RESUMO: O Sistema prisional passou por várias transformações que acarretaram a sua progressiva evolução. O objetivo do presente artigo é abordar a situação do sistema prisional do estado do Amazonas e apresentar um breve relato do episódio ocorrido no Complexo Penitenciário Anísio Jobim - COMPAJ, no dia 01 de janeiro de 2017. Para tanto, a pesquisa faz uma análise sistema carcerário amazonense desde sua implantação até aos dias atuais. Alude conceituações dos estabelecimentos prisionais, busca identificar as diferenças entre os modelos de gestão adotados, discute brevemente a atual falência do sistema penitenciário brasileiro, buscando situar o leitor no caso do COMPAJ, suscitando questões que assolam as diversas casas de recuperação e ressocialização do país. Nessa perspectiva, tece algumas considerações e reflexões acerca do fenômeno da privatização do sistema prisional no estado, igualmente, analisando o surgimento, evolução e, por fim, o atual estágio.
Palavras-chave: Gestão prisional. Sistema prisional. Privatização penitenciária.
ABSTRACT: The prison system underwent several transformations and led to its progressive evolution. The objective of this article is to address a situation of the prison system of the state of Amazonas and to present a brief report of the episode observed in the Anísio Jobim - COMPAJ Penitentiary Complex, on January 1, 2017. For this, a research plus a prison system analysis Amazonense from its implementation to the present day. Alludes conceptualizations of prisons, seeks to identify how the differential between the management models adopted, briefly discusses the current bankruptcy of the Brazilian penitentiary system, looking for situation or reader in the case of the COMPAJ, raising questions that rage as several houses of recovery and resocialization of the country . In this perspective, he makes some considerations and reflections on the phenomenon of privatization of the prison system in the state, also analyzing the emergence, evolution and, finally, the current stage.
Keywords: Prison management. Prison system. Penitentiary privatization
1. INTRODUÇÃO
O sistema prisional, historicamente, tem sido cenário de graves conflitos sociais e nítida falência gerencial, destarte necessitado de profundas reformas. Essa forma geral de aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, tal qual Foucalt pregava, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a famigerada instituição-prisão, antes mesmo que a lei a definisse como a pena devida e, por excelência, necessária.
Atualmente, o modelo de gestão prisional privado trilha um caminho polêmico, alvo de muitos questionamentos, principalmente, após a carnificina ocorrida no Complexo Penitenciário Anísio Jobim - COMPAJ em Manaus, que marcou a chegada do ano de 2017 e reiniciou uma antiga discussão quanto ao funcionamento do sistema, inserindo em pauta uma "crise" que na realidade persiste desde épocas remotas, trazendo à tona diversos problemas e violações de direitos persistentes no sistema prisional do estado do Amazonas.
Nesse sentido, mais uma vez, os poderes do Estado tentam se organizar para responder emergencialmente à crise. Volta-se à discussão da eficiência quanto ao gerenciamento dos presídios. Portanto, na sequencia deste trabalho serão explanados um breve historicismo do sistema prisional brasileiro, os modelos de gestão aplicados, relato sobre o sistema prisional estadual para ao final serem apresentadas considerações acerca da pesquisa.
2. SISTEMA PRISIONAL BRASILEIRO
Conforme dados divulgados pelo Ministério da Justiça e o Departamento Penitenciário Nacional (DEPEN), no relatório do Levantamento Nacional de Informações Penitenciárias (Infopen), constatou-se que o Brasil tinha nos seus estabelecimentos penais 622.202 mil presos encarcerados até dezembro de 2014. O Brasil atualmente ocupa o 4º lugar no mundo em quantidade de encarceramento, ficando atrás tão somente dos Estados Unidos, China e Rússia.
O Brasil encarcera mais do que qualquer outro país da América Latina. A realidade do sistema carcerário é representada por celas sujas, insalubres, e superlotadas. Ressalta-se que esse último representa um dos maiores problemas das prisões, resultando em troca de experiências, conflitos, motins, rebeliões e violência.
A superlotação carcerária não oferece condições básicas, como por exemplo, o simples fato de precisar dormir. Muitas vezes o preso dorme no chão da cela ou no chão do banheiro, isso ocorre enquanto estiver sobrando o espaço físico dentro da cela. As prisões possibilitam um processo de desumanização e ferem todas as garantias individuais constitucionais.
