FÁBIO BARBOSA CHAVES[1]
(Orientador)
RESUMO: A proteção patrimonial do bem imóvel utilizado para moradia, singular ou familiar, em regra, excepciona a penhorabilidade para o exercício da obrigação de pagamento reconhecida judicialmente ou por meio do negócio jurídico inadimplido. O trabalho retrata dispêndio desta proteção quando tais obrigações decorrem de instituto obrigacional definido como fiança, especificamente quando garante o cumprimento do contrato de locação. Considerando a relevância das garantias e princípios envolvidos, assume importante relevo tal abordagem, o que justifica a efetivação de revisão bibliográfica acerca da inaplicabilidade da exceção à proteção patrimonial, nos termos previstos na Lei nº 8.009/90. Este trabalho tem como objetivo fundamentar os elementos que norteiam tal discussão, bem como realizar a análise do direito social à moradia, além de caracterizar o contrato de fiança, levando em consideração o princípio da autonomia da vontade. Desta forma, apresenta-se de maneira sucinta os aspectos que delimitam a penhorabilidade do bem de família do fiador determinada pela legislação.
PALAVRAS-CHAVE: Bem de família; Fiador; Impenhorabilidade.
RESUMEN: La protección patrimonial del bien inmueble utilizado para vivienda, singular o familiar, por regla general, excepciona la prenda para el ejercicio de la obligación de pago reconocida judicialmente o por medio del negocio jurídico incumplido. El trabajo retrata el desembolso de esta protección cuando tales obligaciones derivan de un instituto obligatorio definido como fianza, específicamente cuando garantiza el cumplimiento del contrato de arrendamiento. Considerando la relevancia de las garantías y principios involucrados, asume importante relieve tal enfoque, lo que justifica la efectividad de revisión bibliográfica acerca de la inaplicabilidad de la excepción a la protección patrimonial, en los términos previstos en la Ley nº 8.009 / 90. Este trabajo tiene como objetivo fundamentar los elementos que orientan tal discusión, así como realizar el análisis del derecho social a la vivienda, además de caracterizar el contrato de fianza, teniendo en cuenta el principio de la autonomía de la voluntad. De esta forma, se presentan de manera sucinta los aspectos que delimitan la prenda del bien de familia del fiador determinada por la legislación.
PALABRAS CLAVE: Bien de familia; fiador; inembargabilidad.
SUMÁRIO: INTRODUÇÃO. 2 A EFETIVAÇÃO DA MORADIA COMO DIREITO SOCIAL. 3 O BEM DE FAMÍLIA. 4 O CONTRATO DE FIANÇA E A AUTONOMIA DA VONTADE. 5 A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR. CONSIDERAÇÕES FINAIS. REFERÊNCIAS.
Este trabalho tem como objetivo realizar uma revisão bibliográfica acerca da inaplicabilidade da exceção prevista na Lei nº 8.009/90, no que tange a penhora do bem de família do fiador em contrato de fiança locatícia. Por conseguinte, será explorado, primeiramente, os aspectos referentes ao direito social à moradia assegurado pela Constituição Federal.
Além disso, será apresentado os aspectos que caracterizam o contrato, tendo o enfoque no contrato de fiança. O princípio da autonomia da vontade também será analisado, bem como a impenhorabilidade do bem de família do fiador levando em consideração o princípio constitucional da dignidade da pessoa humana.
De acordo com a Constituição Federal, considera-se um direito fundamental e inerente ao ser humano, o direito à moradia. Consequentemente, entende-se que a moradia deve oferecer um espaço apropriado aos seus ocupantes, com a finalidade de garantir uma vida digna aos seus moradores, bem como lhes propiciar segurança física.
Ademais, observa-se que a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem a responsabilidade de desenvolver medidas públicas capazes de proporcionar melhores condições à família, ou seja, são responsáveis por garantir a eficácia da distribuição do direito à moradia.
Como se observa, a sociedade é a base de sustento do Estado, e este tem o dever constitucional de assegurar à família uma proteção especial, como está disposto no Art. 226 da CF/88. Em conformidade com explicação de DIAS (2015), para que se possa efetivar o comando constitucional de proteção à família, a legislação cria ferramentas, como a instituição do bem de família, com a finalidade de defesa da entidade familiar e do lugar em que a família habita.
Devido à instituição do bem de família, o imóvel torna-se isento, deixando de responder pelas dívidas futuras do devedor. Consoante elucida SANTOS (2011), o bem de família legal possui como característica principal a disposição do instituto pelo Estado, visando à proteção do conjunto familiar. Mas, apesar disso, há exceções relativas à regra de impenhorabilidade, como é o caso da possibilidade de penhora sobre o bem de família do fiador. Como elucida COELHO (2012), o objetivo do instituto do bem de família é impedir que o indivíduo devedor seja desprovido de ter sua moradia
Para mais, cumpre ressaltar que o instituto do contrato possui natureza de negócio jurídico e, consequentemente deriva de uma manifestação de vontade das partes em realizar o ato, sendo esta consequência do princípio da autonomia da vontade. BARBOSA (2008) explica que tal princípio contratual garante às pessoas a liberdade de contratar, ou seja, o indivíduo tem o direito de escolher se vai ou não contratar, inclusive com quem quer contratar, bem como estabelecer o conteúdo do contrato.
Conforme dispõe o Código Civil, em seu art. 818, a fiança é definida como sendo o negócio jurídico por intermédio do qual o fiador confere a garantia de satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este venha a dar causa ao descumprimento de sua obrigação, isto é, a fiança é um negócio jurídico no qual um indivíduo se dispõe a assumir dívida de terceiro, ou seja, na hipótese de o devedor falhar com sua obrigação, a cobrança recairá sobre o patrimônio do fiador.
