Resumo: Este ensaio busca fazer uma análise de como o judiciário da União Europeia(UE) se relaciona com definições modernas e antigas de Justiça. Essa análise terá como base as definições de Aristóteles e Derrida. Filósofos que têm visões distintas, mas que ajudam a compreender diversos aspectos da maior união econômica e política já existente.
Palavras - chave: União Europeia; Derrida; Aristóteles; Justiça; Filosofia do Direito.
Sumário: 1. Introdução. 2. É possível um Judiciário justo na União Europeia? 3. Conclusão. 4. Referências Bibliográficas
Introdução
A UE é resultado de diversos tratados assinados por países da Europa. Ela atualmente é uma união econômica e política que permite a livre circulação de serviços, pessoas, mercadorias e capitais. Ao longo da formação da UE, fez-se necessário criar um sistema jurídico que, por meio da imposição da obediência aos tratados aos países signatários, garantisse a estabilidade e o pleno funcionamento dessa união. Um tratado que merece destaque é o Tratado de Lisboa, que entrou em vigor em 1 de Dezembro de 2009, pois ele fez com que a UE tivesse personalidade jurídica.
O processo de criação do sistema, no entanto, demandou que os Estados-membros abrissem mão de sua soberania. A partir disso, os tratados estabeleceram que seria criado um judiciário para toda a UE e que os ordenamentos jurídicos dos países teriam de estar de acordo com as definições da justiça europeia. Essa justiça tem então o dever de fazer com que os Estados-membros obedeçam ao Acervo Comunitário, que é o compilado de normas e princípios estabelecidos em acordos e pela jurisprudência das cortes europeias.
O conjunto das instituições judiciárias europeias recebe o nome de Tribunal de Justiça da União Europeia (CJEU). As instituições, no entanto, são duas: o Tribunal de Justiça (ECJ) e o Tribunal Geral.
O ECJ é a mais alta corte do sistema judiciário europeu. Ela, portanto, recebe os recursos finais das ações. A ECJ é composta por 28 juízes que são indicados por cada país-membro e é composta por 11 advogados gerais que dão pareceres sobre assuntos que chegam à corte. Os pareceres, mesmo não sendo vinculantes, têm grande influência nas decisões dos juízes. A jurisdição da ECJ é restrita, ou seja, ela recebe casos de temas específicos, como recursos de anulação a respeito de diretivas da UE, recursos de decisões do Tribunal Geral e ações por descumprimento de decisões da UE.
O Tribunal Geral tem uma jurisdição ampla e é conhecido como Tribunal de Primeira Instância. Ele é composto por 44 juízes que são nomeados em comum acordo pelos Estados Membros. Como o nome diz, ele pode ser entendido como de primeira instância, logo, pode-se recorrer das decisões deste tribunal.
Desenvolvimento
Percebe-se então que o judiciário europeu é organizado e obedecido pelos membros da UE. Essa disposição e obediência, no entanto, não fazem com que esse sistema seja considerado justo pela totalidade dos pensadores que abordaram o tema justiça. No aspecto de filosofia da justiça, a UE é passível de diversas críticas. Um desses críticos é Jacques Derrida, que entende que direito e justiça são diferentes, mas se relacionam.
Derrida é um filósofo e é um dos principais nomes do desconstrutivismo. Essa escola filosófica afirma que todos os processos que levaram até a atualidade foram processos de interpretação, logo, uma entre diversas interpretações possíveis foi escolhida em detrimento das demais em diversos momentos da História. A partir disso, evidencia-se o papel central que a Justiça tem para os desconstrutivistas, pois surge o questionamento sobre qual das inúmeras interpretações possíveis seria a mais justa. Como disse Derrida: "É aliás normal, previsível, desejável, que pesquisas de estilo desconstrutivo desemboquem numa problemática do direito, da lei e da justiça." (DERRIDA, 2010)
Aplicando a teoria de Derrida para a UE, a primeira diferença que se percebe é a da ausência de um fundamento performativo/místico para o surgimento da organização judiciária europeia. Derrida entende que o momento instituidor do ordenamento e da ideia de justiça é um acontecimento que é romantizado para dar a ideia de que aquele foi um momento excepcional e superior em que pessoas, munindo-se dos bons valores e princípios, conseguiram estabelecer uma ordem que determinaria e limitaria as futuras gerações, mas sempre garantindo a justiça. Exemplo de evento performativo é a instauração da Magna Carta por João Sem Terra para a Inglaterra. Esse evento, no entanto, não está presente para a UE.