Conforme Foucault (2015, p. 218), "sabe-se que as prisões são perigosas, quando não inúteis, e, entretanto não "vemos" o que pôr em seu lugar. Ela é a detestável solução, de que não se pode abrir mão".
De fato, não se pode abrir mão do estabelecimento prisional, contudo, todos têm conhecimento da crise, se não melhor dizer da falência do sistema prisional brasileiro. Os presos são tratados com descaso, tanto pelas autoridades competentes quanto pela sociedade, que preferem virar as costas ao problema do sistema carcerário. Sobre o assunto, Rogério Greco (2011, p. 25):
Por mais que o Estado tenha o poder/dever de fazer valer o seu ius puniendi, este deverá ser levado a efeito preservando-se, sempre, os direitos inerentes à pessoa, que não cederam em virtude da prática da infração penal. Assim, por exemplo, se alguém for condenado a uma pena de privação de liberdade por ter praticado determinado crime, somente esse direito é que será limitado através do ius puniendi, vale dizer, o direito de ir, vir e permanecer aonde bem entenda. Os demais, a exemplo da sua dignidade, intimidade, honra, integridade física e moral etc., devem ser preservados a todo custo.
O Estado buscou a privatização e terceirização dos presídios com objetivo de resolver muitos problemas, tais como, viabilizar melhores condições a essas pessoas as quais tem suas liberdades restritas.
3. OS MODELOS DE GESTÃO PRISIONAL
Termos centrais do debate político e econômico no país são os modelos de gerenciamento prisional através de Privatizações ou Concessões. Os defensores da privatização indicam que a necessidade de privatizar boa parte do patrimônio público advém do reconhecimento de ineficiência do Estado, incapaz de gerir tudo, além de ser fonte de corrupção, devendo, portanto, vender, transferir em definitivo órgãos e estatais, tanto a execução quanto a titularidade, para empresas privadas.
Difere-se da Concessão pois esta é quando o poder público concede temporariamente um serviço público à iniciativa privada, e este setor assume um serviço com um plano de investimentos definido, obtendo retorno através da cobrança de tarifas dos usuários.
A Parceria Público-Privada (PPP) é uma forma de Concessão especial, regulada pela lei 11.079/2004. É um contrato de prestação de obras ou serviços firmado pelo poder público com uma empresa privada no valor superior a R$ 20 milhões e com duração mínima de cinco anos e prazo máximo de 35 anos. Enquanto na Concessão comum o retorno é obtido através das tarifas cobradas dos usuários dos serviços concedidos, na PPP o agente privado é exclusivamente remunerado pelo governo ou em uma combinação de tarifas cobradas dos usuários dos serviços com subsídio público.
O art. 2º da referida lei conceitua a PPP como contrato administrativo de concessão na modalidade patrocinada ou administrativa. A concessão especial patrocinada envolve, adicionalmente à tarifa cobrada dos usuários, contraprestação pecuniária do parceiro público ao parceiro privado. Ou seja, tem-se a tarifa do usuário, somada ao recurso público. Já a concessão especial administrativa, muito criticada pela doutrina, ocorre quando a própria Administração é a usuária, direta ou indireta, do serviço, como no caso dos presídios, em que os presos são usuários diretos e a Administração é a usuária indireta.
Nestes casos, o parceiro privado é integralmente pago pelos recursos transferidos pelo parceiro público. Celso Antônio Bandeira de Mello a designa como "falsa concessão", dispondo que o que a lei visa, na verdade, por meios transversos, não confessados, é a realizar um simples contrato de prestação de serviços - e não uma concessão - segundo um regime diferenciado e muito mais vantajoso para o contratado que o regime geral dos contratos. Como oposição a essa forma de administração, Ferreira comenta:
"A principal oposição apresentada a essa forma de administração penitenciária tem a ver com a natureza jurisdicional da execução penal, embora, a nosso ver, a atividade jurisdicional não sofra qualquer restrição diante do modelo adotado, visto que o processo de execução da pena ou a atividade de fiscalização por parte do juízo competente permanecem intactos, funcionando conforme previsto na legislação nacional. Doutrinariamente, vendo a atividade de execução da pena como a longa manus do juízo de execução, diante da indelegabilidade da atividade jurisdicional, inviável seria qualquer participação privada na administração privada. Contudo, a discussão acerca de ser ou não possível a separação da atividade administrativa da execução da pena, exercida pelo poder executivo, da atividade jurisdicional, não pode obstaculizar as tentativas que se fazem urgentes de amenização da situação carcerária. (FERREIRA, p. 180)
Outro argumento é de que a empresa preocupada com os lucros dê pouca ou nenhuma ênfase ao combate à criminalidade, relegando para segundo plano o fim da prevenção especial da pena.
