RESUMO: O presente artigo tem por pretensão a abordagem acerca das hipóteses de caracterização da revelia no âmbito do processo judicial eletrônico trabalhista, em razão da evolução trazida pela digitalização do processo judicial e pelas alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017, denominada Reforma Trabalhista. Através do método de pesquisa bibliográfica, doutrinária e jurisprudencial, o presente estudo percorrerá o conceito da revelia nas normas processuais trabalhistas e cíveis, os princípios adotados e suas consequências, sugerindo uma nova abordagem frente à nova realidade processualística juslaboral.
PALAVRAS-CHAVE: Revelia. Processo Judicial Eletrônico. Reforma Trabalhista.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. O processo judicial e o advento do processo judicial eletrônico; 3. A revelia e a nova sistemática processual; 4. Conclusão. Referências.
1.INTRODUÇÃO
O presente trabalho visa demonstrar a nova visão a ser adotada frente ao instituto da revelia, a partir da implementação do processo eletrônico na Justiça do Trabalho, bem assim diante das alterações promovidas pela Lei n. 13.467/2017, em vigor desde 11.11.2017.
Com o advento do Processo Judicial Eletrônico, instituído pela Resolução nº 94/2012, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho, foi alterado o momento em que a parte ré pode apresentar defesa no processo judicial trabalhista. Daquele momento em diante, a apresentação de defesa poderá ocorrer não apenas quando da realização da audiência, mas também durante todo o lapso temporal desde a citação até a ocorrência da assentada.
Diante dessa nova possibilidade, os princípios norteadores do processo trabalhista, sobretudo os atinentes à sessão de audiência, devem receber interpretação diferenciada frente à nova sistemática de apresentação de defesa.
Cediço é que a não apresentação de defesa no prazo legal, regra geral, acarreta a aplicação do principal efeito material da revelia: a presunção relativa de veracidade dos fatos alegados pela parte autora na petição inicial. Contudo, na seara processual trabalhista, para se elidir tais efeitos, não basta apenas a apresentação da defesa, pois se exige um segundo requisito: a presença física da reclamada à audiência. Assim, na Justiça Especializada do Trabalho, a parte ré, a fim de afastar as alegações formuladas pela parte autora na peça exordial, deverá apresentar sua defesa e provas documentais desde a citação até a ocorrência da audiência, e ainda assim, deverá comparecer fisicamente no dia da audiência.
Tem-se entendido e praticado largamente na Justiça do Trabalho que o não comparecimento injustificado da parte ré acarretará a revelia, mesmo que esta já tenha juntado aos autos sua defesa e documentação pertinentes. O mais grave é que essa presunção relativa tem prevalecido, mesmo diante de farta prova documental porventura acostada aos autos. Muitas vezes, a fim de manter a presunção relativa, inúmeros julgadores determinam inclusive a exclusão da defesa e documentos, em total descompasso com o princípio da verdade real, norteador do processo juslaboral.
Assim, o instituto da revelia, aliado à função social do processo, deverá ser analisado sob a nova vertente de apresentação da defesa no processo eletrônico trabalhista e seus efeitos.
Perfilhando a diretriz da possibilidade de juntada de defesa e documentos antes da audiência, a Lei n. 13.467/2017 – denominada Reforma Trabalhista, introduziu o § 5, no art. 844, da CLT, determinando que a defesa e documentos sejam aceitos pelo juízo do trabalho, mesmo na hipótese de comparecimento apenas do patrono da parte ré, desacompanhado de preposto.
De par com isso, o presente estudo possui a finalidade de analisar os efeitos que o advento do processo judicial eletrônico acarretou no âmbito laboral, bem assim as repercussões promovidas pela Reforma trabalhista quanto ao momento e efeitos da apresentação de defesa.
Para tanto, perpassará pela conceituação de revelia e seus efeitos, as peculiaridades do sistema processual eletrônico e da Lei n. 13.467/2017, bem assim suas repercussões na processualística do trabalho, sugerindo uma nova postura do magistrado trabalhista em razão dessas recentes alterações.
