ÂNGELA ISSA HAONAT[1]
(Orientadora)
RESUMO: A teoria finalista aprofundada ou mitigada amplia o conceito de consumidor incluindo todo aquele que possua vulnerabilidade, seja ele pessoa física ou jurídica. Decorre da mitigação dos rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, apesar de não ser tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade ou desvantagem em face do fornecedor. Assim, o conceito-chave na teoria do finalismo aprofundado é a presunção de vulnerabilidade, seja ela informacional, técnica, jurídica ou socioeconomica, desde que produza efeitos que enfraqueçam o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo.
Palavras-Chave: Teoria finalista mitigada. Vulnerabilidade. Consumidor. Código de Defesa do Consumidor.
ABSTRACT: The mitigated finalist theory expend the concept of consumer including anyone who has vulnerability, whether individual or legal person. It results from the mitigation of the rigors of the finalist theory to authorize the Consumer Protection Law incidence in cases where the person, despite not being technically the final consumer of the product or a service, is in a situation of vulnerability or disadvantage in comparison with the supplier. In this way, the key concept of the mitigated finalist theory is the presumption of vulnerability, whether informational, technical, legal or socioeconomic, as long as it produces effects that weaken the subjects of law, unbalancing the relation of consumption.
Keywords: The mitigated finalist theory. Vulnerability. Consumer. Consumer Protection Law.
INTRODUÇÃO
O Código de Defesa do Consumidor (CDC) surgiu no momento em que se verificou desigualdade na relação entre consumidor e o fornecedor. Esse Código atua como ferramenta essencial na regulamentação das relações jurídicas oriundas da contratação em massa, contratação esta que resultou na vulnerabilidade do consumidor perante o fornecedor numa relação de consumo.
A proteção do consumidor é um desafio da nossa era e representa, em todo o mundo, um dos temas mais atuais do Direito. Diante disso, é preciso compreender e analisar os elementos básicos da relação de consumo: consumidor, fornecedor, produtos e serviços, bem como os objetivos e princípios orientadores da tutela do consumidor.
O Direito do Consumidor surge a partir do interesse de se criar uma legislação jurídica eficiente e coerente, capaz de possibilitar a proteção do consumidor nas relações de consumo, proteção da vulnerabilidade, marcada pelo consumismo, que se tornou parte integrante das sociedades modernas, o que permite aprofundar o assunto dentro da relação existente entre consumidor e fornecedor.
A fim de promover a discussão e elucidação do tema em epígrafe, adotou-se a metodologia de pesquisa bibliográfica para confecção do presente de forma científica. A doutrina, a jurisprudência e a própria legislação consumerista foram as principais fontes da pesquisa.
Para desenvolver o assunto divide-se o trabalho em duas partes sendo que, na primeira parte dar-se aprofundamento para esclarecer sobre os elementos básicos da relação de consumo. Na segunda parte, que é foco principal deste trabalho, foi realizada análise da teoria finalista aprofundada com fulcro na vulnerabilidade do consumidor.
1 DO CONSUMIDOR
O art. 2º do CDC estabelece a definição jurídica de consumidor, o qual subdivide-se em quatro definições que mutualmente se completam, a saber: a) o consumidor padrão, standard, (caput art. 2º); b) o consumidor para efeitos de tutela coletiva (paragrafo único do art. 2º); c) o consumidor equiparado para efeito de acidente de consumo (art. 17); d) e o consumidor equiparado para efeitos de exposição à praticas comerciais abusivas (art. 29)[2].
A simples definição legal permite uma rápida interpretação, conforme disposto no art. 2º do Código: “Consumidor é toda pessoa física ou jurídica que adquiri ou utiliza produto ou serviço como destinatário final. ” O dispositivo esclarece que podem existir situações em que o consumidor possa ser, além da pessoa física que adquire produto ou serviço, uma empresa, um profissional liberal ou empresário (Pessoa jurídica). Contudo, existe maior dificuldade em relação à interpretação literal do termo destinatário final.
Vê-se que tal conceituação é a que mais se aproxima da adotada pelo Código, vez que acentua tão somente o aspecto econômico-jurídico do termo, levando-se em consideração tão somente o sujeito que no mercado de consumo adquire bens ou contrata a prestação de serviços a fim de atender suas próprias necessidades e não para o desenvolvimento de uma atividade negocial.
Sendo assim, considerando-se os aspectos em que se pode reconhecer o consumidor, seja sob o aspecto econômico conforme adotado pelo código, como também no sentindo sociológico, quando qualquer indivíduo frui ou utiliza de bens e serviços e pertence a uma determinada categoria ou classe social, ou ainda no sentido psicológico, sobre o qual se estudam as reações do indivíduo a fim de se individualizarem os critérios para produção e as motivações internas que o levam ao consumo, e em última análise, sob a ótica filosófica que visa sempre ceder-se às sugestões veiculadas pela publicidade, ou seja, estar sempre de acordo com o consenso imposto, bem como alienar-se ante a apologia da sociedade de consumo.[3]
O conceito de consumidor conforme observa Marques et al (2010, p. 105)
Quando se fala em proteção do consumidor, pensa-se inicialmente, na proteção do não profissional que contrata ou se relaciona com um profissional, comerciante, industrial ou profissional liberal. É o que se costuma denominar de noção subjetiva de consumidor, a qual excluiria do âmbito de proteção das normas de defesa dos consumidores todos os contratos concluídos entre dois profissionais, pois estes estariam agindo com o fim de lucro.
O legislador brasileiro preferiu trazer, em princípio, uma definição mais objetiva de consumidor no art. 2º, caput. Sendo necessário interpretar a expressão “destinatário final”. Para Marques et al (2010, p. 105)
Destinatário final é o consumidor final, o que retira o bem do mercado ao adquirir ou simplesmente utilizá-lo (Endverbraucher), aquele que coloca um fim na cadeia de produção e não aquele que utiliza o bem para continuar a produzir ou na cadeia de serviço. Ser destinatário final é retirar o bem de mercado (ato objetivo), mas e se o sujeito adquire o bem para utilizá-lo em sua profissão, adquire como profissional (elemento subjetivo), com o fim de obter lucro, também deve ser considerado “destinatário final”? A definição do art. 2º do CDC não responde a pergunta: é necessário interpretar a expressão “destinatário final”. Destinatário final é aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. Logo, segundo esta interpretação teleológica, não basta ser destinatário fático do produto, retirá-lo da cadeia de produção, leva-lo para o escritório ou residência – é necessário ser destinatário final econômico do bem, não adquiri-lo para revenda, não adquiri-lo para o uso profissional, pois o bem seria novamente um instrumento de produção cujo preço será incluso no preço final do profissional que o adquiriu. Neste caso, não haveria a exigida “destinação final” do produto ou do serviço.
