RESUMO: O presente estudo, realizado mediante pesquisa à doutrina e jurisprudência pátrias pertinentes, debruça-se sobre a extensão do benefício fiscal imunizante às empresas estatais à luz do artigo 21, X, da Constituição Federal, em especial à ECT, propondo uma revisão em relação aos exatos contornos, e, consequentemente, dos limites que tal imunidade deve possuir, já que tais empresas, ao lado de serviços públicos exclusivos, prestam também serviços públicos não exclusivos, além de atividades tipicamente empresariais, competindo, pois, com os agentes econômicos particulares, a quem a CF/88 atribui protagonismo no exercício de tais atividades. Propõe-se, pois, uma compatibilização da imunidade tributária recíproca das empresas estatais com os princípios fundantes da ordem econômica brasileira prevista na Carta Magna de 1988, em especial, o da livre e isonômica concorrência.
Palavras-chave: Imunidade Tributária Recíproca. Empresas Estatais Prestadoras de Serviço Público Exclusivo. Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos - ECT. Serviço Postal.
SUMÁRIO: 1 INTRODUÇÃO 2 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS 3 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS RECÍPROCAS E SERVIÇO PÚBLICO 4 SERVIÇO POSTAL E A EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA ECT REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
1 INTRODUÇÃO
A imunidade tributária decorre da manifestação jurídica do órgão fundador do nosso ordenamento jurídico: o Poder Constituinte. Representa uma ordem, um comando expresso e inescapável aos entes federativos autônomos da República Federativa brasileira.
Estes entes foram dotados da faculdade de instituir tributos. Entretanto, este mesmo constituinte que permite tal investida (necessária às finalidades estatais democráticas) ao patrimônio de seus cidadãos aponta situações específicas que estão fora do alcance desta competências.
Em observância a inexistência de hierarquia ou privilégio jurídico entre si, os entes públicos não podem impor impostos uns aos outros, já que tal espécie exacional, tributo não vinculado que é, representa expressão de posição de superioridade jurídica do tributante em relação ao contribuinte. Assim, entre pessoas parificadas, equiparadas em poderes, não pode haver tal sujeição, sob pena de restar prejudicado o pacto federativo, e, mais que isso, restar embaraçado o desenvolvimento dos serviços públicos ofertados pelos entes políticos aos seus cidadãos.
Serviços estes, aliás, viabilizadores da garantia de direitos, que são a razão, não só da existência do Estado, e, por óbvio, de seus entes, como, também, da própria tributação.
Ocorre que tais serviços, por fatores de gestão, não são prestados apenas pelas pessoas da federação, que muitas vezes transferem sua execução a outras pessoas administrativas, muita embora mantenham o controle, a fiscalização e a regulação das atividades.
Um das pessoas a quem são outorgados tais serviços são estatais, que não atuam apenas prestando serviços públicos stricto sensu, muitas vezes concorrendo com os demais particulares da livre iniciativa.
O caso da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos-ECT, por nós escolhido para estudo, mostra-se peculiar, porque se trata de empresa que, principal e originariamente, tem como atribuição um serviço público federal, qual seja, o serviço postal. No entanto, tal empresa (que não deixou de ter natureza privada) também exerce empreendimentos econômicos, serviços que também são prestados por particulares.
Assim, neste trabalho monográfico, buscou-se melhor analisar até onde sua (e, por conseguinte, das demais estatais que a seu caso se assemelhem) imunidade tributária é legítima, em função de seus serviços públicos, e a partir de quando ela pode mostrar-se nociva à ordem econômica estatal.
2 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS
O cerne do objeto deste trabalho monográfico está na problemática, pode-se assim dizer, de hermenêutica constitucional, referente à adequada e exata abrangência da imunidade tributária recíproca a que fazem jus as empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público, que embora não tenha sido concedida de forma expressa pela Constituição Federal foi reconhecida em julgamento de grande reflexo dogmático-jurídico pelo Supremo Tribunal Federal[1].
