MURILO BRAZ VIEIRA[1]
(Orientador)
RESUMO:O presente trabalho aborda como tema central a legalidade da cláusula dos contratos de aluguel dos shopping centers quanto à fiscalização no faturamento dos lojistas locatários por parte dos empreendedores locadores. Os contratos realizados para a locação de salas comerciais nos shopping centers são regulamentados de fato pela Lei do Inquilinato, entretanto considerando o postulado em seu artigo 54, é previsto nessa modalidade contratual a prevalência do princípio da autonomia da vontade, sendo possível, portanto o estabelecimento de cláusulas com peculiaridades específicas, mesmo que tais peculiaridades não estejam previstas no ordenamento jurídico. Tendo em vista a autonomia da vontade, é de praxe que as partes pactuem, dentre outras, cláusulas referentes ao aluguel percentual, ao aluguel mínimo, e à possibilidade de o empreendedor fiscalizar as contas e o faturamento dos lojistas, cláusula esta que está diretamente ligada as duas primeiras, e é motivo de polêmica resultando em debates quanto à possibilidade jurídica de tal prática.
PALAVRAS-CHAVE: Contrato de Aluguel; Shopping Center; Fiscalização; Legalidade
ABSTRACT : The present work addresses as central theme the legality of the clause of the lease contracts of the shopping centers regarding the inspection of tenant tenants' billing by the lessor entrepreneurs. The contracts made for the renting of commercial rooms in shopping malls are effectively regulated by the Law of Tenancy, however considering the postulate in its article 54, it is foreseen in this contractual modality the prevalence of the principle of autonomy of the will, being possible, therefore, the establishment of clauses with specific peculiarities, even if such peculiarities are not provided for in the legal system. In view of the autonomy of the will, it is common practice that the parties agree, among others, clauses referring to the percentage rent, the minimum rent, and the possibility of the entrepreneur supervising the accounts and billing of the tenants, a clause that is directly linked the first two, and is a source of controversy resulting in debates on the legal possibility of such practice.
KEYWORDS: Rent contract; Shopping center; Oversight; Legality
INTRODUÇÃO
O contrato de aluguel de imóveis diz respeito à pactuação de vontades estabelecida entre locador e locatário.
A locação de imóveis realizados entre empreendedores de shopping centers e lojistas difere-se das demais modalidades de locação de imóveis em razão da liberdade conferida pela Lei 8.245 de 18 de outubro de 1991 aos celebrantes no momento do estabelecimento das cláusulas contratuais.
Dada tal liberdade de pactuação, a legislação limita-se apenas a vetar o empreendedor em realizar cobranças no espaço físico dos shopping centers.
Considerando as previsões na lei supracitada no que tange aos shopping centers, percebe-se uma lacuna na lei tendo em vista a omissão quanto a demais critérios limitadores o que gera discussão acerca da legalidade das cláusulas avençadas entre locadores e locatários, em especial, a fiscalização realizada pelos empreendedores de shopping centers em face dos locatários lojistas sendo esta objeto do presente trabalho.
Este cenário, à primeira vista, parece bastante positivo, uma vez que atrai para o comércio mais uma modalidade contratual, em especial, as locações em shoppings centers.
Contudo, também deve-se levar em consideração a problemática quanto a omissão legislativa em indicar de forma objetiva todos os direitos e obrigações das partes, locador e locatário, e em especial quanto ao modo fiscalizatório e arrecadatório por parte dos shoppings.
Desse modo, muitas demandas judiciais surgem para discutir os limites dos direitos de cada parte, discutem ainda as obrigações dos locatários lojistas, haja vista, as peculiaridades do contrato de locação em comento.
O presente trabalho, portanto, justifica-se como uma análise necessária do processo de locação em shopping center tendo por base a legislação, a jurisprudência e a doutrina.
O principal objetivo deste estudo é analisar os dispositivos de lei que regulam a matéria.
Tem-se como objetivo específicos a avaliação da legalidade no desenvolvimento das relações contratuais quanto a exigibilidade das obrigações dos locatários, afim de entender a razão de discussão judicial; compreender em que momento as cláusulas pactuadas passam a ser questionadas e porque razão.