A definição de consumidor não se resume sob a ótica individual, como sujeito de direitos individuais, conforme dispõe o caput do art. 2º do CDC que consumidor é “toda pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final”, como também visa proteger toda uma coletividade, conforme o parágrafo único do art. 2º, art. 17 e art. 29 do CDC
Parágrafo único. Equipara-se a consumidor a coletividade de pessoas, ainda que indetermináveis, que haja intervindo nas relações de consumo. Art. 17. Para os efeitos desta Seção, equiparam-se aos consumidores todas as vítimas do evento. Art. 29. Para os fins deste Capítulo e do seguinte, equiparam-se aos consumidores todas as pessoas determináveis ou não, expostas às práticas nele previstas. (BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990).
Na definição trazida pelo art. 17 da lei consumerista, trata-se das vítimas do fato do produto e do serviço, isto é, dos acidentes de consumo, tenham ou não usado os produtos e serviços como destinatários finais. É uma definição para relações de consumo contratuais e extracontratuais, individuais ou coletivas. Já a definição do art. 29 trata sobre a proteção do consumidor para as práticas comerciais, isto é, basta à mera exposição do sujeito a mecanismos, métodos e técnicas utilizados pelos fornecedores para, mesmo indiretamente, fomentar, manter, desenvolver e garantir a circulação de produtos e serviços até o destinatário final, seja pessoas determináveis ou não, para que se esteja diante de uma relação de consumo a merecer a cobertura do Código.
Conforme ensina o art. 81 do CDC, a lei visa uma proteção ou defesa individual do consumidor, mas também uma defesa coletiva, e seu parágrafo único esclarece
Art. 81. A defesa dos interesses e direitos dos consumidores e das vítimas poderá ser exercida em juízo individualmente, ou a título coletivo. Parágrafo único. A defesa coletiva será exercida quando se tratar de: I - interesses ou direitos difusos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível, de que sejam titulares pessoas indeterminadas e ligadas por circunstâncias de fato; II - interesses ou direitos coletivos, assim entendidos, para efeitos deste código, os transindividuais, de natureza indivisível de que seja titular grupo, categoria ou classe de pessoas ligadas entre si ou com a parte contrária por uma relação jurídica base; III - interesses ou direitos individuais homogêneos, assim entendidos os decorrentes de origem comum. (BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990).
Para Marques et al (2013, p. 93) há duas correntes doutrinárias quanto à definição do consumidor e, daí, do campo de aplicação do CDC: os finalistas e os maximalistas. De acordo com a teoria finalista, a definição de consumidor requer uma tutela especial, vez que este é a parte vulnerável nas relações de contratuais no mercado, como afirma o próprio CDC no art. 4º, inciso I. Os finalistas propõem, então, que se interprete a expressão “destinatário final” do art. 2º de maneira restrita, como requerem os princípios básicos do CDC. Neste caso, por exemplo, uma empresa que utiliza dos serviços de cartão de crédito e débito para facilitar vendas aos consumidores finais, não haveria a exigida “destinação final” do serviço prestado pela administradora de cartões, e sim consumo intermediário, ainda dentro das cadeias de produção e de distribuição, conforme afirma o Superior Tribunal de Justiça (STJ) na ementa que se segue
COMPETÊNCIA. RELAÇAO DE CONSUMO. UTILIZAÇAO DE EQUIPAMENTO E DE SERVIÇOS DE CRÉDITO PRESTADO POR EMPRESA ADMINISTRADORA DE CARTAO DE CRÉDITO. DESTINAÇAO FINAL INEXISTENTE. A aquisição de bens ou a utilização de serviços, por pessoa natural ou jurídica, com o escopo de implementar ou incrementar a sua atividade negocial, não se reputa como relação de consumo e, sim, como uma atividade de consumo intermediária. Recurso especial conhecido e provido para reconhecer a incompetência absoluta da Vara Especializada de Defesa do Consumidor, para decretar a nulidade dos atos praticados e, por conseguinte, para determinar a remessa do feito a uma das Varas Cíveis da Comarca. (STJ – REsp 541.867/BA – 2º S. – rel. p/ o acordão Min. Barros Monteiro – julgamento 10.11.2004 – DJ 16.05.2005).
Esta interpretação restringe a figura do consumidor àquele que adquire (utiliza) um produto para uso próprio e não profissional, pois o fim do CDC é tutelar de maneira especial o polo mais vulnerável nas relações de consumo.
Já os maximalistas defendem que as normas consumeristas devem ser instituídas para todos os agentes, os quais podem assumir os papéis ora de fornecedores, ora de consumidores. A definição do art. 2º deve ser interpretada o mais extensamente possível, de maneira geral para atingir a um número cada vez maior de relações no mercado. De acordo com Marques (2013, p.95) “Consideram que a definição do art. 2º é puramente objetiva, não importando se a pessoa física ou jurídica tem ou não fim de lucro quando adquire um produto ou utiliza o serviço”. Destinatário final seria o destinatário fático do produto, aquele que retira do mercado e utiliza, consome, por exemplo, a fábrica de tecidos que compra algodão para reutilizar e a destrói.
