ao direito individual subjetivo. Somente no século XIX, é que vemos que o bem jurídico passa a ser o núcleo da tutela penal, e não mais o direito subjetivo. Mais precisamente, por meados de 1834, com a Teoria de Johann Michael Franz, que desponta o iluminismo e passa a sustentar que o direito não pode ser lesionado ou diminuído, o que só poderá ocorrer com o objeto desse direito, que é o bem jurídico.
Segundo Ana Luiza Barbosa de Sá (2014), para Franz Von, é a realidade social que determinará quais bens jurídicos possuem relevância para a sociedade e devem então, ser incluídos sob a proteção da tutela penal.
(...) Daí a conclusão do pensamento de Von Liszt, de que o bem jurídico não é uma exclusiva criação do legislador, mas sim uma criação da vida que constitui interesse fundamental do individuo e da coletividade, rompendo-se com o tratamento puramente normativo do delito e abrindo espaço para a aplicação de um sistema teleológico, que permitisse a aproximação do direito penal da realidade social. (MENTOR, 2016 apud SÁ, 2014, p.77)
Em contraste, aparece o modelo de Direito Penal moderno, o qual se caracteriza por abranger a intervenção penal, que antes (no modelo clássico) não era alcançado pelo Direito Penal. Ele aparece num modelo de Estado liberal e um pouco de Estado social intervencionista, conectando-se às atividades econômicas e usando o Direito Penal como ferramenta de organização, prevenção e tutela. Segundo Ana Carolina (2012), seriam expressões do Direito Penal moderno a criminalidade empresarial, o Direito penal da globalização, os “eurodelitos”, e o Direito penal do inimigo.
Na orientação de Hassemer, o modelo “moderno” tem como características a proteção de bens coletivos. Tencionando para uma teoria mais preventiva que retributiva, ao mesmo passo que busca vinculação de decisões do legislador à princípios de proteção de bens jurídicos.
A expansão do direito penal é plenamente abarcada pelos princípios constitucionais tradicionais, e não há incoerência em inserir os novos delitos como os econômicos e ambientais, por exemplo.
Segundo Martin Garcia (2003), citado por Ana Carolina (2012) a modernização do Direito penal está precisamente ligado à possibilidade de constituir uma disciplina capaz de abranger a criminalidade em sua totalidade, incluso a criminalidade das classes mais poderosas, conquistando a integração de toda a criminalidade material própria das camadas mais ricas da sociedade.
2- Conceituando o objeto da discussão: O Direito Penal Econômico
Neste primeiro momento, é necessário que se entenda o conceito de Direito Penal Econômico. Não que seja uma tarefa fácil de se fazer. Mas o delito econômico pode ser obtido a partir da análise do objeto da sua norma jurídica específica. Ou seja, definir delito econômico depende da definição de que bem jurídico está sendo protegido.
Souza (2012, p. 45) citado por Luciano Santos Lopes e Ticiane Moraes Franco no artigo sobre Administrativização do Direito Penal Econômico, diz que “este ramo abrangeria apenas as infrações voltadas a tutelar a intervenção estatal na ordenação do mercado”.
Para ele, a ideia de proteção era ligada à planificação da economia pelo Estado. Uma regulamentação interventora por parte do Estado na economia, inclusive por ocasião da tutela penal. Por outro lado, o Direito Penal Econômico está ligado às violações no âmbito do Direito Administrativo Econômico, ou seja, contra a atividade interventora e regulamentadora do Estado no que tange a economia. Está relacionado às infrações aos demais bens jurídicos coletivos ou o que chamamos de supra-individuais da economia. E por fim, os delitos patrimoniais clássicos, como estelionato, extorsão, falsificação, corrupção, quando estes praticados contra ao patrimônio supra-individuais.
Normas penais surgem para fazer a tutela eficaz. À medida em que a sociedade se torna mais complexa, a necessidade de intervenção punitiva, com razão, se expande. O Direito Penal tradicional tutelando valores individuais, enquanto o Direito Penal Econômico protegendo bens supra-individuais.
Assim, a teoria do Direito Penal Econômico não pode se afastar dos princípios constitucionais quanto à sustentação à tutela punitiva, LOPES e FRANCO (p.6) acentua uma especial leitura da legalidade como aceitação de normas penais em branco, de que não haja ruptura com o postulado da taxatividade; admissão de tipos penais abertos como integração analógica; um novo perfil às definições estruturais do Direito Penal tradicional-ilicitude, tipicidade, culpabilidade, concurso de pessoas, relação de causalidade; nova estruturação do sistema de penas devido à ineficácia da pena privativa de liberdade.