A pena de prisão mostrou-se inapta, não trazendo qualquer vantagem à sociedade. A empresa privada pouco pode fazer e é oriunda da mesma sociedade que tenta fazer da pena privativa de liberdade solução para todos os males. Em suma: se é o poder judiciário o responsável pela ordem de prisão e se a pena de prisão não contribui para evitar a reincidência, é indiferente que a empresa privada possua a ideologia do lucro em detrimento da ressocialização, bastando que a atuação dessa empresa dê o mínimo de dignidade ao cumprimento da pena, o que pode ser facilmente observado. [...] O tema ressocialização parece um paliativo para a caótica situação prisional, resultado da falência do Estado. O investimento em educação serviria como meio de combate à criminalidade e ao mesmo tempo poderia mudar mentalidades e ideologias enraizadas no seio social para fazer com que todos enxerguem a inutilidade da pena de prisão, mas é medida que demora a surtir efeitos e, enquanto cresce o número de encarcerados no país, necessário é que sejam tomadas medidas que amenizem a inoperância da enferrujada máquina estatal. (FERREIRA, p. 183).
No Amazonas, o sistema prisional vem sendo gerido através de PPPs há alguns anos, sendo responsável pela gestão do COMPAJ, a empresa Umanizzare.
4. O SISTEMA PRISIONAL NO AMAZONAS
O Estado do Amazonas acompanhou, embora mais tardiamente que os demais Estados da federação, as mudanças e evoluções pelas quais o sistema punitivo atravessou no decorrer da história: repleto de crueldade, dos teatros de suplício, de tortura e morte.
A prisão estabelecida como pena foi uma evolução e negação do antigo formato bárbaro. Os primeiros conceitos de sistema penitenciário eram utilizados como substituição de pena corporal por pena privativa de liberdade: punição ou tratamento da alma do indivíduo. A inovação vida pelo Sistema Penitenciário se propunha à intenção de conseguir correção, ressocialização ou regeneração dos condenados através de uma atuação assistencial. Foucault relata de forma clássica este momento:
A prisão é menos recente do que se diz quando se faz datar seu nascimento dos novos códigos. A forma-prisão preexiste à sua utilização sistemática nas leis
penais. Ela se constituiu fora do aparelho judiciário, quando se elaboraram, por
todo o corpo social, os processos para repartir os indivíduos, fixá-los e distribuí-los espacialmente, classificá-los, tirar deles o máximo de tempo, e o máximo de forças, treinar seus corpos, codificar seu comportamento contínuo, mantê-los numa visibilidade sem lacuna, formar em torno deles um aparelho completo de observação, registro e notações, constituir sobre eles um saber que se acumula e se centraliza. A forma geral de uma aparelhagem para tornar os indivíduos dóceis e úteis, através de um trabalho preciso sobre seu corpo, criou a instituição-prisão, antes que a lei a definisse como a pena por excelência. No fim do século XVIII e princípio do século XIX se dá a passagem a uma penalidade de detenção, é verdade; e era coisa nova. Mas era na verdade abertura da penalidade a mecanismos de coerção já elaborados em outros lugares. Os "modelos" da detenção penal -- Gand, Gloucester, Walnut Street -- marcam os primeiros pontos visíveis dessa transição, mais que inovações ou pontos de partida. A prisão, peça essencial no conjunto das punições, marca certamente um momento importante na história da justiça penal: seu acesso à "humanidade". (FOUCAULT, 1987, pg. 260)
Os presos no Brasil, da era colonial até o império, eram mantidos em cadeias improvisadas, nas chamadas Casas de Câmara, sem possuir qualquer planejamento de sistema penitenciário, conforme narra Carlos Lélio Ferreira:
O panorama carcerário do crepúsculo da fase colonial consistia em prisões sem o mínimo de segurança, muitas funcionando em casas construídas de barro e cobertas de palha, sem qualquer preocupação com higiene, prevalecendo arbítrio dos castigos escolhidos discricionariamente pelo carcereiro ou quem fizesse suas vezes, mesmo quando o quartel era a única prisão da localidade, para quartel era alugada uma casa particular qualquer, não obstante as celas desses estabelecimentos militares tivessem sempre o nome de calabouço. (FERREIRA, 2006)
No Amazonas, em 1821, a primeira cadeia do Estado pegou fogo devido sua cobertura feita de palha. O governo não possuía qualquer prédio com condições para instalar cadeias, necessitando de uma nova construção. A obra foi a arrematação pública, e gerou um escândalo à época ao descobrirem que o dinheiro recolhido aos cofres públicos para custeio da obra foi composto de notas falsas. (FERREIRA, 2006). Outras cadeias foram improvisadas, mas a precariedade das construções impossibilitou a precisão dos locais das construções.