Segundo esta teoria, todo e qualquer contratante seria vulnerável pelo simples fato de pactuar uma adesão, contrato pré-elaborado por ambas as partes ou por uma delas e aceita pela outra. Diante dos métodos contratuais massificados, para presumir a vulnerabilidade do outro, faz-se necessário a prova no caso concreto. Como exemplo, observa-se na ementa que se segue
APELAÇÃO CÍVEL. AÇÃO DE COBRANÇA. CONTRATO DE LOCAÇÃO DE FOTOCOPIADORAS FIRMADO ENTRE PESSOAS JURÍDICAS. APLICAÇÃO DO CDC. TEORIA MAXIMALISTA. CONSUMIDOR COMO DESTINATÁRIO FINAL DO PRODUTO. TESE MAJORITÁRIA NESTE TRIBUNAL. RESCISÃO UNILATERAL DO CONTRATO. PERDAS E DANOS QUE PODEM SER COBRADOS EM AÇÃO AUTÔNOMA. MODIFICAÇÃO DA SENTENÇA. PROVIMENTO DO RECURSO. Para a teoria maximalista, basta que o consumidor seja o 'destinatário final' dos produtos ou serviços (CDC, art. 2º), incluindo-se aí não apenas aquilo que é adquirido ou utilizado para uso pessoal, familiar ou doméstico, como também o que é adquirido para o desempenho de atividade ou profissão, bastando, para tanto, que não haja finalidade de revenda. "À luz da teoria maximalista, predominantemente aplicada por este egrégio Tribunal de Justiça, basta que a pessoa física ou jurídica enquadre-se no conceito de destinatário final fático do produto ou serviço adquirido para que sejam aplicadas as disposições constantes no CDC.” (TJSC. Agravo de Instrumento n., de Curitibanos. Relatora: Desa. SALETE SILVA SOMMARIVA. Decisão em 05/06/2007). A rescisão contratual ocorreu no momento em que a locatário notificou, efetivamente, a locadora de seu intuito e não quando a locadora retirou o equipamento do estabelecimento comercial daquela. Do contrário, ficaria a locatária, consumidora, à mercê da boa vontade da locadora em recolher em seu estabelecimento o maquinário, arcando com o aluguel do período até que tal ocorresse. Não havendo previsão contratual de qualquer multa ou cláusula penal pela rescisão do contrato por iniciativa da locatária, nem a autora fazendo pedido nesse sentido, fica impedida a fixação de qualquer penalidade à ré pela rescisão imotivada. Esse contexto, porém, não impede que, em ação autônoma, a autora busque o ressarcimento pelas perdas e danos que porventura possa ter sofrido. (TJSC- Apelação Cível 2004.005718-0 – rel. Des Henry Petry Junior – 3º Câmara Dir. Cível – julgamento 14.03.2008).
O problema desta visão é que transforma o direito do consumidor em direito geral, pois retira do Código Civil a maioria dos contratos comerciais, uma vez que comerciantes e profissionais consomem de forma intermediária insumos para a sua atividade-fim, de produção e de distribuição. No Código Civil, o privilegiado é o vendedor, que assume o risco de transferir seu produto para o outro profissional; no CDC, a proteção é do comprador, destinatário final, o consumidor.
A teoria finalista aprofundada é hoje a majoritária e consolidou-se na jurisprudência brasileira, conforme se observa nos julgados do STJ e Tribunal de Justiça do Distrito Federal (TJDF) respectivamente
DIREITO DO CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO DE CONSUMIDOR E DE FORNECEDOR. NÃO CARACTERIZAÇÃO EMPRESA DE TRANSPORTE. RELEVÂNCIA, PARA A CONFIGURAÇÃO DA RELAÇÃO DE CONSUMO, DA DISPARIDADE DE PORTE ECONÔMICO EXISTENTE ENTRE PARTES DO CONTRATO DE FORNECIMENTO DE PEÇAS PARA CAMINHÃO EMPREGADO NA ATIVIDADE DE TRANSPORTE. IMPORTÂNCIA, TAMBÉM, DO PORTE DA ATIVIDADE PRATICADA PELO DESTINATÁRIO FINAL. SITUAÇÃO, ENTRETANTO, EM QUE, INDEPENDENTEMENTE ADEMAIS, DE RELAÇÃO DE CONSUMO, HÁ ELEMENTOS DE PROVA A EMBASAR A CONVICÇÃO DO JULGADOR DE QUE PEÇAS AUTOMOTIVAS FORNECIDAS E A CORRESPONDENTE PRESTAÇÃO DE SERVIÇO NÃO TÊM DEFEITOS. I - Não enquádravel como relação de consumo a prestação de serviços entre empresas de porte, não se caracterizando hipossuficiência da contratante de conserto de caminhão de transporte de cargas, situação em que não se tem consumidor final, mas, apenas, intermediário, afasta-se a incidência do Código de Defesa do Consumidor. II - Ainda que se aplicasse o Código de Defesa do Consumidor, a regra da inversão do ônus da prova (CDC, art. 6º, VIII) não seria suficiente para afastar a prova contrária à pretensão inicial, tal como detidamente analisada, inclusive quanto à perícia, pela sentença e pelo Acórdão. III - O Código de Defesa do Consumidor define consumidor como a pessoa física ou jurídica que adquire ou utiliza produto ou serviço como destinatário final, noção que, como a de fornecedor, é ideia-chave para a caracterização da relação de consumo. IV - O fato de a pessoa empregar em sua atividade econômica os produtos que adquire não implica, por si só, desconsiderá-la como destinatária final e, por isso, consumidora. No entanto, é preciso considerar a excepcionalidade da aplicação das medidas protetivas do CDC em favor de quem utiliza o produto ou serviço em sua atividade comercial. Em regra, a aquisição de bens ou a utilização de serviços para implementar ou incrementar a atividade negocial descaracteriza a relação como de consumo. Precedentes. V - O reconhecimento da existência da relação de consumo, por si só, não implica presunção de prova. Presentes elementos de prova a indicar que as peças automotivas fornecidas e a prestação do serviço correspondente não são defeituosos, pode o Juiz concluir em favor do fornecedor a despeito da inversão do ônus da prova. VI - Recurso Especial improvido. (STJ – REsp 1038645 RS – 3º Turma – rel. Ministro SIDNEI BENETI – julgamento 19.10.2010 – DJe 24.11.2010).
