RESUMO: Este trabalho propõe o estudo da materialidade do ICMS incidente sobre as importações em razão dos debates que se originaram em torno de sua abrangência desde que introduzido o imposto no ordenamento jurídico brasileiro, seja em razão de sua similitude com o então já existente imposto federal sobre as importações, e também em razão das implicações decorrentes de sua materialidade, envolvendo a capacidade tributária ativa dos Estados-membros, que deve levar em consideração os traços distintivos entre as modalidades de importação “por conta própria” e “por conta e ordem de terceiro”. Também com o escopo de combater o indesejado fenômeno da bitributação, o trabalho reconheceu a necessidade de bem delimitar a materialidade do ICMS-importação, imposto estadual e, para tanto, o estudo logrou construir a regra-matriz de incidência como instrumento de trabalho, partindo da adoção da premissa do Direito como fenômeno comunicacional em uma perspectiva lógico-constructivista, até se obter os elementos da hipótese normativa e da relação jurídica tributária que servem de base para a solução das problemáticas provenientes desse tributo. Aplicando-se os critérios da regra-matriz de incidência às diversas modalidades de importação, constatou-se que nas importações “por conta própria” e por encomenda, o sujeito ativo competente para a cobrança do imposto é o Estado onde estiver situado a importadora (trading), a quem é transferida a titularidade das mercadorias, em contraposição às importações “por conta e ordem de terceiro”, em que o sujeito ativo é o ente onde estiver localizada a própria empresa adquirente da mercadoria, que é quem consta da declaração de importação (D.I.).
Palavras-chave: ICMS. Circulação. Mercadorias. Importação. Leasing. Arrendamento.
ABSTRACT: This work proposes the study of ICMS materiality on imports because of the debate that was originated around its range since the tax was introduced in the Brazilian legal system, whether due to its similarity with the then existing federal tax imports, and also because of the implications of its materiality, involving tax capacity of the Member States, which must take into account the distinctive features of the import rules "on their own " and " on account and third order ". Also with the scope to combat the unwanted phenomenon of double taxation, the work recognized the need for clearly defining the materiality of the ICMS-import, state tax and, therefore, the study was able to build one “rule–matrix of incidence” as a working tool, starting from the adoption of the premisse of the Law as communicational phenomenon in a logical-constructivist perspective, to obtain the elements of normative hypothesis and tax legal relationship which are the basis for the solution of the problems arising from that charge. Applying the criteria of the incidence matrix rule to the various import modalities, it was found that in imports "for own account" and by order, the active subject competent to collect the tax is the State where the importer is located (trading company), to whom the ownership of the goods is transferred, as opposed to imports "for the account and order of a third party", in which the active subject is the entity where the company that owns the merchandise is located, which is included in the declaration of import (DI).
Keywords: ICMS. Circulation. Goods. Import. Leasing. Lease.
1 INTRODUÇÃO
A questão relativa à incidência de ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços) sobre a importação suscita debates desde a sua introdução no ordenamento jurídico com o advento da Emenda Constitucional n. 23/83, seja em razão de sua similitude com o então já existente Imposto de Importação, de competência federal, seja em razão das polêmicas envolvendo a capacidade tributária ativa dos Estados-membros, especificamente nas denominadas importações “por conta própria” e “por conta e ordem de terceiro”.
Tratando-se de exação imposta com o mesmo intuito de onerar as importações, mister diferenciar o denominado ICMS-importação, de competência estadual, do imposto federal sobre as importações, a fim de desestimular o fenômeno da bitributação, que consiste na dupla exigência em face do mesmo sujeito passivo, por entes tributantes diversos, de tributos decorrentes do mesmo fato gerador.
O princípio da vedação à bitributação decorre da rígida discriminação de competências feita pela Constituição Federal, que admite apenas a possibilidade de simples conflitos aparentes de competência, a serem dirimidos pelo próprio ordenamento jurídico. Afinal, uma vez ocorrido no mundo fenomênico evento passível de exprimir uma manifestação de riqueza tributável, e vertido em linguagem como fato jurídico tributário, o natural é que, a partir da fenomenologia da incidência, cada fato jurídico desencadeie uma única obrigação tributária. Essa necessidade recomenda o cuidado do exegeta de bem delimitar a materialidade do ICMS-importação a fim de que não se confundam as duas espécies exacionais. Para tanto, o estudo partirá do exame da regra-matriz de incidência do tributo, considerada a premissa do Direito como fenômeno comunicacional e constituído pela linguagem competente.
A par da debatida materialidade, o imposto que se põe em estudo também desperta incessantes discussões quanto à capacidade tributária ativa, e sujeição ativa da obrigação, na tentativa de se definir qual o Estado competente para a cobrança do ICMS-importação, considerando-se que o constituinte se refere ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, pouco importando o local do desembaraço aduaneiro, ao passo que o art. 11, I, d, da LC n. 87/96, de 13-09-1996 (Lei Kandir), por sua vez, ao definir como materialidade a simples entrada física da mercadoria importada em território nacional, acabou por considerar como competente para a cobrança do imposto o Estado do estabelecimento onde ocorrer a entrada física, isto é, o desembaraço aduaneiro, ignorando a importação como operação jurídica.
Por fim, a partir da precisão da materialidade do ICMS-importação, este trabalho também se debruçará sobre a controvérsia pendente quanto ao critério pessoal da regra-matriz de incidência nas denominadas importações “por conta própria” e “por conta e ordem de terceiro”, sendo aquela efetuada pela própria importadora em seu nome, que assume os custos da operação com recursos próprios, e a última efetuada pela empresa adquirente da mercadoria mediante contratação de intermediária, prestadora de serviços, de modo que a importadora nessa última modalidade não chega a deter a propriedade dos bens importados, que é transferida diretamente ao comprador brasileiro. Tal distinção deverá conduzir a uma disciplina diferenciada quanto aos sujeitos ativo e passivo da obrigação de recolhimento do ICMS-importação.