2.O PROCESSO JUDICIAL E O ADVENTO DO PROCESSO JUDICIAL ELETRÔNICO
Consultando o dicionário Michaellis encontra-se a definição gramatical de processo: palavra com origem no latim processu, que significa ato de proceder, sequência contínua de fatos ou fenômenos, conjunto de peças que servem à instrução do juízo, entre outros[1].
O processo é fundamental à jurisdição que tem por finalidade precípua eliminar conflitos de interesses e fazer justiça no caso concreto. Desse modo, ele é o instrumento por meio do qual a jurisdição atua.
No âmbito do Direito, uma ação judicial é materializada por meio do processo, que contempla a sequência de atos predefinidos de acordo com a lei, objetivando alcançar um resultado juridicamente relevante. Além disso, um processo pode ser o conjunto de todos os documentos apresentados no decorrer de um litígio.
Assim, para que o Estado apresente a solução – tutela jurisdicional – no seu exercício de poder/dever de dizer o direito – jurisdição – para cada parte, é necessário, em regra, que haja uma provocação pelo interessado. A partir desta provocação, com o exercício do direito de ação, nasce o processo judicial, que é formado por uma série de atos pré-ordenados, praticados pelas partes, pelo juiz, pelos auxiliares da justiça, servidores, Ministério Público, Defensoria Pública, advogados e terceiros, com o objetivo de fazer valer as regras do Direito material e, consequentemente, solucionar o conflito, trazendo de volta a pacificação social que ocorrerá com uma tutela jurisdicional justa e equânime.
Como dito, caracterizada a insatisfação de alguma pessoa em razão de uma pretensão não reconhecida voluntariamente, ou não satisfeita nos moldes vindicados, o Estado poderá ser chamado a desempenhar a sua função jurisdicional. E o fará em cooperação com as partes envolvidas no conflito, segundo um método de trabalho pré-estabelecido.
A lide – largamente entendida como pretensão resistida – será regulada pelo Direito Processual, o qual é o complexo de normas e princípios que regem tal método de trabalho, ou seja, o exercício conjugado da jurisdição pelo juiz, da ação pelo demandante e da defesa pelo demandado.
No campo do Direito do Trabalho, as regras materiais e processuais que regulamentam a jurisdição estão descritos, numa base maior, na Consolidação das Leis do Trabalho, e noutras normas pertinentes não menos importantes no ordenamento jurídico, a partir da cláusula de abertura subsidiária permitida por aquela norma (Art. 769, da CLT).
Diante da revolução tecnológica vivida nas últimas décadas, impossível o Direito permanecer inerte. O advento da Lei n. 11.419/2006 foi o grande passo para a informatização do processo judicial. A partir dela, o Conselho Nacional de Justiça (CNJ) em parceria com os tribunais e a participação da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) desenvolveu um sistema para a automação do Poder Judiciário, chamado de Processo Judicial Eletrônico (PJe).
O objetivo principal buscado pelo CNJ foi elaborar e manter um sistema de processo judicial eletrônico capaz de permitir a prática de atos processuais pelos magistrados, servidores e demais participantes da relação processual diretamente via sistema informatizado, assim como o acompanhamento do processo judicial, independentemente de tramitação em quaisquer dos ramos do Poder Judiciário (Justiça Federal, Justiça Estadual, Justiça Militar, Eleitoral e do Trabalho).
Além desse grande objetivo, o CNJ pretendeu convergir os esforços dos tribunais brasileiros para a adoção de uma solução única e atenta para requisitos importantes de segurança e de interoperabilidade, racionalizando gastos com elaboração e aquisição de softwares e permitindo o emprego desses valores financeiros e de pessoal em atividades mais dirigidas à finalidade do Judiciário, qual seja, a resolução dos conflitos.