Em 1852, permanecia a desordem do período colonial, com indivíduos variados presos por diferentes crimes em um mesmo compartimento insalubre. A situação era extremamente precária e urgente, e o primeiro presidente da província do Amazonas, Tenreiro Aranha, conseguiu um local para abrigar os presos: um imóvel onde havia funcionado uma fábrica de fiar e tecer algodão, na praça do quartel, tendo a intenção de alocar a Câmara municipal e sala de audiências no mesmo local. Em 1853, a quantidade de presos na cadeia era de 17 homens, 2 mulheres e 3 escravos fugitivos. (FERREIRA, 2006).
O art. 179, XXI, da Constituição do Império determinava que as cadeias fossem seguras, limpas, bem arejadas, havendo diversas casas para separação dos réus, conforme suas circunstancias e natureza dos seus crimes. Apesar disso, era crescente a população carcerária, a cadeia continuamente insalubre, sem espaço, remendada e com poucas garantias de custódia. Ficando a cadeia até meses sem carcereiro, pois ao ser considerado um cargo humilhante com salário mesquinho não havia quem ocupasse o emprego, restava ao estabelecimento ser entregue aos presos.
Ferreira narra ainda que, em 1873, morreram 8 internos devido a epidemia de varíola na cidade (entre 15 ou 20 presos). Em 1876, tentaram ocupar os presos escoltados em faxinas no depósito de artigos bélicos e outros serviços, mas os guardas responsáveis acabavam indo beber com os presos em tabernas, não merecendo confiança.
Em 1882, a Lei 582 reconheceu a necessidade de construir uma penitenciária, com construção ao estilo do sistema panóptico, observando a ciência penitenciária que começava a chegar no Estado. Foi um planejamento rudimentar que criou a hoje conhecida como Cadeia Pública Raimundo Vidal Pessoa, no centro da cidade. Deveria ter 200 celas para 200 presos, mas o projeto foi concluído apenas 20 anos depois e sem a capacidade pretendida.
Com a abolição da escravatura, em 1888, foram suprimidos alguns delitos do Código Penal, e no decorrer dos anos outras penas foram abolidas e novos tipos de detenção surgiram, como a prisão domiciliar, além do surgimento embrionário do regime progressivo de penas. Promulgou-se nova Constituição para o país, em 1891, e a República revigorou garantias processuais.