2 O DIREITO POSITIVO COMO FUNDAMENTO PARA O ICMS-IMPORTAÇÃO
2.1 O direito positivo como fenômeno comunicacional
A perspectiva de direito positivo adotada neste trabalho parte da teoria geral dos objetos, preconizada por Edmund Husserl, e posteriormente retomada e explicitada por Carlos Cossio. Tomando-se o ser humano como ponto de referência (visão antropocêntrica) nas relações com o meio circundante podemos obter quatro ontologias regionais ou regiões ônticas, a saber: a i) dos objetos naturais, ii) dos objetos ideais, iii) dos objetos culturais e iv) dos objetos metafísicos. Os objetos naturais são reais e podem ser colhidos na experiência, têm existência no tempo e no espaço e são neutros de valor; os objetos ideais são irreais, inocorrendo em condições de espaço e tempo, e tendem à neutralidade axiológica; os objetos metafísicos, por sua vez, são reais, têm existência no tempo e no espaço mas é desconhecido o seu acesso pela experiência, justificando-se somente pela via da crença e podendo ser valorados, positiva ou negativamente; por fim, os objetos culturais são reais, têm existência no tempo e no espaço e são suscetíveis à experiência, sendo objeto de compreensão e tendo alta carga valorativa.
Especificamente quanto ao objeto do conhecimento jurídico, o direito, cuida-se de objeto eminentemente cultural, na medida em que tem uma existência física, e pode ser apreendido a partir da experiência fenomênica, mas diferem dos objetos naturais por serem altamente impregnados de valor: justo, injusto, lícito, ilícito, etc. No magistério do Professor Paulo de Barros Carvalho:
o direito posto, enquanto conjunto de prescrições jurídicas, num determinado espaço territorial e num preciso intervalo de tempo, será tomado como objeto da cultura, criado pelo homem para organizar os comportamentos intersubjetivos, canalizando-os em direção aos valores que a sociedade quer ver realizados[1].
Na realidade, a rigor, “direito” é termo ambíguo, que pode ser conceituado e analisado sob duas perspectivas diferenciadas pela doutrina, a saber, como direito positivo e como ciência do Direito, cada um constituindo linguagens e sistemas distintos, que devem ser adequadamente separados, sob pena de instabilidade semântica.
Sob a óptica de “direito positivo”, o Direito significa o complexo de normas jurídicas válidas numa dada ordem social, que têm por função a disciplina do comportamento humano (inter-subjetividade), que constitui o seu objeto. Estruturalmente, o direito positivo contempla um plexo de proposições, com linguagem prescritiva, isto é, voltada a prescrever e ordenar comportamentos, baseando-se em uma lógica deôntica (do dever-ser), em que as normas se classificam segundo uma dicotomia entre válidas e não válidas. Como as normas do direito positivo disciplinam comportamentos humanos, direcionam-se ao campo material da conduta, sendo capazes de modificá-la.
Por sua vez, sob a óptica de “ciência do Direito”, o Direito se apresenta como sistema social, jurídico, que se debruça a descrever o enredo normativo, e não a prescrever condutas, recaindo sobre um feixe de proposições (conteúdo normativo), que constitui o seu objeto. Nesse mister, a ciência do Direito assume linguagem eminentemente descritiva (sobrelinguagem, por se referir à linguagem de direito positivo) e adota uma lógica apofântica, pela qual suas proposições se classificam por critérios de verdade e falsidade, e não de validade e invalidade, diferenciando-se do direito positivo também por não interferir em seu próprio objeto, isto é, por não modificar o direito positivo que lhe serve de objeto, limitando-se a descrevê-lo.
Sendo assim, conclui-se que há nítida diferença entre os dois sistemas jurídicos, de direito positivo e ciência do Direito, que acabaram sendo reforçadas pela linguística, tanto em relação ao tipo de linguagem (prescritiva x descritiva), quanto em relação ao objeto, versando o primeiro sobre textos legislativos (linguagem objeto) e o segundo sobre textos da doutrina (linguagem de sobrenível), apresentando um linguagem técnica e o outro, linguagem científica, baseados na lógica deôntica (dever-ser) e apofântica, respectivamente. Ademais, o sistema de direito positivo convive com a possibilidade de haver contradições internas, e a ciência do Direito, por sua vez, não admite sua ocorrência[2].
Tecidas essas considerações, impõe-se analisar o ICMS incidente sobre a importação como uma construção do Direito positivo, introduzido por linguagem com função prescritiva e baseado numa lógica deôntica (do dever-ser), irrompendo-se a fenomenologia de sua incidência a partir da constituição do fato jurídico previsto hipoteticamente no antecedente de uma norma jurídica tributária em sentido estrito, essencial, e que deve ser compreendida na sequência.
2.2 A regra-matriz de incidência ou a norma jurídica tributária em sentido estrito
O conceito de regra-matriz de incidência em geral pode ser definido como um instrumento metódico concebido pela Teoria Geral e Filosofia do Direito para organizar o texto de direito positivo confeccionado pelo legislador, propiciando a compreensão da mensagem legislada sob uma estrutura comunicacional, formada, basicamente, de um juízo hipotético, em que se associa uma consequência jurídica desde que ocorrido o fato previsto no antecedente, falando-se em hipótese e tese, descritor e prescritor, vinculados entre si por uma imputação deôntica, que pode variar sob os modais “permitido”, “proibido” e “obrigatório”.
Trata-se de uma estrutura padrão comum a todas as normas jurídicas, o que fica evidenciado a partir do seguinte conceito apresentado por Lourival Vilanova[3] ao discorrer sobre a norma jurídica:
(...) é uma estrutura lógica. Estrutura sintático-gramatical é a ‘sentença ou oração’, modo expressional frástico (de frase) da síntese conceptual que é a norma. A norma não é a oralidade ou a escritura da ‘linguagem’, nem é o ‘ato-de-querer ou pensar’ ocorrente no sujeito emitente da norma, ou no sujeito receptor da norma, nem é, tampouco, a ‘situação objetiva’ que ela denota. A norma jurídica é uma estrutura lógico-sintática de significação (...).