O trabalho é uma pesquisa explicativa e um estudo misto, pois compreende estratégias tanto da pesquisa quantitativa quanto da qualitativa, utilizando-se da coleta de dados assim como da análise subjetiva destes.
Quanto ao método, será utilizado o dedutivo, que é aquele que parte de uma premissa geral para uma particular.
Primeiramente, será feito um apanhado histórico da evolução da relação comercial, chegando a ideia de centralização de comercial formando um “mix”.
Em seguida, serão analisadas as leis e a doutrina, buscando referenciar as regras para o desenvolvimento das relações contratuais, visando analisar a padronização das regras que são instituídas para busca de equilíbrio sempre geridos por uma unidade operacional.
Por fim, embasando-se nos conhecimentos adquiridos e dados obtidos, fazendo uso do estudo legislativo, jurisprudencial e doutrinário, será realizada uma análise quanto a legalidade das cláusulas contratuais, em especial quanto as cobranças das obrigações dos lojistas instituídas nos contratos de locação.
1. CONCEITUAÇÃO DE SHOPPING CENTER E BREVE HISTÓRICO DO EMPREENDIMENTO NO BRASIL
A ideia que atualmente tem-se ao ouvir o termo “Shopping Center” são construções grandes e modernas onde se concentra lojas de diferentes ramos comerciais. Um local climatizado aonde pode-se levar a família para fazer compras, realizar refeições, e também se divertir.
Ocorre que a simples reunião de lojas em um espaço físico não caracterizam o espaço como shopping center, sendo necessário o planejamento e a distribuição do espaço pelos empreendedores, a fim de locar o espaço físico a pessoas com interesse de explorar atividades econômicas predefinidas, com intuito de fornecer ao consumidor uma grande gama de produtos, restando denominado o referido planejamento como tenant mix. (Subcomissão de Contratos Empresariais OAB – GO, 2014).
A Associação Brasileira de Shopping Centers - ABRASCE conceitua shopping center como:
Centro comercial formado por um grupo de estabelecimentos de comércio essencialmente varejistas, planejado e desenvolvido como uma única propriedade e gerido de forma centralizada. Possui área bruta locável (ABL) superior a 5.000 metros quadrados, pratica aluguel fixo e/ou percentual e dispõe de vagas de estacionamento compatível com sua área de vendas.
No Brasil, o primeiro shopping center foi estabelecido com o nome Shopping Centers Iguatemi em 1966 na cidade de São Paulo e após a inauguração, tal modalidade de empreendimento foi estabelecida por todo o país, principalmente nas capitais dos Estados e em grandes cidades do interior. (Silvana Martinazzo, 2011)
De acordo com a Associação Brasileira de Shopping Centers – ABRASCE, estes são os números referentes ao Perfil de Shoppings no Brasil no ano de 2017:
- Shopping centers em operação: 571;
- Número de cidades com shoppings no Brasil, ao final de 2017: 212;
- Total de ABL (Área Bruta Locável) no Brasil: 15,580 milhões de m² (aumento de 2,26% em relação ao ano anterior);
- Faturamento total do Brasil em 2017: R$ 167,7 bilhões, o que representa um crescimento de 6,2% em relação a 2016;
- 87% dos shopping centers brasileiros são empreendimentos do tipo tradicional e 13% especializados (outlet, lifestyle e temáticos). Destes, 17% são outlets.
- 46% dos shopping centers estão localizados em capitais brasileiras e 54% em outras cidades;
- Os shoppings brasileiros receberam cerca de 463 milhões de visitas por mês em 2017, o que representa um aumento de 5,6% em relação ao ano de 2016;
- Existem mais de 102.300 lojas nos 571 shopping centers brasileiros;
- Existem 897.506 vagas de estacionamento em shoppings em todo o território nacional;
- 2.760 salas de cinema nos centros de compra de todo o Brasil;
- Estima-se que haja mais de 1 milhão de empregos diretos nos shoppings brasileiros (aumento de 1,27%);
A atividade desempenhada pelos empreendedores de shopping center é dotada de peculiaridade frente as demais atividades econômicas. Estes empreendedores não adotam o intuito de simples locação a empresários atuantes em diferentes ramos de comércio, mas sim, na disponibilização da ampla gama de produtos e serviços em um ambiente seguro e confortável aos consumidores. (Coelho, 2011).