APELAÇÃO CÍVEL. PROCESSUAL CIVIL. DIREITO CIVIL E DO CONSUMIDOR. DECLARATÓRIA DE INEXISTÊNCIA DE DÉBITO. INDENIZAÇÃO POR DANOS MORAIS. PAGAMENTO DE PRESTAÇÃO EM DUPLICIDADE. COMUNICAÇÃO. SOLICITAÇÃO DE COMPENSAÇÃO. AUSÊNCIA DE BAIXA. INSCRIÇÃO INDEVIDA EM CADASTRO DE INADIMPLENTES. PESSOA JURÍDICA. DANO MORAL CARACTERIZADO. 1. Apelação interposta da r. sentença, proferida na ação de declaração de inexistência de débito cumulada com reparação por danos morais, que julgou improcedentes os pedidos formulados na inicial. 2. Conforme corrente finalista mitigada, equipara-se à condição de consumidor as pessoas jurídicas que, embora não sejam destinatárias finais do produto ou serviço adquirido, revelem vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica em relações de consumo estranhas à sua especialidade. 3. Presente toda a documentação necessária ao exame e julgamento da demanda, torna-se dispensável a inversão do ônus da prova - até mesmo porque, no caso, ela ensejaria a produção de prova negativa pela ré. 4. No caso, o consumidor efetuara o pagamento de trinta e seis parcelas de seu financiamento, contudo, com o equívoco que uma delas ficara em aberto, já que efetuara o pagamento de outra em duplicidade. Nada obstante, considerava-se em dia com suas obrigações, não recebera qualquer negativa da instituição bancária ao pedido de compensação dos valores, razão pela qual se mostra indevida a inscrição de seu nome em cadastro de inadimplentes justamente após ele ter entrado em contato com a instituição financeira visando a adequada compensação. 5. A Súmula 227 do STJ enuncia que a pessoa jurídica, assim como a pessoa física, é capaz de sofrer lesão de natureza moral, sendo necessário, em tais casos, que a ofensa atinja a sua honra objetiva, ou seja, que a violação atinja a sua reputação ou o seu nome no meio comercial em que atue. 6. O quantum indenizatório deve estar em consonância com a razoabilidade e a proporcionalidade e cumprir à finalidade compensatório-pedagógica, de modo que, no caso, o valor de R$3.000,00 (três mil reais) irá recompor devidamente o apelante-autor pelos danos suportados. 7. Apelação do autor conhecida e provida. (TJDF - Acórdão n. 1068365, Relator Des. CÉSAR LOYOLA, 2ª Turma Cível, data de julgamento: 13/12/2017, publicado no DJe: 19/12/2017.)
Nesse ponto, vale ressaltar as correntes que se destacam sobre o termo destinatário final. A teoria finalista é uma teoria que abrange a prioridade, cujo intuito é proteger o consumidor final, por ser considerado como a parte mais frágil na relação de consumo. Nessa teoria encontra-se a tutela especial devido se adquirir o bem de consumo para o próprio uso. Para Marques et al (2013, p. 93) “Destinatário final seria aquele destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica”. Por isso, há sempre quem defende a teoria finalista, pois é o consumidor final quem retira o bem do mercado quando adquire ou utiliza o produto para o próprio consumo.
Já a teoria maximalista traz o conceito objetivo por entender que não há necessidade de comprovar acerca da finalidade do produto adquirido, se para lucro ou se é para o consumo próprio.
A jurisprudência do STJ tem adotado o conceito de consumidor de acordo com o artigo 29 do CDC, no qual aplica a teoria finalista mitigada frente às pessoas jurídicas, numa ação que Marques (2013, p. 107) tem denominando finalismo aprofundado, consistente em se acolher que, em determinadas situações, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada a condição de consumidora, por apresentar diante do fornecedor algum tipo de vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa do art. 4º, I, do CDC, que corrobora toda a proteção conferida ao consumidor.
A interpretação finalista aprofundada sobre o conceito de consumidor, conforme acima mencionada, pode ser observada quando do julgamento do acórdão
Processo civil. Conflito de competência. Contrato. Foro de eleição. Relação de consumo. Contratação de serviço de crédito por sociedade empresária. Destinação final caracterizada. Aquele que exerce empresa assume a condição de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final, isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integre diretamente - por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda - o produto ou serviço que venha a ser ofertado a terceiros. O empresário ou sociedade empresária que tenha por atividade precípua a distribuição, no atacado ou no varejo, de medicamentos, deve ser considerado destinatário final do serviço de pagamento por meio de cartão de crédito, porquanto esta atividade não integra, diretamente, o produto objeto de sua empresa. (STJ – 2ª. Seção – Conflito de Competência Nº 41056/SP – relator Min. Nancy Andrighi – julgamento 23.06.2004).
Quanto à relação jurídica de consumo, pode se definir como aquela que se estabelece necessariamente entre fornecedores e consumidores, tendo por elemento a oferta de produtos ou serviços no mercado de consumo. Assim, somente ocorrerá relação de consumo com a presença destes dois sujeitos nos polos da relação. A ausência de um desses elementos implica na inexistência da relação de consumo, aplicando-se desta forma, outro sistema jurídico compatível.
A interpretação do termo “destinatário final” traz a real necessidade de estudo mais aprofundado no âmbito do Código de Defesa do Consumidor, assim a pesquisa justifica-se na importância de se discutir sobre a aplicabilidade da teoria finalista aprofundada nas relações de consumo onde há obscuridade ou contradição quanto aos sujeitos nos polos da relação jurídica de consumo.
A teoria finalista aprofundada ou mitigada amplia o conceito de consumidor incluindo todo aquele que possua vulnerabilidade em face do fornecedor. Decorre da mitigação dos rigores da teoria finalista para autorizar a incidência do CDC nas hipóteses em que a parte, pessoa física ou jurídica, embora não seja tecnicamente a destinatária final do produto ou serviço, se apresenta em situação de vulnerabilidade. Assim, o conceito-chave no finalismo aprofundado é a presunção de vulnerabilidade, ou seja, uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza e enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando a relação de consumo, conforme se observa na ementa
AGRAVO DE INSTRUMENTO. CONSUMIDOR. TEORIA FINALISTA APROFUNDADA. Ao aplicar o art. 29 do CDC, o STJ tem adotado a teoria do finalismo aprofundado, na qual se admite, conforme cada caso concreto, que a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço possa ser equiparada a consumidor, quando demonstrada a sua vulnerabilidade frente ao fornecedor ou vendedor, ainda que não destinatária final do serviço. Agravo provido. (STJ - Acórdão n. 724712, Relatora Desª. ANA MARIA DUARTE AMARANTE BRITO, 6ª Turma Cível, Data de Julgamento: 16/10/2013, publicado no DJe: 22/10/2013).
