RESUMO: O presente artigo tem como objetivo analisar a evolução da proteção jurídica dos animais, tanto no âmbito internacional, como no âmbito nacional. Portanto, objetiva-se demonstrar como as leis internacionais e nacionais avançaram – ou não – na busca de condições dignas e de proteção jurídica a tais seres vivos.
SUMÁRIO: 1. Introdução; 2. Maus-tratos contra os animais; 3. Evolução da proteção jurídica dos animais no âmbito internacional; 3.1. Declaração Universal dos Direitos dos Animais; 3.2. Demais normas internacionais; 3.3 Proteção jurídica dos animais no âmbito nacional; 3.3.1 Evolução legislativa das normas infraconstitucionais no combate aos maus-tratos; 3.3.1.1 O primeiro passo para a proteção jurídica dos animais no Brasil; 3.3.1.2 Governo Provisório: proibição de práticas causadoras de maus tratos; 3.3.1.3 Maus tratos como contravenção penal; 3.3.1.4 Demais diplomas legislativos; 3.3.1.5 Maus tratos como crime; 3.3.1.6 A visão da Constituição Federal de 1988 a respeito dos maus-tratos aos animais; 4. Uma nova visão: a Lei da Pacha Mama; 5. Conclusão; 6. Bibliografia;
1.Introdução:
A evolução histórico-legislativa no tocante à proteção dos direitos dos animais demonstra que, inicialmente, os animais eram vistos como meros objetos, cuja utilidade se voltava para todo e qualquer uso por parte do ser humano, sem a existência de qualquer restrição. Isto é, por muito tempo, o homem poderia fazer com o seu animal o que bem lhe aprouvesse, uma vez que este não era tido como um sujeito de direito, ou, até mesmo, como um bem que merecesse qualquer forma de proteção.
Assim, com a análise do avanço histórico e, com este, com a análise da criação e desenvolvimento de legislações internacionais e nacionais, demonstra-se o atual estágio em que se encontra a proteção dos animais e se estes continuam sendo mero bens, ou se já podem ser enquadrados como sujeitos de direito.
2. Maus-tratos contra os animais:
“Maus tratos” podem ser conceituados como a submissão de alguém a tratamento cruel, a trabalho forçado e/ou à privação de alimentos ou cuidados, conceito este que, verdadeiramente, quando referente ao animais, pode ser tido de forma mais ampla, uma vez que outras práticas cruéis nele se encaixam perfeitamente. Além disso, os maus tratos são realizados “pelos mais variados tipos de pessoas e os motivos envolvem aspectos culturais, sociais e psicológicos, sendo muitas vezes praticado sem a consciência de que tal ato é prejudicial” (DELABARY, 2012, p.835).
Durante a evolução humana, o uso indiscriminado dos animais, sempre utilizados para diversos fins, fez com que estes virassem vítimas. Nas palavras de Xavier,
Os animais tornaram-se, ao longo dos anos, vítimas silenciosas da violência perpetrada pelos seres humanos, que lhes impingem sofrimento desnecessário, através de maus-tratos, abate indiscriminado, exploração do trabalho, utilização dos produtos de origem animal e uso em experimentos de caráter científico em laboratórios. O modo como são tratados os animais contrasta com o nível de inteligência da sociedade pós-moderna, que se proclama uma civilização avançada, a ter por parâmetro seu progresso intelectual, moral, social e tecnológico (XAVIER, 2013, p.16002).
Os animais não possuem capacidade de defesa perante o homem, precisando deste para que possa ser preservado e cuidado.
Novas pesquisas científicas, realizadas em animais, trazem como resultado o que muito se negava nos séculos passados: “os animais não só apresentam estímulos à dor, como também possuem inteligência e sentimentos, sendo que alguns animais, [...] apresentam um nível de inteligência bastante elevado [...]”. Assim, há, atualmente, estudos que comprovam a capacidade de pensar e de se comunicar entre si, em certos animais, tidos como mais inteligentes (XAVIER, 2013, p. 16009).
