KARINE ALVES GONÇALVES MOTA
(Orientadora)[1]
RESUMO: O estudo a seguir tem o objetivo de analisar a questão da terra destinada aos quilombolas à luz da legislação vigente. Sabe-se que as terras para os quilombolas é um direito garantido na Constituição Federal conforme está estabelecido no art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988. Partindo desse mecanismo jurídico que garante o direito à terra para os quilombolas, pretende-se responder a seguinte problemática: é garantido o acesso as terras aos quilombolas, como prevê a legislação vigente?. Busca-se ainda no percurso do estudo apontar algumas informações acerca das terras destinadas aos quilombolas do Tocantins. No ano de 2017 o Tocantins possuía 44 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Além dessas, o órgão está com mais dois procedimentos de certificação em análise referentes às comunidades Riachão, no município de Chapada da Natividade, e Taquari em Monte do Carmo. Para receber a certificação, uma comunidade precisa, inicialmente, se autodeclarar como remanescente de quilombo, processo esse que vem sendo orientado pela Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), por meio da Gerência de Promoção da Igualdade Racial. O INCRA é o órgão que regulamenta os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Palavras-chave: Quilombola; Direito a terra; Regularização
ABSTRACT: The following study aims to analyze the land issue for quilombolas in the light of current legislation. It is known that lands for quilombolas is a guaranteed right in the Federal Constitution as established in art. 68 of the ADCT of the Federal Constitution of 1988. Starting from this juridical mechanism that guarantees the right to land for the quilombolas, it is intended to answer the following problematic: is guaranteed the access to lands to the quilombolas, as foreseen the current legislation ?. In the course of the study, some information about the lands destined for the quilombolas of Tocantins is also sought. In the year 2017 Tocantins had 44 quilombola communities certified by the Palmares Cultural Foundation (FCP). In addition to these, the body has two certification procedures under analysis for the Riachão communities in the municipality of Chapada da Natividade and Taquari in Monte do Carmo. In order to receive certification, a community initially needs to declare itself as a remnant of quilombo, a process that has been guided by the Secretariat of State for Citizenship and Justice (Seciju), through the Racial Equality Promotion Department. INCRA is the body that regulates administrative procedures for the identification, recognition, delimitation, demarcation and titling of lands occupied by the remnants of quilombos communities.
Keywords: Quilombola; Right to land; Regularization.
SUMÁRIO: 1 Introdução - 2 Comunidades quilombolas e o direito à terra: mecanismos legais - 2.1 procedimento para regularização da titulação das terras das comunidades quilombolas - 2.3 Quilombolas do Tocantins - 3 Considerações finais - Referências
1 INTRODUÇÃO
As disposições Constitucionais transitórias estabelecem que os remanescentes das comunidades quilombolas ocupem as Suas terras deverão ter reconhecida a propriedade definitiva. Art. 68. Aos remanescentes das comunidades dos quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos.
Essa discussão tornou-se nos últimos anos uma discussão polêmica no seio da sociedade envolvida com a questão da terra e órgãos competentes em efetivar a política de titularização e demarcação das terras quilombolas em todo território brasileiro.
Esse processo de titularização e demarcação levantaram conflitos de ideias dentro dos órgãos governamentais como INCRA, Fundação Cultural Palmares, Associações quilombola e movimentos negros. As discussões acerca do assunto buscavam analisar o dispositivo da Constituição Brasileira o Artigo 68, dos atos das disposições transitórias
No Estado do Tocantins a discussão ainda é nova, o INCRA vem à frente de um trabalho de levantamento antropológico em algumas comunidades quilombolas Tocantins.
O reconhecimento das comunidades quilombolas no estado do Tocantins ainda é uma discussão centrada no seio das instituições de caráter governamental de pouca mobilização social e participação das instituições de ensino, isso dentro de uma linha de atuação como pesquisa.
Ressalta-se nesse contexto que o reconhecimento é primeiro ato de mudança na estrutura da comunidade, se faz necessário expandir o estudo e conhecimento, pois o reconhecimento possibilita outras ações que modifica a rotina e vida o quilombola. A titularização e a demarcação das terras vêm sendo para muitos quilombolas uma novidade que interfere diretamente em seus interesses, tanto que na questão social, espaço geográfico, econômica e cultural.