Diante disso, abre-se o leque de possibilidades para que o fornecedor possa ser equiparado a consumidor de acordo com a vulnerabilidade no caso apontado. Pouco importa a destinação final do produto ou serviço, vez que o finalismo aprofundado busca equilibrar as relações de consumo, bem como possibilita a aplicabilidade do ordenamento jurídico consumerista para o polo mais frágil.
2 DO FORNECEDOR
Para definir quem seja o fornecedor extrai-se dos termos da lei segundo o caput do art. 3º do CDC
Fornecedor é toda pessoa física ou jurídica, pública ou privada, nacional ou estrangeira, bem como os entes despersonalizados, que desenvolvem atividade de produção, montagem, criação, construção, transformação, importação, exportação, distribuição ou comercialização de produto ou prestação de serviços. (BRASIL, Lei nº 8.078 de 11 de setembro de 1990).
Fornecedor pode ser público ou privado, entendendo-se no primeiro caso o próprio Poder Público, por si ou então por suas empresas públicas que desenvolvam atividade de produção, ou ainda as concessionárias de serviços públicos. Nesse sentido, vale a pena lembrar que um dos direitos dos consumidores expressamente consagrados pelo art. 6º, mais precisamente em seu inciso X, é a adequada e eficaz prestação dos serviços públicos.
No dispositivo ainda abrange tanto fornecedores nacionais como os estrangeiros que exportem produtos ou serviços para o País, arcando com a responsabilidade por eventuais danos ou reparos o importador que posteriormente poderá regredir contra os fornecedores exportadores.
São ainda denominados “entes despersonalizados”, assim entendidos os que, embora não dotados de personalidade jurídica, quer no âmbito mercantil como no civil, exercem atividades produtivas de bens e serviços, como por exemplo, uma massa falida que é autorizada a continuar as atividades comerciais da empresa sob regime de quebra, para que realizem ativos mais celeremente, fazendo frete ao concurso de credores.
O fornecedor de produtos e serviços deve ser responsável pelos produtos e serviços que são objetos de sua atividade nas relações de consumo. Para não restar dúvidas, trata-se da responsabilidade pelo defeito e a responsabilidade pelo vício. Inclusive, do momento que se entende que defeito é tudo o que gera dano além do vício, fala-se em "acidente de consumo" ou, como a própria lei 8.078/90 (Código de Defesa do Consumidor denomina: “fato do produto e do serviço”). Nesse caso, defeito poderia ser ligado a "falha de segurança", enquanto que vício a "falha de adequação".
E, com efeito, ao definir fornecedor, assim se manifesta Plácido e Silva (1987, v.1 p.138 apud Filomeno, 2010, p.41)
Derivado do francês ‘fournir’ (fornecer, prover), de que se compôs ‘fornisseur’ (fornecedor), entende-se todo comerciante ou estabelecimento que abastece ou fornece habitualmente uma casa ou um outro estabelecimento dos gêneros e mercadorias necessários a seu consumo. E, nesse sentido, por certo que são compreendidos todos quantos propiciem a oferta de bens e serviços no mercado de consumo, de molde a atender às suas necessidades, pouco importando a que título, tendo relevância a distinção, apenas, como se verá, quando se cuidar da responsabilidade de cada “fornecedor” em casos de danos aos consumidores, ou então aos próprios fornecedores, na via regressiva e em cadeia dessas responsabilidades, eis que vital a solidariedade para a obtenção efetiva da proteção que se almeja para os consumidores.
A condição de fornecedor está intimamente ligada à atividade de cada um e desde que coloquem aqueles produtos e serviços efetivamente no mercado, ficam responsáveis pelos danos eventualmente causados aos destinatários pelo fato do produto.
Em suma, o fornecedor é o protagonista das relações de consumo, pois este dita as regras, se sobrepõe ao consumidor, responsável pela colocação de produtos e serviços à disposição dos consumidores.
3 OBJETO DA RELAÇÃO DE CONSUMO: PRODUTOS E SERVIÇOS
O art. 3º, § 1º, da Lei 8.078/1990 estabelece que produto é qualquer bem móvel ou imóvel material colocado no mercado de consumo. O Código de Defesa do Consumidor não adentrou na grande divergência existente entre civilistas, a respeito dos conceitos de bens e coisas, preferindo utilizar o termo produto. Assim assevera Rizzatto Nunes (2011, p. 135)
Esse conceito de produto é universal nos dias atuais e está estreitamente ligado à ideia de bem, resultado da produção no mercado de consumo das sociedades capitalistas contemporâneas. É vantajoso o seu uso, pois o conceito passa a valer no meio jurídico e já era usado por todos os demais agentes do mercado (econômico, financeiro, de comunicações et.)
O produto pode ser um bem material (corpóreo ou tangível) ou imaterial (incorpóreo ou intangível). Conforme ilustração de Flávio Tartuce (2012, p. 84) “o primeiro vê-se como a de aquisição de um veículo ou apartamento. Como bem imaterial, destaque-se o exemplo lazer, que envolve uma plêiade de situações contemporâneas (jogo de futebol)”.
Quanto a definição jurídica de serviços estabelece o art. 3º, § 2º, que o serviço é qualquer atividade fornecida no mercado de consumo, mediante remuneração, inclusive as de natureza bancária, financeira, de crédito e securitária, salvo as decorrentes das relações de caráter trabalhista.