Segundo Levai (1998, p.32), “os animais são seres vivos e não apenas bens materiais, merecendo - portanto - tratamento condigno”. O autor também ressalva o fato de que os maus-tratos não são praticados apenas por meio da ação do agente, mas também através de uma omissão, trazendo como exemplo a não alimentação de um animal sob seus cuidados, levando-o, assim, à morte.
Reconhecer que toda criatura tem direito à vida significa, acima de tudo, uma questão de justiça. Tantos séculos de martírio animal, entremeados pelas grades da covardia, pelo chicote dos domadores e pela fúria dos insensatos, reclamava alguma medida humanitária (LEVAI, 1998, p.40).
Diante de tantas práticas e atitudes nocivas contra tais seres vivos, ficou claro em todo o mundo que seria necessária a criação de normas ambientais para a tutela jurídica devida dos mesmos, evitando, por conseguinte, um mal maior.
Não só maus-tratos foram praticados, mas também houve, principalmente no Brasil-Colônia, um extermínio em massa de animais silvestres, mortos ao bel prazer dos colonizadores, que, além de matar, também os traficavam.
3. Evolução da proteção jurídica dos animais no âmbito internacional:
As práticas humanas, ao longo dos séculos, que se utilizavam dos animais como objeto principal, trouxeram consigo largas consequências ambientais. Portanto, tornou-se necessária a adoção de medidas com o fito de proteger, recuperar e preservar toda a fauna e a flora. “Com a evolução do processo civilizatório da humanidade a legislação de proteção animal foi surgindo, e depois sendo substituída de forma progressiva, por normas compatíveis com o saber científico atual [...]” (DIAS, 2000, p.155).
O ano de 1822 foi marcado pelo início dos movimentos protecionistas, pois foi nele que a Inglaterra apresentou o diploma legal chamado de British Cruelty to Animal Act, com o objetivo de proibir atos cruéis contra os animais. Em 1838 e 1848, a Alemanha e a Itália, respectivamente, também trouxeram normas contra a crueldade e maus-tratos aos animais. E, em 1911, a Inglaterra, novamente, trouxe outro diploma legal, chamado de Protection Animal Act, com o objetivo de limitar as práticas humanas frente aos animais, para, assim, protegê-los (RODRIGUES, 2012, p.65).
3.1. Declaração Universal dos Direitos dos Animais:
Diante dos acontecimentos da época, da hipossuficiência animal e da consequente necessidade de tutela dos animais, foi editada, em 1978, a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, elaborada pela UNESCO - Organização das Nações Unidas para Educação, Ciência e Cultura- trazendo limites para a ação humana frente a fauna (XAVIER, 2013, 16013).
[...] Mas apenas em 1978, foi apresentado o feito mais louvável em proteção dos Direitos dos Animais: a Declaração Universal dos Direitos dos Animais, da qual diversos países são signatários, inclusive o Brasil, muito embora não a tenha ratificado até a presente data. Ainda que existam inúmeras convenções internacionais e lei protecionistas, essa Declaração é a mais bela obra existente em prol da vida e da integridade dos Animais (RODRIGUES, 2012, p.65).
É importante ressalvar, que, como é uma Declaração, esta não possui força de lei, mas pode servir de fonte material para a normatização interna de cada país (TINOCO, CORREIA, 2010, p.182).
O Brasil, no mesmo ano do surgimento da referida Declaração, a subscreveu, sendo, portanto, incorporada à Constituição Federal.
Em seu preâmbulo, a Declaração Universal dos Animais trata os animais como sujeitos de direitos, e os seus quatorze artigos seguintes referem-se a “o respeito perante a vida dos animais não-humanos, o dever de preservá-los, de dar-lhes uma vida digna, de privá-los de crueldade que sejam elas físicas ou psicológicas (angústia), conferindo a eles o direito à liberdade, [...], etc.” (TINOCO, CORREIA, 2010, p.184).