No entanto, é importante observar que a partir da aplicação da penhora sobre o bem de família do fiador determinada pela legislação, significa dizer que há lesão à isonomia e à proporcionalidade, tendo em vista que a fiança é um contrato acessório e por isso não pode incorrer em mais obrigações do que o contrato principal, neste caso o contrato de locação. Além disso, conforme TARTUCE (2014), existe um desrespeito à garantia constitucional da moradia, o que implica diretamente na proteção da dignidade da pessoa humana.
Finalmente, o bem de família é um instituto que serve de instrumento para a efetivação da dignidade da pessoa humana, uma vez que garante às pessoas o mínimo existencial para que se tenha uma vida digna, principalmente no que se refere ao direito de moradia. Ao penhorar o bem de família do fiador resta violado um direito inerente à qualidade do ser humano, o qual representa o direito à uma habitação onde ele possa residir com sua família de forma digna.
Nos termos do Art. 6º da Constituição Federal (CF/88), são considerados direitos sociais, a educação, a saúde, a alimentação, o trabalho, a moradia, o transporte, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados.
Assim, como disciplina SILVA (2013), os direitos sociais constituem prestações positivas concedidas pelo Estado, de forma direta ou indireta, por meio de normas constitucionais que visam melhorar as condições de vida dos cidadãos mais fracos, possibilitando assim igualar as condições sociais desiguais.
De igual modo leciona BULOS (2015, p. 809) que os direitos sociais são “liberdades públicas que tutelam os menos favorecidos, proporcionando-lhes condições de vida mais decentes e condignas com o primado da igualde real”. Neste sentido, entende-se que tais direitos funcionam como verdadeiras prestações positivas à sociedade por meio dos Poderes Públicos, que têm a competência para realizar os serviços que concretizam os direitos sociais.
O direito à moradia também se encontra disposto como competência comum dos entes federativos, através do art. 23, inciso IX da CF/88, onde a União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios possuem a responsabilidade de desenvolver programas de construção de moradias, assim como proporcionar a melhoria das condições habitacionais e de saneamento básico dos habitantes.
Além disso, em conformidade com o entendimento de LENZA (2016), o direito à moradia existe com a finalidade de consagrar o direito à habitação digna e adequada, este que está intimamente ligado ao direito de dignidade da pessoa humana (Art. 1º, III, CF/88), ao direito à intimidade e à privacidade, e de ser a casa considerada asilo inviolável (Art. 5º, X e XI, CF/88).
Adicionalmente, temos algumas considerações acerca do direito à moradia, como se vê, a Declaração Universal dos Direitos Humanos da ONU de 1948 em seu Artigo XXV, parágrafo 1º, afirma que a moradia constitui o direito que tem o ser humano de ter um padrão de vida adequado. Mas, o documento não contém a especificação do modo para efetivar esse direito, sendo mencionado apenas a adoção de medidas progressivas para assegurar seu reconhecimento e sua observância universal e efetiva.
Entre os pactos internacionais, ALVES (2010) destaca o Pacto Internacional de Direitos Econômicos, Sociais e Culturais da ONU (PIDESC), que fora ratificado pelo Brasil e representa um sistema de verificação da efetividade dos direitos inerentes ao ser humano, bem como dos direitos sociais. De acordo com este pacto (Art. 11. Parágrafo 1), os Estados Partes se comprometem a garantir o gozo dos direitos incluídos no Pacto, inclusive os direitos sociais (Art. 3º).
De acordo com o Comitê de Direitos Econômicos, Sociais e Cultuais (DESC), em comentário número quatro, o conceito de adequação é significante em relação ao direito à moradia. Assim, a adequação é determinada em parte por fatores sociais, econômicos, culturais, climatológicos, ecológicos, mas, o Comitê considera que é possível identificar alguns elementos essenciais para a efetivação do direito à moradia adequada.
Conforme esclarecimentos do DESC a respeito do referido pacto, o primeiro fator indispensável é a segurança jurídica da posse, pois as pessoas devem possui uma garantia de proteção legal contra o despejo, assédio ou outras ameaças. O segundo aspecto é a infraestrutura, uma vez que uma habitação adequada deve conter os serviços essenciais para a saúde, segurança, conforto e nutrição.
Um terceiro elemento a ser considerado é a despesa suportada pelos habitantes, tanto no que se refere a despesas pessoais, como despesas domésticas. O quarto e relevante aspecto é a habitabilidade, porquanto a moradia adequada necessita ser habitável a oferecer espaço apropriado aos seus ocupantes a fim de protegê-los e garantir a segurança física dos moradores.
Já o quinto elemento a ser observado é a questão da acessibilidade, uma vez que a habitação deve estar acessível àqueles que têm direito; o sexto aspecto é o lugar, ou seja, para que seja considerada adequada a moradia, é importante que esteja localizada em um local que possibilite o acesso a oportunidades de emprego, serviços básicos, como saúde e educação, entre outros serviços sociais. Ademais, cumpre ressaltar que a moradia não deve ser construída em locais que sejam contaminados, sequer onde contenha fontes de poluição ameaçando a saúde dos moradores, isto é o que dispõe as recomendações do DESC.
Finalmente, o sétimo aspecto revela a adequação cultural da moradia. Quer dizer que, o modo como será construída a habitação, bem como os materiais utilizados devem assegurar que a expressão da identidade cultural não seja sacrificada em razão do desenvolvimento ou modernização quanto à habitação, devendo garantir também a diversidade da habitação, e, de toda forma, assegurar serviços tecnológicos modernos.
Por conseguinte, ALVES (2010) afirma que, além da observância destes elementos acima descritos, é essencial para a efetivação do direito à moradia a exigência da progressividade, isto é, de que a concretização dos direitos sociais seja realizada de maneira progressiva, porquanto isto garante que o Estado não poderá se valer do fato de não possuir recursos para incorrer em não buscar aplicar medidas que objetivem, de modo progressivo, o alcance do direito à habitação adequada.
