Sumário: 1. Introdução; 2. A visão dos Tribunais Superiores brasileiros; 2.1. Do Supremo Tribunal Federal; 2.1.1. A Farra do Boi; 2.1.2. Um grande passo para a erradicação da Farra do boi; 2.1.3. Briga de galo; 2.2. Do Superior Tribunal de Justiça; 2.2.1. Rinhas de Galo; 2.3 Rodeio; 2.4 Vaquejada; 3. Conclusão; 4. Bibliografia;
1. Introdução:
Com a análise de dados históricos, culturais e sociais, é plenamente possível observar o comportamento humano frente aos animais, que sempre estiveram presentes durante toda a evolução. Com o passar dos anos, o uso frequente destes comportamentos fez surgir as mais variadas legislações com o fito protecionista.
Os maus tratos, a caça predatória, a matança desordenada, o tráfico internacional, dentre outras práticas, levaram à criação de diversas organizações de âmbito internacional, e de movimentos a favor da guarda e proteção dos animais.
Muitas práticas culturais humanas foram difundidas e popularizadas ao longo dos séculos. Dentre estas, as mais frequentes fazem uso do animal, o qual, muitas vezes, acaba morto ou gravemente ferido. O pensamento humano sobre o tratamento adequado de tais seres é muito mais moderno e aceitável nos dias atuais, entretanto, tais práticas abomináveis continuam sendo realizadas, e os animais continuam sendo subjugados e mau tratados pelos homens.
A Farra do Boi, a vaquejada, a briga de galo e o rodeio, são as práticas mais realizadas no território brasileiro, e vêm sofrendo inúmeras críticas dos ambientalistas.
Na seara jurídica, não só os doutrinadores e legisladores entraram na busca da proteção destes seres vivos. É possível ver, atualmente, inúmeras jurisprudências brasileiras que buscam inibir condutas humanas lesivas aos animais.
Diante disso, o objetivo máximo do presente artigo é a análise do entendimento dos Tribunais Superiores brasileiros sobre a ponderação feita entre o direito animal e o direito humano à cultura, no que diz respeito, especificamente, às práticas culturais mais frequentes no Brasil.
2. A visão dos Tribunais Superiores brasileiros:
2.1 Do Supremo Tribunal Federal:
2.1.1. A Farra do Boi:
No tocante a Farra do Boi, apesar de ser praticada há muito tempo no território brasileiro, não é possível encontrar muitas decisões jurisprudenciais que tratem do tema.
No rol dos julgados do Supremo Tribunal Federal, encontramos algumas decisões sobre a referida prática cultural, entretanto, a maior parte delas não fala propriamente, sobre a ponderação desta com os direitos animais. Assim, é possível encontrar apenas uma jurisprudência que trate do assunto do ponto de vista desejado, consubstanciada no Recurso Extraordinário nº 153.531-8 SC.
Já no âmbito do Superior Tribunal de Justiça, não é possível encontrar decisão sobre a referida ponderação.
2.1.2. Um grande passo para a erradicação da Farra do boi:
O marco maior contra a prática da Farra do boi foi o julgamento do Recurso Extraordinário, número 153.531-8 Santa Catarina, com julgamento no dia 03/06/1997, no qual os recorrentes, Associação de Petrópolis, Liga de defesa dos animais, Sociedade zoológica educativa e Associação protetora dos animais, pleitearam para que esta prática fosse, de uma vez por todas, proibida no estado de Santa Catarina.
Inicialmente foi proposta uma ação civil pública com o fito de condenar o supracitado estado à proibição da farra do boi, impondo-se uma obrigação de fazer a este. Várias provas foram trazidas na petição inicial de modo a demonstrar o nível de crueldade de tal prática.
O recorrido, ao contestar, alegou em preliminar inépcia da inicial e carência da ação. Entretanto, após a réplica, a ação foi julgada procedente. O juiz, em sua decisão final, decidiu pela carência da ação diante da manifesta impossibilidade jurídica do pedido. As recorrentes interpuseram apelação, que foi improvida, alterando-se a sentença, pois o E. Tribunal julgou improcedente o pedido.