A locação do espaço físico pelos empreendedores de shopping centers diverge do simples empreendedor imobiliário, vez que este, observa somente o interesse do pretenso locatário em realizar o pagamento do aluguel por ele determinado. Os empreendedores de shopping center por sua vez atentam-se para as evoluções do mercado, observando a evolução de marcas, novidades tecnológicas, e a possibilidade de crescimento de cada empreendimento estabelecido no seu complexo. (Coelho, 2011).
2. DA RELAÇÃO CONTRATUAL ENTRE EMPREENDEDORES E LOJISTAS
2.1. Definição de Contrato de Locação
Contrato consiste basicamente em um documento no qual se convenciona um acordo de vontade entre duas pessoas, respeitando as normas previstas no ordenamento jurídico do país das partes, com o intuito de regulamentar relações jurídicas.
Segundo Maria Helena Diniz (2015, p.32) o instrumento jurídico contrato pode ser definido como sendo:
O acordo de duas ou mais vontades, na conformidade da ordem jurídica, destinado a estabelecer uma regulamentação de interesses entre as partes, com o escopo de adquirir, modificar ou extinguir relações jurídicas de natureza patrimonial.
Acerca de contrato, assim discorre Caio Mário Silva Pereira (2016, p. 6):
É um negócio jurídico bilateral, e de conseguinte exige o consentimento; pressupõe, de outro lado, a conformidade com a ordem legal, sem o que não teria o condão de criar direitos para o agente; e, sendo ato negocial, tem por escopo aqueles objetivos específicos. Com a pacificidade da doutrina, dizemos então que o contrato é um acordo de vontades, na conformidade da lei, e com a finalidade de adquirir, resguardar, transferir, conservar, modificar ou extinguir direitos. Dizendo-o mais sucintamente, e reportando-nos à noção que demos de negócio jurídico (no 82, supra, vol. I), podemos definir contrato como o “acordo de vontades com a finalidade de produzir efeitos jurídicos”.
Segundo Paladino, 2016 “nenhum contrato ilícito, por exemplo, pode ser judicialmente executado. O postulado da autonomia privada não tem o alcance de validar acordos criminosos, contravencionais ou mesmo imorais”.
Portanto, apesar de ser uma convenção livre de vontades expressamente manifestadas as mesmas devem, obrigatoriamente, respeitar os limites impostos pela legislação vigente no ato, para que tal contrato tenha de fato validade e eficácia.
No que tange a locação de imóveis, sejam esses residenciais ou comerciais, a relação jurídica entre locador e locatário será regulamentada por meio de um contrato de locação contrato esse que deverá respeitar a lei do inquilinato, lei nº 8245/91 que “dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes”.
A relação contratual entre empreendedores (proprietários) e lojistas (locatários) não pode ser definida pura e simplesmente como uma locação de imóvel, instituto previsto e regulado pela lei nº 8.245/91, tendo em vista o disposto no artigo 54 “Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei”.
2.2 Das peculiaridades de contrato de locação de shopping centers
O contrato de locação entre empreendedores de shopping centers e lojista é um contrato com peculiaridades específicas, dentre outros pelo fato de ser o aluguel variável conforme o rendimento da loja. (COELHO, 2011)
Os contratos são regidos pela lei 8.245/91 entretanto, pela especialidade da relação locatícia desses contratos, é previsto na própria lei que as cláusulas sejam livremente pactuadas garantindo portanto a prevalência do princípio da autonomia da vontade. (BRASIL, 1991)
Dentre as cláusulas presentes nessa modalidade contratação ressaltaremos a que interessa ao presente trabalho, aquela que estabelece o aluguel percentual e o aluguel mínimo, e a que está consequentemente vinculada a essa a de fiscalização do faturamento do lojista pelo empreendedor.
O aluguel percentual é variável, calculado sobre o faturamento bruto do lojista e o aluguel mínimo consiste na quantia fixa devida caso o percentual do faturamento bruto seja inferior ao aluguel mínimo.