Deste modo, significa dizer que o Estado deve assegurar de maneira constante o acesso à habitação adequada, para que o indivíduo viva com dignidade e em boas condições, pois, como bem esclarece DE ALMEIDA e SIQUEIRA (2017, p. 387), “para alcançar as necessidades básicas da vida como relaxar, trabalhar, educar-se, faz-se necessário um lugar fixo e amplamente reconhecido por todos”, visto que possuir um lugar para viver e se desenvolver está intimamente ligado aos anseios do indivíduo.
Com isso, entende-se que o direito à moradia constitui um direito inerente à própria existência humana, um direito social que deve ser assegurado a todos os indivíduos, e o Estado é o responsável por garantir a eficácia da distribuição deste direito, isto por meio de medidas públicas criadas, conforme as condições mínimas essenciais exigidas na legislação, com a finalidade de efetivar o direito ao indivíduo e à sua família de obter uma habitação adequada, que seja capaz de lhe suprir as necessidades básicas de vida, como segurança, saúde, acesso à serviços sociais, entre outros.
É cediço que a família é considerada instituto importante perante a sociedade, uma vez que constitui o equilíbrio do ser humano, pois, como afirma SANTIAGO (2004), é no meio familiar que o indivíduo aprende as definições de amor, ética, caráter, respeito ao próximo, bem como solidariedade, isto é, é onde se aprende a viver em sociedade, fazendo com que seja possível se ter uma sociedade digna.
Como se observa, a sociedade é a base de sustento do Estado, e este tem o dever constitucional de assegurar à família uma proteção especial, como está disposto no Art. 226 da CF/88. Em conformidade com explicação de DIAS (2015), para que se possa efetivar o comando constitucional de proteção à família, a legislação cria ferramentas, como a instituição do bem de família, com a finalidade de defesa da entidade familiar e do lugar em que a família habita.
No ordenamento jurídico brasileiro, o bem de família encontra-se regulado por intermédio do Código Civil (CC/2002), bem como pela lei nº 8.009/90, esta que trata a respeito da impenhorabilidade do bem de família. Percebe-se que a legislação que aborda este assunto tem como finalidade resguardar o domicílio da família, assegurando aos indivíduos que nele residem, segurança e proteção, e que continuem a ter um teto onde morar, evitando assim a desestruturação da família.
Conforme disposto no Art. 1.712 do CC/2002, considera-se bem de família o imóvel residencial urbano ou rural, com devidos pertenças e acessórios, o qual é destinado ao domicílio familiar, podendo também abranger valores mobiliários em que a renda seja utilizada para conservação do imóvel e sustento da família.
De acordo com GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012), o bem de família pode ser compreendido como sendo o bem jurídico cuja titularidade é protegida em benefício do devedor, com o objetivo de preservar o mínimo patrimonial do indivíduo para uma vida digna. Além disso, observa-se que a proteção que envolve esse bem não se limita apenas ao imóvel, mas também aos bens considerados acessórios.
Igualmente leciona GONÇALVES (2011), afirmando que o bem de família constitui o asilo da família, tornando-se, assim, impenhorável por dívidas que surgirem posteriormente à sua constituição. Significa dizer que, o bem de família se trata de um instituto amparado pela lei em favor da família, de que esta possa permanecer em seu lar. Isto porque deve-se garantir o mínimo necessário para a existência de uma família, por meio da proteção ao direito de domicílio familiar.
Consequentemente, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012) afirma que a qualificação de um imóvel como bem de família deve ser efetuada de forma que seja assegurado à família, não somente o essencial para sua subsistência, mas, o mais importante é que se promova o necessário para que a família possa viver com dignidade.
Desta forma a lei estabelece a impenhorabilidade e a inalienabilidade do referido bem jurídico. SANTOS (2011) explica que em razão da garantia do direito de propriedade assegurado pela CF/88, o bem de família possibilita ao instituidor que um dos seus bens seja tomado como bem livre de penhora por dívidas contraídas após a aquisição do bem, bem como restrito de alienação, observando-se quando houver, as exceções elencadas pela legislação.
É importante ressaltar que a doutrina divide e classifica o instituto do bem de família em duas modalidades, quais sejam, o bem de família voluntário e o bem de família legal (ou involuntário). Tal classificação se dá em razão da forma de constituição do bem de família, seja ela por meio de estipulação da lei, ou ainda, por vontade das partes.
O bem de família voluntário consta disciplinado no Art. 1.711 do CC/2002, e como explica GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012), é instituído a partir de ato de vontade dos cônjuges ou da entidade familiar, ou seja, é determinado pelo livre arbítrio das partes, sem imposição. Conforme o dispositivo constante legislação civil. Conforme enuncia GONÇALVES (2017), o bem de família voluntário poderá ser instituído tanto pelos cônjuges ou entidade familiar, como também mediante terceiro que poderá fazer o registro do imóvel, seja por testamento ou por doação, em benefício da família, sendo necessária sua aceitação expressa.
Adicionalmente, SANTOS (2011) enuncia que o bem de família voluntário é aquele em que o instituidor escolheu dentre os bens de seu patrimônio, um para garantir a moradia de sua família, incorrendo assim no registo do imóvel para que se torne pública sua decisão e, por conseguinte, possa gerar os efeitos esperados no que se refere à impenhorabilidade e inalienabilidade sobre o imóvel.
Consequentemente, entende-se que para a constituição do bem de família voluntário, é necessário observar alguns requisitos, conforme esclarece a supracitada autora. O primeiro requisito é que seja feita a escolha do bem imóvel pelo instituidor, este que deverá ser proprietário do imóvel ou integrante da família ou entidade familiar, ou mesmo um terceiro em prol da família.