Após o não provimento da apelação, foi interposto recurso extraordinário, o qual foi conhecido e provido pelo relator. A Turma, por maioria, de acordo com o voto do relator, conheceu e proveu o recurso. A ementa deste importante julgado traz o seguinte teor:
A obrigação de o Estado garantir a todos o pleno exercício de direitos culturais, incentivando a valorização e a difusão das manifestações, não prescinde da observância da norma do inciso VII do artigo 225 da Constituição Federal, no que veda prática que acabe por submeter os animais à crueldade. Procedimento discrepante da norma constitucional denominado “farra do boi” (RE 153.531-8,1997).
Portanto, o julgamento deste recurso foi e continua a ser um marco na evolução protecionista dos animais, buscando-se erradicar práticas amparadas pela cultura humana, que, na verdade, trazem ao fundo uma grande história de atrocidades contra tais seres. O STF inovou em sua decisão, pois, antes desta, ainda não se havia visto nada neste sentido.
Ponderou-se, em sua ementa, os direitos dos animais e o direito humano à cultura, evidenciando-se, o que há muito vem sendo defendido por inúmeras organizações protecionistas dos animais.
É importante que se busque, cada vez mais, uma cultura voltada à proteção, não só dos animais, mas do Meio Ambiente como todo, tendo o homem como peça principal nesta defesa, e não como seu maior vilão.
2.1.3. Briga de galo:
Com a edição do Decreto Federal 24.645, e 1934, foram proibidas as rinhas de galo. Estas, também estão vetadas pelas Constituição Federal de 1988, ainda que não expressamente.
Entretanto, as brigas de galo continuaram sendo realizadas, e algumas leis estaduais foram editadas com o escopo de autorizar e dar legalidade a tal prática abusiva e violenta.
Com o intuito de resguardar os direitos dos animais e a própria Magna Carta de 1988, foram interpostas algumas Ações Diretas, para declarar a inconstitucionalidade destas leis estaduais, flagrantemente desarrazoadas e não recepcionadas pela Lei Maior.
Na Ação direta de inconstitucionalidade de número 1.856, o então Procurador -Geral da República, requereu a declaração de inconstitucionalidade da lei fluminense nº 2.895/98. Esta legislação, trazia em seu teor a permissão e o estímulo a prática das brigas de galos.
Segundo o relator, Celso de Mello,
A promoção de briga de galos, além de caracterizar prática criminosa tipificada na legislação ambiental, configura conduta atentatória à Constituição da República, que veda a submissão de animais a atos de crueldade, cuja natureza perversa, à semelhança da “farra do boi” (RE 153.531/SC) não permite sejam eles qualificados como inocente manifestação cultural, de caráter meramente folclórico (ADI 1.856, 2011).
O relator, após suas ponderações necessárias na análise da lei, votou pela procedência da Ação Direta.
Em decisão plenária, os ministros do STF, ao julgar o mérito da ação, acordaram, por unanimidade, nos mesmos termos do voto do relator, pela procedência da ADI (Ação Direta de Inconstitucionalidade), declarando, portanto, inconstitucional a Lei nº 2.895/98, do Estado do Rio de Janeiro.
Além do supracitado julgado, outros foram ainda marcantes na busca da proibição e inibição das rinhas de galo por todo o Brasil.
Quadro 1- Julgados sobre rinhas de galo
Nº do Julgado |
Ementa |
Decisão |
Data do julgamento |
Ação Direta de Inconstitucionalidade 2514 SC |
AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEI N. 11.366/00 DO ESTADO DE SANTA CATARINA. ATO NORMATIVO QUE AUTORIZA E REGULAMENTA A CRIAÇÃO E A EXPOSIÇÃO DE AVES DE RAÇA E A REALIZAÇÃO DE "BRIGAS DE GALO".
|
O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos do voto do relator que afirmou o seguinte: A sujeição da vida animal a experiências de crueldade não é compatível com a Constituição do Brasil. Precedentes da Corte. Pedido de declaração de inconstitucionalidade julgado procedente. |
29/06/2005 |
Ação Direta de Inconstitucionalidade 3776 RN |
INCONSTITUCIONALIDADE. Ação direta. Lei nº 7.380/98, do Estado do Rio Grande do Norte. Atividades esportivas com aves das raças combatentes. "Rinhas" ou "Brigas de galo". Regulamentação. Inadmissibilidade. Meio Ambiente. Animais. Submissão a tratamento cruel. Ofensa ao art. 225, § 1º, VII, da CF. Ação julgada procedente. Precedentes. |
O Tribunal, por unanimidade, julgou procedente a ação direta, nos termos do voto do Relator que afirmou o seguinte: É inconstitucional a lei estadual que autorize e regulamente, sob título de práticas ou atividades esportivas com aves de raças ditas combatentes, as chamadas "rinhas" ou "brigas de galo". |
14/06/2007 |
Com base nos dados citados acima, é possível observar que a jurisprudência já está firmada sobre o tema em questão, entendendo ser inconstitucional a rinha de galos.