As imunidades tributárias não representam outra coisa senão uma maneira de se condicionar a força exacional estatal. São elas instituto criado pelo Direito, dotadas, no caso brasileiro, de status constitucional, permeadas pelo espírito republicano-democrático de nosso atual ordenamento e inspiradas pelos diversos princípios e garantias fundamentais atribuídos a nossos cidadãos. Nesse sentido, assinala Sabbag (2012, p. 39):
Dessa forma, a norma imunizante, burilada pelo legislador constituinte, em nome do “cidadão-destinatátio”, visa preservar valores políticos, religiosos, sociais e éticos, colocando a salvo da tributação certas situações e pessoas (físicas e jurídicas).
A imunidade tributária é apenas uma das diversas espécies do gênero limitações ao poder de tributar, que por sua vez é “expressão do poder político, consequência do jus imperium do Estado” (COSTA, 2006, p. 54).
A imunidade, ao estabelecer situações determinadas, em que certas pessoas, em função de sua natureza, de suas atividades ou dos bens objeto de sua atuação, não podem ser tributadas por quaisquer das pessoas políticas, está claramente a impor uma limitação ao poder destas de tributar.
Na lição de Baleeiro (2010, p. 372), a imunidade “obsta o exercício da atividade legislativa do ente estatal, pois nega competência para criar imposição em relação a certos fatos especiais e determinados”.
Da mesma forma, quando há imunidade tributária, não há competência tributária[2]. No entanto, não se diz que as imunidades limitam a competência tributária, mas sim que auxiliam na sua delimitação. A esse respeito, dispõe Carvalho (2007, p. 190):
Inexiste cronologia que justifique a outorga de prerrogativas de inovar a ordem jurídica, pelo exercício de competências tributárias definidas pelo legislador constitucional, para, em momento subsequente, ser mutilada ou limitada pelo recurso da imunidade. Aliás, a regra que imuniza é uma das múltiplas formas de demarcação de competência. Congrega-se às demais para produzir o campo dentro do qual as pessoas políticas haverão de operar, legislando sobre matéria tributária. Ora, o que limita a competência vem em sentido contrário a ela, buscando amputá-la ou suprimi-la, enquanto a norma que firma a hipótese de imunidade colabora no desenho constitucional da faixa de competência adjudicada às entidades tributantes.
Vale ressaltar que as imunidades tributárias não são apenas normas direcionadas aos entes tributantes, destinadas a retirar, de seu perímetro de atuação exacional, certas pessoas, fatos e bens; alcançam, também, as próprias pessoas imunizadas, pois constituem direito público subjetivo fundamental de não ser tributadas (FERREIRA SOBRINHO, 1996, p. 102).
Dessa forma, há grande sintonia entre os casos de imunidade tributária previstos na Constituição Federal e os princípios e valores fundamentais da Carta de 1988, a exemplo da liberdade religiosa e a imunidade tributária dos templos de qualquer culto, bem como a imunidade da instituições de educação e o valor primário e elementar desta para nossa sociedade.
Distingue-se, ainda, a imunidade tributária da isenção tributária, sendo a primeira exoneração tributária constitucional, enquanto a última se trata de preceito de nível legal emanado pelo poder legislativo quando do exercício da competência tributária (COSTA, 2006, p. 104).
Em nosso ordenamento jurídico pátrio, todos os casos de imunidade repousam no art. 150, VI, da Carta Magna, e este trabalho se deterá no estudo e alcance da imunidade tributária recíproca, conferida ao patrimônio, renda e serviço dos entes federados e estendida em algum casos à empresas estatais.
3 IMUNIDADES TRIBUTÁRIAS RECÍPROCAS E SERVIÇO PÚBLICO
Sabe-se que entre União, Estados, Municípios e Distrito Federal, não há qualquer hierarquia. São eles dotados de autonomia e igualdade jurídica (ainda que faticamente desiguais), possuindo, apenas, esferas de competências (legislativas e administrativas) diversas (não obstante possuam também competências comuns).
Como, no caso do imposto[3], a obrigação tributária tem origem em fato indiferente a qualquer atuação da pessoa política, decorrendo unicamente da supremacia do interesse público e de uma posição jurídica superior do tributante em relação ao contribuinte, incompatível com o ideal da federação seria admitir um quadro em que os entes federados impusessem-se tal tributo desvinculado uns aos outros (CARRAZZA, 2007, p. 708-709).