No âmbito da Justiça do Trabalho, a Resolução nº 94/2012, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), instituiu o sistema processual eletrônico da Justiça Especializada Trabalhista, com base na Lei n. 11.419/2006, que deu o pontapé inicial para informatização do processo judicial. Posteriormente, a Resolução nº 185/2017 do CSJT, ratificando a instituição do Sistema Processo Judicial Eletrônico (PJe) instalado na Justiça do Trabalho como sistema informatizado único para a tramitação de processos judiciais, mostra-se como a mais recente no trato da matéria.
Da mesma forma que o processo físico, o processo eletrônico é regido pelas mesmas normas, todavia, acrescidas por outras pertinentes ao novo modo de tramitação e utilização da ferramenta eletrônica.
Nos termos da citada Lei, inicialmente foi estabelecida a forma de acesso ao processo (art. 9º, § 1º), comunicação dos atos (art. 9º), prazo para cumprimento do ato (art. 3º, parágrafo único, e art. 10, § 1º), validade dos documentos e incidentes processuais (art. 11) e, sobretudo, o que mais interessa ao presente estudo, a forma de apresentação da contestação (art. 10, caput).
Vale salientar que estas alterações foram realizadas para adequar os atos judiciais ao novo modelo de processo, ou seja, um processo que está disponível 100% do tempo às partes, salvo no lapso temporal de manutenção e indisponibilidade do sistema, e para a contemplação de uma comunicação mais eficiente, eficaz e dinâmica.
Nessa linha, podem-se levantar outras mudanças comportamentais decorrentes da nova roupagem do processo, inclusive no que já se aventou acima, acerca dos benefícios aos órgãos, servidores, jurisdicionados e ao meio ambiente.
Os benefícios são inúmeros, iniciando-se pela parte institucional. Com a implementação do processo eletrônico, a redução de custos dos órgãos ocorre de forma gradativa e crescente, em razão da redução de uso de materiais de escritório relacionados ao processo físico, bem assim com a diminuição de despesas com o translado de processos entre unidades jurisdicionais, gerando otimização de espaços e ganho de produtividade, dentre outras melhorias.
Tal economia já adentra na área da sustentabilidade, a exemplo da quantidade de papel economizado pelos órgãos e sujeitos processuais, contribuindo para a redução do consumo. Somado a isto, tem-se a redução maciça de deslocamento de advogados, partes e estagiários aos Fóruns, com o simples objetivo de consulta aos autos, o que contribui mais uma vez para a eficiência e dinamicidade, já que o tempo antes desperdiçado pode ser empregado em atividades mais produtivas. Vê-se também a homenagem à celeridade processual, pois com um simples comando, o processo transita entre as instâncias com rapidez e segurança, prestigiando, assim, o princípio da razoável duração do processo.
3.A REVELIA E A NOVA SISTEMÁTICA PROCESSUAL
Na esteira da evolução, chega-se à problemática em questão: a nova visão da revelia diante do processo eletrônico.
Como dito acima, o processo é o instrumento de pacificação social por meio do qual será proferida uma decisão justa e equânime. Hodiernamente, devem-se fixar os olhos na resolução justa e efetiva da demanda, e não apenas na atribuição de uma solução terminativa à lide. Devem-se buscar, sobretudo, os fins sociais do processo, num matiz socializante e em compasso com a garantia dos direitos fundamentais das partes. Dentre estes, e com maior primazia no processo do trabalho, o princípio da verdade real. Além deste princípio, outros estão diretamente ligados ao instituto da revelia: conciliação, concentração dos atos processuais, oralidade, celeridade, igualdade, contraditório e ampla defesa.
Cediço é que toda mudança gera reflexões e ver-se-á que a revelia não pode simplesmente ser vislumbrada, no processo eletrônico, na forma do art. 844, caput, da CLT, mas nos termos do art. 344, do CPC, em interpretação mais consentânea com o momento atual.
Dispõe a legislação trabalhista sobre a revelia no art. 844, da CLT: “O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.”
Dessa forma, se a parte não comparecer à audiência na qual deveria apresentar defesa, será considerada revel, com a aplicação da pena de confissão quanto à matéria fática, nos exatos termos do art. 844 consolidado.