O segundo requisito é a solvabilidade do proprietário do imóvel, a fim de evitar o enriquecimento ilícito através de fraude contra credores de eventuais dívidas, tendo em vista que se a instituição do bem de família impossibilitar que os credores recebam seus créditos, tal instituição será considerada inválida, isto é o que aclara SANTOS (2011), porquanto o proprietário deverá ter outros bens que assegurem o pagamento das dívidas constituídas anteriormente à instituição do bem de família.
O terceiro requisito é o de que o imóvel a ser instituído como bem de família seja utilizado pela entidade familiar e por esta ocupado, ou, mesmo que o imóvel seja alugado para terceiro, mas que a renda seja administrada em favor da subsistência ou moradia da família, no entanto vale ressaltar que isto é uma exceção, pois a regra geral é de que o bem de família seja residido por esta.
Importante retratar que tal previsão encontra respaldo jurisprudencial, efetivado pela Súmula nº 486 do Superior Tribunal de Justiça, que assim dispõe: “É impenhorável o único imóvel residencial do devedor que esteja locado a terceiros, desde que a renda obtida com a locação seja revertida para a subsistência ou a moradia da sua família”.
É importante o esclarecimento trazido por SANTOS (2011) de que ao bem da família não poderá ser atribuído o intuito de imóvel comercial. Isto ocorre porque, a finalidade do instituto do bem de família é assegurar ao proprietário e ao grupo familiar uma proteção contra a execução forçada de dívidas.
O quarto requisito a se analisar é o limite estabelecido pela lei de que o valor do bem de família a ser instituído, não ultrapasse um terço do patrimônio líquido do instituidor, existente ao tempo da instituição. E, finalmente, o quinto e último requisito versa sobre o registro do bem de família, o qual deverá ser feito no cartório de registro de imóveis, mediante escritura pública ou testamento, com o objetivo de tornar pública a instituição, conforme determina o Art. 167, inciso I, número 1, bem como o Art. 260, da Lei nº 6.015/73, denominada Lei de Registros Públicos.
Por conseguinte, consoante disposição constante no Art. 261 da referida lei de registros, deverá ser apresentada a escritura pública de instituição do bem de família para que seja publicada na imprensa local, ou se for o caso na imprensa da capital do estado, para que seja tornado válido o ato. Além disso, observa-se que o CC/2002 em seu Art. 1.714 dispõe que a efetiva constituição do bem de família dar-se-á por meio do registo de seu título.
Devido à instituição do bem de família, o imóvel torna-se isento, deixando de responder pelas dívidas futuras do devedor, mas não pelas dívidas pretéritas, porquanto a impenhorabilidade não possui efeito retroativo, como bem explica DIAS (2015), isto serve para evitar tentativas de fraude. Ademais, observa-se que a isenção não alcança as dívidas que advém da cobrança de tributos sobre o prédio ou de despesas com o condomínio, é o que dispõe o Art. 1.715 da legislação cível.
Em paralelo a esta classificação definida como bem de família voluntário, existe a modalidade reconhecida como bem de família legal (ou involuntário), trazida pela Lei nº 8.009/90, com o intuito de ampliar o conceito de bem de família, o qual tem proteção legal imediata e independentemente de instituição em cartório ou registo. Como bem explica GONÇALVES (2011), em razão desta lei (Art. 1º), agora o bem de família advém diretamente do texto legal, de ordem pública, e que atribuiu a isenção de cobrança de dívidas sobre o imóvel residencial, próprio do casal ou da entidade familiar
Mas, atente-se para a exceção prevista na referida lei em seu Art. 2º, pois não podem ser instituídos como bem de família impenhoráveis os veículos de transporte, as obras de arte e adornos luxuosos. E, ainda, no caso de o imóvel estar locado para terceiro, a isenção sobre cobrança poderá ser feita aos bens móveis quitados e que guarnecem a moradia, e desde que sejam de propriedade do locatário.
Consoante elucida SANTOS (2011), o bem de família legal possui como característica principal a disposição do instituto pelo Estado, visando à proteção do conjunto familiar. Ademais, a supracitada doutrina complementa seu raciocínio afirmando que nesta modalidade de bem de família, não há restrição quanto ao tipo de imóvel a ser caracterizado como tal, excepcionando-se os casos onde o proprietário que possua mais de um imóvel, hipótese em que apenas um imóvel será considerado bem de família, a saber, o que seja menos valioso.
Sabendo-se que a forma de instituição do bem de família involuntário é realizado por intermédio do próprio Estado, através da lei, SANTIAGO (2004) esclarece que a referida instituição não depende de ação do proprietário, sequer exige que seja feito o registo, pois sendo a lei pública, a validade da instituição do bem de família é automática, e, ainda, consequentemente, não pode ser estabelecido por meio de terceiros.
Acerca do bem de família involuntário, com o advento da Lei nº 8.009/90, a qual corresponde a lei cogente e de ordem pública, e que possui o caráter protecionista e publicista, nota-se que o Estado chamou para si o dever de proteção que antes restava incumbido ao chefe da família, ao proprietário, este que deveria realizar a escolha, registro e constituição do bem de família, de forma voluntária.
Por conseguinte, como explica DIAS (2015), mediante a instituição legal e automática do bem de família, há a garantia do mínimo necessário para que a família sobreviva dignamente, recaindo assim na proteção ao direito fundamental à moradia, consagrado pelo texto constitucional. Adicionalmente, cumpre ressaltar aqui também, os requisitos necessários à constituição do bem de família involuntário, os quais, de acordo com SANTOS (2011), são praticamente os mesmos elencados na explicação sobre o bem de família voluntário, mas com algumas diferenças.
O principal requisito é o de que a propriedade do imóvel seja dos beneficiários, sendo este residencial, independentemente de ser urbano ou rural, e por consequência, para a eficácia do instituto, é essencial que a entidade familiar resida neste imóvel, porquanto não é admitido que os efeitos do bem de família não podem recair em favor daquele que apenas detenha a posse do imóvel, como por exemplo, a locação.