O Código Penal de 1940 amadurecia nossa ciência penitenciária com princípios até hoje norteadores do sistema, com o princípio da legalidade e dignidade humana. O Código Penal de 1969 inovou com a prisão albergue, e em 1984, mesmo ano da Lei de Execução Penal, a parte geral do Código Penal foi totalmente reformulada obtendo a feição atual. Conforme Ferreira:
O princípio da culpabilidade hoje é fortalecido, impedindo que a pena seja incerta em sua aplicação e execução, punindo-se com base no fato praticado e na culpabilidade do agente, denominando-se Direito Penal do Fato, superando o Direito Penal do Autor que teve seu auge nos anos 30, e hoje encontra-se rechaçado pela maioria da doutrina, o qual suprime a exatidão que os tipos penais e penas devem ter a fim de cumprir com eficiência o principio constitucional da legalidade. A punibilidade não pode ultrapassar o teor literal da lei, em virtude do mandamento constitucional de precisão e certeza, assim como a execução penal não pode extrapolar o conteúdo da sentença, em nome da garantia da coisa julgada e igualmente em nome do princípio da legalidade. (FERREIRA, 2006)
Apesar de novas garantias, as condições da cadeia da capital pioraram a tal ponto que passaram a enviar os presos de volta as cadeias do interior, que sempre foram mais precárias que a da capital. Em 1905, Constantino Nery desativa o antigo prédio da cadeia com finalidade de construir algo mais adequado, e o caos impera. Os presos seriam transportados para cadeias dos municípios de onde já tinham vindo, alguns muito piores do que a da capital, outros para prisões do quartel do regimento militar e da antiga prefeitura de segurança (FERREIRA, 2006).
A nova cadeia é inaugurada em 1907, chamada de "Casa de Detenção", sendo a atual Cadeia Raimundo Vidal Pessoa, na Avenida 7 de Setembro, que tão logo se deteriora. Pela Lei 957/1908, teve sua direção e guarda entregues a agentes da força policial do Estado, época em que a construção começava a apresentar problemas.
Devido as péssimas condições do prédio, no ano seguinte os presos começariam a ser mandados para outros lugares, como um prédio igualmente deteriorado em Paricatuba, do outro lado do Rio Negro, considerada esta deportação uma política de exclusão, pois logo em seguida instalaram na Casa de Detenção uma "escola de aprendizes e artificies", o que fez com que as justificativas para toda a deportação da comunidade de encarcerados não convencesse, sendo apenas desculpas para excluir a massa dos encarcerados. (FERREIRA, 2006).
Em 1926, o governador Ephigênio Salles iniciou obras que mantiveram perene até hoje a Casa de Detenção, e sancionou lei que modificava a denominação para Penitenciária do Estado do Amazonas, determinando que o estabelecimento fosse dirigido por técnico que lhe pudesse dar administração conforme as regras e preceitos da moderna ciência penal, formado em direito, de preferência magistrado. Porém nada ficou como Ephigênio Salles idealizou:
A ideia de colocar magistrado na administração era ótima, e até há quem defenda essa experiência até hoje, evitando que o judiciário não permaneça frio às intempéries por que passa a população carcerária, igualmente de sua responsabilidade. Afinal, não podemos nos esquecer que o Estado é um só, apesar da divisão de poderes, e suas mazelas devem ser suportadas. (FERREIRA, 2006).
Após e durante o período de militarismo, em 1930, não houve avanços ou contribuições ao sistema penitenciário amazonense. Por volta de 1944 já se fazia necessário construir uma nova penitenciária, mas que, por alegações de falta de verba, só veio ocorrer após 50 anos. Em 1955, ao assumir o poder, Plínio Rodrigues relata uma realidade da penitenciária que não pode ser atribuído a um governo só, mas a uma sequência de omissões. Fala-se pela primeira vez em construir uma penitenciária agrícola:
"O quadro do sistema penitenciário amazonense permanecia o mesmo de sempre, dependendo de diretores ousados, humanos e, às vezes, mágicos, para avançar lentamente no sentido de ressocialização do condenado, mendigando trabalho ou criando serviços temporários para ocupar o interno. [...] Muitas das dificuldades de nossos governadores são compreensíveis se considerarmos que o problema prisional não é de exclusiva responsabilidade do Poder Executivo, ou até mesmo do Estado, mas cabia a esse mesmo Poder Estatal despertar na comunidade o sentimento de utilidade que deve nortear o trato com os presos, pois inútil, principalmente para a sociedade é uma prisão deformadora de caráter. Buscar a participação da sociedade sinceramente interessada aumentaria o empenho dos demais poderes, o legislador em busca de ganho político e o judiciário cada vez mais cobrado, e, com isso, muitos dos problemas estariam afastados, desde a dificuldade na obtenção de recursos até a morosidade da justiça, esta que contribui para a superlotação carcerária." (FERREIRA, 2006)
Assim, no governo de Gilberto Mestrinho em 1982, é inaugurada a Colônia Agricola Anísio Jobim (CAIAJ), atual Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), uma evolução no sistema penitenciário do Amazonas, pois até então só havia a "Casa de Detenção" funcionando como cadeia e penitenciaria, sem qualquer critério de individualização e classificação de pena.