Quanto à fiscalização das contas do lojista, diretamente relacionada à de estipulação de aluguel percentual, a mesma visa evitar ou identificar possíveis fraudes, garantindo ao empreendedor o direito de fiscalizar o faturamento do lojista devendo tal direito ser exercido respeitado os limites legais, de forma discreta a fim de evitar exposição do lojista. (BRASIL, 1991)
Ao passo que a legislação infraconstitucional conferiu liberdade entre lojistas e empreendedores de shopping center para estipular as condições contratuais, surgiram discussões quanto aos critérios adotados para cumprimento de tais condições, sendo um dos critérios, a fiscalização do faturamento dos lojistas.
3. DA LEGALIDADE DA FISCALIZAÇÃO DOS EMPREENDERORES DE SHOPPING CENTERS NO FATURAMENTO DO LOCATÁRIO LOJISTA
Na medida em que se discute a legalidade da fiscalização dos Empreendedores de Shopping Centers, hão de ser observadas as previsões legais quanto a referida modalidade de contrato celebrado entre locadores e locatários.
Nesta feita, é imprescindível a análise aos princípios do direito civil no que tange aos contratos, vez que, a celebração de contrato trata-se instrumento para firmar a vontade dos pactuantes.
O Princípio da autonomia da vontade é um dos princípios basilares quanto à celebração dos contratos.
Realizada a interpretação literal do referido princípio, resta evidenciado o seu significado. Nenhuma pessoa é obrigada a contratar com outra, razão pela qual, somente celebram um contrato, pessoas interessadas em firmar obrigações mútuas entre si, determinando o objeto do contrato, cláusulas penais, estabelecimento de foro, e formas de fiscalização.
Neste diapasão, as partes de livre vontade determinam o que será regra entre si, tendo a obrigação de respeitar somente as limitações legais, haja vista, que é vedada a celebração de contratos que tem objeto ilícito, conforme dispõe o artigo 421 do Código Civil de 2002.
Maria Helena Diniz (2011, p. 40-1) define o princípio da autonomia da vontade como “o poder de estipular livremente, como melhor lhes convier, mediante acordo de vontade, a disciplina de seus interesses, suscitando efeitos tutelados pela ordem jurídica.”
Outrossim, Natália Berti (2014, p. 83) assim dispõe acerca do princípio da autonomia da vontade:
A autonomia da vontade está diretamente relacionada a elementos subjetivos, etéreos, baseados na psique dos contratantes [...] era, pois, o poder do indivíduo de criar e regular os efeitos jurídicos de sua contratação, sem intervenção externa: o contrato era uma esfera de livre atuação dos particulares.
Noutro norte, uma vez avençado o contrato, os contratantes têm obrigação de observar estritamente as disposições do contrato firmado, configurando-se o princípio do pacta sunt servanda.
O referido princípio estabelece que o contrato faz lei entre as partes, ou seja, todos os ditames estabelecidos entre os contratantes hão de ser observados, respeitados e cumpridos pelas partes, vez que, eventual descumprimento incorrerá em descumprimento contratual, podendo implicar na resolução do contrato sem prejuízos para a parte que cumpriu estritamente as obrigações contratuais, arcando a parte que o descumpriu com o ônus de sua ação.
Neste giro, Pablo Stolze Gagliano (2010, p. 74) assim define o princípio da pacta sunt servanda:
O princípio da força obrigatória, denominado classicamente de pacta sunt servanda, traduz a natural cogência que deve emanar do contrato, a fim de que lhe possa reconhecer utilidade econômica e social. De nada valeria o negócio, se o acordo firmado entre os contratantes não tivesse força obrigatória. Seria mero protocolo de intenções, sem validade jurídica.
Em consonância ao entendimento acima explanado, conceitua Silvio de Salvo Venosa (2017, p. 28):
Essa obrigatoriedade forma a base do direito contratual. O ordenamento deve conferir à parte instrumentos judiciários para obrigar o contratante a cumprir o contrato ou a indenizar pelas perdas e danos. Não tivesse o contrato força obrigatória estaria estabelecido o caos. Ainda que se busque o interesse social, tal não deve contrariar tanto quanto possível a vontade contratual, a intenção das partes.