A diferença básica constante entre o art. 844, da CLT e art. 344, do CPC é o fato gerador da revelia: para a CLT, o não comparecimento da parte gerará a revelia, enquanto que para o CPC é a não apresentação de defesa que a deflagrará[2].
Assim, percebe-se que, na Justiça do Trabalho, não basta a apresentação da defesa, pois é necessário também o comparecimento da parte. O processo, no modo físico, encaixava-se perfeitamente a este regramento, pois a reclamada era obrigada a comparecer à audiência inaugural munida da defesa e documentos para se considerar a tempestividade da apresentação da peça de bloqueio. E, caso fosse protocolada antes, utilizando da regra do Código de Processo Civil, a peça não teria validade, pois fora apresentada em momento não oportuno, ou seja, em descompasso com o regramento legal trabalhista, já que, para a Justiça Especializada, o momento correto para a apresentação da defesa é após a realização da primeira proposta de conciliação em audiência.
Vale lembrar que, na Justiça do Trabalho, via de regra o julgador apenas toma conhecimento da lide na audiência, pois não realiza juízo de admissibilidade da petição inicial. A citação para comparecimento à audiência e apresentação da defesa – denominada pela CLT de notificação – é providência automática a ser adotada pelo serventuário tão logo seja distribuída a petição inicial, em ato contínuo, sem necessidade de ordem judicial expressa para tanto. É o que se depreende da redação do art. 841 da CLT[3].
Com o advento do Processo Judicial Eletrônico, a petição inicial é minuciosamente analisada para se constatar a correta distribuição, sobretudo, a inclusão de todas as partes no sistema, a existência de pedido de tutela provisória, se a parte está devidamente representada por advogado habilitado, a liquidação dos pedidos, se o valor da causa se coaduna com o rito processual escolhido, entre outras constatações.
Preenchidas as exigências legais quanto à elaboração da peça de ingresso, a notificação inicial será expedida. Caso contrário, a parte autora será intimada para emendá-la/aditá-la, sob pena de indeferimento (art. 321, do CPC). Vê-se, portanto, que o processo trabalhista está cada dia mais alicerçado nos procedimentos cíveis para uma célere prestação jurisdicional e, agora, também no momento de apresentação de defesa.
Com a implementação do processo eletrônico, foi conferida à parte ré a faculdade de anexar sua defesa aos autos do processo a qualquer momento, desde que antes da realização da proposta conciliatória em assentada, nos termos do art. 22, da Resolução nº 185/2017, do CSJT. Manteve-se, contudo, a mesma possibilidade de utilização do regramento do processo físico – apresentação da defesa oral. Em suma, hoje a parte reclamada dispõe de duas possibilidades de apresentação de defesa: oralmente em audiência ou anexando-a ao processo até o momento da proposta de conciliação infrutífera.
Nesse sentido, a partir da aproximação com as regras processuais civilistas, o presente estudo sugere que a revelia deve ser considerada com base no que preceitua o Código de Processo Civil, e não a partir do comando inserido na Consolidação das Leis Trabalhistas. Nos termos do CPC, a revelia decorre da não apresentação de defesa, enquanto que para a CLT a revelia decorre do não comparecimento da parte.
Ora, se a reclamada optar por utilizar a faculdade de apresentação da defesa antes da audiência, mesmo que ela não compareça, não restou caracterizada a não apresentação da defesa. A peça e documentos que a acompanham constam dos autos e podem ser aferidos pelo juízo e pela parte autora, apenas restará inviabilizada a proposta de conciliação e a colheita do depoimento pessoal da parte, que nada tem a ver com a revelia. O efeito prático de se impossibilitar a colheita do depoimento pessoal é a aplicação da pena de confissão quanto à matéria de fato, nem sempre incidente. Senão, vejamos.