O estudo a seguir pretende apontar alguns aspectos relacionados as comunidades quilombolas e o direito à terra: mecanismos legais, procedimento para regularização da titulação das terras das comunidades quilombola e os quilombolas do Tocantins.
2 COMUNIDADES QUILOMBOLAS E O DIREITO A TERRA: MECANISMOS LEGAIS
Leite (2010) aponta que as comunidades quilombolas vêm passando por um processo de assimilação, e entre as 45 (quarenta e cinco) comunidades existem diferentes óticas, de um lado o interesse pela a demarcação das terras, objetivando a possibilidade em ampliar suas riquezas e forma de sobrevivência e do outro lado o medo em ter que enfrentar grileiros e fazendeiros (LEITE, 2010).
Nascimento (2016) menciona que por força do Decreto n. 4.887, de 2003, o Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (INCRA) é o órgão responsável, na esfera federal, pela titulação dos territórios quilombolas.
A Constituição Federal de 1988 em seu art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias (ADCT) prevê o direito aos remanescentes de quilombos à propriedade das terras, cabendo aos órgãos Públicos, a demarcação de áreas e a expedição de títulos. É justo entender que antes da efetivação ou discussão sobre as terras, a propriedade, o dispositivo legal sustenta alguns fatores de ordem prática, como à identificação dos sujeitos do mencionado direito. Ante a ausência de lei nacional sobre o assunto, o Poder Executivo, dava cumprimento direto à Constituição, tem expedido Decretos regulamentando o assunto.
Diante de tantas discussões não se pode descartar as inúmeras discórdias por parte dos remanescentes de quilombo, a desinformações foi e é um dos principais entraves na compreensão acerca do processo de demarcação de terras no estado do Tocantins. A noção de terra coletiva coloca em crise o modelo de sociedade baseado na propriedade privada como única forma de acesso à terra, instituído desde a Lei das Terras, de 1850.
Vale ressaltar que a questão fundiária deve ser levada em consideração, pois a terra é de extrema importância para as comunidades quilombolas e é ainda condição exclusiva para a existência do mesmo (SEPPIR, 2004).
A Constituição Federal criou um complexo sistema de proteção com previsão de “posse permanente” das terras tradicionalmente ocupadas pelos quilombolas, tal dispositivo legal está estabelecido no art. 231. Nesse sentido é válido mencionar que os problemas enfrentados por essas comunidades são principalmente relacionados à manutenção de seu território. A intervenção do Estado, por intermédio de algumas ações, se apresenta por vezes como uma ameaça a essas comunidades, como exemplo tem-se os conflitos com muitos fazendeiros (YAGUI, 2006).
No estado do Tocantins pode-se citar a respeito das denúncias ao Ministério Público Federal no ano de 2008 acerca do que acontecia na Comunidade Quilombola Mimoso do Kalungaas no município de Arraias, localizado no sudeste do estado:
cercas tiveram que ser retiradas, pois, baseado no direito constitucional de ir e vir, estas pessoas estavam sendo impedidas de exercer tal direito. Os fazendeiros pressionam os remanescentes de quilombos a desocupar a citada área com argumento de que não são donos das terras que ocupam. Segundo os moradores, os 24 fazendeiros da região estão cercando a área já ocupada pela comunidade negra, deixando espaços insuficientes para qualquer cultura ou criação de animais (MPF, 2008).
Para Sarmento (2013, p. 01) não há dúvidas de que esta posição quanto à desapropriação encerra vantagens práticas importantes, seja por proporcionar maior segurança jurídica em relação à validade dos títulos emitidos para as comunidades quilombolas, seja por permitir a atenuação dos conflitos possessórios existentes, através do pagamento de indenização aos proprietários privados. Ocorre que ela gera, por outro lado, um sério problema para os remanescentes de quilombos e para a efetivação do art. 68 do ADCT.
Assim, haveria nessa solução, nos dizeres do autor, uma tentativa de harmonização dos interesses constitucionais em jogo, que, à luz do princípio da unidade da Constituição, deve pautar a exegese seja do art. 68 do ADCT, seja das normas infraconstitucionais que o concretizam, como o Decreto 4.887/03.