Em que pese a lei mencionar expressamente a remuneração, atribuindo um caráter oneroso ao negócio, admite-se que o prestador tenha vantagens indiretas, sem que isso prejudique a qualificação da relação de consumerista. Como primeiro exemplo ilustra Flávio Tartuce (2012, p. 88) “invoca-se o caso do estacionamento gratuito em lojas, shoppings centers, supermercados e afins, respondendo a empresa que é beneficiada pelo serviço, que serve como atrativo aos consumidores”. Dessa forma, concluindo pela presença de responsabilidades, da jurisprudência nos termos da Súmula 130 do STJ
DIREITO CIVIL. RESPONSABILIDADE CIVIL. FURTO EM ESTACIONAMENTO. SHOPPING CENTER. VEÍCULO PERTENCENTE A POSSÍVEL LOCADOR DE UNIDADE COMERCIAL. EXISTÊNCIA DE VIGILÂNCIA NO LOCAL. OBRIGAÇÃO DE GUARDA. INDENIZAÇÃO DEVIDA. PRECEDENTES. RECURSO PROVIDO. I - Nos termos do enunciado n. 130⁄STJ, 'a empresa responde, perante o cliente, pela reparação de dano ou furto de veículo ocorridos em seu estacionamento'. II - A jurisprudência deste Tribunal não faz distinção entre o consumidor que efetua compra e aquele que apenas vai ao local sem nada dispender. Em ambos os casos, entende-se pelo cabimento da indenização em decorrência do furto de veículo. III - A responsabilidade pela indenização não decorre de contrato de depósito, mas da obrigação de zelar pela guarda e segurança dos veículos estacionados no local, presumivelmente seguro. (STJ - REsp 437.649⁄SP, Rel. Ministro SÁLVIO DE FIGUEIREDO TEIXEIRA, QUARTA TURMA, julgado em 06/02/2003, DJ 24/02/2003, p. 242)
Note-se que no estacionamento de um shopping, no qual não se cobre pela guarda do veículo, disfarça o custo, que é cobrado de forma embutida no preço das mercadorias. Por isso é que se pode e se deve classificar remuneração como repasse de custos direta ou indiretamente cobrados. Nesse caso são todos os consumidores que pagam.
4 OBJETIVOS E PRINCÍPIOS ORIENTADORES DA TUTELA DO CONSUMIDOR
A defesa do consumidor como direito fundamental está previsto na Constituição de 1988, no art. 5º, XXXII, que determina expressamente: “O Estado promoverá, na forma da lei, a defesa do consumidor”. Esta proteção conferida ao consumidor corresponde a um dever do Estado promover este direito.
Para Bruno Miragem (2014, p.57) a forma de tutela jurídica mais efetiva é, sem dúvida, a concessão de direitos subjetivos, sobretudo a defesa do consumidor como princípio da ordem constitucional econômica consagrado no art. 170, V da Constituição da República. Nesse sentindo, em se tratando da defesa do consumidor como princípio fundamental da ordem econômica, observa-se que o legislador optou por constituir novos direitos e indicar-lhes a titularidade do sujeito de direitos consumidor, bem como o de referir direitos pré-existentes, em alguma medida universais, à tutela específica do consumidor.
O direito do consumidor é dotado de uma base principiológica de suma importância para a interpretação, compreensão e aplicação de suas normas. De modo geral, o princípio da vulnerabilidade é o foco deste item, vez que a compreensão deste é imprescindível para aplicação do finalismo aprofundado, pois é o princípio básico que fundamenta a existência e aplicação do direito do consumidor.
O art. 4º, I, do CDC estabelece entre os princípios informadores da Política Nacional das Relações de Consumo o “reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor no mercado de consumo”. Assim Miragem (2014, p. 122) assevera que “a existência do direito do consumidor justifica-se pelo reconhecimento da vulnerabilidade do consumidor. É está vulnerabilidade que determina ao direito que se ocupe da proteção do consumidor”.
A vulnerabilidade é dividida em três tipos, a saber: vulnerabilidade técnica, vulnerabilidade jurídica e vulnerabilidade fática. E por fim, tem-se identificado uma quarta espécie de vulnerabilidade, a vulnerabilidade informacional. Para melhor compreensão deste tema, analisaremos no item subsequente as espécies de vulnerabilidade nos termos da jurisprudência (STJ - REsp 1195642/RJ – 3º Turma – rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – julgamento 13.11.2012).
5 CONSUMIDOR SEGUNDO A TEORIA FINALISTA APROFUNDADA
Desde a entrada em vigor do Código Civil de 2002 (CC/02) ocorreu uma tendência na nova jurisprudência do STJ, concentrada na noção de consumidor final imediato e de vulnerabilidade (art. 4º, I), que Marques (2013, p. 97) tem denominado de finalismo aprofundado, conforme se observa na ementa
CONSUMIDOR. DEFINIÇÃO. ALCANCE. TEORIA FINALISTA. REGRA. MITIGAÇÃO. FINALISMO APROFUNDADO. CONSUMIDOR POR EQUIPARAÇÃO. VULNERABILIDADE. 1. A jurisprudência do STJ se encontra consolidada no sentido de que a determinação da qualidade de consumidor deve, em regra, ser feita mediante aplicação da teoria finalista, que, numa exegese restritiva do art. 2º do CDC, considera destinatário final tão somente o destinatário fático e econômico do bem ou serviço, seja ele pessoa física ou jurídica. 2. Pela teoria finalista, fica excluído da proteção do CDC o consumo intermediário, assim entendido como aquele cujo produto retorna para as cadeias de produção e distribuição, compondo o custo (e, portanto, o preço final) de um novo bem ou serviço. Vale dizer, só pode ser considerado consumidor, para fins de tutela pela Lei nº 8.078/90, aquele que exaure a função econômica do bem ou serviço, excluindo-o de forma definitiva do mercado de consumo. 3. A jurisprudência do STJ, tomando por base o conceito de consumidor por equiparação previsto no art. 29 do CDC, tem evoluído para uma aplicação temperada da teoria finalista frente às pessoas jurídicas, num processo que a doutrina vem denominando finalismo aprofundado, consistente em se admitir que, em determinadas hipóteses, a pessoa jurídica adquirente de um produto ou serviço pode ser equiparada à condição de consumidora, por apresentar frente ao fornecedor alguma vulnerabilidade, que constitui o princípio-motor da política nacional das relações de consumo, premissa expressamente fixada no art. 4º, I, do CDC, que legitima toda a proteção conferida ao consumidor. 4. A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). 5. A despeito da identificação in abstract o dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. 6. Hipótese em que revendedora de veículos reclama indenização por danos materiais derivados de defeito em suas linhas telefônicas, tornando inócuo o investimento em anúncios publicitários, dada a impossibilidade de atender ligações de potenciais clientes. A contratação do serviço de telefonia não caracteriza relação de consumo tutelável pelo CDC, pois o referido serviço compõe a cadeia produtiva da empresa, sendo essencial à consecução do seu negócio. Também não se verifica nenhuma vulnerabilidade apta a equipar a empresa à condição de consumidora frente à prestadora do serviço de telefonia. Ainda assim, mediante aplicação do direito à espécie, nos termos do art. 257 do RISTJ, fica mantida a condenação imposta a título de danos materiais, à luz dos arts. 186 e 927 do CC/02 e tendo em vista a conclusão das instâncias ordinárias quanto à existência de culpa da fornecedora pelo defeito apresentado nas linhas telefônicas e a relação direta deste defeito com os prejuízos suportados pela revendedora de veículos. 7. Recurso especial a que se nega provimento. (STJ - REsp 1195642/RJ – 3º Turma – rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – julgamento 13.11.2012).