Mas, a característica que mais diferencia estas duas modalidades de bem de família, diz respeito à forma de constituição. Isto porque, no bem de família legal não há obrigatoriedade de que seja feita a inscrição do imóvel no cartório de registo público, pois como já fora mencionado, o bem de família legal é instituído pelo próprio Estado.
Outro fator relevante é que não existe uma limitação estabelecida pela Lei nº 8.009/90 para o valor do bem de família involuntário, e conforme diz SANTIAGO (2004), não é cabível a aplicação da regra do CC/2002, que traz o limite de um terço do patrimônio líquido do instituidor. Contanto que haja a moradia da família no imóvel, haverá a isenção por execução de dívidas sobre o bem de família, inclusive quanto aos móveis que guarnecem a habitação.
Além disso, consoante explicita SANTOS (2011), neste caso não é preciso tornar pública a instituição do bem de família involuntário, uma vez que ele provém de lei, sendo considerada uma instituição ex lege. Observa-se que a solvabilidade é um aspecto importante, pois a isenção de dívidas se dará somente no quanto às dívidas adquiridas após a aquisição do imóvel, e o proprietário deverá possuir outros bens para garantir o pagamento do crédito, não incorrendo assim em fraude contra credores.
Visto isto, é importante analisar o que trata o Código Civil acerca da extinção do bem de família. Cumpre referir que é possível, de acordo com a lei (Art. 1.719 do CC/2002), que se proceda à extinção do imóvel instituído como bem de família, ou ainda, à sub-rogação deste por outro, se, a requerimento do interessado, o juiz entender que esta medida é necessária para que seja mantida a família.
De acordo como Art. 1.720 do CC/2002, a administração do bem de família é de responsabilidade de ambos os cônjuges, e como explica GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012), também compete aos companheiros, quando se tratar de união estável, ou ainda, ao pai ou à mãe, o cabeça da família monoparental, e, na falta de quaisquer destes eventuais responsáveis, a administração do imóvel recairá sobre o filho mais velho, sendo maior de idade, mas caso não seja, caberá ao seu tutor, conforme dispõe o Parágrafo Único do supracitado dispositivo de lei.
Além do pedido de extinção ou sub-rogação que a lei possibilita aquele interessado em extinguir a instituição do bem de família, a legislação civil – Art. 1.722 do CC/2002 – dispõe que no caso de ocorrer a morte de ambos os cônjuges ou no caso de os filhos alcançarem a maioridade, mas desde que estes não estejam sujeitos ao regime da curatela, o registro da instituição do bem de família se extingue automaticamente.
De mais a mais, não obsta analisar que a simples dissolução da sociedade conjugal não extingue o bem de família – Art. 1.721 do CC/2002 – Mas, segundo consta no Parágrafo Único do referido artigo, ao cônjuge sobrevivente, no caso de morte do outro, é possível que ele faça o requerimento de extinção do bem de família, desde que este seja o único bem que o casal possui.
Em conformidade com a explicação de DIAS (2015), é injustificável estabelecer uma limitação à eficácia do bem de família à menoridade dos filhos, isto porque, o que se entende é que o conceito do instituto família não é bem definido atualmente, existindo diversos tipos de formatação familiar. Deste modo, na ausência dos pais, os filhos continuam a formar uma família e assim, a eles devem ser assegurados os efeitos do bem de família, ou seja, eles devem permanecer a salvo dos devedores, inclusive após alcançarem a maioridade.
Ao mesmo passo em que o CC/2002 admite que seja realizada a escolha de um imóvel para ser definido como o bem de família, de forma voluntária, ou ainda, a instituição do bem de família por intermédio da lei, de forma involuntária e automática, isto com a finalidade de isentar o bem em relação a cobrança de dívidas, é factível ao instituidor, aos herdeiros, ao cônjuge ou companheiro, e bem como a outros interessados, requerer a extinção ou sub-rogação do bem de família, sendo comprovada pelo juiz a necessidade da medida para que seja mantida a entidade familiar.
Ademais, cumpre esclarecer alguns aspectos referentes ao efeito da instituição do bem de família. Ao registrar um bem imóvel como bem de família, a consequência disso é de que a família residente naquela casa, apartamento, etc., estará protegida no que diz respeito à cobrança de dívidas, ou seja, o bem de família não poderá ser objeto de penhora objetivando sanar débitos que apareçam após a instituição do bem.
É cediço que a garantia do credor de receber seu pagamento é o patrimônio do devedor. COELHO (2012) explica que quando o indivíduo não cumpre determinada obrigação, sendo ela proveniente de contrato ou da lei, o credor da obrigação tem o direito de executar seu crédito junto ao Poder Judiciário, requerendo a penhora de tantos bens do devedor quantos sejam suficientes à satisfação do débito. Assim, os bens penhorados serão desapropriados judicialmente para que seja feito o pagamento.
Desta forma, o instituto do bem de família torna-se essencial para a proteção da família. Consoante afirma DIAS (2015), pode-se dizer que se trata de uma qualidade que é incorporada a um bem imóvel, assim como a seus móveis pertencentes, tendo como efeito a isenção da família em relação a credores e suas execuções.
Adicionalmente, GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012) descreve quais são os efeitos do bem de família devidamente instituído. O primeiro efeito é denominado de impenhorabilidade, o qual determina a isenção do imóvel residencial de dívidas futuras, com exceção, como dispõe a legislação, daquelas que provém de impostos relativos ao prédio, como IPTU, ITR, etc., ou ainda de despesas de condomínio.
A instituição do bem de família, conforme SANTOS (2011), impede que o imóvel residencial sofra constrição judicial por dívidas posteriormente constituídas. No entanto, no que tange às dívidas anteriores, estas podem recair sobre o bem de família, uma vez que este ficará disponível no caso de não existir outros bens que possam garantir o pagamento da dívida, pois se assim não fosse, haveria fraude a credores e enriquecimento ilícito. Mas, havendo outros bens, estes é que responderão pelo débito e o bem de família permanecerá impenhorável.