Entretanto, observa que a solução pelo procedimento da desapropriação tem dificultado a concreção dos direitos quilombolas, pois estão estes na dependência de providências a serem tomadas pelo Poder Público, que não tem sido suficientemente ágil na propositura das ações expropriatórias por motivos diversos.
A desapropriação com a finalidade de promover a proteção ao direito territorial dos quilombolas se enquadraria no exemplo da desapropriação por interesse social, definida na Lei 4.132/1962, na hipótese de estabelecimento e manutenção de colônias ou cooperativas de povoamento e trabalho agrícola.
Convém ressaltar que a Proposta de Emenda Constitucional 215/2000 e, apensada a ela, a Proposta de Emenda Constitucional 161/2007 que visa modificar a redação do artigo 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias e a da Ação Direta de Inconstitucionalidade n. 3.239 movida pelo Partido Democratas que requer a inconstitucionalidade do Decreto n. 4.887/2003 que podem implicar em perdas de direitos destinados ao povo quilombola.
Para O’Dwyer (2002, p. 14), “o texto constitucional não evoca apenas uma identidade histórica que pode ser assumida e acionada na forma da lei”. Faz-se necessário que esses sujeitos históricos presumíveis existam no presente e tenham como condição básica o fato de ocupar uma terra que, por direito, deverá ser em seu nome titulada, como dispõe o art. 68 do ADCT da Constituição Federal de 1988.
2.1 PROCEDIMENTO PARA REGULARIZAÇÃO DA TITULAÇÃO DAS TERRAS DAS COMUNIDADES QUILOMBOLA
O Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003 regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias
Os procedimentos administrativos para a identificação, o reconhecimento, a delimitação, a demarcação e a titulação da propriedade definitiva das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias, serão procedidos de acordo com o estabelecido neste Decreto.
Consideram-se remanescentes das comunidades dos quilombos, para os fins deste Decreto, os grupos étnico-raciais, segundo critérios de auto atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a resistência à opressão histórica sofrida (BRASIL, 2003).
O INCRA deverá regulamentar os procedimentos administrativos para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, dentro de sessenta dias da publicação deste Decreto.
Para os fins do Decreto n. 4.887/03, o INCRA poderá estabelecer convênios, contratos, acordos e instrumentos similares com órgãos da administração pública federal, estadual, municipal, do Distrito Federal, organizações não-governamentais e entidades privadas, observada a legislação pertinente.
O INCRA, após concluir os trabalhos de campo de identificação, delimitação e levantamento ocupacional e cartorial, publicará edital por duas vezes consecutivas no Diário Oficial da União e no Diário Oficial da unidade federada onde se localiza a área sob estudo, contendo as seguintes informações:
I - denominação do imóvel ocupado pelos remanescentes das comunidades dos quilombos; II - circunscrição judiciária ou administrativa em que está situado o imóvel; III - limites, confrontações e dimensão constantes do memorial descritivo das terras a serem tituladas; e IV - títulos, registros e matrículas eventualmente incidentes sobre as terras consideradas suscetíveis de reconhecimento e demarcação (DECRETO n. 4.887/03, p. 03).
Após os trabalhos de identificação e delimitação, o INCRA remeterá o relatório técnico aos órgãos e entidades abaixo relacionados, para, no prazo comum de trinta dias, opinar sobre as matérias de suas respectivas competências:
I - Instituto do Patrimônio Histórico e Nacional - IPHAN;II - Instituto Brasileiro do Meio Ambiente e dos Recursos Naturais Renováveis - IBAMA;III - Secretaria do Patrimônio da União, do Ministério do Planejamento, Orçamento e Gestão; IV - Fundação Nacional do Índio - FUNAI;V - Secretaria Executiva do Conselho de Defesa Nacional; VI - Fundação Cultural Palmares (BRASIL, 2003, p. 04).
Vale ressaltar que expirado o prazo e não havendo manifestação dos órgãos e entidades, dar-se-á como tácita a concordância com o conteúdo do relatório técnico.
De tal forma todos os interessados terão o prazo de noventa dias, após a publicação e notificações para oferecer contestações ao relatório, juntando as provas pertinentes. Não havendo impugnações ou sendo elas rejeitadas, o INCRA concluirá o trabalho de titulação da terra ocupada pelos remanescentes das comunidades dos quilombos.