Originariamente construída para 340 detentos, em 2004, com a população em torno de 480 pessoas, aumentou-se um pavilhão. Entre os vários defeitos, que havia na muralha, era de possuir um alicerce profundo a fim de impedir a confecção de túneis e não foi edificada dessa forma, proporcionando fugas, além da deficiência na classificação, baseada em critérios de segurança de presos "mais perigosos" divididos dos "menos perigosos". (FERREIRA, 2006).
Em 24.05.2002, um detento simulando doença tentou render uma funcionária na enfermaria, mas acabou detido por agentes penitenciários. No dia seguinte morreu no hospital, o que ocasionou uma revolta geral e alguns presos aproveitaram para fazer um "acerto de contas", resultando em 14 mortes.
5. O COMPLEXO PENITENCIÁRIO ANÍSIO JOBIM (COMPAJ)
Na tarde do dia 1° de janeiro de 2017, deu-se início a uma das rebeliões que entraria para história do Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ), palco de uma carnificina, que ocasionou 56 mortes, todos presidiários. A Secretária de Segurança Pública - SSP/AM considera a maior rebelião do sistema prisional que o Estado do Amazonas já presenciou.
Todavia, o cenário do massacre ocorrido no COMPAJ foi estarrecedor, ocorreram mortes cruéis, fugas e constantes ameaças. Segundo, o Secretário da Secretaria de Segurança Pública o Centro Integrado do Comando do Controle planejava minuciosamente a melhor solução para encerrar a rebelião.
A sociedade com a sensação de medo e insegurança acompanhava as informações divulgada pela mídia, e muitas pessoas se perguntavam por que o policiamento não invadia o Complexo Anísio Jobim. Para os cidadãos, o Estado representa o Monopólio legítimo do uso da força, nos dizeres de WEBER, (2004, pág.225), "particularmente um "Estado", não pode ser definido pelo conteúdo daquilo que faz e sim por um meio específico que lhe é próprio, como também a toda associação política: o da coação física".
As reações da sociedade diante das notícias do massacre, fugas e violência dentro do sistema carcerário, demonstram insatisfação quanto à incapacidade de o Estado controlar as facções.
A disputa entre líderes de facções criminosas rivais que motivou a chacina teve repercussão nacional e até mesmo Internacional, foi considerado o segundo maior massacre da história do sistema penitenciário no Brasil.
Ressalta-se que o Massacre do Carandiru, ocorrido em 1992, em São Paulo, ocasionou a morte de 111 (cento e onze) presos, conclui-se que após 25 (vinte e cinco) anos o sistema carcerário só mudou de cenário e personagens, contudo, a violência e o ambiente desumano permanecem dentro do sistema prisional.
O sistema carcerário brasileiro teve e continua tendo em sua história diversos focos de tensão, mas a rebelião que teve maior repercussão aconteceu no dia 02 de Outubro de 1992. Neste fatídico dia, foram mortos oficialmente 111 presos da Casa de Detenção Professor Flamínio Fávero, mais conhecida como Carandiru que se situa em um dos maiores centros urbanos brasileiros: São Paulo. ONODERA, (2005, pag. 2).
Repercutia na mídia que integrantes da Família do Norte (FDN), grupo criminoso aliado ao Comando Vermelho, atacaram membros do Primeiro Comando da Capital. Segundo LIMA (2017) da Carta Capital, o jurista Luis Carlos Valois, convocado pelo secretário da Secretária de Segurança Pública do Amazonas, Sérgio Fontes, a pedido dos presos, participou das negociações que finalmente concordaram com a libertação dos reféns.
As medidas sucederam o lançamento do Plano Nacional de Segurança Pública, que prevê ações conjuntas de segurança pública e inteligência por parte dos governos federal e estaduais com o objetivo de reduzir o número de homicídios dolosos, feminicídios e violência contra a mulher.