Trata-se de uma interpretação finalística mais aprofundada e madura, em casos complexos, envolvendo pequenas empresas que utilizam insumos para a sua produção, mas não em sua área de produção ou distribuição, principalmente na área dos serviços, provada a vulnerabilidade, seja ela econômica, técnica ou social, conclui-se pela destinação final de consumo prevalente. Conforme a observação de Marques (2013, p. 97)
Esta nova linha, em especial do STJ, tem utilizado, sob o critério finalista e subjetivo, expressamente a equiparação do art. 29 do CDC, em se tratando de pessoa jurídica que comprove ser vulnerável e atue fora do âmbito de sua especialidade, como hotel que compra gás. Isso porque o Código conhece outras definições de consumidor. O conceito-chave aqui é o de vulnerabilidade.
A vulnerabilidade, como afirma Benjamin (2013, p.97) “é a peça fundamental do direito consumerista, é o ponto de partida de toda a sua aplicação, principalmente em matéria de contratos (art. 4º, I, c/c art. 2º do CDC) ”. Acrescenta ainda que é uma situação permanente ou provisória, individual ou coletiva, que fragiliza, enfraquece o sujeito de direitos, desequilibrando as relações de consumo.
Ensina Marques (2013, p.98) “que o consumidor é vulnerável porque não dispõe de conhecimentos técnicos necessários para a elaboração dos produtos ou para a prestação dos serviços no mercado”. Por essa razão, o consumidor não está em condições de avaliar, corretamente, o grau de perfeição dos produtos e serviços.
A jurisprudência do STJ também ensina que o abuso fica agravado quando a vulnerabilidade do sujeito é maior, como no caso da bordadeira que compra máquina de borda para seu sustento, conforme a ementa
PROCESSO CIVIL E CONSUMIDOR. CONTRATO DE COMPRA E VENDA DE MÁQUINADE BORDAR. FABRICANTE. ADQUIRENTE. VULNERABILIDADE. RELAÇÃO DECONSUMO. NULIDADE DE CLÁUSULA ELETIVA DE FORO. 1. A Segunda Seção do STJ, ao julgar o REsp 541.867/BA, Rel. Min.Pádua Ribeiro, Rel. p/ Acórdão o Min. Barros Monteiro, DJ de16/05/2005, optou pela concepção subjetiva ou finalista de consumidor. 2. Todavia, deve-se abrandar a teoria finalista, admitindo a aplicação das normas do CDC a determinados consumidores profissionais, desde que seja demonstrada a vulnerabilidade técnica, jurídica ou econômica. 3. Nos presentes autos, o que se verifica é o conflito entre uma empresa fabricante de máquinas e fornecedora de softwares, suprimentos, peças e acessórios para a atividade confeccionista e uma pessoa física que adquire uma máquina de bordar em prol da sua sobrevivência e de sua família, ficando evidenciada a sua vulnerabilidade econômica. 4. Nesta hipótese, está justificada a aplicação das regras de proteção ao consumidor, notadamente a nulidade da cláusula eletiva de foro. 5. Negado provimento ao recurso especial. (STJ – Resp 1010834/GO – 3º Turma – rel. Ministra Nancy Andrighi – julgamento 03.08.2010, Dje 13.10.2010)
Em resumo, para Marques et al (2013, p. 98) “existem três tipos de vulnerabilidade: a técnica, a jurídica, a fática. E um quarto tipo de vulnerabilidade básica ou intrínseca do consumidor, a informacional”. Tal classificação tem sido observada pelo STJ conforme o julgado que se segue
A doutrina tradicionalmente aponta a existência de três modalidades de vulnerabilidade: técnica (ausência de conhecimento específico acerca do produto ou serviço objeto de consumo), jurídica (falta de conhecimento jurídico, contábil ou econômico e de seus reflexos na relação de consumo) e fática (situações em que a insuficiência econômica, física ou até mesmo psicológica do consumidor o coloca em pé de desigualdade frente ao fornecedor). Mais recentemente, tem se incluído também a vulnerabilidade informacional (dados insuficientes sobre o produto ou serviço capazes de influenciar no processo decisório de compra). A despeito da identificação in abstract o dessas espécies de vulnerabilidade, a casuística poderá apresentar novas formas de vulnerabilidade aptas a atrair a incidência do CDC à relação de consumo. Numa relação interempresarial, para além das hipóteses de vulnerabilidade já consagradas pela doutrina e pela jurisprudência, a relação de dependência de uma das partes frente à outra pode, conforme o caso, caracterizar uma vulnerabilidade legitimadora da aplicação da Lei nº 8.078/90, mitigando os rigores da teoria finalista e autorizando a equiparação da pessoa jurídica compradora à condição de consumidora. (STJ - REsp 1195642/RJ – 3º Turma – rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – julgamento 13.11.2012).
Assim pequenas empresas que contratam seguros contra roubo e furto para garantir seu patrimônio são consideradas destinatárias finais deste serviço e consumidoras, observe na ementa
CONSUMIDOR. RECURSO ESPECIAL. PESSOA JURÍDICA. SEGURO CONTRA ROUBO E FURTO DE PATRIMONIO PRÓPRIO. APLICAÇÃO DO CDC. I - O que qualifica uma pessoa jurídica como consumidora é a aquisição ou utilização de produtos ou serviços em benefício próprio; isto é, para satisfação de suas necessidades pessoais, sem ter o interesse de repassá-los a terceiros, nem empregá-los na geração de outros bens ou serviços. II - Se a pessoa jurídica contrata o seguro visando a proteção contra roubo e furto do patrimônio próprio dela e não o dos clientes que se utilizam dos seus serviços, ela é considerada consumidora nos termos do art. 2.º do CDC. Recurso especial conhecido parcialmente, mas improvido. (STJ - REsp 733.560/RJ – 3º Turma – rel. Ministra NANCY ANDRIGHI – julgamento 11.04.2006, DJ 02.05.2006).