Outro sustentáculo atribuído à imunidade recíproca é a da ausência de capacidade contributiva dos entes públicos federativos. Isto porque os recursos auferidos por eles, por força do interesse público a que estão vinculados, e em função de que decorre sua existência, destinam-se à prestação dos serviços públicos que lhes competem ofertar (COSTA, 2006, p. 138), o que também justifica o fato de recair a imunidade apenas sobre impostos mas não sobre os demais tributos, em que há atuação estatal a lastrear a exigência do tributo.
No entanto, as chamadas empresas estatais, que se dividem em empresas públicas e sociedades de economia mista, não atuam necessária e exclusivamente na exploração de atividades econômicas abertas à livre iniciativa e sujeitas ao lucro. Há, pois, algumas dessas empresas estatais que exploram serviço público; algumas de maneira exclusiva, com impossibilidade de delegação a particulares (CARRAZZA, 2004, p. 52), isso porque diversos serviços públicos são atribuídos, por lei, a entes privados, a exemplo dos serviços postais, de saneamento básico e de infra-estrutura aeroportuária.
Nestes casos, as empresas estatais são instrumentos do Estado, e a doutrina e jurisprudência entendem de forma majoritária que seria e elas extensível a imunidade tributária recíproca, pois se compreende que o Poder Constituinte imunizou os entes federados não apenas por sua natureza, mas também por conta da atividade que exercem de serviços de relevância pública.
No RE 407099/RS, o Pretório Excelso, legítimo hermeneuta da Lei Maior, entendeu aplicável à ECT a imunidade tributária recíproca, em relação à cobrança de IPTU pelo município de São Borja (RS). Do julgado, relatado pelo Ministro Carlos Veloso, resultou a seguinte ementa:
CONSTITUCIONAL. TRIBUTÁRIO. EMPRESA BRASILEIRA DE CORREIOS E TELÉGRAFOS: IMUNIDADE TRIBUTÁRIA RECÍPROCA: C.F., art. 150, VI, a. EMPRESA PÚBLICA QUE EXERCE ATIVIDADE ECONÔMICA E EMPRESA PÚBLICA PRESTADORA DE SERVIÇO PÚBLICO: DISTINÇÃO.
I. - As empresas públicas prestadoras de serviço público distinguem-se das que exercem atividade econômica. A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos é prestadora de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado, motivo por que está abrangida pela imunidade tributária recíproca: C.F., art. 150, VI, a.
II. - R.E. conhecido em parte e, nessa parte, provido (DJ. 06/08/2004).
Observa-se da ementa do julgado que se atribui o benefício à ECT por ser ela prestadora de serviço público exclusivo da União (serviço postal e correio aéreo), pelo que se faz necessário compreender o que diferencia o serviço público da atividade normalmente realizada pelas empresas estatais.
Em relação à diferenciação entre serviço público e atividade econômica, entendemos que doutrina útil a tal fim (GRAU, 2010, p. 108-117) é a que ensina ser a atividade econômica em sentido amplo um gênero, de que são espécies a atividade econômica em sentido estrito e o serviço público[4].
O motivo porque as duas são englobadas em um mesmo gênero é o fato de não haver, materialmente, qualquer diferenciação entre ambas. Não há, pois, serviços públicos e atividades econômicas em sentido estrito por natureza, até mesmo porque se tratam de ficções jurídicas (COSTÓDIO FILHO, 2006, p. 135).
A diferença entre os institutos, pois, encontra-se no fato de o legislador (constituinte ou ordinário), valorando tais atividades como mais ou menos essenciais ao interesse público, por uma gama de critérios (jurídicos e extra jurídicos), conceder sua titularidade e execução ao Estado (ou aos delegatários deste, no caso da execução) ou franqueá-los à iniciativa privada, submetendo-os, em cada caso, a diferenciados regimes jurídicos. Em regra, as atividades econômicas em sentido estrito são abertas à iniciativa privada e regidas por um regime jurídico de direito privado; os serviços públicos, por sua vez, são atribuídos ao Estado e regulados pelo regime jurídico de direito público (FIGUEIREDO, 2011, p. 70).
Os serviços públicos são regulados por regime especial, baseado nos princípios da supremacia do interesse público sobre o privado, indisponibilidade do interesse público pelo administrador, universalidade, continuidade, igualdade, modicidade, dentre vários outros (COSTÓDIO FILHO, 2006, p. 145), o que também os diferencia das atividades econômicas em sentido estrito.