Ainda, na semana da rebelião o ex-ministro da Justiça e cidadania Alexandre de Moraes, afirmou que houve "falha" por parte da empresa Umanizzare - que administra o Complexo Penitenciário Anísio Jobim (COMPAJ). Conforme, CARAM e AMARAL (2017), o titular da Justiça ressaltou que a empresa tinha a responsabilidade de verificar a entrada de armas e celulares.
"A responsabilidade vai ser analisada pela força tarefa que está fazendo a investigação. O presídio é terceirizado. Não é uma PPP. É uma terceirização dos serviços. De cara, óbvio, houve falha da empresa. Não é possível que entre armas brancas, facões, pedaços de metal, armas de fogo inclusive escopeta", declarou o ministro. (grifo nosso).
Conforme, MINTZBERG (1978), o papel de informação (monitor, disseminador e porta voz), como administrador, relaciona-se com a obtenção e transmissão de informações, de dentro para fora da organização.
1) Como monitor, o executivo esquadrinha permanentemente seu meio ambiente em busca de informações, interrogando seus contatos e seus subordinados, além de receber informações não solicitadas, em grande parte como resultado da rede de contatos pessoais formada por ele. Não se pode esquecer que uma boa parte das informações coletadas pelo executivo em seu papel de monitor é verbal, frequentemente sob a forma de fofocas, boato e especulações. Por meio desses contatos, o executivo possui uma vantagem natural na obtenção de informações para sua organização. 2) Como disseminador precisa compartilhar e distribuir grande parte dessa informação. As informações reunidas por ele através de contatos pessoais externos podem ser necessárias dentro de sua organização. 3) Em seu papel de porta-voz o executivo envia algumas de suas informações a pessoas não pertencentes à sua unidade. MINTZBERG (1978). (grifo nosso).
Não se pode desprezar os papéis que MINTZBERG classifica no folclore e o fato, portanto, saber trabalhar com as informações coletadas poderá fazer toda diferença em uma gestão, aliás, no ambiente do sistema carcerário, até as fofocas devem ser analisadas.
Os agentes de segurança penitenciária são aqueles que realizam serviços de vigilância, bem como de disciplina dos encarcerados, considerada por muitos uma ocupação arriscada e estressante, uma atividade nada fácil, ademais, são pagos para desconfiar. Um bom gestor nunca se afasta de sua equipe, e muito menos de seus agentes e das informações que os mesmos carregam.
Quanto as declarações do ex-ministro da Justiça e cidadania Alexandre de Moraes, a empresa Umanizzare se manifestou com as seguintes declarações:
Umanizzare reafirma que seu papel na cogestão das unidades prisionais nas quais atua, limita-se ao que permite a Lei de Execução Penal (Lei 7.210), a saber: "poderão ser objeto de execução indireta as atividades materiais acessórias, instrumentais ou complementares desenvolvidas em estabelecimentos penais", tais como prestar "serviços de conservação, limpeza, informática, copeiragem, portaria, recepção, reprografia, telecomunicações, lavanderia e manutenção de prédios, instalações e equipamentos internos externos". A mesma lei, que regula inclusive o contrato da empresa com o Estado aponta, em seu artigo 47, que "o poder disciplinar, na execução da pena privativa de liberdade, será exercido pela autoridade administrativa conforme as disposições regulamentares" e esclarece o artigo 83-B que "são indelegáveis as funções de direção, chefia e coordenação no âmbito do sistema penal, bem como todas as atividades que exijam o exercício do poder de polícia". CARAM e AMARAL (2017). (grifo nosso).
O Estado ao privatizar não pode deixar de fiscalizar se a empresa está cumprindo suas obrigações. Ademais, a co-gestão deve estar presente entre o Estado e a empresa terceirizada. Caso contrário, os problemas do sistema carcerário no Brasi continuará crescendo.
7. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Os modelos de gestão prisional trilham um caminho polêmico durante o tempo, e tem sido alvo de muitos questionamentos. O Brasil é o 4° país com o maior número de encarcerados no mundo e a administração do sistema penitenciário brasileiro é bastante preocupante, pois acompanha inúmeros problemas, tais como a superlotação. A pena é aplicada, contudo, cumprida em péssimas condições.