Por simbolizar a norma-padrão de incidência, em matéria tributária a regra-matriz de incidência é conhecida como norma jurídica tributária em sentido estrito, distinguindo-se da norma jurídica tributária em acepção ampla, que contribui para compor a disciplina do tributo, porém não cuida propriamente do fenômeno da incidência. Ante o princípio da homogeneidade sintática das regras de direito positivo, as normas jurídicas em matéria tributária têm a mesma estrutura formal, permanecendo estável o esquema lógico ou sintático, o que não se verifica no plano semântico.
Quanto à estrutura da regra-matriz de incidência tributária, pode-se dizer resumidamente que na hipótese ou descritor da norma jurídica o legislador prevê a ocorrência de um evento selecionando traços e características para identificá-lo, elementos estes indicativos de riqueza econômica, representados pelo critério material, espacial e temporal da hipótese tributária. Afinal, a regra-matriz de incidência incide sobre determinada parcela dos fatos sociais, aquela marcada por fatos economicamente apreciáveis e que criam prestações pecuniárias para o Estado tributante.
Por sua vez, já na proposição-tese, ou consequente normativo, o legislador prescreve um vínculo abstrato, uma relação deôntica, entre o sujeito ativo e o sujeito passivo da obrigação tributária, de modo que o consequente ou prescritor da regra-matriz de incidência é definido por dois critérios: o pessoal (sujeito ativo e passivo) e o quantitativo (base de cálculo e alíquota).
A regra-matriz de incidência pode ser mais bem visualizada após sintetizada por Paulo de Barros Carvalho no seguinte esquema:
D [cm(v.c).ct.ce] --- [cp(Sa.Sp).cq(bc.al)]
no qual “D” é dever-ser neutro que juridiciza o vínculo deôntico entre hipótese e consequência, apresentando-se o antecedente (descritor) com os seus critérios e conectado com o consequente normativo (prescritor), também composto por seus próprios componentes[4].
Tal fórmula é capaz de transmitir em uma expressão mínima e irredutível de manifestação do deôntico o sentido completo da mensagem legislada.
Ressalve-se, no entanto, que a incidência instrumentalizada pela regra-matriz de incidência não é automática logo a partir do acontecimento do evento previsto na hipótese (antecedente), pois para irradiar os efeitos previstos no consequente normativo é necessária a atuação do ser humano, que a partir da regra-matriz de incidência, norma geral e abstrata, constrói norma jurídica individual e concreta, vertendo-a na linguagem competente, o que sucede por meio do ato de lançamento a constituir o crédito tributário e requer absoluta identidade entre o fato jurídico tributário ocorrido no mundo social e o desenho normativo da hipótese, o que se tem por tipicidade tributária.
Também importa distinguir os textos legislativos produzidos a cargo dos legisladores, no sentido amplo, das proposições normativas, que não são exclusividade dos responsáveis pela produção dos veículos introdutores de normas jurídicas, mas são produzidas por todo aquele que se coloca na posição de intérprete da mensagem legislada e cria significações por meio de sua atividade construtiva.
Conforme se percebe, a funcionalidade operacional da regra-matriz de incidência tributária se deve à estruturação mais racional do texto legislativo, em uma forma comunicacional, vertida em linguagem, que permite o adequado ponto de partida e o consequente trabalho do intérprete de construção de sentido nos planos semântico e pragmático. Assim, a virtude da regra-matriz reside em introduzir um padrão metodológico para definir o sistema jurídico-prescritivo, servindo como critério seguro para nortear o pensamento do intérprete e do cientista do Direito, elevando o rigor científico no estudo e compreensão do sistema de direito positivo, que passa a ser mais independente de proposições de outras áreas[5].
Especificamente quanto à hipótese de incidência tributária, ou suposto normativo, pode ser definida como a descrição contida no antecedente da regra-matriz de incidência tributária ou norma jurídica tributária em sentido estrito. Na hipótese, ou descritor da norma jurídica, o legislador prevê a ocorrência de um evento selecionando traços e características para identificá-lo, elementos estes indicativos de riqueza econômica e representados pelo critério material, espacial e temporal da hipótese tributária. Afinal, a hipótese traz uma descrição abstrata de apenas determinada parcela dos fatos sociais, aquela marcada por fatos economicamente apreciáveis e que criam prestações pecuniárias para o Estado tributante.
A partir da hipótese tributária extrai-se a completude do chamado “fato gerador”, ou suposto da norma primária tributária, identificados pelo aspecto material do antecedente tributário, no qual se encontra a descrição objetiva do fato; aspecto espacial, que apresenta as condições territoriais de ocorrência do evento; e aspecto temporal, que apresenta o momento em que se tem por ocorrido o fato.
Por outro lado, a importância do consequente da regra-matriz de incidência reside em encontrarmos nela os elementos identificadores da relação jurídica tributária, tais como o aspecto quantitativo e os seus sujeitos, ativo e passivo, respectivamente o titular do direito subjetivo de exigir a prestação e a pessoa física ou jurídica de quem se exige o cumprimento da prestação pecuniária.
Destarte, a hipótese de incidência apresenta a descrição de um fato por intermédio dos elementos suficientes e capazes para identificá-lo, e que, uma vez ocorrido no mundo social e relatado na linguagem competente, irromperá o vínculo deôntico prescrito no consequente da regra-matriz, exsurgindo a obrigação tributária de recolhimento, no caso o ICMS-importação, mediante um ato humano de sua aplicação, a saber, a produção de uma norma individual e concreta (lançamento).