Esse bloco não apresenta esse evento performativo, pois ele é consequência de tratados que foram assinados por nações soberanas ao longo do tempo. Nesse caso, não é possível romantizar, pois se tratou apenas de um momento em que nações se reuniram e assinaram acordos que seriam benéficos para elas e um desses acordos estabelecia que um ordenamento jurídico superior ao dos Estados seria criado para permitir o funcionamento da UE. Sem essa ideia mística de justiça, pode-se entender que o judiciário europeu se mantém ,não porque é justo, mas porque ele faz com que a UE se mantenha unida.
Essa falta de crença na justiça das leis pode ser vista como um dos motivos para a existência dos eurocéticos. Isso acontece porque eles não aceitam que a justiça para o país deles pode vir de um "papel assinado" por países que não entendem e não vivenciam a realidade deles, ou seja, eles acreditam que o judiciário do país deles não pode ser subordinado ao da UE porque o primeiro é baseado em um acontecimento justo logo toma decisões justas, enquanto o segundo toma decisões de acordo com os interesses da UE, que estão presentes nos tratados.
Essa falta de um mito fundador para a justiça pode ser relacionada com uma diferença entre a ideia de justiça distributiva para Aristóteles e a justiça na UE. Esse evento performativo está claramente relacionado com a cultura de cada povo, pois esse evento é um acontecimento passado que é transmitido para as gerações futuras, como diversos aspectos culturais.
Aristóteles entendia que a justiça distributiva, que é a ideia de que fazer justiça seria garantir a equidade, ou seja, garantir que houvesse uma distribuição do objeto do litígio que considerasse o quanto uma parte tem e quanto a outra não tem para que, após a aplicação da justiça, tanto uma parte quanto a outra tivesse recebido uma parte justa, ou seja, de acordo com a situação delas antes da distribuição. (ARISTÓTELES, 1984)
Essa relação com a cultura faz com que a justiça distributiva seja diferente em cada cultura. Isso acontece porque o que pode ser considerado adequado em uma situação para certo povo, pode ser considerado inadequado na mesma situação mas para um povo diferente. Ou seja, uma decisão que é considerada equitativa por um búlgaro pode não ser considerada equitativa por um italiano, pois eles têm noções, que resultam da cultura, diferentes. Essas diferenças fazem com que seja difícil uma justiça distributiva no ambiente multicultural da UE.
Voltando a crítica para a UE baseada em Derrida, uma crítica simples que pode ser feita é a partir do sentido de desconstrução. Derrida defendia que desconstruir era fazer justiça, pois esse retrocesso estaria voltando nas interpretações já feitas e as revendo para que fosse possível chegar na primeira interpretação e torná-la justa. Nesse processo de retorno às interpretações antigas, fica evidente então que fazer justiça seria desconstruir o estabelecimento da UE.
Essa desconstrução, no entanto, dificilmente será feita nesse contexto ou em qualquer contexto da realidade. Esse é um dos motivos que faz com que Derrida afirme que a justiça é uma aporía, ou um não-caminho, ou uma experiência que não podemos experimentar (DERRIDA, 2010). As críticas feitas neste e nos demais capítulos a partir das ideias de Derrida podem dar a entender que ele não vê nada de positivo no direito e na sua pretensão de justiça, visto que ele afirma a impossibilidade de experimentá-la. Isso, no entanto, não é verdade, porque esse filósofo tem apreço pela objetividade escrita.