Vale citar que de acordo o Decreto n. 4.887 de 2003 quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidirem em terrenos de marinha, marginais de rios, ilhas e lagos, o INCRA e a Secretaria do Patrimônio da União tomarão as medidas cabíveis para a expedição do título.
Quando as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos estiverem sobrepostas às unidades de conservação constituídas, às áreas de segurança nacional, à faixa de fronteira e às terras indígenas, o INCRA, o IBAMA, a Secretaria-Executiva do Conselho de Defesa Nacional, a FUNAI e a Fundação Cultural Palmares tomarão as medidas cabíveis visando garantir a sustentabilidade destas comunidades, conciliando o interesse do Estado (BRASIL, 2003).
Mombelli (2009) ressalta que sendo constatado que as terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos incidem sobre terras de propriedade dos Estados, do Distrito Federal ou dos Municípios, o INCRA encaminhará os autos para os entes responsáveis pela titulação.
Incidindo nos territórios ocupados por remanescentes das comunidades dos quilombos título de domínio particular não invalidado por nulidade e nem tornado ineficaz por outros fundamentos será realizada vistoria e avaliação do imóvel, objetivando a adoção dos atos necessários à sua desapropriação, quando couber.
O INCRA regulamentará as hipóteses suscetíveis de desapropriação, com obrigatória disposição de prévio estudo sobre a autenticidade e legitimidade do título de propriedade, mediante levantamento da cadeia dominial do imóvel até a sua origem.
Verificada a presença de ocupantes nas terras dos remanescentes das comunidades dos quilombos, o INCRA acionará os dispositivos administrativos e legais para o reassentamento das famílias de agricultores pertencentes à clientela da reforma agrária ou a indenização das benfeitorias de boa-fé, quando couber.
2.3 QUILOMBOLAS DO TOCANTINS
O Estado do Tocantins possui uma população predominantemente Negra, o CENSO do IBGE de 2010 identificou que 72,25 % da população do Estado é composta por pretos e pardos. Há dentre a população negra, as comunidades remanescentes dos quilombos.
A seguir estão elencadas as comunidades quilombolas certificadas no Estado do Tocantins
Rodrigues (2018) informa que no ano de 2017 o Tocantins possuía 44 comunidades quilombolas certificadas pela Fundação Cultural Palmares (FCP). Além dessas, o órgão está com mais dois procedimentos de certificação em análise referentes às comunidades Riachão, no município de Chapada da Natividade, e Taquari em Monte do Carmo. Para receber a certificação, uma comunidade precisa, inicialmente, se autodeclarar como remanescente de quilombo, processo esse que vem sendo orientado pela Secretaria de Estado da Cidadania e Justiça (Seciju), por meio da Gerência de Promoção da Igualdade Racial.
Leite (2010) menciona que nos últimos vinte anos, os descendentes de africanos, chamados negros, em todo o território nacional, organizados em associações quilombolas, reivindicam o direito à permanência e ao reconhecimento legal de posse das terras ocupadas e cultivadas para moradia e sustento, bem como o livre exercício de suas práticas, crenças e valores considerados em sua especificidade.
Fiabani (2009, p. 66) corrobora afirmando que:
O artigo 68 do ADCT foi gestado e aprovado no calor das comemorações do Centenário da Abolição, ou seja, a pressão de determinados segmentos da sociedade brasileira, sobretudo do movimento negro, por medidas reparadoras à população afro-brasileira, influenciou na decisão final dos constituintes, entre elas, aprovação de medidas reparatórias.
Nesse contexto debater sobre o reconhecimento da população quilombola implica necessariamente em discutir sobre a regularização fundiária dos territórios ocupados historicamente por esta população.
Para Malcher (2010, p.06):
Discutir o processo de redefinição da terra, como por exemplo, no processo de regularização das áreas de remanescentes de quilombos, ultrapassa o limite dos elementos étnico-culturais e atinge a condição da terra no Brasil. O processo de apropriação privada da terra, de uma certa forma solidificou a propriedade privada da terra como condição única de domínio dela, mesmo que na prática o uso coletivo da terra seja uma constante.