2.2. Do Superior Tribunal de Justiça:
2.2.1. Rinhas de Galo:
Existem algumas jurisprudências no âmbito do Superior Tribunal de Justiça que trazem em seu teor decisões sobre a prática das rinhas de galo. Conforme o quadro a seguir, é possível observar duas decisões a respeito do assunto.
Quadro 2-Análise e demonstração dos julgados sobre rinhas de galos.
JULGADO |
EMENTA |
CONTEÚDO DA DECISÃO |
HABEAS CORPUS Nº 226.346 - MT (2011/0284221-0) |
EMENTA: HABEAS CORPUS . ART. 32 DA LEI N.º 9.605/98 (MAUS TRATOS). RINHA DE GALO. PRÉVIO MANDADO DE SEGURANÇA. LEGALIDADE DA REALIZAÇÃO DO EVENTO ESPORTIVO. COISA JULGADA. AUSÊNCIA DE IDENTIDADE DE OBJETO. VIOLAÇÃO NAO CONFIGURADA. RESSALVA À POSSIBILIDADE DE SE PUNIR OS MAUS TRATOS EVENTUALMENTE PRATICADOS. ORDEM DENEGADA.
|
1. Constatado que não há identidade de objetos entre o inquérito policial que se pretende trancar por meio deste writ , e o mandado de segurança no qual o paciente obteve autorização para a realização de "rinhas de galo", não há falar em ofensa à coisa julgada. 2. Ainda que assim não fosse, o Tribunal estadual, no acórdão proferido no mandado de segurança citado, entendeu ser líquido e certo o direito de realização das denominadas rinhas de galo. No entanto, ressalvou a possibilidade de se punir os maus tratos que se verificarem dentro de todas as atividades, inclusive nos referidos eventos, reprimindo os excessos que eventualmente forem praticados neste esporte. 3. Ordem denegada. |
AÇÃO PENAL 680 MT 2010/0192075-8 |
AÇÃO PENAL. DESEMBARGADOR DO TRE/MT. CRIME DO ART. 32, C.C. O § 2.º, DA LEI N.º 9.605/98. "RINHAS DE GALO". EFETIVO MAUS-TRATOS A ANIMAIS CONFIGURADO. MATERIALIDADE DELITIVA COMPROVADA. EXISTÊNCIA DE ELEMENTOS DE PROVA DE AUTORIA. JUSTA CAUSA CONFIGURADA. DENÚNCIA RECEBIDA. |
1. A materialidade delitiva está fartamente comprovada no laudo técnico, elaborado pela Polícia Federal, e na perícia, realizada por técnicos do IBAMA, que corroboraram a narrativa da autoridade policial federal que conduziu a diligência no local em que ocorriam as chamadas "rinhas de galo", onde foi confirmada a ocorrência de maus-tratos a animais, conduta inserta no art. 32, c.c. o § 2.º, da Lei n.º 9.605/98. 2. Considerando-se o histórico envolvimento do acusado com as atividades desenvolvidas pela sociedade promotora do evento, mormente o fato de figurar como sócio-fundador e "superintendente jurídico" da entidade e ter sido flagrado na ocasião de sua realização, constata-se a existência de elementos de prova, os quais, em juízo prelibatório, consubstanciam justa causa para a deflagração da persecução penal em juízo. 3. Denúncia recebida.
|
A partir da análise dos julgados demonstrados na tabela, observa-se duas posições antagônicas, uma vez que o primeiro deles defende a possibilidade da prática das brigas de galos, afirmando que estas podem ser realizadas, devendo ser punido apenas os excessos causadores de maus tratos ao animal. Já o segundo julgado afirma ser a rinha de galo ilegal e decide pela punição de seus praticantes.