“A Declaração Universal dos Direitos dos Animais é um marco na história da luta pelos direitos dos animais, na medida em que representa uma mudança de paradigma na forma de enxergar a relação entre homens e animais” (XAVIER, 2013, p.16014).
Portanto, fica evidente como foi importante a elaboração da Declaração Universal dos Animais, pois esta, além de ser uma marco normativo, é uma marco na busca da evolução da legislação internacional, para a proteção dos supracitados seres vivos, que, por muito séculos foram utilizados de forma predatória e violenta, sem qualquer limites jurídicos.
3.2. Demais normas internacionais:
Além da Declaração Universal dos Direitos dos Animais, foram editadas outras normas, de caráter internacional, com o objetivo de proteção da fauna mundial. Pode-se citar como exemplo (DIAS, 2000, p.155):
-Convenção Internacional para Proteção dos Pássaros (Paris, 18/10/1950);
-Convenção Internacional da Pesca da Baleia (Washington, 2/10/1946).
-Convenção para Conservação sobre Pesca e Conservação dos Recursos Vivos do Mar (Genebra, 29/4/1958).
-Convenção Internacional para Convenção do Atum no Atlântico (Rio de Janeiro, 14/5/1966).
-Convenção sobre as Zonas Úmidas de Importância Internacional para Proteção dos Animais e Pássaros Aqu- áticos e Terrestres (Ramsar, 2/2/1971).
-Convenção sobre o Comércio Internacional de Espécies da Flora e Fauna Selvagem em Perigo de Extinção (Washington, 3/3/1973).
-Convenção sobre Conservação dos Recursos Vivos Marinhos Antárticos (Camberra, em 20/5/1980).
-Convenção sobre Conservação das Espécies Migratórias Pertencentes à Fauna Selvagem (Bonn, 23/6/1979).
-Convenção sobre a Biodiversidade (Rio de Janeiro, de 5/6/1992).
3.3 Proteção jurídica dos animais no âmbito nacional:
No âmbito nacional, assim como no internacional, a evolução da proteção jurídica dos animais foi lenta, e ainda não se encontra, segundo os ambientalistas, no plano ideal. Entretanto, grandes avanços foram conquistados, e muitos direitos reconhecidos.
3.3.1 Evolução legislativa das normas infraconstitucionais no combate aos maus-tratos:
3.3.1.1 O primeiro passo para a proteção jurídica dos animais no Brasil:
Em 1922, foi apresentado o primeiro projeto legislativo brasileiro contra a crueldade e maus-tratos aos animais, que, entretanto, não foi aprovado (GOMES, apud LEVAI, 1998, p.40).
Em 1924, no dia 10 de setembro, entrou em vigor o Decreto Federal nº16.590, conhecido como Regulamento das Casas de Diversões Públicas, proibindo corridas de touros, garraios e novilhos, rinhas de galos e canários, dentre outras (DIAS, 2000). Tal diploma vinha regulamentar o funcionamento de locais conhecidos como de distração pública.
Portanto, o referido Decreto foi o primeiro diploma legal nacional objetivando à proteção dos animais, que acabou sendo revogado pelo Decreto nº 11/1991.
3.3.1.2 Governo Provisório: proibição de práticas causadoras de maus tratos:
No Governo Provisório, que tinha como Presidente Getúlio Vargas, foi editado o Decreto nº 24.645, no dia 10 de julho de 1934, contendo a proibição de práticas geradoras de maus-tratos aos animais (LEVAI, 1998, p.40). Em seu artigo 3º, são enumeradas práticas que devem ser tidas como cruéis.
Doutrinariamente, maus-tratos e crueldade são termos considerados como sinônimos (CADAVEZ, 2008, p.103).
Este decreto, segundo Cadavez (2008, p.103), reforçou a proteção jurídica da fauna, apresentando um rol de condutas, e definindo trinta e uma condutas caracterizadas como geradoras de maus-tratos aos animais.
Seu mérito consistiu em reforçar a proteção jurídica dos Animais por meio de vários dispositivos próprios, permitindo, [...] a interpretação de um novo status quo dos Animais como sujeitos de direito, em razão da possibilidade do Ministério Público assistí-los em juízo na qualidade de substituto legal (RODRIGUES, 2012, p.66).