Ainda de acordo com Malcher (2010, p. 06), “a luta pela terra se constitui no campo político e organizacional, por meio do qual a comunidade remanescente de quilombo redefine estratégias” O que representa de certa maneira o resgate de uma dívida histórica que a sociedade brasileira tem para com a população negra.
Mesmo com os instrumentos legais garantindo o direito de titulação da terra para a população quilombola, ainda existem vários empecilhos que dificultam o andamento dos processos de regularização fundiária.
Leite (2010) assevera que os processos de regularização fundiária já em curso, sobretudo quando operam em bases essencialistas, deparam-se com a dificuldade em identificar os sujeitos do direito, uma vez que a malha social sob a qual o direito se debruça revela também as inúmeras estratégias ou saídas produzidas pelos grupos, dentre elas a própria miscigenação, como uma forma encontrada pelos descendentes de africanos para se introduzirem no sistema altamente hierarquizado e preconceituoso.
Neste sentindo, setores conservadores da sociedade brasileira que não reconhecem o direto a propriedade da terra das comunidades quilombolas, conseguem saídas para emperrar os processos, tais como: a morosidade dos processos, a discussão interminável sobre de quem é a competência na condução do processo, a falta de investimento nas pesquisas para o conhecimento histórico-antropológico do assunto, a falta de sensibilização e informação para os funcionários das instituições governamentais responsáveis, como INCRA, Ministério Público, Ministério da Justiça Ministério da Cultura, Fundação Palmares e outros (LEITE, 2010).
Vale citar a respeito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239 foi ajuizada em 2004 pelo Partido da Frente Liberal – PFL, hoje Partido Democratas, pleiteando a declaração de inconstitucionalidade do Decreto 4.887 de 2003 que regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do ADCT.
Contudo no dia 8 de fevereiro de 2018 o julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3.239, foi considerada improcedente por oito ministros.
Na ADI3.239 após votação ficou assim determinado:
Fica declarada a propriedade definitiva das terras ocupadas pelas comunidades negras remanescentes de quilombos, devendo o Estado emitir-lhes os títulos respectivos. Ficam tombadas essas terras bem como documentos referentes à história dos quilombos no Brasil (ADI, 3239).
A ADI ainda menciona:
Ante o exposto, voto no sentido de julgar parcialmente procedente a presente ação direta de inconstitucionalidade, tão somente para conferir interpretação conforme ao § 2º do art. 2º do Decreto nº 4.887, de 20 de novembro de 2003, no sentido de esclarecer, nos termos do art. 68 do ADCT, que somente devem ser titularizadas as áreas que estavam ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos, inclusive as efetivamente utilizadas para a garantia de sua reprodução física, social, econômica e cultural, na data da promulgação da Constituição (5 de outubro de 1988), salvo comprovação, por todos os meios de prova juridicamente admitidos, da suspensão ou perda da posse em decorrência de atos ilícitos praticados por terceiros (ADI, 3239, p. 35).
É importante citar a fala de Carlos Ari Sundfeld (2017, p. 17) a respeito da ADI 3.239:
“Diversamente, acreditamos ser possível e, principalmente, necessária, a prévia desapropriação de terras particulares em benefício dos remanescentes das comunidades dos quilombos que as estiverem ocupando. Não se deve equiparar a titulação das terras das comunidades quilombolas com a demarcação das terras ocupadas pelos índios, as quais são e sempre foram públicas. Com relação a estes últimos a Constituição Federal criou um complexo sistema de proteção com previsão de ‘posse permanente’ das terras tradicionalmente ocupadas por eles (art. 231). Mas o art. 68 do ADCT tratou da questão quilombolas de forma diversa e não teve a pretensão de criar uma forma originária de aquisição da propriedade em favor das comunidades remanescentes de quilombos, sem o pagamento de qualquer indenização ao proprietário, assim reconhecido pelas formas de direito. O direito constitucional da propriedade só pode ser limitado nas formas e procedimentos expressamente estabelecidos na Constituição. Não é viável falar-se em perda ‘imediata’ da propriedade no caso de terras ocupadas por comunidades quilombolas como sustentou o Parecer nº 1.490/01 da Casa Civil. A perda compulsória da propriedade particular em favor de remanescentes de comunidades quilombolas só pode dar-se em razão de usucapião ou pela desapropriação” (ADI 3239, 2017, p. 17).