Ademais, cumpre salientar que tal descumprimento, permite à parte lesada reclamar judicialmente por eventuais perdas e danos e pela determinação judicial à parte inadimplente em cumprir a obrigação avençada.
Acerca do assunto, Maria Helena Diniz (2010, p. 28) assim se posiciona:
Da obrigatoriedade da convenção, pelo qual as estipulações feitas no contrato deverão ser fielmente cumpridas (pacta sunt servanda), sob pena de execução patrimonial contra o inadimplente. Isto é assim porque o contrato, uma vez concluído livremente, incorpora-se ao ordenamento jurídico, constituindo uma verdadeira norma de direito, autorizando, portanto, o contratante a pedir uma intervenção estatal para assegurar a execução da obrigação porventura não cumprida segundo a vontade que a constituiu.
Neste norte, é imperiosa a aplicação do princípio da boa-fé contratual.
O princípio em comento estabelece que as partes devem estar munidas de boa-fé durante todos os estágios do contrato, desde a combinação entre as partes, até o cumprimento do contrato avençado nos termos avençados.
Acerca do referido dispõe, assim dispõe Regina Beatriz Tavares da Silva (2012, p. 202):
O princípio da boa-fé está intimamente ligado não só à interpretação do negócio jurídico, pois segundo ele o sentido literal da linguagem não deverá prevalecer sobre a intenção inferida da declaração da vontade das partes, mas também ao interesse social de segurança das relações jurídicas, uma vez que as partes devem agir com lealdade e também de conformidade com os usos do local em que o ato negocial foi por elas celebrado.
Nesta esteira, Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery (2003) assim definem o referido princípio:
A boa fé objetiva impõe ao contratante um padrão de conduta, de modo que deve agir como um ser humano reto, vale dizer, com probidade, honestidade e lealdade. Assim, reputa-se celebrado o contrato com todos esses atributos que decorrem da boa-fé objetiva. Daí a razão pela qual o juiz, ao julgar demanda na qual se discuta a relação contratual, deve dar por pressuposta a regra jurídica de agir com retidão, nos padrões do homem comum, atendidas as peculiaridades dos usos e costumes do lugar.
Em análise aos princípios citados alhures, depreende-se que os contratantes pactuam suas vontades livremente, razão pela qual, as obrigações de fazer e não fazer estabelecidas devem ser cumpridas estritamente. Ademais, conforme supramencionado, o objeto contratual deve ser lícito, vez que a celebração de contratos que tem objeto ilícito é nula de pleno direito.
Nesta esteira, a fim de que o contrato de locação celebrado entre os Shopping Centers e os comerciantes gozem de legalidade, é cediço que as cláusulas contratuais avençadas têm a obrigação de estar em consonância com a Lei como um todo.
Assim, a fim de que a cláusula que fixa a submissão do locatário à fiscalização do locador goze de executabilidade, há a necessidade que a mesma não seja ilegal, vez que as cláusulas ilegais são nulas, conforme explanado anteriormente.
A legalidade da fiscalização do locador nas contas do locatário lojista, escora-se principalmente no princípio do pacta sunt servanda, vez que uma vez pactuada tal obrigação entre as partes, a mesma deve ser cumprida.
Neste sentido, o artigo 54 da Lei 8.245/98 dispõe que na relação entre lojistas e empreendedores de shopping centers imperarão as condições livremente avençadas entre as partes contratantes, bem como, estabelece os demais critérios de cobrança, in verbis:
Art. 54. Nas relações entre lojistas e empreendedores de shopping center, prevalecerão as condições livremente pactuadas nos contratos de locação respectivos e as disposições procedimentais previstas nesta lei.
1º O empreendedor não poderá cobrar do locatário em shopping center :
a) as despesas referidas nas alíneas a , b e d do parágrafo único do art. 22; e
b) as despesas com obras ou substituições de equipamentos, que impliquem modificar o projeto ou o memorial descritivo da data do habite - se e obras de paisagismo nas partes de uso comum.