Esse apreço é percebido pela defesa do autor de que o direito é a forma mais próxima, sem ser a desconstrução, de se atingir a justiça, mesmo que isso seja impossível. Ele entende que o direito deve se guiar pela busca pela justiça para continuar evoluindo. A forma com que ele entende essa relação direito-justiça é a de o direito como um cálculo. Ele afirma que o direito é um sistema que aplica suas normas de acordo com o caso, essa definição da norma a ser aplicada é a parte do cálculo que é feito pelo juiz. A justiça, nessa situação, é a decisão de calcular ou não calcular de acordo com a situação, logo, essa é uma decisão impossível de ser tomada corretamente. Um trecho que define o papel que a justiça, mesmo sendo impossível atingí-la, deve exercer: "A justiça, como experiência da alteridade absoluta, é inapresentável, mas é a chance do acontecimento e a condição da história." (DERRIDA, 2010). A partir desse apreço, pode-se imaginar que Derrida valorizaria a organização da EU e a forma com que essa organização permite a aplicação eficaz da norma, ou seja, permite o cálculo.
Aristóteles, também, tem apreço pela objetividade escrita, pelas leis. Ele afirma que: “O justo é, portanto, o respeitador da lei e o probo, e o injusto é o homem sem lei e ímprobo.” (ARISTÓTELES, 1984) Esse filósofo então, por esse ponto de vista, entenderia que a UE aplica a justiça quando os tribunais estabelecem regulamentos e diretivas, por exemplo. Esse tipo de justiça é denominado como justiça legal, que tem a função de discriminar o justo do injusto.
A diferença entre o apreço pela objetividade escrita dos dois autores é a forma com que a relação com a justiça se dá. Enquanto Aristóteles acredita que a obediência à lei representa que o indivíduo é justo, Derrida entende que essa obediência não garante que o indivíduo é justo, visto que é impossível alguém ser justo.
Conclusão
Dessa exposição de argumentos, pode-se supor que tanto Aristóteles quanto Derrida atualmente fariam críticas e elogios para o judiciário da UE, que tem o propósito ousado de tentar ser justo em um cenário multicultural e de inúmeras especifidades. Aristóteles valorizaria a forma com que a justiça legal pode ser aplicada, visto que o sistema é bem organizado e as normas têm grande eficácia. Derrida também veria como positiva essa organização do judiciário, visto que permitiria realizar o “cálculo” do direito. O filósofo antigo, no entanto, criticaria a forma com que esse multiculturalismo e suas especifidades dificultam o estabelecimento de uma justiça equitativa e o filósofo moderno criticaria a falta de um fundamento místico para justificar o surgimento do direito e consequentemente do sentimento de justiça no âmbito da UE.
Referências Bibliográficas
ARISTÓTELES. "Ética a Nicômaco" in. Os Pensadores. São Paulo: Victor Civita, 1984.
DERRIDA, Jacques. Força de Lei. São Paulo: Martins Fontes, 2010.
MARTIN, Araceli Mangas; NOGUERAS, Diego J. Linãn. Instituciones y Derecho de la Union Europea. Madrid: Tecnos, 2012.
CONSTANT, Benjamin, "Da liberdade dos antigos comparada à dos modernos" in. Filosofia Política. Porto Alegre: L&PM,
GARGARELLA, Roberto (Coord.). Teoría y crítica del derecho constitucional. Buenos Aires: Abeledo Perrot, 2010.
CURIA. Apresentação do Tribunal de Justiça. Disponível em: < http://curia.europa.eu/jcms/jcms/Jo2_7024/pt/ >. Acesso em: 15 Abr. 2017.
CURIA. Apresentação do Tribunal Geral. Disponível em: < http://curia.europa.eu/jcms/jcms/Jo2_7033/pt/ >. Acesso em: 15 Abr. 2017.
Bacharelando pela Faculdade de Direito - UnB
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: COSTA, Pedro Henrique Fachini Lustosa da. Reflexão sobre Justiça na UE a partir de Derrida e de Aristóteles Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51944/reflexao-sobre-justica-na-ue-a-partir-de-derrida-e-de-aristoteles. Acesso em: 23 dez 2024.
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