3 O ICMS-IMPORTAÇÃO NA NORMA JURÍDICA TRIBUTÁRIA EM SENTIDO ESTRITO
3.1 A regra-matriz de incidência do ICMS (imposto sobre circulação de mercadorias e serviços)
O ICMS – imposto sobre circulação de mercadorias e serviços, de competência dos Estados e do Distrito Federal, é imposto abrangente, atualmente previsto no art. 155, inciso II, da Constituição Federal vigente, pois a partir dele podemos construir, de modo geral, 3 regras-matrizes de incidência, nos seguintes moldes:
a) Regra-matriz do ICMS-mercadorias: Dado o fato de realizar operação jurídica de circulação de mercadorias, com transferência de sua titularidade (critério material) nos limites geográficos do Estado-membro ou Distrito Federal instituidor (critério espacial), no momento da saída das mercadorias do estabelecimento vendedor (critério temporal) (ANTECEDENTE), deve ser o dever jurídico de produtores, industriais e comerciantes de pagar a tal Estado-membro ou DF (critério pessoal: sujeitos passivo e ativo, respectivamente) o “imposto sobre circulação de mercadorias”, tomando-se como base de cálculo o valor da operação, sobre ele incidente alíquota estabelecida na legislação estadual ou distrital, conforme o caso (critério quantitativo) (CONSEQUENTE).
b) Regra-matriz do ICMS-serviços: Dado o fato de prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação (critério material) nos limites geográficos do Estado-membro ou Distrito Federal instituidor (critério espacial), no momento da prestação do serviço de comunicação ou, no caso de transporte, no momento do início da prestação ou no ato final da prestação em caso de transporte iniciado no exterior quando não termine em cidade de fronteira (critério temporal) (ANTECEDENTE), deve ser o dever jurídico de pessoas físicas ou jurídicas prestadoras dos serviços de pagamento ao Estado-membro ou Distrito Federal (critério pessoal: sujeitos passivo e ativo, respectivamente) do “imposto sobre serviços de transporte interestadual ou intermunicipal e de comunicação”, tomando-se como base de cálculo o valor do serviço, sobre ele incidente alíquota estabelecida na legislação estadual ou distrital, conforme o caso (critério quantitativo) (CONSEQUENTE).
c) Regra-matriz do ICMS – importação: Dado o fato de importar bens ou mercadorias do exterior, ou seja, realizar operações de importação de bens ou mercadorias do exterior (critério material) nos limites geográficos do Estado-membro ou Distrito Federal onde se localizar o estabelecimento destinatário da mercadoria (critério espacial), no momento da entrada jurídica das mercadorias ou bens no estabelecimento (critério temporal) (ANTECEDENTE), deve ser o dever jurídico de produtores, industriais e comerciantes de pagar a tal Estado-membro ou DF (critério pessoal: sujeitos passivo e ativo, respectivamente) o “ICMS incidente sobre operações de importação de bens”, tomando-se como base de cálculo o valor dos produtos importados, sobre ele aplicada alíquota estabelecida na legislação estadual ou distrital, conforme o caso (critério quantitativo) (CONSEQUENTE).
Apesar de a rubrica ICMS abrigar impostos distintos, todos estão sujeitos às regras básicas tradicionalmente aplicadas ao ICM, formando um núcleo central comum.
O ICMS, inicialmente ICM, foi introduzido pela EC 18, de 1/12/1965. Em seus primórdios, até o advento da Emenda Constitucional n. 23/83, sua regra-matriz de incidência era composta da seguinte forma: no antecedente, o critério material era realizar operações relativas à circulação de mercadorias, critério espacial coincidente com o território dos Estados instituidores e do DF, mas por opção do legislador e não por vinculação obrigatória, e o critério temporal correspondente à saída das mercadorias do estabelecimento vendedor; no consequente, critério quantitativo equivalente ao valor da operação (base de cálculo) e porcentagens previstas nas legislações competentes (alíquotas), e critério pessoal identificado pelos Estados e Distrito Federal como sujeito ativo, e produtores, industriais e comerciantes como sujeito passivo.
Assim, desde a origem, o ICMS é tradicionalmente imposto que incide sobre operações de circulação de mercadorias. O direito cria suas próprias realidades e, no ICMS em geral, a expressão “operações de circulação de mercadorias” é tomada no sentido de “transferência de sua titularidade”, sendo insuficiente e até mesmo desnecessária para a configuração da materialidade do ICMS a circulação corpórea dos bens, a movimentação física das mercadorias. É o que se entende por circulação jurídica, que quer significar a passagem das mercadorias com mudança de titularidade.
Destarte, a circulação pode ser real ou apenas simbólica, exigindo-se no último caso documentação da operação jurídica. A título exemplificativo, o art. 118 do RICMS do Tocantins acaba por admitir a irrelevância do trânsito corpóreo da mercadoria, autorizando a sua entrada meramente simbólica, ocasião em que também se exige a emissão de nota fiscal.
A própria Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir), no seu art. 20, ao dispor sobre a compensação necessária para a concretização do princípio da não-cumulatividade, dispensa a entrada física das mercadorias como pressuposto do direito ao crédito por parte do estabelecimento adquirente. Disso decorre que demonstrada a circulação jurídica, torna-se irrelevante indagar sobre os locais por onde ocorre a passagem física dos bens.
A expressão “venda de mercadorias” equivale a “operação de circulação de mercadoria”, que exige a presença de negócios jurídicos que promovam a transmissão do direito de propriedade de mercadorias.
Ademais, somente haverá circulação de ela for decorrente de uma operação, isto é, de um negócio jurídico que transfira os direitos de propriedade de um dos negociantes para o outro. Operação é negócio jurídico, isto é, acordo de vontades que cria, modifica ou extingue direitos.
Por fim, “mercadoria” exprime tudo o que se comprou para pôr à venda, objeto de comércio, destinado ao comércio. A qualidade mercantil do produto não decorre de sua natureza intrínseca ou requisitos, mas sim da destinação que lhe é dada, e da natureza do promotor da operação que a tem por objeto. Somente é mercadoria o bem feito ou comprado para ser revendido com intuito de lucro, o que excluiria o bem adquirido pelo consumidor final.
Por seu turno, segundo ressalva o prof. Paulo de Barros Carvalho, quando se trata de importação, os vocábulos “bens” e “mercadorias” passam a ter o mesmo significado: todo bem importado configura mercadoria, pois decorre de operação jurídica de transferência de titularidade.