Busca incessante pelo lucro desmedido e por aumento de poder, é o grande mote das organizações criminosas, assim como o seu núcleo financeiro representa sua fraqueza, na medida em que todas as relações criadas por tais organizações são, unicamente, com base em interesses econômicos.
Ana Luiza Almeida Ferro (2011) citado por Diogo Mentor (2016), as organizações criminosas são:
São empresas do crime em busca do lucro incessante. Concentram-se em uma ou várias atividades ilícitas. Não conhecem fronteiras e não respeitam a soberania dos Estados. Organizam-se segundo uma hierarquia, dentro de uma estrutura preponderantemente vertical ou horizontal. Em regra, a partir de um território que lhes serve de base – que pode ser uma cidade, um estado, uma região ou um país -, expandem-se por cobiça de dinheiro e poder, mediante redes, que os tornam, já em estágios mais avançados, impérios transnacionais, em conexão com outros impérios igualmente sedentos de lucro. Não operam unicamente no mercado ilícito, compram negócios lícitos, possuem participação em bancos e em presas legítimas, dedicam-se ao “branqueamento” do dinheiro “sujo” e à sua reciclagem para fins de reutilização tanto em atividades lícitas como ilícitas, manipulam mercados financeiros. (MENTOR, 2016 apud FERRO, 2011, p. 616)
O Legislador Constituinte Originário, prevenindo crimes econômicos, estabeleceu na Carta Magna por meio do art. 173, § 5º, da CRFB/88, que a lei, sem prejuízo da responsabilidade individual dos dirigentes da pessoa jurídica, estabelecerá a responsabilidade desta, sujeitando-a às punições compatíveis com sua natureza, nos atos praticados contra a ordem econômica financeira e contra a economia popular.
2.1 Responsabilização Criminal da Pessoa Jurídica
O aludido dispositivo institui claramente uma norma programática, ou seja, aquela que se espera do legislador ordinário a criação de uma regra que responsabilize a pessoa jurídica que afronta a ordem econômica e financeira e contra a economia popular.
Este ordenamento, infelizmente, não determina a natureza de sua responsabilização, o que de certa forma gera diversos debates doutrinários acerca da responsabilização ou não criminal de um ente coletivo.
Neste diapasão, estudaremos a doutrina de Diogo Mentor (2016), no qual está baseado o desenvolvimento deste estudo.
Ao estudarmos a história da pena como forma de controle social, observamos a afirmação de Pedro Aragoneses Alonso (1984) citado por Diogo Mentor:
A ruptura da harmonia social ocasionava uma reação eminentemente coletiva e orientada contra o membro que havia transgredido a convivência pacífica. A reação social, era na sua origem, basicamente religiosa, e só de modo paulatino se transformou em civil. (MENTOR, 2016, p.26)
Nessa época, existia a vingança coletiva, que não podia ser chamada de pena, porque vingança e pena são diferentes. Vingança quer dizer liberdade, força e disposições individuais, enquanto pena é a existência de um poder organizado.
Os Tribunais Ingleses, atribuem responsabilidade criminal aos entes coletivos que cometem infrações regulatórias e administrativas. Nos Estados Unidos, a responsabilização criminal das pessoas jurídicas acontece no final do século XIX através do Sherman Act (COELHO, 2012, p. 201 apud MENTOR, 2016, p. 29), que passou a ser chamada de lei antitruste estadunidense. No Brasil, a responsabilidade criminal da pessoa jurídica surge com a Carta Magna de 1988, que segundo Diogo Mentor, visava reprimir a macrocriminalidade desenvolvida no âmbito das empresas, como no artigo citado no item anterior.
Rafael Mafei Rabelo Queiroz (2011) citado por MENTOR, diz que quando uma pessoa – ou um conjunto delas se reveste da máscara jurídica de um empresário, ou de um integrante da diretoria de uma sociedade empresarial, está fazendo as práticas de uma pessoa jurídica. Atos de uma pessoa física, mas que naquele ato está revestida de pessoa jurídica.
A conclusão de Rafael Mafei é que a responsabilização criminal da pessoa jurídica é completamente possível, visto que sob essa perspectiva por ele apresentada, a alegação de que ação não se amolda ao agir da pessoa jurídica, é enfim desfeita.