2º As despesas cobradas do locatário devem ser previstas em orçamento, salvo casos de urgência ou força maior, devidamente demonstradas, podendo o locatário, a cada sessenta dias, por si ou entidade de classe exigir a comprovação das mesmas.
Acerca da fiscalização do faturamento do lojista, assim discorre Maria Helena Diniz (2008):
A administradora do shopping poderá fiscalizar o faturamento bruto da loja, averiguando os livros e registros que contenham a escrituração contábil, balanços e estoques de mercadorias, registro de vendas à vista e a crédito e o movimento diário das operações mercantis. Essa intromissão na contabilidade de cada loja terá por escopo apurar, em operação de sindicância, o valor percentual do aluguel participativo, de tal sorte que o lojista não poderá negar, se solicitado, a apresentação desses livros de registros. Tal sindicância não haverá num contrato de locação, sendo até mesmo incompatível com ele.
Inobstante à livre pactuação entre os contratantes, a legislação específica estabeleceu critérios a fim de que tal fiscalização não ocorra de forma abusiva, o que a tornaria ilegal. (BRASIL, 1991)
O Enunciado 30 da I Jornada de Direito Comercial do Centro de Estudos Judiciários do Conselho da Justiça Federal estabeleceu que “nos contratos de shopping center, a cláusula de fiscalização das contas do lojista é justificada desde que as medidas fiscalizatórias não causem embaraços à atividade do lojista”.
Assim, analisando o Enunciado supracolacionado, depreende-se que houve complemento do limite imposto pelo artigo 54 da Lei 8.245/91, estabelecendo que a cobrança a ser realizada não cause embaraços à atividade do locatário, em razão da omissão do dispositivo legal quanto a este aspecto.
No âmbito do Poder Judiciário, a legalidade da fiscalização das contas do lojista pelos shopping centers é aceita pelos Magistrados, desde que a cobrança respeite os limites legais e doutrinários.
Na ementa adiante colacionada, a 33ª Terceira Câmara de Direito Privado do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo confirmou os efeitos da sentença que determinou o despejo da locatária por três motivos, sendo dois deles, a não apresentação de documentos com o intuito de realizar o cálculo e a fiscalização do pagamento do aluguel variável, bem como, a fraude de faturamento, vez que, a locatária realizou a contabilização de faturamento em nome de terceiro, estranho ao contrato de aluguel avençado entre o lojista e o shopping center, in verbis:
LOCAÇÃO DE IMÓVEL NÃO RESIDENCIAL – DESPEJO POR INFRAÇÃO CONTRATUAL – Julgamento simultâneo com a ação renovatória do contrato de locação – Pedido de despejo embasado em três assertivas: de que houve descumprimento do dever contratual de substituição do fiador; de que não houve apresentação dos documentos para fins de cálculo e fiscalização do pagamento do aluguel variável; e de que houve fraude no faturamento, pois que houve contabilização de faturamento em nome de outra empresa. Descumprimento contratual verificado diante da falta de apresentação de parte dos documentos solicitados e ainda por haver comprovação da emissão de valores em nome de terceiras empresas, integrantes do grupo – Improcedência renovatória – Procedência da ação de despejo por infração contratual – Recurso desprovido.
(TJ – SP – AC: nº 9221736-30.2006.8.26.0000. Relator: Sá Moreira de Oliveira, Data de Julgamento: 01/08/2011)
Neste passo, analisando o entendimento jurisprudencial acostado acima, depreende-se que ao aplicar a disposição do artigo 54 da Lei 8.245/91, os magistrados acatam a legalidade da fiscalização das contas do locatário lojista, em razão da lei que o contrato faz entre as partes, vez que o contrato de locação celebrado entre os shopping centers e os lojistas tem caráter atípico, razão pela qual, há de ser respeitada a vontade dos celebrantes no momento de firmação do contrato, não somente no momento de fixação das obrigações, bem como, quando da execução do contrato avençado.
Nestes termos, fixada a submissão do locatário à fiscalização do shopping center por meio de contrato, tal cláusula é plenamente dotada de legalidade, bem como, a execução de tal fiscalização.
CONCLUSÃO
O desenvolvimento do presente estudo possibilitou uma análise do cenário jurisprudencial acerca da aplicabilidade da legislação locatícia, em especial a locação em shoppings centers.