Em suma, o vocábulo “operações” quer significar atos ou negócios jurídicos aptos a provocar a circulação de mercadorias, ao passo que “circulação” é a passagem das mercadorias com mudança de titularidade, e “mercadoria” exprime tudo o que se comprou para pôr à venda, objeto de comércio, destinado ao comércio.
Atualmente, sob a égide da Constituição Federal de 1988, o ICMS passou a ter uma materialidade mais complexa e abrangente em benefício dos Estados e Distrito Federal, mantendo-se a hipótese de incidência do original ICM e a ela acrescendo-se serviços de transporte e de comunicação, de modo que se possam construir separadamente as três regras-matrizes de incidência detalhadas nos itens a, b e c acima[6].
3.2 Construção da regra-matriz de incidência do ICMS sobre importações
Ainda que o ICMS-importação possa eventualmente dar lugar no futuro a imposto federal sobre valor agregado, é certo que o âmbito de incidência dessa exação permanecerá como objeto das normas jurídicas em matéria tributária, o que justifica o seu estudo detalhado.
Partindo do art. 155, II, da Constituição de 1988, podemos construir três regras-matrizes para o ICMS-importação, que abrangem os seguintes antecedentes normativos:
a) realizar operações de circulação de mercadorias;
b) prestar serviços de comunicação, mesmo que se iniciem no exterior e desde que iniciados ou concluídos nos limites territoriais do Estado ou Distrito Federal;
c) prestar serviços de transporte interestadual ou intermunicipal.
A possibilidade de tributação pelo ICM também da entrada de mercadorias e bens importados do exterior, com o alargamento de sua materialidade, foi introduzida pela Emenda Constitucional n. 23/83, desde que destinados os bens e mercadorias importados a consumo ou ativo fixo das empresas, de modo que somente poderiam figurar como sujeito passivo do tributo os comerciantes, produtores e industriais.
Atualmente, a partir do texto (suporte físico) da Constituição Federal de 1988 pode-se desenhar especificamente a regra-matriz do ICMS-importação nos seguintes moldes: no antecedente, como critério material o ato de importar, introduzir mercadorias e bens estrangeiros no Brasil, com o objetivo de inseri-los no mercado brasileiro, critério espacial coincidente com o território dos Estados (e do Distrito Federal) em que se situarem os estabelecimentos destinatários das mercadorias e bens, critério temporal correspondente à entrada jurídica das mercadorias ou bens no estabelecimento; no consequente, critério quantitativo equivalente ao valor dos produtos importados (base de cálculo) e porcentagens previstas nas legislações competentes (alíquotas), e critério pessoal identificado pelos Estados e Distrito Federal como sujeito ativo, e produtores, industriais e comerciantes como sujeito passivo.
Em relação à materialidade do imposto, o verbo central é importar, que significa introduzir produto estrangeiro no Brasil, com o intuito de fazê-lo ingressar no mercado nacional (art. 155, II, da CF/88). Assim, o ato de importar é posterior a uma operação mercantil ocorrida no exterior, e a mercadoria importada deve ser utilizada como bem de consumo ou bem de produção. Destarte, pode-se concluir que o critério material dessa exação consiste em importar mercadorias do exterior, isto é, trazer produtos originários de outros países para dentro do território nacional, com o objetivo de permanência.
Note-se que a entrada da mercadoria no território nacional, geralmente identificada pelo desembaraço aduaneiro, é apenas o tempo em que se considera ocorrido. Muito embora o art. 155, §2º, IX, a, da Constituição Federal mencione que o ICMS incidirá também sobre a entrada de bem ou mercadoria importados do exterior, erro crasso pensar que a mera entrada da mercadoria importada bastaria à caracterização do fato jurídico tributário. Ao interpretarmos o direito posto, não podemos ignorar o forte caráter de heterogeneidade das nossas Casas Legislativas, e por isso a interpretação dos textos jurídicos deve ser obtida a partir de significações atribuídas pelo discurso científico, e não pela linguagem ordinária.
Especificamente no caso do ICMS-importação, o legislador mais uma vez confundiu o critério material com o critério temporal do imposto, tomando como fato gerador do ICMS-importação, na realidade, o critério temporal de sua hipótese de incidência. Tal equívoco encontra-se inclusive no próprio texto constitucional, ao definir a incidência do imposto considerando a entrada em território nacional, por ocasião do desembaraço aduaneiro, o que nada mais é do que o instante (critério temporal) em que se opera a importação, sendo a operação de importação a materialidade (critério material).
Quanto ao critério temporal, em princípio o art. 12, IX, da LC 87/96 define expressamente como o momento do desembaraço aduaneiro, porém não se pode olvidar que a materialidade do imposto estadual de importação consiste na importação de produtos para a introdução dos mesmos no círculo econômico, quer como mercadorias quer como bens destinados ao consumo ou ativo fixo. Ademais, também decorre do texto constitucional a sujeição passiva e o critério espacial pela entrada de mercadorias ou bens no estabelecimento destinatário, de modo que o critério temporal deva corresponder à entrada jurídica dos produtos no estabelecimento, e não meramente física, inclusive em uma interpretação sistemática da LC n. 87/96.
O critério espacial, por sua vez, é definido no art. 11, I, d, da LC 87/96 como o limite geográfico dos Estados e do DF onde estiver situado o estabelecimento em que ocorrer a entrada física da mercadoria ou bem.
Evidente que tal previsão acaba por produzir reflexos simultaneamente tanto para o critério espacial quanto para a sujeição ativa, porém contraria a norma do art. 155, IX, a, da CF e da própria LC 87/96, que acolhe a igualdade jurídica entre a entrada física e a simbólica, de modo que o fato jurídico da importação deve-se reputar praticado não apenas com base na entrada física, mas também na jurídica, isto é, o local da operação jurídica de importação, onde estiver localizado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do bem, ainda que a entrada física com o desembaraço aduaneiro tenha se verificado antes em outra localidade.