O segundo efeito agregado ao bem imóvel, de acordo com GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012), é o de inalienabilidade do imóvel residencial, ou seja, uma vez que o bem de família é instituído, este não poderá ter outro destino que não seja o domicílio familiar, sequer poderá ser alienado. Mas, caso queira alienar o imóvel, o Art. 1.717 do CC/2002 impõe que deve obter o expresso consentimento dos interessados ou de seus representantes legais e, ouvir o Ministério Público.
Além disso, o bem de família não se destina tão somente a proteger os interesses dos membros das entidades familiares, como bem explica COELHO (2012), a jurisprudência estende os efeitos da impenhorabilidade do instituto ao imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas, isto porque o entendimento do STJ é de que a finalidade precípua do bem de família é a proteção do direito social à moradia: Súmula nº 364 do STJ: “O conceito de impenhorabilidade de bem de família abrange também o imóvel pertencente a pessoas solteiras, separadas e viúvas.”
Em vista disso, a impenhorabilidade do bem de família representa um instituto criado para assegurar à família, o direito ao lar, à residência, ao abrigo mínimo e ao mínimo essencial para uma vida digna, consoante elucida SANTOS (2011, p. 44-45), uma vida “à salvo dos excessos egoísticos do ser humano e contra a quebra da estrutura familiar e do próprio Estado”, com isso, transformar o bem imóvel em bem de família impenhorável significa não permitir que a família fique desprotegida, sustentando assim o interesse particular em detrimento do interesse coletivo.
No que se refere à inalienabilidade do bem de família, esta nada mais é do que uma cláusula inserida no registo de matrícula do bem imóvel onde o proprietário fica impedido de alienar o bem, é o que esclarece SANTOS (2011). Mas, observa-se que tal inalienabilidade é relativa porquanto não poderia a lei inviabilizar que o proprietário pudesse alienar seus bens, tendo em vista que uma das garantias pertinentes à qualidade de proprietário é que este pode dispor livremente de seus bens, conforme dispõe o Art. 1.228, “Caput”, do Código Civil de 2002.
Ou seja, é possível a alienação desde que haja autorização do proprietário, ou de interessados, como cônjuge ou filhos menores, no entanto, é necessário o ajuizamento de ação requerendo tal autorização, bem como ouvir o Ministério Público. Conforme explicação do supracitado autor, os filhos maiores não são alcançados pela cláusula de inalienabilidade porque são capazes de prover seu próprio sustento.
Em conformidade com demonstração de GONÇALVES (2017), temos que, a regra que atribui imunidade à penhora com relação à moradia da família e de determinados móveis e equipamentos, compreende algumas exceções, como a prevista no Art. 2º, outrora comentado, no qual não podem ser constituídos como bem de família impenhoráveis, os veículos de transporte, obras de arte e adornos suntuosos. Bem como as hipóteses taxativas, que estão expressamente descritas no Art. 3º da Lei n. 8.009/90.
Consoante afirma SANTOS (2011), a impenhorabilidade do bem de família se aplica a todas as dívidas adquiridas posteriormente à aquisição do bem imóvel. Mas, apesar disso, há exceções relativas à regra de impenhorabilidade, às quais determinam que não serão considerados impenhoráveis os créditos relativos aos trabalhadores, créditos para construção ou aquisição do imóvel; créditos referentes à alimentos, créditos tributários, contribuições e obrigações propter rem (obrigação decorrente da relação entre o devedor e a coisa), crédito hipotecário, aquisição criminosa, crédito de fiança locatícia e, por fim, execução de sentença penal condenatória
Em suma, como elucida COELHO (2012), o objetivo do instituto do bem de família é impedir que o indivíduo devedor seja desprovido de ter sua moradia. Isto porque, ainda que a atitude de descumprimento da obrigação pelo devedor seja errada, não é considerado justo que este se submeta a uma situação patrimonial deficiente a ponto de perder inclusive o seu local de morada com sua família. Ademais, é relevante a observação das regras elencadas pela lei do bem de família, a fim de verificar quais as hipóteses em que o bem de família não será alcançado pela impenhorabilidade.
Antes de adentrar nas questões referentes ao contrato de fiança, urge comentar acerca da definição do instituto contratos. Este, conforme explicação de QUEIROZ (2012), o contrato representa um negócio jurídico, pactuado de forma bilateral ou plurilateral, com a colaboração recíproca das partes contratantes, e tem a finalidade de criação, modificação ou extinção de direitos e deveres de conteúdo patrimonial.
Igualmente, TARTUCE (2014) também esclarece acerca da definição de contrato afirmando que este é um ato jurídico em sentido amplo, constituído a partir da vontade humana, com um objetivo de cunho patrimonial. De acordo com o citado autor, a existência do contrato está condicionada à licitude de seu conteúdo, ou seja, o objeto do contrato não pode contrariar o ordenamento jurídico, a boa-fé, sequer a sua função social e econômica e os bons costumes, como prescreve o Art. 104, inciso II do Código Civil no que tange à validade dos negócios jurídicos.
Para mais, entende-se que o contrato possui natureza de negócio jurídico e, consequentemente deriva de uma manifestação de vontade das partes em realizar o ato, sendo esta consequência do princípio da autonomia da vontade. BARBOSA (2008) explica que tal princípio contratual garante às pessoas a liberdade para contratar, ou seja, o indivíduo possui o direito de escolher se vai ou não contratar, inclusive escolher a pessoa com quem quer contratar, bem como estabelecer o conteúdo do contrato.