Dada a essencialidade dos serviços públicos à sociedade, devem ser obrigatoriamente concedidos, independentemente de serem, ou não, rentáveis. Não raro, podem funcionar inclusive no prejuízo (Di PIETRO, 2010, p. 104). No regime privado, não se vislumbrando lucro na atividade, força motriz do empreendedorismo, a atividade econômica dificilmente será explorada
Destaque-se que, não obstante a transferência da execução do serviço público ao particular, o ente público conserva sua titularidade, podendo, inclusive, retomar sua prestação a qualquer momento, ainda que sem falta do delegatário, desde que configurado o interesse público, caso em que o particular será adequadamente indenizado (MELLO, 2008, p. 669).
Com tal distinção esclarecida, passaremos a abordar, de maneira específica, o serviço postal, bem como a imunidade tributária recíproca da ECT, que dele depende.
4 SERVIÇO POSTAL E A EXTENSÃO DA IMUNIDADE TRIBUTÁRIA DA ECT
Nesta última etapa do estudo, apreciaremos, de forma específica, o serviço postal, para aferirmos sua correta natureza[5] em nosso ordenamento: se serviço público ou atividade econômica em sentido estrito, ou, até mesmo, se dotada de uma natureza híbrida. Isto porque, a depender dela, pelo que aqui foi exposto, maior ou menor será a imunidade tributária da ECT.
A Constituição de 1988 não conceituou o serviço postal, o que, aliás, é de boa técnica legislativa, tendo em conta as transformações sociais contínuas, a que os termos da Carta Maior melhor amoldam-se em caso de não haver prolixidade por parte do constituinte (FRANÇA, 2008, p. 50). Limitou-se, a Carta Magna, a prescrever, em seu artigo 21, X, que é competência da União “manter o serviço postal e o correio aéreo nacional”.
No plano legal, com efeito, é a lei 6.538/78 quem trás o conceito de serviço postal. Dispõe ela, em seu artigo 7º: “Constitui serviço postal o recebimento, expedição, transporte e entrega de objetos de correspondência, valores e encomendas, conforme definido em regulamento[6]”. Denota-se, assim que a lei traz conceituação ampla, fazendo com que a intermediação de praticamente todos os objetos economicamente viáveis amoldem-se no conceito de serviço postal.
Tratando da abrangência do serviço postal, apropriado o ensinamento, ainda que se referindo à Constituição de 1967 (com redação idêntica da CF/88), de Ataliba (1986, p. 85-86):
Determina o art. 8.º, XII, que, à União compete “manter o serviço postal e o correio Aéreo Nacional”. Cumpre investigar, pois, qual a consistência material do chamado “serviço postal”, a fim de apreender a extensão do serviço cometido, com exclusividade, ao Poder Público; mais precisamente à União. A propósito do teor da norma desse dispositivo, Pontes de Miranda, na sua insuperável obra de interpretação das normas constitucionais (Comentários à Constituição de 1967), adverte, de forma incisiva que, o “cerne do conceito” de serviço postal ou correio, “está nas cartas missivas: cartas, escritos, mensagens fechadas”, porquanto, “correio significa, no texto, posta, serviço de transporte de cartas e encomendas postais, entendendo-se por encomendas postais as que se equiparam às cartas. Isso não que dizer” – ensina o jurista – “que se vede, constitucionalmente, a particulares, ou às próprias entidades infra-estatais, manter serviços de entregas de objetos (não de cartas!). Com efeito, a Constituição, ao valer-se dos termos “postal” e “correio”, já determinou, circunscreveu e delimitou, pelo próprio significado de tais vocábulos, o âmbito dos serviços atribuídos à competência exclusiva da União. Em face de tal evidência, a dispensar esforço para demonstrá-la, ressalta que o serviço subtraído aos particulares e às demais pessoas públicas que não a União, é precisado, predefinido, predeterminado no Texto Constitucional, não abrangendo, não alcançando todas as coisas, objetos, bens, etc., etc., passíveis de serem enviados de um local para outro. É, assim, indiscutível que o serviço de competência exclusiva da União, tal como claramente posto na Constituição, tem âmbito delimitado e circunscrito às cartas missivas, às mensagens, comunicação escrita ou correspondência, por meio de carta.”