O foco central do estudo dessa temática, é a respeito a dificuldade de se estabelecer responsabilidade de criminosos dentro do âmbito empresarial, para SILVEIRA 2015 “o próprio fracionamento das múltiplas atividades dentro de uma estrutura complexa pode levar a uma irresponsabilidade individual organizada a qual se mostra de forma verdadeiramente estrutural”.
Essa irresponsabilidade é o que gera a insuficiência da preventiva responsabilidade penal individual, isso torna o instituto da responsabilidade penal da pessoa jurídica um grande desenvolvimento e aceitação pelos ordenamentos jurídicos e doutrinários.
3- A expansão penal pode levar ao direito de intervenção?
Neste tópico busca a delineação do processo de expansão pelo qual passa o Direito Penal brasileiro, levando em consideração o aumento do número de leis nas últimas décadas, leva-nos a uma reflexão, visualizar quais as áreas sensíveis da produção normativa sancionadora que busca apontar condutas que, eventualmente, poderiam ser excluídas do direito penal e integradas no Direito Administrativo sancionador, assim como modela Hassemer.
Sobre o aumento de leis, é possível apontar a crescente ampliação do Direito Penal e das políticas criminais adotadas no Brasil, que permite forte atuação deste sobre a criminalidade tradicional o que provoca aumento da população carcerária devido ao tempo de duração das penas restritivas de liberdade. Ainda faz notável, a severidade das penas previstas e com a imposição de sanções, às vezes, desproporcionais em relação à conduta e ao dano causado. Isto, por sua vez, tem provocado evoluções na legislação penal mudando consequências do processo penal e da imposição de pena. Veremos alguns exemplos.
A proposta da Lei nº 9099/95 que traz a suspensão condicional do processo nos crimes de menor potencial ofensivo, a Lei nº 10.259/2001 que amplia a conceituação de menor potencial ofensivo, Lei nº 10.826/2003 estabelecendo o estatuto do desarmamento, e ainda Lei nº 11.343/2006 que no art. 28 prevê penas restritivas de liberdade aos usuários de droga.
É evidente a transformação na legislação brasileira, porém um dos âmbitos de maior pressão da expansão penal concentrou-se na atividade econômica. Vejamos.
Lei nº 8.137/1990, lei de proteção da ordem econômica e tributária regulando as condutas ilícitas de natureza tributária como também atentados à livre concorrência de mercado. Lei nº 7.492/1984 e 9.613/1998, sobre os delitos contra o sistema financeiro nacional, elenca acréscimos de tipos penais e reforma de legislação anterior, trazendo severidade e detalhes das condutas praticadas. A mais recente alteração legislativa foi a Lei nº 12.683/2012, que combate a lavagem de dinheiro.
Com isso, vemos que o Direito Penal está em constante reforma e expansão, entendendo o legislador que as práticas de corrupção sejam dificultadas. A lei de improbidade administrativa, a exemplo, é exclusivamente sancionatória.
Esse Avanço da criminalidade moderna acaba legitimando o endurecimento das normas penais, sob a ótica de que sua contundência seria mais eficaz na prevenção de delitos do que a intervenção de outros ramos do direito.
Nesta feita, o direito penal chega a um de seus mais altos patamares, já quase ilimitado. O que antes víamos como ultima ratio, a base para a produção legislativa na seara criminal agora vê-se como fator de intimidação, com a finalidade de evitar más condutas, ao invés de investir em políticas públicas e de desenvolvimento (MENTOR, 2016, p.76)
As teorias do Direito Penal Clássico deixam de ser norte de produção legislativa criminal, e se utiliza do ramo do direito de forma desvirtuada e com finalidade meramente política, ao passo que, com o aumento de notícias de fraudes e de atos de corrupção praticados por pessoas jurídicas, muitas vezes envolvendo entes de direito públicos e políticos, faz com que a sociedade clame por normas severamente punitivas para estes tipos de condutas.
E é por meio desse anseio popular, que os legisladores acabam elaborando e aprovando normas com o objetivo de dar respostas, mesmo que simbólicas, à sociedade, com o intuito de diminuir ou estancar a sensação de impunidade. É o que Diogo Mentor chama de “Simbolismo do Direito Penal”.
3.1 Direito administrativo sancionador como direito de intervenção
Após a Segunda Guerra Mundial, os Estados Europeus se direcionaram para uma politica de bem-estar social, então o direito administrativo sancionador começou a ganhar mais espaço, e os Estados tiveram que atuar de forma mais intensa na economia. Para Alejandro Nieto (2012) citado por Mentor (2016, p. 101) “a adoção do direito administrativo sancionador em maior ou menor escala, a partir desse período da Segunda Guerra, se dava de acordo com a política interna de cada Estado”.