A necessidade de prova oral não é absoluta. Há matérias no âmbito juslaboral que não dependem de prova oral, e nem por ela poderiam ser provadas. A CLT elencou algumas matérias como sendo passíveis de comprovação apenas por prova documental, como é o caso de pagamento de salários, nos termos do artigo 464, da CLT[4].
Dessa forma, se a demanda tiver por objeto o pagamento de salários, a prova documental é inadmissível, motivo pelo qual não há qualquer necessidade de comparecimento da parte reclamada à audiência. Tal desnecessidade de comparecimento se faz mais visível quando, por exemplo, a reclamada exercer atividades fora do lugar da contratação, a nível nacional, e a ação fora ajuizada em região distante do país, que demanda elevados custos de deslocamento para comparecimento a audiências. À guisa de exemplo: uma empresa sediada no Rio Grande do Sul, caso fosse acionada no Estado do Amapá apenas para o pagamento de salários, não precisaria arcar com os custos de comparecimento de advogados e prepostos do extremo sul ao extremo norte do país tão somente para comparecer a uma audiência se sua presença é dispensável, já que nada poderá provar oralmente. Assim, a presença dos representantes da reclamada, nesses casos, seria apenas uma denotação de ausência de ânimo em conciliar.
No caso narrado, o juízo não deveria aplicar a revelia caso a defesa e os documentos sejam anexados aos autos no momento processual adequado, legal e tempestivo, consoante o Código de Processo Civil e a faculdade trazida pelo novo regramento do processo judicial eletrônico. Todavia, poderá ser aplicada a confissão (ficta) quanto à matéria de fato. Dessa forma, afere-se em separado a caracterização das penalidades: Revelia, pela não apresentação de defesa e confissão, pela impossibilidade de colheita de prova oral.
Nessa linha, este estudo defende a aplicabilidade do art. 344, do CPC ao novo processo trabalhista, ao invés da aplicação pura do art. 844, da CLT.
O art. 344 do CPC traz a definição de revelia: “Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.” Essa definição é exaustiva, não cabendo interpretação extensiva. Portanto, deverá ser decretada a revelia apenas quando não for apresentada defesa no prazo legal. Nesse sentido, a revelia está relacionada à falta de defesa, e não à ausência à audiência: Revelia é o estado imposto ao réu que, habilmente citado, deixa de apresentar defesa. Desta feita, a revelia não está obrigatoriamente ligada ao não-comparecimento do réu à audiência. Poderá comparecer e negar-se a formular defesa, inclusive. A revelia se concretiza pelo ato objetivo de ausência de defesa.
Contudo, o entendimento disposto no art. 844, da CLT é diverso, pois, para a regra celetista “O não-comparecimento do reclamante à audiência importa o arquivamento da reclamação, e o não-comparecimento do reclamado importa revelia, além de confissão quanto à matéria de fato.” Vê-se que, para o texto celetista, a revelia decorre do não comparecimento da reclamada à audiência. Ora, como aplicar o art. 844, da CLT ao caso narrado acima, em que houve a apresentação de defesa e a prova oral é inadmitida? Para quê se exigir o comparecimento da reclamada, se sua presença é totalmente dispensável para o escorreito tramitar processual e aferição da verdade dos fatos?
Tal constatação se torna mais grave porque, na prática, alguns magistrados trabalhistas simplesmente determinam o desentranhamento da peça de defesa e documentos apresentados pela reclamada que não compareceu à audiência, a fim de impor-lhe a confissão ficta quanto à matéria de fato, em total descompasso com o entendimento geral das presunções processuais. Ocorre que a presunção de veracidade das afirmações do autor decorrente da revelia é meramente relativa, e não pode prevalecer sobre uma prova legítima do fato ventilado.