Constatou-se que o Estado procurou resolver, ao menos tentou resolver o problema do sistema carcerário com o sistema de gestão privada. Acreditava-se que a parceria entre a administração pública e a iniciativa privada, pudesse auxiliar a administração do sistema prisional, não interferindo na questão judicial da execução penal.
No entanto, a empresa Umanizzare administra 6 (seis) unidades prisionais no Estado do Amazonas, inclusive o Complexo Penitenciário Anísio Jobim que tornou-se palco de uma rebelião e teve repercussão internacional marcada com violência e mortes, deixando claro a real ineficiência do processo.
Nota-se que em resposta ao massacre a empresa Umanizzare confirma que seu dever é administrar, porém, não apresenta nenhuma estratégia de gestão ou de liderança interna no estabelecimento prisional, apenas fundamenta suas alegações na responsabilidade do Estado em executar a pena.
A "gestão" da empresa privatizada responsável em administrar o sistema carcerário parece não fazer qualquer diferença, embora o investimento seja muito alto. Por outro lado, o Estado é omisso, e a privatização não retira do Estado os deveres e obrigações definidas no preceito constitucional.
Quanto ao preso, sob a condição de ressocialização, a sua condenação estaria focada na perda da liberdade para reeducação, contudo observa-se que a ineficiência do sistema prisional somente retira o direito de ir e vir, a esperança da reinserção social, da dignidade da pessoa humana quanto as condições a que são submetidos diariamente, e no pior cenário, a perda da vida, o que torna inviável a finalidade última do sistema de ressocialização idealizado.
Destarte, certifica-se que o grande desafio do sistema prisional brasileiro baseia-se a curto prazo na necessidade de criação de novos postos de reclusão, e, a médio e longo prazo, na implantação de medidas de ressocialização efetivas. De modo algum haverá plano de ressocialização efetivo sem que o reeducando receba as condições mínimas de ressocialização, tais como as de dignidade constitucionalmente resguardadas e de atividades profissionais que ocupem o seu tempo enquanto recluso, permitindo exercer uma atividade profissional quando posto em liberdade.
Por isso, é de extrema importância que a ressocialização ocorra conforme a proposta idealizada de intervenção e medida sócio-educativa. Dessa forma, o índice de presos, realmente preparados à reintegração na sociedade aumentará não só em quantidade, mas principalmente em qualidade. Provando para a sociedade que a ressocialização é possível, e justificando os altos investimentos necessários que são parte integrante da vida não só do preso, e de sua família, mas sim, de todos os indivíduos da sociedade.
7. REFERÊNCIAS
CARAM, Bernardo; Ministro diz que houve 'falha' da empresa que administra presídio de Manaus, 2017. Disponível em: http://g1.globo.com/am/amazonas/noticia/ministro-diz-que-houve-falha-da-empresa-que-administra-presidio-de-manaus.ghtml. Acesso em: 23 de maio de 2017.
CARVALHO, Matheus. Direito Administrativo. São Paulo: Ed. JusPodium, 4a ed. 2017
Constituição Política do Império do Brasil, elaborada por um Conselho de Estado e outorgada pelo Imperador D. Pedro I, em 25.03.1824.
Disponível em <http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao24.htm> Acesso em 20 Maio 2017
CORDEIRO, Grecianny Carvalho. Privatização do Sistema Prisional Brasileiro. Rio de Janeiro: Editora: Livraria Freitas Bastos S.A. - 2006
FERREIRA, Carlos Lélio Lauria. VALOIS, Luís Carlos. Sistema Penitenciário do Amazonas. Curitiba: Juruá, 2006. pg. 43-45.
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Advogada e Mestranda do curso de Segurança Pública, Cidadania e Direitos Humanos da Universidade do Estado do Amazonas - UEA.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: BEZERRA, Jeanne Almeida. Gestão do sistema prisional do Estado do Amazonas: breves considerações e o caso do Complexo Penitenciário Anísio Jobim - COMPAJ Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 25 jun 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51951/gestao-do-sistema-prisional-do-estado-do-amazonas-breves-consideracoes-e-o-caso-do-complexo-penitenciario-anisio-jobim-compaj. Acesso em: 23 dez 2024.
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