Desta forma, o princípio da autonomia da vontade representa o poder que tem os contratantes de disciplinar acerca dos seus interesses, fazendo isso mediante um acordo de vontades. Essa liberdade contratual costa descrita no Art. 421 do Código Civil. Maria Helena Diniz, citada por BARBOSA (2008) afirma que, o princípio da autonomia da vontade representa o poder que é conferido aos contratantes de que possam estabelecer um vínculo obrigacional, mas devem submeter-se às normas jurídicas e seu objetivo não pode contrariar o interesse geral, uma vez que a ordem pública e os bons costumes constituem uma limitação à liberdade contratual.
Posto isso, cumpre ressaltar que existe uma classificação que divide os contratos em espécie, e entre eles está o contrato de fiança. De acordo com QUEIROZ (2012), o contrato de fiança corresponde àquele mediante o qual uma das partes se compromete a cumprir obrigação assumida por terceiro, no caso em que este não a cumpra. Assim, a fiança representa então uma espécie de garantia pessoal, onde quem garante ao credor que a dívida será paga é o patrimônio de uma pessoa, também pode ser denominada de garantia fidejussória.
Em conformidade com entendimento de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012), baseando-se no dispositivo legal constante no Art. 818 do CC/2002, a fiança pode ser definida como sendo o negócio jurídico por intermédio do qual o fiador confere a garantia de satisfazer ao credor uma obrigação assumida pelo devedor, caso este venha a dar causa ao descumprimento de sua obrigação.
Segundo demonstração de GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012), o contrato de fiança é um contrato individual, estipulado entre pessoas determinadas, e tem natureza personalíssima. Ademais, o referido contrato é unilateral, pois, sendo celebrado o contrato de fiança, a obrigação impõe-se apenas para o fiador; é acessório, tendo em vista que sempre acompanha um contrato principal; é gratuito, porquanto traz um benefício para o credor, sem que se lhe imponha contraprestação alguma, e somente o fiador sofrerá sacrifício patrimonial; e, o contrato de fiança é formal e pode ser celebrado tanto de forma paritária, quanto no modo de contrato de adesão.
De acordo com a legislação civil, e como bem explica QUEIROZ (2012), constitui objeto do contrato de fiança, a garantia de dívidas atuais, bem como as dívidas futuras, sendo que neste último caso o fiador não será demandado senão depois que se fizer certa e líquida a obrigação do principal devedor (Art. 821 do CC/2002). Ainda, o Art. 822 do CC/2002 admite que o contrato de fiança comportará também os acessórios da dívida principal, incluindo despesas judiciais, mas desde que a fiança não seja limitada.
Adicionalmente, também será considerado como objeto do contrato de fiança, de acordo com o Art. 824 do CC/2002, as obrigações nulas nos casos em que a nulidade for decorrente de incapacidade pessoal do devedor, permanecerá válida a fiança, com exceção de mútuo realizado a menor (Parágrafo Único). No entanto, como elucida TARTUCE (2014, p. 336-337), “a fiança nunca poderá ser superior ao valor do débito principal, pois o acessório não pode ser maior do que o principal”. Assim, sendo a fiança mais onerosa do que a obrigação principal, deverá ser observada a regra disposta no Art. 823 do CC/2002, e então ser reduzida ao limite da dívida que foi afiançada.
De acordo como fora determinado pela própria legislação civil (Art. 827, CC/2002), o contrato de fiança tem como efeito o benefício de ordem, que segundo QUEIROZ (2012), constitui direito do fiador demandado ser cobrado subsidiariamente, ou seja, que primeiramente sejam executados os bens do devedor, e além disso, após suscitar o benefício de ordem, caberá ao fiador nomear bens do devedor, livres e desembargados, a fim de solver o débito.
Consequentemente, temos que o contrato de fiança existe com a finalidade de garantir o pagamento de dívida ao credor, sendo considerado também como uma garantia pessoal. A fiança é um negócio jurídico onde um indivíduo se dispõe a assumir dívida de terceiro, ou seja, na hipótese de o devedor falhar com sua obrigação, a cobrança recairá sobre o patrimônio do fiador. A condição de fiador é determinada por meio da manifestação da vontade, sendo esta um requisito para a constituição do negócio jurídico, e no caso em questão, da instituição do fiador, já que este tem ciência do conteúdo do contrato e assim cabe a ele a escolha de ser ou não fiador.
5 A (IM)PENHORABILIDADE DO BEM DE FAMÍLIA DO FIADOR
Uma das exceções à impenhorabilidade do bem de família legal, instituído pela Lei nº 8.009/90 está relacionada à possibilidade de o imóvel de residência do fiador de locação imobiliária, ou seja, conforme previsão do Art. 3º, VII, da referida lei, não incide a cláusula de impenhorabilidade sobre o imóvel do fiador:
Art. 3º - A impenhorabilidade é oponível em qualquer processo de execução civil, fiscal, previdenciária, trabalhista ou de outra natureza, salvo se movido:
[...]
VII - por obrigação decorrente de fiança concedida em contrato de locação.
De acordo com a doutrina observa-se que existe uma posição minoritária a qual entende que esta previsão de penhorabilidade do bem imóvel do fiador é considerada inconstitucional, tendo em vista que viola a isonomia pertencente ao Art. 5.º, “Caput”, da CF/88, bem como viola a proteção da dignidade humana demonstrada pelo Art. 1.º, inciso III, da CF/1988. De acordo com TARTUCE (2014), isto se dá em razão de que o devedor principal, o locatário, não pode ter o seu bem de família penhorado, enquanto o fiador, sendo este devedor subsidiário, pode suportar a constrição.
Neste sentido, significa dizer que a lesão à isonomia e à proporcionalidade está determinada pelo fato de que a fiança é um contrato acessório e por isso não pode incorrer em mais obrigações do que o contrato principal, no caso o contrato de locação. Além disso, conforme o citado autor, existe um desrespeito à garantia constitucional da moradia, o que implica diretamente na proteção da dignidade da pessoa humana.