Prosseguindo na análise da regra-matriz do ICMS sobre as importações, no que concerne ao seu critério pessoal, é certo que sujeito ativo competente para a sua instituição são os Estados e o Distrito Federal, nos moldes do art. 155, II, da CF/88, que perceberão as prestações pecuniárias correspondentes às operações de importação que se realizem nos limites do seu território.
Afinal, os Estados somente podem tributar fatos ocorridos dentro de seus territórios, sendo irrelevante o que os tenha gerado ou onde tenham começado tais fatos. Em outras palavras, um determinado negócio jurídico não pode ocorrer em locais diferentes simultaneamente em países distintos; antes disso pode haver atos preparatórios, mas nunca um negócio jurídico.
Nesse diapasão, como decorrência do aspecto espacial do fato jurídico tributário de efetuar a importação, a fim de se fixar qual o Estado competente para a cobrança (capacidade tributária ativa) o constituinte explicitou que corresponde ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, que deve ser entendido como aquele a quem a mercadoria estrangeira foi juridicamente remetida. Assim, pode-se concluir que: i) pouco importa o local onde se dá o desembaraço aduaneiro, que é apenas o instrumento que fixa o instante da importação, sendo o sujeito ativo obtido a partir da localização do sujeito passivo, do destinatário da importação; ii) no caso de importação para terceiros, ainda que haja duas operações, uma de importação pelo importador e outra interna (revenda) ao adquirente, novamente o sujeito ativo da obrigação corresponderá ao Estado onde está situado o destinatário jurídico da importação, atuando o importador como Trading Company. Assim, pouco importam os negócios jurídicos posteriores ou as “circulações físicas”, tendo em vista que a tributação recai sobre a “operação jurídica de importação”, cabendo a cobrança ao Estado onde estiver localizada a empresa de importação (trading).
Novamente reitera-se a incompatibilidade do art. 11, I, alínea d, da LC n. 87/96 com a disciplina constitucional estabelecida para o ICMS incidente sobre operações de importação, pois ao definir como materialidade a simples entrada da mercadoria importada em território nacional (critério material), acabou por considerar como local da operação de importação o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física (critério espacial), quando na verdade o fato jurídico tributário consiste na “operação de importação”, o que acarreta reflexos no critério espacial da hipótese de incidência e na sujeição ativa estabelecida no consequente da norma tributária em sentido estrito.
A questão relativa ao sujeito passivo é mais simples de definir. Pelo texto constitucional, apenas os comerciantes, produtores e industriais podem ocupar a posição de sujeito passivo do imposto, e não qualquer pessoa jurídica. Afinal, o constituinte utiliza os termos “mercadoria” e “estabelecimento”, excluindo as importações feitas por pessoas físicas. Assim como nas operações de importação em geral, o sujeito passivo, que tem a obrigação de pagamento da prestação pecuniária, corresponde a quem realiza a conduta de importar, isto é, a pessoa cujo nome está consignado na declaração de importação, a pessoa do importador.
Com efeito, conjugando-se o art. 11 da Lei Complementar nº 87/96 com o teor do art. 155, inc. II, e §2º, inc. IX, a, da Constituição Federal, depreende-se que o sujeito passivo é o importador, isto é, aquele que realizou a operação jurídica de importação de mercadorias descrita na hipótese de incidência da regra-matriz do ICMS-importação. Disso se percebe que o tributo é devido pelo destinatário jurídico da mercadoria, e não por seu destinatário fático, isto é, a quem a mercadoria foi juridicamente remetida[7].
Por derradeiro, a partir da legislação existente em torno do ICMS-importação, pode-se concluir também sobre o critério quantitativo de sua norma tributária em sentido estrito, correspondendo a base de cálculo ao valor dos produtos importados, e as alíquotas às porcentagens estabelecidas pelas legislações estaduais e distritais[8].
Sendo assim, cotejando-se as premissas adotadas neste trabalho com uma interpretação minuciosa do direito positivo atualmente vigente em relação ao ICMS-importação, que se compõe do texto constitucional e dos preceitos da Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir), pode-se construir a sua regra-matriz nos seguintes termos, que servirão de base para a solução das problemáticas relativas a esse imposto:
“Dado o fato de importar bens ou mercadorias do exterior, ou seja, realizar operações de importação de bens ou mercadorias do exterior (critério material) nos limites geográficos do Estado-membro ou Distrito Federal onde se localizar o estabelecimento destinatário da mercadoria (critério espacial), no momento da entrada jurídica das mercadorias ou bens no estabelecimento (critério temporal) (ANTECEDENTE), deve ser o dever jurídico de produtores, industriais e comerciantes de pagar a tal Estado-membro ou DF (critério pessoal: sujeitos passivo e ativo, respectivamente) o “ICMS incidente sobre operações de importação de bens”, tomando-se como base de cálculo o valor dos produtos importados, sobre ele aplicada alíquota estabelecida na legislação estadual ou distrital, conforme o caso (critério quantitativo) (CONSEQUENTE)”.
4 IMPLICAÇÕES DECORRENTES DE UMA DELIMITAÇÃO DA MATERIALIDADE DO ICMS-IMPORTAÇÃO
4.2 A capacidade tributária ativa dos Estados e Distrito Federal para exigir o ICMS-importação
Uma delimitação precisa da materialidade do ICMS incidente sobre as importações acarreta implicações na solução de diversas controvérsias, entre elas a relativa à capacidade tributária ativa, isto é, ao sujeito ativo competente para a cobrança do tributo nas diversas modalidades de importação. Note-se que cada um dos Estados detém competência para instituir e a capacidade de cobrar os impostos de sua alçada, podendo haver aí um conflito positivo de competência.
O ordenamento brasileiro prescreve duas formas de importação dos bens do exterior: (i) por conta própria ou (ii) por conta e ordem de terceiro, ambas as formas reconhecidas e regulamentadas pela Secretaria da Receita Federal.
a) nas importações em geral, no regime de importação por conta própria
A precisa definição da materialidade do ICMS incidente sobre as importações, com a construção da regra-matriz de incidência, gera reflexos também na fixação do critério espacial e, por conseguinte, no estabelecimento de qual o Estado competente para o ICMS-importação.