Diversos Estados, como a Alemanha por exemplo, transferiu a proteção de alguns bens jurídicos do direito penal para o direito administrativo, como uma descriminalização de algumas condutas consideradas menos potencial ofensivas, principalmente no âmbito econômico.
Ana Carolina Carlos (2012) afirma que a partir dessa iniciativa alemã, “torna-se imprescindível ao estudioso do direito penal a análise dos pontos de contato entre a sanção administrativa e penal”. Ora o Direito Administrativo passa a exercer na complementação da lei penal, num conjunto de regras sancionatórias que nem sempre está limitada à função complementar da norma penal, agindo então, conforme Ana Carolina Carlos, como um sistema punitivo autônomo, que abre discussões sobre as possibilidades de duplo sancionamento.
O direito administrativo sancionador seria um conjunto de regras e sanções com o fim de tutelar bens jurídicos que não se amoldariam à tutela penal, já que representariam certa incompatibilidade técnica com a teoria clássica do delito.
Esse direito tem como objetivo melhorar as investigações e processos, por meio de fiscalização e controle preventivo, e impossibilidade de aplicabilidade de penas privativas de liberdade. A intenção da não aplicação de PPL é que sejam aplicadas penas mais severas restritivas de direito – multas pesadas, limitação de atividades empresariais, e, até, dissolução de sociedade empresaria.
Conforme Helena Lobo da Costa (2010) citado por Ana Carolina Carlos (2013, p. 92) “é preciso também refletir sobre a estrutura do ilícito administrativo”, para se perceber se o Direito Administrativo pode receber condutas inerentes do direito penal.
3.2 O Direito de Intervenção segundo a teoria de Winfried Hassemer.
Segundo Hassemer o desenvolvimento social, o estabelecimento das economias de mercado e o fortalecimento das relações econômicas, provocam o surgimento de um novo ramo do direito, sendo este capaz de proteger essas relações sociais. Para o autor não seria suficiente “um direito penal mais brando, ou normas meramente de direito administrativo para a tutela efetiva dessa nova demanda social, mas um novo ramo do direito que apresentasse uma resposta qualitativa à criminalidade” (MENTOR, 2016, p.83).
Para o autor Hassemer, a pressão social por um sistema eficaz nessas novas modalidades de criminalidade não é mais admitida as críticas feitas pelos teóricos do direito penal clássico, pois esta teoria do direito de intervenção, apresenta soluções para o conflito, entre o anseio social e a rigidez do sistema penal.
Hassemer, traz como foco em sua teoria do direito de intervenção, manter o direito penal apenas aos bens jurídicos, que ele denomina como de núcleo duro, são aqueles como a integridade física, a vida, a liberdade, o patrimônio e aqueles necessários à manutenção do Estado. O direito Penal deveria manter-se na proteção dos princípios constitucionais, dando garantias ao acusado e todas as teorias já estudas e desenvolvidas ao longo dos tempos.
Para ele, seria necessário a criação de um novo ramo do direito com a finalidade específica de cuidar das novas condutas, caracterizadas no desenvolvimento econômico. Sua principal intenção em desenvolver essa teoria é buscar soluções para o direito penal, principalmente em condutas praticadas pelas sociedades empresárias, fazendo com que este novo ramo do direito preserve o direito penal como subsidiário e de ultima ratio.
O autor, previu regras processuais para garantir a eficiência desse novo ramo do direito. Diogo Mentor apresenta-as como regras mais brandas e flexibilização das garantias do acusado, certo que a este seriam aplicados penas restritivas de direito, como normas de controle interno e externo, multas e obrigações de ressarcimento de danos. (HASSEMER, 2003, apud MENTOR, 2016, p.85)
Diogo Mentor traz alguns exemplos citados por Hassemer, como medidas que seriam possivelmente adotadas por meio do direito de intervenção, como o desenvolvimento de um novo perfil de polícia, melhorando a profissionalização e a integração desta atividade, utilizando-se de agentes infiltrados até policias municipais. Quanto aos delitos contra a administração pública, ou seja, contra atos de corrupção, ele sugere:
Métodos mais efetivos e transparentes de controle do financiamento de campanhas políticas, a restrição de cargos de confiança, a adotação de um sistema semelhante ao plea bargaininig, utilizado nos Estados Unidos da América (HASSEMER, 1995, apud MENTOR, 2016, p.87).