Na doutrina, discute-se ainda, se estaria ou não em vigor tal Decreto. Parte dela é favorável ao entendimento positivo, ou seja, estaria sim em vigor, pois teria este valor de lei, uma vez que expedido em período de excepcionalidade política, só podendo, portanto, ser revogado por outra lei (CADAVEZ, 2008, p.103). Segundo Dias, (2000) o Decreto n. 24.645/34, “tinha força de lei, uma vez que o Governo Central avocou a si a atividade legiferante”.
Este decreto foi parcialmente revogado pela Lei nº 9.605/98, pois ele possui definições que não foram trazidas expressamente por ela (RODRIGUES, apud CADAVEZ, 2008, p.103).
Cabe ressalvar, por fim, que o rol introduzido pelo artigo 3º do Decreto nº 24.645/34 é meramente exemplificativo, segundo entendimento de Helita Barreira Custódio (CUSTÓDIO apud CADAVEZ, 2008, p.103).
3.3.1.3 Maus tratos como contravenção penal:
O Decreto-Lei nº 3.688, editado no dia 03 de outubro de 1941, mais conhecido como Lei das Contravenções Penais, foi, alguns anos depois de sua expedição, acrescentado, passando a possuir um artigo, de número 64, tipificando a conduta cruel contra o animal, e imputando pena de prisão simples ou multa para quem o desrespeitasse. A prisão simples compreendida em tal artigo poderia durar de dez dias a um mês (LEVAI, 1998, p.42).
O artigo 64 previa:
Art.64 - Tratar animal com crueldade ou submetê-lo a trabalho excessivo.
Pena- prisão simples, de 10 (dez) dias a 1(um) mês ou multa;
§1º- Na mesma pena incorre aquele que, embora para fins didáticos ou científicos, realiza, em lugar público ou exposto ao público, experiência dolorosa ou cruel em animal vivo.
§2º- Aplica-se a pena com aumento de metade se o animal é submetido a trabalho excessivo ou tratado com crueldade, em exibição ou espetáculo público (BRASIL, Decreto-Lei nº 3.688, de 3 de outubro de 1941, 1941).
Este artigo tipifica, portanto, a prática de crueldade contra os animais como contravenção. Segundo Custódio, (CUSTÓDIO apud CADAVEZ, 2008, p.103) contravenção é “infração penal de sanções penais leves ou menos pesadas”.
E, por fim, cabe ressalvar que, segundo Levai, (1998, p.43) “o Decreto-Lei nº 24.645/34 não foi revogado pelo art.64 da Lei de Contravenções Penais”. O autor afirma que os dois diplomas legais contemplam a proteção dos animais frente a atos cruéis e abusivos e, portanto, coexistem harmonicamente. Ainda, segundo Rodrigues (2012,p.66), “o qual [artigo 64 do Dec.-lei 3.688] não revogou o Dec.-lei 24.654/34, mas sim o complementou com preceitos que visam a proteção dos Animais”.
3.3.1.4 Demais diplomas legislativos:
Em seguida, foram editados outros diplomas legais com a finalidade de proteção animal. Em 1964, o artigo 19 da Lei Federal 4.591, combinado com determinados artigos do antigo Código Civil, datado de 1916, veio proteger e tutelar os animais que vivem em apartamentos, “sobrepondo-se às convenções condominiais com cláusulas de proibição de Animais em apartamentos” (RODRIGUES, 2012, p.67).
O Código Florestal ou Lei n. 4771, editado em 1965, prevê certas condutas como contravenções, cominando pena de três meses a um ano de prisão simples a quem incorrer nas mesmas (LEVAI, 1998, p.45). Cabe ressalvar que o supracitado Código Florestal de 1965 foi revogado pelo atual Código Florestal editado em 25 de maio de 2012, também conhecido como Lei n.12.651/2012, o qual não repete certas condutas como contravenções.