2.3 Rodeio:
O Rodeio é prática muito realizada no território brasileiro, além de ser autorizada pela Lei 10.519 de 2002. Entretanto, tal realização, tida por muitos como festiva, utiliza-se da submissão dos animais a artifícios dolorosos. Estes, que antes eram dóceis, passam a ser bravos e ferozes, em decorrência da utilização de instrumentos causadores de dor em áreas vitais de seus corpos. O sedém, as esporas, peiteras, e choques elétricos, são exemplos destes instrumentos (SOUZA, 2008).
A jurisprudência, no tocante ao Rodeio, ainda não tem posição firmada, sendo possível encontrar posicionamentos bem controversos. Gabriel Campos de Souza, em um trabalho seu sobre o tema, pondera que,
Na linha favorável ao tratamento da fauna e sua proteção como bens jurídicos autônomos, a partir de uma concepção aberta e teleológica da Constituição Federal, há precedentes jurisprudenciais que se orientam no sentido de que as normas constitucionais vedam maus-tratos aos animais através do emprego de meios cruéis nas atividades de rodeio. Por outro lado, há julgados nos quais se entende que, apesar da proteção garantida pela Constituição Federal de 1988 e da proteção garantida pela Lei dos Crimes Ambientais que proíbe crueldade contra animais, o rodeio não é vedado por lei e que não é possível avaliar se a dor ou sofrimento físico suportado pelos animais é suficiente para que se imponha a não utilização do sedém e dos outros métodos e artifícios utilizados nos rodeios (2008, p.11).
Portanto, conforme posicionamento de Souza, é possível observar que os Tribunais não possuem um entendimento uniformizado sobre o tema, e que, na verdade, as posições são bastante contrapostas, visto que uns defendem a utilização dos instrumentos supracitados, afirmando não ser possível aferir o nível de dor imputado a tais animais, e outros defendem a não utilização destes, pois é proibida pela Constituição Federal qualquer tipo de maus-tratos ao animal, independentemente do grau de sofrimento.
A seguir, podemos ver, em um quadro comparativo, as posições divergentes:
Quadro 3- Comparação da posição jurisprudencial sobre o Rodeio (ANEXO 1)
TRIBUNAL |
JULGADO |
CONTEÚDO |
Superior Tribuna de Justic?a. 2a Turma. |
REsp 363949 / SP RECURSO ESPECIAL 2001/0120139-1 |
“PROCESSO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. FESTA DE PEA?O DE BOIADEIRO. UTILIZAC?A?O DE PETRECHOS QUE SUPOSTAMENTE CONFIGURAM EM CRUELDADE COM OS ANIMAIS. SEDE?M. LAUDOS PERICIAIS EXAMINADOS EM 1a E 2o GRAUS. APO?S EXAMINADAS AS PROVAS, FOI CONSTATADA A IMPOSSIBILIDADE DE AFERIR A REAC?A?O CAUSADA NO ANIMAL. AFASTADA A HIPO?TESE DE CRUELDADE. PRETENDIDA REFORMA. NA?O-ACOLHIMENTO. CONDENAC?A?O DO MINISTE?RIO PU?BLICO EM HONORA?RIOS. RECURSOS ESPECIAIS DO PARQUET E DA UNIA?O PROTETORA DOS ANIMAIS - INCIDE?NCIA DA SU?MULA N. 7 DO STJ – RECURSO INTERPOSTO PELA LETRA "B" NA?O-CONHECIDO, EM RAZA?O DA AUSE?NCIA DE PREQUESTIONAMENTO. ACOLHIDA, EM PARTE, DO RECURSO DO MINISTE?RIO PU?BLICO PARA AFASTAR A CONDENAC?A?O EM HONORA?RIOS ADVOCATI?CIOS. O Tribunal de Justic?a Paulista, ao sopesar as provas carreadas aos autos, adotou o posicionamento segundo o qual na?o e? possi?vel aferir se a dor ou o sofrimento fi?sico suportado pelos animais e? suficiente para impor que o sede?m e os petrechos utilizados no evento devam ser vedados. A? evide?ncia, para constatar se a utilizac?a?o de sede?m e outros petrechos causam desconforto ou dor nos bovinos e equ?inos durante os rodeios, necessa?rio se faz revolver todo o conjunto fa?tico-probato?rio encartado nos autos e revisar a conclusa?o a que chegou a insta?ncia ordina?ria, em ambos os graus de jurisdic?a?o. Incide?ncia da Su?mula n. 7 do STJ.” |
Tribunal de Justic?a de Sa?o Paulo. Ca?mara Especial do Meio Ambiente. |
Apelac?a?o com Revisa?o 6128615400 |