Mediante o exposto, para Nascimento (2016) o cenário da titularização das terras para os quilombolas ainda é um cenário que ignora e menospreza todo o caminho que foi sendo trilhado, especialmente no âmbito nacional, em consonância com o Direito Internacional, no qual se reconhece a existência de direitos diferenciados e coletivos, e da legitimidade do conhecimento do perito.
Contudo como assevera Souza (2015) mesmo com todos os problemas relacionados a efetivação da Política de Regularização Fundiária, não podemos desconsiderar os avanços que são trazidos pelo artigo 68 do ADCT no que tange ao reconhecimento de um grupo até então inexistente juridicamente, além de possibilitar o acesso à terra, ou seja, possibilitar a redistribuição fundiária.
No cenário tocantinense foi possível perceber que o processo de expansão e consolidação da titularização anda a passos lentos, entretanto, a Fundação Cultural Palmares está conseguindo realizar a certificação das comunidades quilombolas, visto que, a afirmação dos direitos das comunidades quilombolas essencialmente está vinculada a questão de uso e propriedade da terra.
Os conflitos de ideias, interesses, os hábitos culturais e localização geográfica, geraram a desconfiança de muitos fazendeiros, grileiros e quilombolas. Nesta perspectiva a pesquisa vem de encontro com a necessidade de enfatizar e relatar com se dá e encontra o processo de territorialidade, titularização e demarcação das terras quilombolas no Tocantins, especificamente nas comunidades quilombolas Malhadinha e Córrego Fundo.
3 CONSIDERAÇÕES FINAIS
O estudo permitiu compreender que o processo de titularização e demarcação levantaram conflitos de ideias dentro dos órgãos governamentais como INCRA, Fundação Cultural Palmares, Associações quilombola e movimentos negros.
Compete ao Ministério do Desenvolvimento Agrário, por meio do Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária - INCRA, a identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas pelos remanescentes das comunidades dos quilombos, sem prejuízo da competência concorrente dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios.
É importante ainda frisar que durante o processo administrativo corresponde à regularização fundiária com desintrusão de ocupantes não quilombolas mediante desapropriação e/ou pagamento de indenização e demarcação do território. No caso deste se localizarem terras públicas, a etapa torna-se desnecessária, pois, sendo terras da União, a propriedade será titulada pelo INCRA ou pela Secretaria de Patrimônio da União(SPU); em terras estaduais ou municipais, a titulação será realizada pelo respectivo ente federativo- art. 10 e 12 do Decreto n. 4.887 (BRASIL, 2003) e art. 18 e 20 da Instrução Normativa n. 57 (BRASIL, 2009).
No Estado do Tocantins a discussão acerca da titularização ainda é nova, o INCRA vem à frente de um trabalho de levantamento antropológico em algumas comunidades quilombolas Tocantins.
REFERÊNCIAS
ADI, Ação Direta de Inconstitucionalidade 3.239. Supremo Tribunal Federal. Brasília, 2018.
APA. Alternativas para Pequena Agricultura no Tocantins. APA-TO, 2015.
BRASIL. Decreto n. 4.887, de 20 de novembro de 2003. Regulamenta o procedimento para identificação, reconhecimento, delimitação, demarcação e titulação das terras ocupadas por remanescentes das comunidades dos quilombos de que trata o art. 68 do Ato das Disposições Constitucionais Transitórias. Brasília, 2003.
BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília, DF: Senado Federal: Centro Gráfico, 1988.
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[1] Professora do Curso de Direito da Faculdade Serra do Carmo – FASEC. Mestre em Direito pela UNIMAR e doutora em Tecnologia Nuclear pela USP. [email protected].
Bacharelando do curso de direito da Faculdade Serra do Carmo - Fasec.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGUES, Ricardo Andrett Silva. Terras quilombolas: um direito negado na constitucionalidade da lei Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 11 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51864/terras-quilombolas-um-direito-negado-na-constitucionalidade-da-lei. Acesso em: 23 dez 2024.
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