Em 1967, entrou em vigor a Lei n. 5.197, para a proteção dos animais silvestres. Conhecida como Código de Caça, a Lei passou a considerar como crimes as condutas antes tidas apenas como contravenções penais, sendo, por sua vez, posteriormente alterada, pela Lei 7.653 de 1988 (RODRIGUES, 2012, p.67). Esta, “além de conceituar fauna silvestre como propriedade do Estado, aboliu a concessão de fiança nos crimes cometidos contra os Animais” (RODRIGUES, 2012,p.67).
No mesmo ano de 1967, foi editado o Decreto-Lei n. 221/67, dispondo sobre a atividade de pesca, e “estabelecendo sanções administrativas aos transgressores” (LEVAI, 1998, p.45). Este Decreto-Lei foi, posteriormente alterado pela Lei 7.679, em 1988 (RODRIGUES, 2012, p.67).
Já em 1979, surgiu a Lei n. 6.638, trazendo regras para o uso do animal vivo, como cobaia, em pesquisas e experiências científicas. Tal uso do animal é conhecido como vivissecção, que segundo Edna Cardozo Dias (apud LIMA, 2007, p.48 e 49) “é a realização de experiências dolorosas em animal vivo [...] consistente no uso de seres vivos, principalmente animais, para o estudo dos processos da vida e de doenças, e todo tipo de testes e experimentos”.
A fauna foi definida como meio ambiente pela Lei 6.938, de 1981, que, também, a partir de sua nova redação, trouxe ao âmbito ambiental a questão da responsabilidade civil e administrativa. Esta Lei é conhecida como Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (RODRIGUES, 2012, p.67). Conforme pondera Levai,
Tem por objetivo a preservação, melhoria e recuperação da qualidade ambiental propícia à vida, considerando o meio ambiente como um patrimônio público a ser necessariamente assegurado e protegido. Esta pioneira lei ecológica introduziu a responsabilidade civil e administrativa pelo dano ambiental. (LEVAI, 1998, p.46)
A Lei de número 7.347, editada em 1985, trouxe a possibilidade de defesa do meio ambiente, pelos danos ocorridos, através da ação civil pública (RODRIGUES, 2012, p.67).
Em 1987, fora expedida a Lei de Proteção à Baleia (Lei 7.643/87).
E, por fim, com a promulgação da atual Carta Magna, outras leis com a finalidade de tutela dos animais e do meio ambiente em geral, foram promulgadas.
3.3.1.5 Maus tratos como crime:
O artigo 32 da Lei nº 9.605, de 12 de fevereiro de 1998, traz em seu caput a tipificação dos maus-tratos de animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos. Este artigo revogou tacitamente o artigo 64 do Decreto-Lei nº 3.688 de 1941, uma vez que, agora, a conduta de maus-tratos aos animais não se configura mais como contravenção penal, e sim como crime (LIMA, 2007, p.44).
O artigo 32 prevê:
Art. 32 - Praticar ato de abuso, maus-tratos, ferir ou mutilar animais silvestres, domésticos ou domesticados, nativos ou exóticos.
Pena- Detenção de 3 (três) meses a 1 (um) anos e multa.
§1º- Incorre nas mesmas penas quem realiza experiência dolorosa ou cruel em animal vivo, ainda que para fins didáticos ou científicos, quando existirem recursos alternativos.
§2º- A pena é aumentada de 1/6 a 1/3 se ocorre a morte do animal.
O significado dos atos tipificados no artigo supracitado, afirmando que os termos ‘abusos’ e ‘maus-tratos’ podem ser tidos como sinônimos, mas, em algumas situações a expressão ‘abuso’ pode ser entendida como um tipo mais grave de maus-tratos. Para o autor, ferir ou mutilar, são formas de maus-tratos e crueldade mais graves (PIERANGELI apud CADAVEZ, 2008, p.104).