Mas Hassemer resguarda que é impossível que se abra mão dos princípios do direito penal, pois assim estaria este ramo do direito ameaçado, que segue em contradição com a sociedade com a qual estamos caminhando e o seguimento de um processo penal injusto, que faria do acusado um objeto do direito penal e não um sujeito passível de direitos.
Todas essas características do direito de intervenção, resguardaria o direito penal na aplicação de proteção ao núcleo duro dos bens jurídicos, enquanto aquele novo ramo do direito tutela os interesses sociais, como a ordem pública.
Fica claro que o Direito penal tem se afastado de seus princípios constitucionais, como ultima ratio. Tem abrangência punitiva antes da efetiva necessidade de proteção de bens jurídicos, de modo preventivo a evitar ofensa futura, o que, portanto, deveria ser função da Administração pública, ou seja do Direito Administrativo.
De certo, que há confusão entre o que deve ser tutelado pelo direito penal e o que deveria ser de tutela administrativa.
Portanto, é necessário, a definição de modo distintivo da função do Estado, estabelecer os limites constitucionais das funções penais no âmbito econômico, para que não se perverta as finalidades do direito próprio ao penal.
O desenvolvimento da sociedade, junto ao surgimento da economia do mercado e o aprofundamento dos estudos relacionados à teoria do crime, fizeram com o que a ciência penal se dividisse, incluindo novas modalidades de criminalidade econômica sob o manto de proteção do direito penal, e assim, se desfaz a teoria do crime, os princípios e as bases históricas do direito penal; e também, ao mesmo tempo, mantem a rigidez de sistema penal, com prerrogativas, direitos e garantias desenvolvidos com o passar dos anos, e levando a tutela da economia para outro ramo do direito.
Entendemos que o direito penal deve se manter focado na tutela do núcleo duro, ou seja, aquelas lesões ao bem jurídico mais caro à sociedade e ao próprio Estado. Sendo válido que o mencionado chega à conclusão de que nesse sentido se faz necessário a concepção de um novo ramo do direito, capaz de atuar preventivamente em novos delitos, bem como agir, de forma rápida e eficiente, na repressão de ilícitos praticados.
REFERÊNCIAS
OLIVEIRA, Ana Carolina Carlos de. Direito de intervenção e direito administrativo sancionador: o pensamento de Hassemer e o direito penal brasileiro. Tese de Doutorado. Universidade de São Paulo. Disponivel em:<http://www.teses.usp.br/teses/disponiveis/2/2136/tde-13082013-112549/en.php>. Acesso em: 14. Mar. 2018
BRASIL. Constituição Federal. Brasília: Senado Federal, 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/Constituicao/Constituiçao.htm >. Acesso em: 02. Nov. 2017.
LOPES, Luciano Santos; FRANCO, Ticiane Moraes. Administrativização do direito penal econômico. Direito penal e criminologia. Organização: CONPEDI/UNINOVE; Coordenadores: SANTIAGO, Nestor Eduardo Araruna, p. 83. Disponivel em:<http://www.publicadireito.com.br/artigos/?cod=de4994a3a1ec0331>. Acesso em: 14. Mar. 2018.
Manual para apresentação de trabalhos acadêmicos da Universidade Católica de Brasília / coordenação Maria Carmen Romcy de Carvalho... [et al.], Universidade Católica de Brasília, Sistema de Bibliotecas. –9ed.- Brasília : [s.n.], 2016.
220 p. : il.
MENTOR, Diogo. Teoria do direito de intervenção: a alternativa de Winfriend Hassemer à inflação dos crimes econômicos / Diogo Mentor. – Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2016. 161 p.
SILVEIRA, Renato de Mello Jorge. Compliance, direito penal e lei anticorrupção /Renato de Mello Jorge Silveira, Eduardo Saad-Diniz. – São Paulo : Saraiva, 2015.
[1] Mestre em Direito Econômico e Desenvolvimento pela Universidade Cândido Mendes. Faculdade Católica do Tocantins – FACTO. ACSU - SE 140 Avenida Teotônio Segurado LT 01 - Bairro Centro (QD 1402 Sul [email protected]
Bacharelanda do Curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins - FACTO.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: LIMA, Letícia da Silva. Direito de Intervenção: Administrativização do Direito Econômico Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 maio 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51778/direito-de-intervencao-administrativizacao-do-direito-economico. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Luis Carlos Donizeti Esprita Junior
Por: LEONARDO RODRIGUES ARRUDA COELHO
Por: Roberto Carlyle Gonçalves Lopes
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