Da mesma maneira que em relação ao conceito, a CF/88 não explicita a natureza dos serviços postais. Em seu artigo 21, X, por demais lacônico, limita-se a atribuir, à União, a manutenção do “serviço postal” e do “correio aéreo nacional”.
A partir de tal dispositivo constitucional, a doutrina, interpretando-o, entende, de maneira majoritária, tratar-se de serviço público. Como exemplo, entendendo tratar-se de serviço público de prestação obrigatória e exclusiva do Estado. aduz Mello (2008, p. 676-677):
Há duas espécies de serviços que só podem ser prestados pelo próprio Estado, isto é, que não podem ser prestados por concessão, permissão ou autorização. São eles os de serviço postal e correio aéreo nacional, como resulta do art. 21, X. Isso porque, ao arrolar no art. 21 competências da União quanto à prestação de serviços públicos, menciona, nos incisos XI e XII (letras “a” a “f”) diversos serviços. A respeito deles esclarece que a União os explorará diretamente “ou mediante autorização, concessão ou permissão”. Diversamente, ao referir no inciso X o serviço postal e o correio aéreo nacional, não concedeu tal franquia. Assim, é visível que não quis dar o mesmo tratamento aos vários serviços que considerou.
No entanto, alguns doutrinadores, como Luís Roberto Barroso (2001, p. 131-159) interpretam o laconismo do legislador constitucional como uma ausência de restrição à livre iniciativa, um franqueamento de tal atividade à iniciativa privada.
Do ponto de vista legislativo, a lei 9.074/95, com redação dada pela lei 9.648/98, incluiu os serviços postais em seu artigo 1º, VII, referindo-se a eles como serviços públicos sujeitos ao regime de concessão e permissão, bem como à lei 8.987/95, o que faz com que se possa afirmar que, atualmente, o legislador ordinário considera o serviço postal um serviço público federal passível de delegação (COSTÓDIO FILHO, 2006, p. 177).
Pois bem, conforme mencionado anteriormente, o STF já havia se posicionado em relação a natureza do serviço como serviço público exclusivo da União. No entanto, merece destaque o julgamento da ADPF 46, em que o assunto foi enfrentado em sede de controle concentrado de constitucionalidade.
Nesta ADPF, proposta pela Associação Brasileira das Empresas de Distribuição – ABRAED, em novembro de 2003, alegava-se que a ECT buscava dar sentido amplíssimo às atividades alcançadas pelo conceito de serviço postal, bem como às sujeitas pelo seu monopólio. No resultado, por maioria, o STF declarou improcedente a ADPF nº 46, o que significou, pois, a recepção da lei 6.538/78, que concedia tal monopólio, pela CF/88. O serviço postal foi reputado pela Suprema Corte como serviço público prestado em regime de exclusividade pela União.
Foi dado, no entanto, interpretação conforme ao artigo 42 da Lei 6.538/78, para restringir a exclusividade (a lei fala em monopólio) postal, que, violada, enseja a prática do fato típico, às atividades constantes do artigo 9º da referida lei[7], que se referem apenas a carta, cartão-postal, correspondência agrupada, além de selos e outras fórmulas de franqueamento postal. Em outras palavras: ficaram fora do conceito de serviço público exclusivo o recebimento e entrega de outros objetos, em especial, as encomendas.
Vistas, pois, a conceituação, a natureza e as características do serviço postal estamos munidos dos elementos para responder à questão basilar deste estudo: qual a adequada abrangência e o correto limite da imunidade tributária recíproca a que faz jus a Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos (e, por conseguinte, demais estatais prestadoras de serviço público).
A intenção do constituinte ao estabelecer a imunidade tributária parece-nos ser beneficiar uma atividade (serviço público) que atenda a algum princípio com assento constitucional mais do que uma pessoa apenas por realizar tal atividade, e tal raciocínio se aplica a concessão de imunidade às empresas estatais, como é o caso da EBCT, que presta serviços em plena concorrência com a iniciativa privada (já que a exclusividade postal restringe-se ao artigo 9º da lei 6.538/78, conforme definido na ADPF nº 46); presta, inclusive, através do Banco Postal, serviços financeiros, de extrema e tradicional natureza econômica.