Nesse mote, assim foi construída a Súmula n. 74, do C. TST, acerca do não comparecimento da parte em audiência:
SUM-74. CONFISSÃO (atualizada em decorrência do CPC de 2015) - Res. 208/2016, DEJT divulgado em 22, 25 e 26.04.2016
I - Aplica-se a confissão à parte que, expressamente intimada com aquela cominação, não comparecer à audiência em prosseguimento, na qual deveria depor. (ex-Súmula nº 74 - RA 69/1978, DJ 26.09.1978)
II - A prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (arts. 442 e 443, do CPC de 2015 - art. 400, I, do CPC de 1973), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores. (ex-OJ nº 184 da SBDI-I - inserida em 08.11.2000)
III- A vedação à produção de prova posterior pela parte confessa somente a ela se aplica, não afetando o exercício, pelo magistrado, do poder/dever de conduzir o processo. (original sem grifos).
Portanto, verifica-se que a defesa e especialmente os documentos acostados pela parte aos autos antes da audiência não só podem como devem ser apreciados pelo magistrado do trabalho, em razão de serem considerados prova pré-constituída pela parte ré.
Esse é o entendimento firmado pelo C. TST no recente aresto colacionado abaixo:
(...) RECURSO DE REVISTA. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. REVELIA. EFEITOS. EXCLUSÃO DA PROVA PRÉ-CONSTITUÍDA PELA PARTE REVEL. RESOLUÇÃO N.º 136/2014 DO CSJT. CERCEAMENTO DO DIREITO DE DEFESA. ARTIGO 5.º, INCISO LV, DA CF/1988. VIOLAÇÃO. Trata-se o presente feito de procedimento encartado sob a égide da Resolução n.º 136/2014, do Conselho Superior da Justiça do Trabalho (CSJT), que instituiu o Sistema Processo Judicial Eletrônico da Justiça do Trabalho (PJe-JT) como sistema de processamento de informações e prática de atos processuais e estabeleceu os parâmetros para sua implementação e funcionamento. Pois bem. Cinge-se a controvérsia acerca da possibilidade de a aplicação da pena de revelia fulminar a validade da prova pré-constituída apresentada na forma da referida Resolução n.º 136 pela parte confessa. O Juízo de primeiro grau, ao aplicar a pena de confissão, estabeleceu como alcance da revelia a exclusão dos documentos trazidos pela Reclamada. O Regional manteve a sentença, mesmo consignando a existência de juntada eletrônica da contestação, com os respectivos documentos, em momento anterior à realização da audiência. Ficou ainda consignado no acórdão que referido ato processual produziria efeitos tão somente se a Reclamada tivesse comparecido à assentada, o que não ocorreu. No entanto, na diretriz do art. 29 da precitada Resolução n.º 136 "Os advogados credenciados deverão encaminhar eletronicamente contestação, reconvenção ou exceção, e respectivos documentos, antes da realização da audiência designada para recebimento da defesa" (Grifou-se). Vale ressaltar que a lei não tem palavras inúteis; a interpretação de texto legal dá-se, sempre, em harmonia com a sua estrutura total. Assim, se a norma preconiza o dever (e não opção) de a parte encaminhar eletronicamente a contestação, com os respectivos documentos, antes da realização da audiência designada para recebimento da defesa, constata-se que referidos atos processuais, praticados na forma do indigitado dispositivo legal, ganham outros contornos, além daqueles estabelecidos pelos arts. 844, 845 e 847 da CLT, passando, assim, a ter o status de prova pré-constituída, devendo o Julgador aplicar o contexto jurídico pertinente a este instituto jurídico. Nessa conjuntura, sendo a hipótese sub examine a de que a peça defensória e a documentação que a acompanha já constavam dos autos no momento da assentada, mostrando-se, por conseguinte, como prova pré-constituída, a pena de revelia aplicada não tem o alcance decretado pelas Instâncias ordinárias. Isso porque, na diretriz do item II da Súmula n.