Segundo Milaré, “a norma visa a tutelar a fauna silvestre que integra o meio ambiente, doméstica ou domésticada, nativa ou exótica” (MILARÉ, apud LIMA, 2007, p.45). E, segundo Gomes, “esta mudança não só acompanha a legislação de países mais adiantados, como adequa a legislação ordinária à Constituição Federal, que veda as práticas que submetem os animais a crueldade” (GOMES, 2000).
Pode ser sujeito ativo desse crim, qualquer pessoa natural, pois trata-se de crime comum. Entretanto, a doutrina diverge quanto à possibilidade da prática desse crime por pessoa jurídica. Édis Milaré e Paulo José da Costa Junior defendem que apenas a pessoa física pode ser sujeito ativo de crime. Já Nucci, diz que o crime pode ter como sujeito ativo, também, pessoa jurídica (MILARÉ, JUNIOR, NUCCI apud LIMA, 2007, p.45).
É sujeito passivo de tal crime a coletividade, e não o próprio animal, sendo este o objeto material da conduta delitiva. Pode ser também configurado como sujeito passivo a própria União, quando forem vítimas os animais silvestres (LIMA, 2007, p.45).
Por fim, cabe trazer as importantes ponderações feitas por Daniella Tetü Rodrigues,
A Lei 9.605, de 1998, define crimes ambientais, tutela direitos básicos dos Animais, independentemente do instituto da propriedade privada e prevê, dentre os seus oitenta e dois artigos, nove artigos que constituem tipos específicos de crimes contra a fauna. Dispõe sobre as sanções penais e administrativas resultantes de atividades lesivas ao ambiente. [...] Permite inclusive, visualizar-se crime comissivo por omissão ou falsamente omissivo. O novo diploma apresentou, também, a regra de co-autoria e participação nos crimes contra os Animais (RODRIGUES, 2012, p.68).
Ainda conforme a autora, a Lei de Crimes Ambientais trouxe em seu teor a responsabilidade penal da pessoa jurídica, quanto a crime contra o meio ambiente, mas, por outro lado, não trouxe as sanções aplicáveis aos tipos penais. Contudo, o Decreto 3.176, de 21 de outubro de 1999, trouxe tais sanções (RODRIGUES, 2012, p.68).
3.3.1.6 A visão da Constituição Federal de 1988 a respeito dos maus-tratos aos animais:
A Constituição Federal de 1988, prevê em seu artigo 225, §1º, inciso VII o seguinte:
Artigo 225. Todos têm direito ao meio ambiente ecologicamente equilibrado, bem de uso comum do povo e essencial à sadia qualidade de vida, impondo-se ao poder público e à coletividade o dever de defendê-lo e preservá-lo para as presentes e futuras gerações.
§1º- Para assegurar a efetividade desse direito, incumbe ao poder público:
VII- proteger a fauna e a flora, vedadas, na forma da lei, as práticas que coloquem em risco sua função ecológica, provoquem a extinção de espécies ou submetam os animais à crueldade.
É, importante, contudo, delimitar o âmbito do termo crueldade, trazido pela Carta Magna, pois não pode se qualificar como cruel todo e qualquer ato praticado contra os animais. Alguns atos, mesmo que tidos como cruéis por algumas pessoas, podem assim não ser tipificados se forem essenciais à vida humana, conforme afirma Érika Bechara. Segundo ela, a natureza é objeto de direitos e não sujeito de direitos, e, portanto, devem atender aos interesses dos homens, que são os verdadeiros sujeitos de direito.
Embora parte da doutrina pense de modo conflitante, tal visão apontada por Bechara, é a mesma espelhada pela Constituição Federal atual, pois a letra da lei deixa nítida a intenção do legislador em proteger o meio ambiente, como forma de proteção do próprio ser humano. Segundo a autora, embora seja o homem o verdadeiro protegido e tutelado pela norma constitucional, não pode ele usar como bem entender da natureza, devendo sempre fazer uso da razão para ponderar suas atitudes (BECHARA apud CADAVEZ, 2008, p.107).
Segundo Xavier, (2013, p.16015) no ordenamento jurídico brasileiro, os animais são tidos como propriedade ou coisa, não sendo, portanto, sujeitos de direitos, além de serem considerados como bens semoventes, por possuírem movimentos próprios.