O ponto chave da concessão da imunidade tributária recíproca às empresas públicas e sociedades de economia mista está, em primeiro lugar, na circunstância de serem prestadoras de serviços públicos exclusivos; em segundo lugar, só fazem jus a tal exoneração tributária enquanto exercem tais atividades tipicamente exclusivas e públicas. Se realizam atividades que não estas, e portanto, não típicas, não gozam da imunidade.
Há de se compreender que a não concessão da imunidade, em tais casos, está não a intentar a tributação de empresas que, por exemplo, possuem patrimônio majoritária ou totalmente público. A razão de ser da limitação constante do artigo 150, §3º, bem como do artigo 173, § 2º, está fundamentada nos princípios da livre iniciativa e da livre concorrência, fundamentos e princípios que são da ordem econômica (art. 170, caput e inciso IV, da CF/88), bem como da própria República Federativa do Brasil (art. 1º, IV, da Carta Magna).
Podemos concluir, pois, com base no exemplo da ECT, que, quando esta realizar as atividades postais constantes do artigo 9º da lei 6.538/78, gozará da imunidade tributária recíproca, por força dos artigos 150, VI, a, e 150, §2º, da Constituição de 1988, pois consistem em atividades tipicamente caracterizadas como serviços públicos, de prestação exclusiva da União.
No entanto, quando realizarem atividades fora do citado artigo, em concorrência com a iniciativa privada, e mesmo outros, em especial a atividade financeira que realiza através do Banco Postal, deve a ECT ser sujeito passivo da cobrança de impostos. Da mesma forma, em relação a outras empresas públicas ou sociedades de economia mista, desde que prestadoras de serviço público exclusivo, se, porventura, realizarem outras atividades em concorrência com os particulares, em relação a estas, estarão sujeitas à tributação, e, portanto, não alcançadas pela imunidade tributária recíproca.
5 CONCLUSÃO
Empreeendido este estudo, pôde-se apreender que as imunidades tributárias, normas constitucionais excepcionadoras do princípio tributário da universalidade, são comandos do poder constituinte que, direcionados aos entes políticos constituídos, delimitam, de forma negativa, sua competência tributante, privilegiando casos expressos (ou implicitamente inerentes) e específicos que a lei instituidora da exação não poderá afetar.
Tais privilégios, que, em última análise, têm por destinatários alguns sujeitos (em razão de sua natureza, da relevância social de seus bens ou atividades), não são fruto de arbitrariedades despóticas do legislador originário.
A Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT representa caso peculiar. Tal empresa pública, vinculada à União, responsável pela prestação do serviço postal de que esta última é titular, desenvolve, de um lado, tal serviço público, prestando também, no entanto, diversas atividades que não se enquadram no conceito da atividade postal, atuando, inclusive, na área financeira, através do Banco Postal.
Em relação aos serviços postais, goza de imunidade, posto serem exclusivos, vinculados à competência constiticionalmente atribuída à União; quanto às atividades econômicas, no entanto, não há dúvida de que devem ser tributados através de impostos, não produzindo efeitos, aqui, a imunidade recíproca. Prepondera, em tal caso, o princípio da livre e isonômica concorrência, demonstrando a ligação e harmonia existentes entre a ordem tributária e a ordem econômica.
Não se sustenta o argumento de que os serviços imunes arrastariam a imunidade para as atividades econômicas privadas da ECT, por supostamente serem estas praticadas apenas para financiar aqueles, deficitários que são (subsídio cruzado).
Como dito, a CF/88 obrigou (e não facultou) à prestação de serviços públicos, em regra, os entes tributantes, que podem valer-se da administração indireta para fazê-lo (ou mesmo da delegação a particulares). Deixou, por sua vez, também como regra, à iniciativa privada, a realização de atividades econômicas estritas, só autorizando excepcionalmente a participação estatal, em tal área, caso em que deve submeter-se às mesmas regras a que se sujeitam os particulares.
Assim, a extensão da imunidade recíproca das empresas públicas e sociedades de economia mista prestadoras de serviço público exclusivo está estritamente limitada a estes, não persistindo em caso de atuação em concorrência com a iniciativa privada, em atividades econômicas em sentido estrito.
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
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CARRAZZA, Roque Antônio. Curso de direito constitucional tributário. 23. ed. ver. ampl. e atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2007.
CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de direito tributário. 19. ed. rev. São Paulo: Saraiva, 2007.