º 74 desta Corte, "a prova pré-constituída nos autos pode ser levada em conta para confronto com a confissão ficta (arts. 442 e 443, do CPC de 2015 - art. 400, do CPC de 1973), não implicando cerceamento de defesa o indeferimento de provas posteriores" (Grifou-se). Note-se que a parte final da indigitada súmula não considera cerceamento do direito de defesa o indeferimento de provas posteriores, ficando, assim, inteligível, que o indeferimento e/ou decretação de invalidade da prova pré-constituída que poderia ser apresentada para confronto com a confissão ficta, implica cerceamento do direito de defesa. Desse modo, a documentação trazida pela defesa, por se tratar de prova pré-constituída, mostrava-se válida como meio de formação do convencimento do Julgador, ainda que na forma de presunção apenas relativa, acerca da jornada de trabalho do Reclamante e das horas extras postuladas; afinal, não se está aqui invalidando a revelia decretada, mas, tão somente, estabelecendo o alcance dos seus efeitos em relação à prova produzida à luz da nova ordem legal inserta pela Resolução n.º 136/2014. Portanto, a decisão proferida pelo Regional, ao não considerar as provas apresentadas eletronicamente com a defesa, na forma do art. 29 da Resolução n.º 136/2014, estendeu efeitos à revelia que extrapolam os termos do item II da Súmula n.º 74 desta Corte, evidenciando, por conseguinte, afronta o disposto no art. 5.º, inciso LV, da Constituição Federal. Recurso de Revista conhecido e provido. (RR - 10474-44.2014.5.01.0080 , Relatora Ministra: Maria de Assis Calsing, Data de Julgamento: 04/04/2018, 4ª Turma, Data de Publicação: DEJT 06/04/2018).
Esclareça-se que a não apresentação de defesa e a ausência da parte são fatos diversos e que, por isso, não podem gerar os mesmos efeitos, mormente nos casos em que a presença da parte é totalmente dispensável. Portanto, como visto, a ausência de defesa é que deverá gerar a revelia e a aplicação de suas consequências. A ausência da parte, por seu turno, vai impossibilitar apenas o depoimento, não podendo, consequentemente, a outra parte obter uma confissão expressa. Sendo assim, para não haver prejuízo de quem não concorreu para esse fato, aplica-se a confissão ficta, nos moldes da Súmula 74, I, do C. TST, mas tão somente sobre a matéria fática, pois a de direito pode passar pelo crivo do contraditório quando da apresentação da defesa. Por esse só motivo, reforça-se o recente entendimento do C. TST esposado no aresto colacionado acima, acerca da impossibilidade da exclusão da defesa e documentos colacionados pela ré.
Tenha-se presente que não se está sugerindo que a reclamada deixe de ser penalizada com a confissão ficta se seu depoimento restar inviabilizado, mas sim que a presunção relativa de veracidade não se sobreponha a provas reais, como no caso acima exemplificado. No momento em que o juízo trabalhista exclui a defesa e documentos, não há ponderação se a matéria dos autos se prova por testemunhos ou documentalmente, privilegiando uma presunção relativa de veracidade em detrimento da verdade real e da melhor técnica processual.
Posta assim a questão, defende-se que a revelia seja aplicada nos moldes do CPC: quando a parte não apresentar defesa. Adicionalmente, sugere-se que: a) a matéria de direito, assim entendida como a que se prova através de documentos, seja apreciada mesmo que a parte não compareça, já que sua presença nestes casos é irrelevante; b) que o não comparecimento da parte não dê ensejo à exclusão de defesa e documentos pré-constituídos; c) que a presunção ficta não se sobreponha à prova cabal do fato produzida nos autos, ao arrepio do sentimento geral de justiça.
Nessa esteira de raciocínio, Lei n. 13.467, de 13 de julho de 2017, em vigor a partir de 11.11.2017, inseriu o § 5º, no art. 844, da CLT, estabelecendo que segue:
§ 5o Ainda que ausente o reclamado, presente o advogado na audiência, serão aceitos a contestação e os documentos eventualmente apresentados. (Incluído pela Lei nº 13.467, de 2017).
Em virtude dessa alteração, denota-se que a Reforma Trabalhista caminhou no sentido de aproximar a caracterização da revelia aos moldes do CPC, não obstante haja mantido intacto o caput do art. 844, da CLT.