Com o escopo de evitar conflitos de competência, o constituinte acabou por explicitar que a capacidade tributária ativa cabe ao Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria (art. 155, IX, a, da CF), que deve ser entendido como aquele a quem a mercadoria estrangeira foi juridicamente remetida.
Assim, pode-se concluir que: i) pouco importa o local onde se dá o desembaraço aduaneiro, que é apenas o instrumento que fixa o instante da importação, sendo o sujeito ativo obtido a partir da localização do sujeito passivo, do destinatário da importação; ii) no caso de importação para terceiros, ainda que haja duas operações, uma de importação pelo importador e outra interna (revenda) ao adquirente, novamente o sujeito ativo da obrigação corresponderá ao Estado onde está situado o destinatário jurídico da importação, atuando o importador como Trading Company. Assim, pouco importam os negócios jurídicos posteriores ou as “circulações físicas”, tendo em vista que a tributação recai sobre a “operação jurídica de importação”.
Com efeito, como a tributação recai sobre a operação jurídica de importação, cabe o ICMS ao Estado onde está localizado o destinatário do negócio, na figura do importador, pouco importando as “circulações físicas” para fins tributários, até porque o dispositivo constitucional não se refere a estabelecimento do destinatário “final”, último adquirente da mercadoria na cadeia circulatória iniciada com a importação. A jurisprudência do Supremo Tribunal Federal corrobora o entendimento acima exposto (RE 396.859/RJ, 1ª T., Rel. Min. Sepúlveda Pertence, j. em 16-11-2004, DJU de 10-12-2004).
A respeito do sujeito ativo de ICMS incidente sobre a importação, no art. 155, inciso IX, a, a Constituição Federal é clara ao estabelecer que é devido ao Estado onde estiver situado o destinatário da mercadoria, de modo que nem mesmo a legislação complementar pode estabelecer sujeito ativo diverso. Não obstante, a Lei Complementar n. 87/96 no seu art. 11, I, d, estabeleceu equivocadamente como local da operação de importação, para fins de determinação do critério espacial e, por conseguinte, do sujeito ativo, o do estabelecimento onde ocorrer a entrada física do bem ou mercadoria importados, conflitando com o dispositivo constitucional que fala em “operação de importação”, conceito diverso de “entrada física” das mercadorias.
Apesar da inegável relevância da legislação complementar, deve ela exercer papel de mecanismo de ajuste da legislação ordinária em consonância com os preceitos constitucionais, mostrando-se como o veículo normativo capaz de pormenorizar as outorgas de competência tributária atribuída às pessoas políticas. Assim, o legislador complementar deve disciplinar as competências tributárias em conformidade com o texto constitucional, e não em conflito.
Em razão da polêmica que se criou quanto à competência estadual para exigir ICMS, a Procuradoria Geral da Fazenda Nacional foi inclusive instada a se manifestar, emitindo o Parecer PGFN/CAT/N. 1.093/97, no mesmo sentido de que o estabelecimento destinatário da mercadoria é o que efetivamente realizou o fato jurídico, ou seja, o estabelecimento importador, pouco importando que a entrada das mercadorias tenha se dado em Estado diverso.
Raciocínio semelhante também foi desenvolvido pela Consultoria Tributária de São Paulo, na Resposta à Consulta n. 277/98, em que o órgão administrativo entendeu que desembaraço aduaneiro corresponde apenas ao aspecto temporal da hipótese de incidência do ICMS, sendo o sujeito ativo, na realidade, o Estado da localização do importador, uma vez que a materialidade consiste em promover juridicamente a entrada das mercadorias no território nacional, o que difere da simples entrada física representada pelo desembaraço aduaneiro.
Conforme se percebe, a criticável previsão da Lei Complementar n. 87/96, no seu art. 11, I, d, acabou por produzir reflexos simultaneamente tanto para o critério espacial quanto para a sujeição ativa, mas contraria a norma do art. 155, IX, a, da CF e da própria LC 87/96, que acolhe a igualdade jurídica entre a entrada física e a simbólica, equiparando-as, de modo que o fato jurídico da importação deve-se reputar praticado não apenas com base na entrada física, mas também na jurídica, isto é, o local da operação jurídica de importação, onde estiver localizado o estabelecimento destinatário da mercadoria ou do bem, ainda que a entrada física com o desembaraço aduaneiro tenha se verificado antes em outra localidade.
Em suma, a fim de evitar conflito de competência entre os Estados e Distrito Federal tributantes, a quem a Constituição Federal atribuiu a competência para instituição do ICMS em geral, deve-se reputar como critério espacial da hipótese de incidência do ICMS-importação o local onde é realizado o fato jurídico tributário da operação jurídica de importação, qual seja, os limites geográficos do Estado-membro ou Distrito Federal onde se localizar o estabelecimento destinatário da mercadoria, o que automaticamente resvala na fixação da capacidade tributária ativa do ICMS-importação, sendo sujeito ativo para sua cobrança o Estado-membro ou Distrito Federal onde esteja situado o estabelecimento da empresa de importação.
Não obstante, a jurisprudência do Superior Tribunal de Justiça manifesta entendimento contrário, interpretando o texto constitucional de modo a entender como sujeito ativo o Estado-membro do local do estabelecimento onde se localiza o destinatário físico, o destinatário final das mercadorias (REsp n. 1.190.705/MG).
b) nas importações por conta e ordem de terceiro
Na importação “por conta e ordem de terceiro” (ii) a empresa adquirente da mercadoria contrata intermediária, prestadora de serviços, para que providencie por conta e ordem da contratante o despacho de importação da mercadoria em nome desta, tal como definido no parágrafo único do art. 1º da Instrução Normativa SRF n. 225/2002. Na realidade a importadora que realiza a operação não detém a propriedade dos bens importados, que é transferida diretamente ao comprador brasileiro, de modo que na declaração de importação consta o CNPJ do adquirente, indicado também na fatura comercial, devendo o conhecimento de carga estar consignado ou endossado ao importador contratado, que passa a ter o direito de realizar o despacho aduaneiro e retirar as mercadorias.