Adicionalmente, em conformidade com explicação de QUEIROZ (2012, p. 175), “a residência do locatário responsável pela dívida estará protegida, mas a de seu fiador, não”, assim sendo percebe-se que a lei oferece tratamento desigual a duas obrigações que por si possuem o mesmo fundamento, isto porque, como afirma REIS e MENEGAZZI (2014), há duas pessoas a ser executadas por uma dívida que provém da mesma origem, a locação, mas que responderão de modo diverso, seno que o fiador será mais prejudicado do que o contraente da obrigação.
No entanto, cumpre ressaltar que existem os adeptos à tese da penhorabilidade e que justificam a exceção prevista na Lei nº 8.009/90, afirmando que a finalidade da exceção é de fomentar o mercado de locação, facilitando o direito à moradia. Ademais, temos o entendimento do Superior Tribunal de Justiça, o qual refere-se ao assunto de forma clara e firme, determinando que é válida a exceção prevista na lei do bem de família, no que tange ao imóvel do fiador garantido em contrato de locação, deste modo tem-se a súmula 549 do STJ: “É válida a penhora de bem de família pertencente a fiador de contrato de locação”.
Consoante expõe OLIVEIRA (2009), entende-se a partir de pronunciamentos dos tribunais de que o fiador se vincula ao cumprimento da obrigação mediante manifestação livre de sua vontade ao contratar, sendo assim, é factível a ele sofrer os ônus resultantes da contratação, como a perda de seu bem de família, uma vez que o indivíduo ao assumir a condição de fiador possui a ciência de todas as cláusulas.
Por conseguinte, de acordo com o que elucida GAGLIANO e PAMPLONA FILHO (2012b, p. 483), “não há dúvida de que o fiador é, em essência, por força da característica de acessoriedade do contrato de fiança, um sujeito passivo de segundo grau, ou seja, um garantidor da obrigação principal”, assim como, não resta dúvidas de que é de livre escolha do indivíduo ser ou não fiador.
Mas, apesar de que a base de sustento da penhora seja o princípio da pacta sunt servanda ou força obrigatória das convenções, tendo como objetivo garantir a segurança do negócio jurídico, e ainda, sabendo que a autonomia da vontade representa a livre iniciativa das partes em celebrar o contrato, “não se pode interpretar e executar o princípio da força obrigatória contratual em caráter absoluto, pois com existência da gama de princípios e direitos irrenunciáveis, tornou sua utilização defasada”, como afirma REIS e MENEGAZZI (2014, p. 190). Ademais, entende-se que a autonomia da vontade sofre limitação, devendo ser executada nos limites da função social dos contratos.
Assim, percebe-se que a discussão encontrada no meio jurídico é bastante ampla com relação à questão da penhorabilidade do bem de família do fiador. Uns adotam a constitucionalidade da exceção, e outras optam por torná-la inconstitucional. Mas, ocorre que a regra trazida pela lei do bem de família foi considerada válida, e com isso pode gerar seus efeitos, como se observa através da súmula editada pelo STJ. Assim sendo, a obrigação do débito proveniente de fiança locatícia poderá recair sobre o único bem de família do fiador, o qual não consta reconhecida sua impenhorabilidade.
Posto isso, considera-se de grande relevância a observação de tal regra em contrapartida ao direito social à moradia garantido pela Constituição Federal. O bem de família é um instituto que serve de instrumento para a efetivação da dignidade da pessoa humana, uma vez que garante às pessoas o mínimo existencial para que se tenha uma vida digna, principalmente no que se refere ao direito de moradia. Ao penhorar o bem de família do fiador resta violado um direito inerente à qualidade do ser humano, que é o direito à uma habitação onde ele possa residir com sua família de forma digna.
Desta forma, ainda que seja de livre e espontânea vontade do indivíduo escolher ser ou não fiador em determinado contrato, não nos parece justo que o fiador sofra maior perda patrimonial em relação ao devedor principal, tendo em vista que o contrato de fiança constitui um contra acessório e não deveria ser mais oneroso do que o próprio contrato de locação. Por isso, baseando-se nos princípios constitucionais da isonomia, da dignidade da pessoa humana e ainda, tendo por base o direito à moradia, é imprescindível que seja garantido ao fiador a impenhorabilidade de seu bem de família, porquanto seja instituído pelo único imóvel pertencente a ele e sua respectiva família.
A discussão abordada confere grande relevância no que diz respeito à análise da aplicabilidade da exceção trazida pela lei da impenhorabilidade do bem de família, onde determina que o imóvel instituído como bem de família do fiador não é considerado impenhorável. No meio jurídico, uns adotam a posição da constitucionalidade do dispositivo, com a fundamentação baseada na premissa básica de formação dos contratos, que é a manifestação livre de vontade, ou seja, o fiador escolhe esta condição e por isso dever suportar o ônus advindo dela.
Em contrapartida existem aqueles que optam por tornar inconstitucional a exceção disposta pela lei, opinião partilhada, tendo em vista que ao aplicar a penhora ao bem de família do fiador, resta configurada uma violação ao direito social à moradia assegurado pela Constituição Federal, especialmente no que se refere à dignidade da pessoa humana, porquanto não é justo que o fiador sofra mais ônus do que o devedor principal, sendo que o contrato de fiança é um contrato acessório em relação ao contrato de locação.
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[1] Fábio Barbosa Chaves. Doutor em Direito Privado, pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais – PUCMINAS. Mestre em Direito, Relações Internacionais e Desenvolvimento pela Pontifícia Universidade Católica de Goiás – PUCGOIÁS.
Bacharelando em Direito pela Faculdade Serra do Carmo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: MORAES, Wagner Resende. Uma discussão acerca da penhorabilidade do bem de família do fiador Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 19 jun 2018, 04:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51921/uma-discussao-acerca-da-penhorabilidade-do-bem-de-familia-do-fiador. Acesso em: 23 dez 2024.
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