Pela nova regra processual, mesmo que esteja ausente o réu, o Juízo não poderá mais deixar de aceitar a contestação e os documentos apresentados pelo advogado da parte ré. Privilegia-se, portanto, o prestígio ao contraditório e à ampla defesa, caracterizadores do devido processo legal (art. 5º, LV, da CRFB).
Interpretando-se logicamente a nova regra trabalhista acima, pode-se extrair a conclusão de que não poderá haver a exclusão de documentos já acostados previamente, em obediência à regra do art. 22, da Resolução n. 185/2017, do CSJT. Se há a obrigação de aceitar os documentos da reclamada ausente, com mais razão há o dever de manutenção dos documentos pré-constituídos.
Assim, apresentada a defesa no prazo legal, não há espaço para que o magistrado trabalhista desentranhe a peça de defesa e documentos, ou simplesmente os ignore, sob pena de pôr termo ao litígio de forma não justa e não equânime, desatendendo aos fins sociais da lei e, sobretudo, aos princípios do contraditório, da ampla defesa, da verdade real e do devido processo legal.
4.CONCLUSÃO
Com o presente estudo, pretendeu-se exemplificar o cenário atual brasileiro no que concerne ao reconhecimento da revelia, bem assim a noção de que esta não pode mais ser analisada pelos operadores do direito unicamente à luz do art. 844, da CLT, visto que sua aplicação exclusiva anda em descompasso com a nova forma de acesso à justiça – Processo Judicial Eletrônico – e com as alterações promovidas pela Reforma Trabalhista – Lei n. 13.467/2017.
Permitida a apresentação de defesa trabalhista em dois momentos processuais – antes ou na própria audiência –, não se pode mais aplicar o instituto da revelia pelo mero não comparecimento da parte, sugerindo-se a nova interpretação do instituto a partir dos moldes do art. 344, do CPC.
Ademais, proferindo decisão em desacordo com o exposto, o julgador estará pondo fim ao litígio de forma não justa e não equânime, desatendendo especificamente aos princípios do contraditório e da ampla defesa, inerentes ao devido processo legal e informadores do Estado Democrático de Direito.
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MORAES, Alexandre de. Constituição do Brasil Interpretada e Legislação Constitucional. 9ª. ed. São Paulo, SP: Atlas, 2013.
PROCESSO. In: Dicionário Michaelis. Disponível em: www.uol.com.br/michaelis. Acesso em: 29.05.2018.
SCHIAVI, Mauro. Manual de Direito Processual do Trabalho. 12ª ed. São Paulo: LTr, 2017.
[1] PROCESSO. In: Dicionário Michaelis. Disponível em: www.uol.com.br/michaelis. Acesso em: 29.05.2018.
[2] CPC. CAPÍTULO VIII – DA REVELIA – Art. 344. Se o réu não contestar a ação, será considerado revel e presumir-se-ão verdadeiras as alegações de fato formuladas pelo autor.
[3] CLT. Art. 841 - Recebida e protocolada a reclamação, o escrivão ou secretário, dentro de 48 (quarenta e oito) horas, remeterá a segunda via da petição, ou do termo, ao reclamado, notificando-o ao mesmo tempo, para comparecer à audiência do julgamento, que será a primeira desimpedida, depois de 5 (cinco) dias.
[4] CLT. Art. 464 - O pagamento do salário deverá ser efetuado contra recibo, assinado pelo empregado; em se tratando de analfabeto, mediante sua impressão digital, ou, não sendo esta possível, a seu rogo.
Bacharel em Direito e Especialista em Direito e Processo do Trabalho Público e Privado pela Faculdade Estácio do Recife.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FREITAS, Gustavo Elias de Morais. A revelia no processo do trabalho e as alterações promovidas em face do Processo Judicial Eletrônico e da Lei n. 13.467/2017 Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 07 jun 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51839/a-revelia-no-processo-do-trabalho-e-as-alteracoes-promovidas-em-face-do-processo-judicial-eletronico-e-da-lei-n-13-467-2017. Acesso em: 23 dez 2024.
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