“AC?A?O CIVIL PU?BLICA AMBIENTAL - RODEIO - MAUS-TRATOS A ANIMAIS. 1) Afirmac?a?o expressa de que Rodeios e Concursos de Provas de Peo?es de Boiadeiros e similares sa?o atividades li?citas e permitidas ha?beis a gerar entretenimento a? comunidade e renda e nego?cios aos envolvidos empresarialmente. 2) Os princi?pios da prevenc?a?o e precauc?a?o permitem, em a?mbito ambiental, sejam vedadas pra?ticas crue?is e aptas a gerar maus-tratos aos animais, ainda que existam estudos em ambos os sentidos, bastando ana?lise lo?gica e razoa?vel das condic?o?es de sua realizac?a?o e consequ?e?ncias. 3) A protec?a?o aos animais e a vedac?a?o a maus-tratos ou condutas que empreguem meios crue?is decorrem da ordem constitucional, de forma que a existe?ncia de leis federal e estadual regulando a mate?ria so? pode vingar se a regulamentac?a?o na?o afrontar o intento do legislador constituinte origina?rio ao redigir o texto constitucional. Na?o se pode permitir seja a Carta Magna transformada em mero protocolo de intenc?o?es a ser seguido, se e caso interessar a este ou aquele setor. 4) Possi?vel a condenac?a?o da Fazenda Pu?blica, bem como o particular, em multa dia?ria em caso de descumprimento de determinac?o?es judiciais. RECURSO AO QUAL SE DA? PROVIMENTO.”
|
2.4 Vaquejada:
A vaquejada, tida por muitos como uma modalidade esportiva e cultural, é prática realizada em várias regiões brasileira, principalmente na região nordeste.
Atualmente, muitas pessoas aderiram a essa prática, e, por isso, a sua realização é, na maior partes das localidades, permitida e regulamentada por lei. No entanto, algumas cidades e estados já promulgaram leis que visam a coibir a realização do supracitado esporte, o qual, muitas vezes, se utiliza de meios causadores de dor e muito sofrimento aos bovinos.
Em virtude de sua prática costumeira, não era possível encontrar decisões do Superior Tribunal de Justiça e do Supremo Tribunal Federal a respeito da possibilidade ou não da proibição da vaquejada. Por outro lado, existem raras decisões nos âmbitos de Tribunais Regionais, como, é o caso do Tribunal Regional do Rio de Janeiro, que decidiu, em sede de Ação Civil Pública ajuizada pelo Ministério Público Federal, pela proibição do mencionado esporte.
Contudo, recentemente fora ajuizada uma Ação Direta de Inconstitucionalidade, de número 4983, com o objetivo de suspender a eficácia da lei estadual nº 15.299/2013, a qual regulamenta a prática da vaquejada no estado do Ceará.
A referida ADI foi ajuizada pelo Procurador Geral da República, no mês de julho do ano de 2013, pedindo a concessão de liminar para suspensão da prática da vaquejada no Estado do Ceará, e, no mérito, a declaração de inconstitucionalidade da lei.
O STF, ao julgar o mérito da referida ação, entendeu pela inconstitucionalidade da prática da vaquejada, dada a incompatibilidade desta com os preceitos constitucionais, dentre os quais destaca-se o art. 225, VII, da Constituição Federal, que veda, expressamente, a submissão de animais à crueldade.
Assim, demonstrou o STF que, embora se trate de uma atividade cultural, praticada por muitos anos, não cabe a sua prevalência sobre o direito animal, ou melhor, ao direito de proteção ao meio ambiente. Isto é, diante de dois valores fundamentais, ponderando-os no caso concreto, há de prevalecer a vedação a práticas cruéis.
Destaca-se, por fim, que a decisão tomada no tocante à inconstitucionalidade da mencionada lei cearense não foi unânime, mas, ao contrário, se deu por 6 (seis) votos contra 5 (cinco).
Contudo, a controvérsia sobre o tema permanece, pois, em 2016, fora aprovada pelo Congresso Nacional a Lei nº 13/364/2016, a qual objetiva reconhecer a vaquejada como prática artística e cultural, como forma de legitimar a sua realização. Ainda, em acréscimo, fora editada a EC nº 96/2017, a qual acresceu o §7º ao art. 225 da Constituição Federal, como forma de excluir as manifestações culturais do enquadramento como prática cruel e inconstitucional.