Já grandes produtores rurais que contratam insumos não se beneficiam das normas consumeristas, conforme o entendimento do STJ
DIREITO CIVIL. RECURSO ESPECIAL. AÇAO REIVINDICATÓRIA C/C ANULAÇAO DE ATO JURÍDICO E REPARAÇAO DE DANOS. PRODUTOR RURAL DE GRANDE PORTE. RELAÇAO DE CONSUMO. INEXISTÊNCIA. ARRAS. DEVOLUÇAO. DESCABIMENTO. I - Conforme entendimento firmado pela Segunda Seção desta Corte, o critério a ser adotado para determinação da relação de consumo é o finalista. Desse modo, para caracterizar-se como consumidora, a parte deve ser destinatária final econômica do bem ou serviço adquirido. II - Não há relação de consumo, no caso dos autos, uma vez que o recorrido é produtor rural de grande porte e o maquinário objeto do contrato serviu para a colheita de milho e feijão em grande escala. III - Na hipótese de o negócio jurídico ser desfeito por motivo imputável a quem deu as arras, como no caso dos autos, em que o negócio jurídico foi anulado em razão da recusa do devedor em assinar o termo contratual e a pagar o restante do valor ajustado, esse as perderá em benefício do que as recebeu, indenizando, dessa forma, o último pelos danos sofridos. Recurso Especial provido. (STJ - REsp 826.827/MT – rel. Ministro SIDNEI BENETI – julgamento 12.08.2010, DJe 19.10.2010).
Embora o STJ tenha julgado inexistente a destinação final na utilização de equipamento e de serviços de crédito prestado pela empresa administradora de cartão de crédito (REsp 541.867/BA – 2º S. – rel. p/ o acordão Min. Barros Monteiro – julgamento 10.11.2004 – DJ 16.05.2005), há entendimento contrário que reconhece a destinação final na contratação de serviço de crédito por sociedade empresária, conforme a ementa
PROCESSO CIVIL. CONFLITO DE COMPETÊNCIA. CONTRATO. FORO DE ELEIÇÃO. RELAÇÃO DE CONSUMO. CONTRATAÇÃO DE SERVIÇO DE CRÉDITO POR SOCIEDADE EMPRESÁRIA. DESTINAÇÃO FINAL CARACTERIZADA. I - Aquele que exerce empresa assume a condição de consumidor dos bens e serviços que adquire ou utiliza como destinatário final, isto é, quando o bem ou serviço, ainda que venha a compor o estabelecimento empresarial, não integre diretamente - por meio de transformação, montagem, beneficiamento ou revenda - o produto ou serviço que venha a ser ofertado a terceiros. II - O empresário ou sociedade empresária que tenha por atividade precípua a distribuição, no atacado ou no varejo, de medicamentos, deve ser considerado destinatário final do serviço de pagamento por meio de cartão de crédito, porquanto esta atividade não integra, diretamente, o produto objeto de sua empresa. (STJ – Conflito de Competência nº 41.056/SP – rel. Ministro Aldir Passarinho Junior – julgamento 23.06.2004, DJ 20.09.2004).
Como se observa, a chave da justiça na aplicação do CDC é justamente o exame detalhado e profundo da noção de vulnerabilidade, in abstracto e in concreto.
Efetivamente, o que caracteriza o consumidor é seu déficit informacional, uma vez que englobada como espécie de vulnerabilidade técnica. A falta desta representa intrinsicamente um minus, sobretudo o maior fator de desequilíbrio da relação de consumo. Presumir a vulnerabilidade informativa (art. 4º, I, do CDC) significa impor ao fornecedor o dever de compensar este novo fator de risco na sociedade. Aqui, mais do que técnica, jurídica ou fática, esta vulnerabilidade é essencial à dignidade do consumidor.
CONSIDERAÇÕES FINAIS
Cada vez mais o direito e a sociedade valorizam essa vulnerabilidade informacional nas relações contratuais consumeristas. Ocorre que essa vulnerabilidade é compartilhada por muitos, mesmo alguns que não são exatamente os destinatários finais dos produtos e serviços. Neste sentido, O CDC atua como protetor do polo mais frágil, bem como equipara alguns destes sujeitos de direito a consumidores.
A conclusão que se chega sobre o tema é a real necessidade de se analisar cada caso in concreto, sobretudo quanto a interpretação da destinação final do produto ou serviço e a vulnerabilidade do consumidor frente ao fornecedor em uma relação de consumo, até porque o principal objetivo do Código Consumerista é tutelar a parte mais fraca nas relações de consumo.
Trata-se assim, o finalismo aprofundado como um critério de interpretação para extensão do conceito de consumidor por equiparação, sobretudo com relação à interpretação do art. 29 do CDC, para admitir a aplicabilidade das normas consumeristas nas relações entre fornecedores e consumidores-empresários em que fique caracterizada a relação de consumo, observando os aspectos da destinação final e da vulnerabilidade.
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MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor. 5º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2014.
RIZZATTO, Nunes. Curso de Direito do Consumidor. 6º Ed. São Paulo: Saraiva, 2011.
MARQUES, Cláudia Lima; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; MIRAGEM, Bruno. Comentários ao Código de Defesa do Consumidor. 3º Ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010.
GRINOVER, Ada Pellegrini; BENJAMIN, Antônio Herman de Vasconcellos; FINK, Daneil Roberto; FILOMENO, José Geraldo Brito; JUNIOR, Nelson Nery; DENARI, Zelmo. Código Brasileiro de Defesa do Consumidor: Comentado pelos Autores do Anteprojeto. 10º Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
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TARTUCE, Flávio; NEVES, Daniel Amorim Assumpção. Manual de Direito do Consumidor. Direito material e processual. Volume único. São Paulo: Editora Método, 2012.
[1] Doutora, professora do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins e da Universidade Federal do Tocantins. E-mail: [email protected].
[2] MIRAGEM, Bruno. Curso de Direito do Consumidor, p. 144.
[3] BOLZAN, Fabrício. Direito do Consumidor Esquematizado, p. 23.
Bacharelando do curso de Direito da Faculdade Católica do Tocantins.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RIBEIRO, Kenny Dávio Mota. Consumidor segundo a teoria finalista aprofundada Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51939/consumidor-segundo-a-teoria-finalista-aprofundada. Acesso em: 23 dez 2024.
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