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COSTÓDIO FILHO, Ubirajara. O serviço postal no direito brasileiro. Curitiba: J M Editora, 2006.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito administrativo. 23. ed. São Paulo: Atlas, 2010.
FERREIRA SOBRINHO, José Wilson. Imunidade tributária. Porto Alegre: Sérgio Antônio Fabris Editor, 1996.
FIGUEIREDO, Leonardo Vizeu. Lições de direito econômico. 4. ed. rev. atual. Rio de Janeiro: Forense, 2011.
FRANÇA, Vladimir da Rocha. O regime constitucional do serviço postal e os “monopólios” da Empresa Brasileira de Correios e Telegráfos. Revista de informação legislativa, a. 45, n. 177, Brasília, p. 47-56, jan./mar. 2008.
GRAU, Eros Roberto. A ordem econômica na constituição de 1988 (interpretação e crítica). 14. ed. rev. atual. São Paulo: Malheiros Editores, 2010.
MELLO, Celso Antônio Bandeira de. Curso de direito administrativo. 25. ed. rev. atual. 2. tir. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
SABBAG, Eduardo. Manual de direito tributário. 4. ed. atual. São Paulo: Saraiva, 2012.
[1] Trata-se do julgamento do Recurso Extraordinário nº 407099/RS. No caso, a imunidade foi concedida à Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos – ECT, empresa pública vinculada à União. Em outros julgados posteriores, porém, o STF seguiu o mesmo entendimento, estendendo a imunidade também a outras empresas públicas, bem como a sociedades de economia mista, desde que prestadoras de serviço público exclusivo do ente a que vinculados.
[2] “A competência tributária apresenta-se como a aptidão jurídica para criar, in abstracto, tributos, descrevendo, legislativamente, suas hipóteses de incidência, seus sujeitos ativos, seus sujeitos passivos, suas bases de cálculo e suas alíquotas.” (SABBAG, 2012, p. 283-284)
[3] Segundo o art. 16 do CTN, o imposto é o “tributo cuja obrigação tem por fato gerador uma situação independente de qualquer atividade estatal específica, relativa ao contribuinte”. Daí se dizer que se trata de tributa não vinculado (a uma contraprestação estatal).
[4] A bem da verdade, como aponta Grau (2010, p. 102): “Rigorosamente, o gênero atividade econômica em sentido amplo compreende três espécies, e não apenas duas – a da atividade econômica em sentido estrito e a dos serviços públicos. Convém acrescentarmos a essas duas primeiras espécies do gênero a das atividades ilícitas, ou seja, atividades econômicas em sentido amplo cujo exercício é vedado pela lei.”
[5] Não obstante já tenhamos, no primeiro capítulo, visto que a Suprema Corte só estendeu benefícios típicos (dentre eles a imunidade tributária recíproca) da Fazenda Pública à ECT por considerar os serviços que ela presta (postais) de natureza pública, neste capítulo faremos uma análise mais detida acerca de tais serviços.
[6] Em relação ao regulamento mencionado, o mesmo hoje não existe, pois o Decreto nº 83.858/79, que trazia tal regulamentação, foi revogado pelo Decreto sem número, de 15 de fevereiro de 1990, representando sério prejuízo à segurança jurídica no setor, já que o artigo da lei e seus parágrafos trazem tão somente os contornos gerais da definição do instituto (COSTÓDIO FILHO, 2006, p. 96).
[7] Art 9º - São exploradas pela União, em regime de monopólio, as seguintes atividades postais: I – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de carta e cartão-postal; II – recebimento, transporte e entrega, no território nacional, e a expedição, para o exterior, de correspondência agrupada; III – fabricação, emissão de selos e de outras fórmulas de franqueamento postal.
Graduado em Direito pela Universidade Federal do Maranhão e pós-graduado em Direito Público pela Universidade Anhanguera - Uniderp.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PINHEIRO, Leonardo Fernandes. Imunidade tributária das empresas públicas e sociedades de economia mista a partir da análise da Empresa Brasileira de Correios e Telégrafos Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 jun 2018, 05:15. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51940/imunidade-tributaria-das-empresas-publicas-e-sociedades-de-economia-mista-a-partir-da-analise-da-empresa-brasileira-de-correios-e-telegrafos. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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