3. Conclusão:
Em virtude dos fatos mencionados, fica clara a escassez do número de decisões jurisprudencias sobre o tema referente à ponderação dos direitos dos animais frente ao direito humano à cultura.
Nos casos mais famosos nos quais houve o embate de tais direitos, como na ADI 1856 sobre a briga de galo e o RE 153.531 sobre a farra do boi, o STF entendeu que, no caso de conflitos entre as normas constitucionais referentes ao assunto, irá prevalecer a decisão que beneficie o meio ambiente quando este estiver diante de um caso em que as práticas culturais e os esportes levem os animais a situações humilhantes e inaceitáveis.
Portanto, no momento em que as decisões dos Tribunais Superiores Brasileiros são analisadas, conclui-se que, apesar de estas serem poucas, o maior número delas contém decisões a favor da prevalência do direito dos animais e do meio ambiente em geral, quando confrontados com realizações humanas, amparadas pelo “título” de culturais e esportivas.
Além disso, cabe ressalvar que, embora existam, mesmo que em pequena monta, decisões jurisprudenciais que proíbam determinadas práticas, como a farra do boi e as rinhas de galo, estas continuam sendo praticadas ilegalmente.
4. Bibliografia:
SOUZA, Gabriel Campos. Os rodeios e a Lei 10.519/02: Retrocesso social e desconformidade com a Constituição Federal de 1988. In: I Congresso Mundial de Bioe?tica e Direito Animal, 2008, Salvador. Anais... Salvador: UFBA, 2008, p.1-16.
STF, Recurso Extraordinário: RE 153.531-8/SC. Relator: Ministro Francisco Rezek. DJ: 13/03/1998. JusBrasil, 1998. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/14700185/recurso-extraordinario-re-153531-sc>. Acesso em: 04 jun. 2018.
STF, Ação Direta de inconstitucionalidade: ADI 2514/SC. Relator: Ministro Eros Grau. DJ: 09/12/2005. JusBrasil, 2005. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/763868/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-2514-sc>. Acesso em: 04 jun. 2018.
STF, Ação Direta de inconstitucionalidade: ADI 1.856/RJ. Relator: Ministro Celso de Mello. DJ: 13/10/2011. JusBrasil, 2011. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/20626753/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-1856-rj-stf>. Acesso em: 04 jun. 2018.
STF, Ação Direta de inconstitucionalidade: ADI 4983/CE. Relator: Ministro Marco Aurélio. DJ: 02/08/2013. JusBrasil, 2013. Disponível em: <https://stf.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/23889398/acao-direta-de-inconstitucionalidade-adi-4983-ce-stf>. Acesso em: 04 jun. 2018.
STJ, Recurso Especial: REsp 363949/SP. Relator: Ministro Franciulli Netto. DJ: 30/06/2004. JusBrasil, 2004. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/19554252/recurso-especial-resp-363949-sp-2001-0120139-1?ref=juris-tabs>. Acesso em: 04 jun. 2018.
STJ, Habeas Corpus: HC 226.346/MT. Relator: Ministro Jorge Mussi. DJ: 17/05/2012. JusBrasil, 2012. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/21775091/habeas-corpus-hc-226346-mt-2011-0284221-0-stj?ref=juris-tabs>. Acesso em: 04 jun. 2018.
STJ, Ação Penal: APn 680/MT. Relator: Ministra Laurita Vaz. DJ: 29/10/2013. JusBrasil, 2013. Disponível em: <https://stj.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/24607391/acao-penal-apn-680-mt-2010-0192075-8-stj?ref=juris-tabs>. Acesso em: 04 jun. 2018.
TJ/SP, Apelação com Revisão: CR 6128615400/SP. Relator: Ministra Regina Capistrano. DJ: 11/08/2008. JusBrasil, 2008. Disponível em: <https://tj-sp.jusbrasil.com.br/jurisprudencia/6866591/apelacao-com-revisao-cr-6128615400-sp>. Acesso em: 04 jun. 2018.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FERREIRA, Camila Pimentel de Oliveira. Direito animal versus direito cultural Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 20 jun 2018, 04:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51930/direito-animal-versus-direito-cultural. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Medge Naeli Ribeiro Schonholzer
Por: VAGNER LUCIANO COELHO DE LIMA ANDRADE
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