Observou se que a legislação vigente é dotada de legalidade, que essa possui efetividade, que no entanto, por alguma interpretação errônea ou ainda no exercício legitimo de direito, erros ocorrem, gerando assim demandas jurídicas.
O regramento locatício possui lacunas, em especial quanto a forma fiscalizatória e os limites arrecadatórios, que por vezes soam abusivos. O que leva a questionar a validade dos contratos.
Excetuando excessos e equívocos, possíveis em quaisquer relações, nota-se que o contrato em estudo, tem complexidade elevada, que em muitas vezes as partes não estão preparadas a desenvolve-las.
Inegável, que a doutrina não se deu ao aprofundamento dos debates, com intuito de satisfazer as questões daqueles que utilizam da norma no desenvolvimentos das relações contratuais.
Com o desenvolvimento do estudo notou-se que o eixo central das lides que tiveram por objeto o contrato de locação em shopping centers, girava na forma da cobrança dos valores e na fiscalização da apuração desses.
Portanto, em análise ao exposto alhures, a fiscalização do faturamento do lojista pelo shopping center é dotada de legalidade, em respeito à autonomia da vontade das partes ao celebrarem o contrato que estabelece tal submissão do locatário à fiscalização de suas contas pelo locador, bem como, da obrigação assumida quando da formalização do contrato pelas partes.
Outrossim, a legalidade da fiscalização pelo shopping center quanto ao faturamento do lojista, vigora desde que as cobranças respeitem os limites estabelecidos pela legislação e pela doutrina, deixando o locador de realizar cobranças no espaço físico do shopping center, bem como, realizando a fiscalização de forma que não cause embaraço ao locatário.
Evidenciou-se que o instrumento de controle dessas relações se limita a legislação, que a despeito da existência de associações de shoppings, ante qualquer lide que possa surgir, só mesmo o judiciário tem sido capaz a solucionar as lides.
Nesse contexto, é possível vislumbrar possibilidade de mitigação das demandas dessa natureza, em especial quando do firmamento do contrato com detalhamento das obrigações, formas de exigibilidade das mesmas, trazendo de forma clara e consciente que o contrato entabulado é uma espécie mais complexa do gênero de locações.
Ao que se propôs, a análise da legalidade das regras do contrato de locação de shoppings centers, constatou se pela legalidade, porem o desenvolvimento das relações é que tem gerado os conflitos.
Assim, o auxílio de um advogado traria as partes mais segurança e garantia das vontades contratadas, pratica que não se observou na pesquisa desenvolvida.
REFERENCIA BIBLIOGRÁFICA
BERTI, Natália. Da Autonomia da Vontade à Autonomia Privada: Um Enfoque Sob o Paradigma da Pós-Modernidade. Revista de Direito Privado, São Paulo, Revista dos Tribunais, v.57, p. 69-94, jan/mar 2014.
Brasil. Lei n° 8.245, de 18 de outubro de 1991. Dispõe sobre as locações dos imóveis urbanos e os procedimentos a elas pertinentes. Diário Oficial da União. Brasília, DF, 21 out. 1991. Disponível em . Acesso em: 21 de maio de 2018.
COELHO, Fábio Ulhoa Manual de direito comercial: direito de empresa/ Fábio Ulhoa Coelho. – 23. ed. – São Paulo: Saraiva, 2011.1. Direito comercial I. Título
DA SILVA, Regina Beatriz Tavares e Outros. Código Civil Comentado, 8ª. Edição. São Paulo: Editora Saraiva, 2012.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro. Vol. 3. São Paulo: Saraiva, 2008. Disponível em: https://jucapobianco.jusbrasil.com.br/artigos/119525812/contrato-de-locacao-de-shopping-center. Acesso em: 21 de maio de 2018.
DINIZ, Maria Helena. Teoria das Obrigações Contratuais e Extracontratuais. 26ª Edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2010.
DINIZ, Maria Helena. Curso de direito civil brasileiro, volume 3 : teoria geral das obrigações contratuais e extracontratuais. 31. ed. – São Paulo : Saraiva, 2015. p. 32.