4. Uma nova visão: a Lei da Pacha Mama:
Caso de suma importância, vivenciado recentemente, em 2011, no Equador, mostra avanços consideráveis em relação a proteção judiciária da natureza.
No dia 30 de março de 2011, foi ajuizada uma ação na Justiça equatoriana, em nome do Rio Vilcabamba, rio este que se localiza em uma região perto da cidade de Loja.
A estrada de Vilcabamba-Quinara estava sendo alargada, e, por conta dessa obra, houve um acúmulo de materiais de escavação no supracitado rio. Tal alargamento vinha sendo feito há três anos, sem terem feito qualquer tipo de estudo sobre os possíveis impactos ambientais na região. Em decorrência disso, a corrente fluvial aumentara, trazendo riscos de desastres para a região (VIANA, 2013, p.258).
Segundo Viana,
Resíduos, pedras, cascalho e até mesmo árvores atingiam as margens diretamente, causando grandes prejuízos aos terrenos ribeirinhos. Os efeitos já vinham afetando as populações que vivem às margens do rio e utilizam sua água (2013, p.259).
Ao ser julgada procedente a demanda, tornou-se legítima a possibilidade de se ter um rio como titular de uma ação, reconhecendo o mesmo como sujeito de direitos.
Esse caso fez com que os direitos da natureza fossem incorporados à Constituição do Equador, de 2008, sendo, agora, a natureza e a Terra tidas (pela Carta Magna deste país) como “possuidoras de dignidade e direitos” (VIANA, 2013, p.258). Assim, o meio ambiente, propriamente dito, é considerado, nesse país, como sujeito de direitos, e não mais como objeto.
Pacha Mama é expressão utilizada pelos povos andinos do Peru, Chile, Argentina e Bolívia, ao se referir à Mãe Terra, e que acabou sendo incorporada à um movimento contemporâneo, realizado pelos povos latinos em busca da libertação da natureza frente às atitudes antropocentristas do ser humano. Atualmente, países da America Latina, como o Equador e a Bolívia, inspirados pelo caso do rio Vilcabamba, vêm incorporando aos seus ordenamentos jurídicos a Lei da Pacha Mama ou da Mãe Terra (FERREIRA, 2013, p.401).
5 Conclusão:
Com base no supramencionado, observa-se que a evolução histórica da sociedade humana possibilitou a maior proteção dos animais, seja por meio de legislação interna brasileira, seja por meio de declarações internacionais.
Entretanto, apesar dos grandes avanços tutelares, ainda pende no Direito brasileiro a classificação de bem jurídico, não lhes reconhecendo a categoria de sujeito de direito. Contudo, em contraponto ao cenário nacional, observa-se o grande passo dado por algumas das sociedades latino americanas, ao reconhecer a Pacha Mama como verdadeiro sujeito de direito, à qual deve-se garantir a proteção dos diversos direitos fundamentais.
Portanto, deve-se atentar para o Direito Comparado como importante fonte jurídica interna na busca da concretização de uma proteção jurídica mais eficaz aos animais e à própria natureza.
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TINOCO, Isis Alexandra P.; CORREIA, Mary Lúcia A. Análise crítica sobre a Declaração Universal dos Direitos animais. Revista Brasileira de Direito Animal, Salvador, v.7, ano 5, p.169-195, jul-dez. 2010.
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XAVIER, Cláudio. Direitos dos animais no século XXI: Uma abordagem ambiental, filosófica e jurídicas das questões que envolvem os direitos dos animais. RIDB (ISSN 2182-7567), nº 13, 16001-16028, Ano 2 (2013). Disponível em: : <http://www.idb-fdul.com/uploaded/files/2013_13_16001_16028.pdf>. Acesso em: 14 de abril de 2014.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Camila Pimentel de Oliveira. Evolução da proteção jurídica dos animais Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51911/evolucao-da-protecao-juridica-dos-animais. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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