GAGLIANO, Pablo Stolze. Novo Curso de Direito Civil: Contratos Teoria Geral vol 4. 9º Edição. São Paulo. Editora Saraiva, 2010
https://www.abrasce.com.br/monitoramento/desempenho-da-industria Acesso em: 21 de maio de 2018.
http://www.oabgo.org.br/arquivos/downloads/Analise_-_SHOPPING_CENTER_14418.pdf Acesso em: 21 de maio de 2018.
https://www.abrasce.com.br/uploads/files/file_ad93814755b7f5b7acb5554f83c65d31.pdf. Acesso em: 21 de maio de 2018.
http://www.cjf.jus.br/cjf/corregedoria-da-justica-federal/centro-de-estudos-judiciarios-1/publicacoes-1/jornadas-de-direito-comercial/livreto-i-jornada-de-direito-comercial.pdf/. Acesso em: 8 maio 2018.
https://esaj.tjsp.jus.br/cjsg/resultadoCompleta.do. Acesso em: 8 maio 2018.
Lakatos, Eva Maria; Marconi, Marina de Andrade. Fundamentos de Metodologia Científica. 8ª edição. Editora Atlas, 2017.
lorenaviterbo7.jusbrasil.com.br/artigos/310548486/as-peculiaridades-do-contrato-de-locacao-em-shopping-center. Acesso em: 8 maio 2018.
MARTINAZZO, SILVANA. Revista Jurídica das Faculdades Secal – Ponta Grossa –v. 1 –n. 1. jan./jun. 2011. Disponível em: http://www.secal.edu.br/revista/pdf/140%20a%20164%20shopping.pdf. Acesso em: 21 de maio de 2018.
NERY, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código Civil anotado e legislação extravagante. 2.ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2003.
PEREIRA, Caio Mário Silva. Instituições de Direito Civil: Contratos. 20 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
PALADINO, Enzo. Dicionário Enciclopédico dos Princípios Jurídicos. Editora Autografia, 2016. Disponível em < https://books.google.com.br/books?id=bzQDDQAAQBAJ&pg=PT356&lpg=PT356&dq=nenhum+contrato+il%C3%ADcito,+por+exemplo,+pode+ser+judicialmente+executado&source=bl&ots=Z17N4fl_TJ&sig=gacPjIodehAda9wv8mfapPeVo70&hl=pt-BR&sa=X&ved=0ahUKEwiDr4OBqrzbAhUGm1kKHeyGDE0Q6AEIKDAA#v=onepage&q=nenhum%20contrato%20il%C3%ADcito%2C%20por%20exemplo%2C%20pode%20ser%20judicialmente%20executado&f=false>
RATTI, Fernanda Cadavid. Autonomia da vontade e/ou autonomia privada? . Revista Jus Navigandi, ISSN 1518-4862, Teresina, ano 20, n. 4311, 21 abr. 2015. Disponível em: . Acesso em: 8 maio 2018.
VENOSA, Sílvio de Salvo. Direito Civil: Contratos – 17. Ed. – São Paulo: Editora Atlas, 2017.
[1] Murilo Braz Vieira. Advogado, graduado em Direito pela Universidade Católica de Goiás (2004) e Pós graduado em Direito Público (EPD-SP) e Direito Constitucional (UFG). É Mestre em Prestação Jurisdicional e Direitos Humanos pela Universidade Federal do Tocantins (UFT), Brasil(2015) Professor da Faculdade Serra do Carmo, Brasil.
Acadêmica de Direito da Faculdade Serra do Carmo
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODARTE, Daiany de Oliveira Severino. A legalidade da submissão dos lojistas à fiscalização dos empreendedores de Shopping Centers Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 18 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51914/a-legalidade-da-submissao-dos-lojistas-a-fiscalizacao-dos-empreendedores-de-shopping-centers. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: PATRICIA GONZAGA DE SIQUEIRA
Por: Eduarda Vitorino Ferreira Costa
Por: Fernanda Amaral Occhiucci Gonçalves
Por: Adriano Henrique Baptista
Por: Alan Carlos Moises
Precisa estar logado para fazer comentários.