Por sua vez, a importação “por conta própria” consiste na operação em que a importadora adquire mercadorias do exterior em seu nome responsabilizando-se com recursos próprios pelo fechamento e liquidação do contrato de câmbio, para em seguida vender tais mercadorias no mercado interno. Vê-se, assim, dois contratos de compra e venda, um entre o fornecedor estrangeiro e a importadora, e outro entre a importadora e a adquirente no mercado interno.
Tendo em vista os traços distintivos, devendo a importação “por conta e ordem de terceiro” evidenciar que se trata de mercadoria de propriedade alheia, o fato é que na importação “por conta própria” a posterior venda do bem importado no mercado interno, após realizado o desembaraço aduaneiro, é negócio jurídico distinto da importação. Afinal, nesse caso terá a importadora a livre disponibilidade do bem, podendo comercializar a mercadoria importada a quaisquer sujeitos e peço preço e condições que lhe convierem.
Daí a edição da Lei n. 11.281/2006, no intuito de distinguir as duas modalidades de importação, devendo-se reconhecer que na importação por encomenda quem realiza o negócio jurídico de importação é a própria trading company (importadora), sendo a empresa que encomenda uma mera adquirente no negócio jurídico posterior realizado no mercado interno[9].
Por conseguinte, na importação por encomenda seus efeitos fiscais se assemelham aos da importação “por conta própria”, na realidade, figurando a importadora (trading) como sujeito passivo do imposto, em contraposição aos efeitos fiscais da importação “por conta e ordem de terceiro”, em que o sujeito passivo do ICMS-importação acaba sendo a própria empresa adquirente da mercadoria, que é quem consta da declaração de importação (D.I.) e que apenas contrata intermediária, prestadora de serviços, para que providencie o despacho de importação da mercadoria, mas sem chegar a deter a propriedade dos bens importados, que é transferida diretamente ao comprador brasileiro.
5 CONCLUSÕES
1 - O ICMS incidente sobre as importações é figura exacional emblemática desde a sua introdução no ordenamento jurídico brasileiro por ocasião da Emenda Constitucional n. 23/83, suscitando debates em razão de sua similitude com o então já existente imposto federal de importação, além das polêmicas envolvendo o leasing internacional e a capacidade tributária ativa dos Estados-membros, atentando-se aos traços distintivos entre a importação “por conta própria” e “por conta e ordem de terceiro”.
2 – A fim de combater o indesejado fenômeno da bitributação, que consiste na dupla exigência em face do mesmo sujeito passivo, por entes tributantes diversos, de tributos decorrentes do mesmo fato gerador, o trabalho reconheceu a necessidade de bem delimitar a materialidade do ICMS-importação, imposto estadual, para que não seja confundida com o imposto federal sobre as importações.
3 - Para tanto, o estudo propôs-se a construir a regra-matriz de incidência do tributo, porém sem prescindir da adoção neste trabalho das premissas científicas do Direito como fenômeno comunicacional e constituído pela linguagem competente.
4 – À luz da abordagem teórica adotada, o ICMS incidente sobre a importação foi analisado como uma construção do Direito positivo, introduzido por linguagem com função prescritiva e baseado numa lógica deôntica (do dever-ser), irrompendo-se a fenomenologia de sua incidência a partir da constituição do fato jurídico previsto hipoteticamente no antecedente de uma norma jurídica tributária em sentido estrito.
5 – Concluiu-se pela utilização da regra-matriz de incidência como um mínimo irredutível de significação que serve de instrumento para a compreensão da obrigação tributária. A hipótese de incidência alberga a descrição de um fato por intermédio dos elementos suficientes e capazes para identificá-lo, e que, uma vez ocorrido no mundo social e relatado na linguagem competente, irromperá o vínculo deôntico prescrito no consequente da regra-matriz, exsurgindo a obrigação tributária de recolhimento, no caso o ICMS-importação, mediante um ato humano de aplicação da norma geral e abstrata, a saber, a produção de uma norma individual e concreta (lançamento).
6 – Transpondo-se a teoria da regra-matriz de incidência para o ICMS-mercadorias em geral, inicialmente introduzido no ordenamento brasileiro pela EC 18, de 1/12/1965, pode-se concluir que o seu antecedente tem como critério material a operação jurídica circulação de mercadorias, com mudança de titularidade, critério espacial coincidente com o território dos Estados instituidores e do DF, e o critério temporal correspondente à saída das mercadorias do estabelecimento vendedor; no consequente encontramos como critério quantitativo o valor da operação (base de cálculo), sobre ele aplicadas as porcentagens previstas nas legislações estaduais ou distritais (alíquotas), e como critério pessoal os produtores, industriais e comerciantes (sujeito passivo) obrigados ao pagamento do imposto ao Estado-membro ou Distrito Federal competente para a cobrança (sujeito ativo).
7 – Com apoio nos elementos característicos da norma do ICMS em geral, foi possível a construção da regra-matriz de incidência do ICMS-importação, cotejando-se com o texto constitucional e os preceitos da Lei Complementar n. 87/96 (Lei Kandir), cujos critérios servem de base para a solução das problemáticas originadas desse tributo. No seu antecedente o critério material consiste em importar bens ou mercadorias do exterior, ou seja, realizar operações de importação de bens ou mercadorias do exterior, o critério espacial corresponde ao território do Estado-membro ou Distrito Federal onde se localizar o estabelecimento destinatário jurídico da mercadoria, e o critério temporal equivale ao momento da entrada jurídica das mercadorias ou bens no estabelecimento do importador, que realiza o fato jurídico tributário; ainda, no consequente, encontramos como critério quantitativo o valor dos produtos importados (base de cálculo), sobre ele aplicadas as porcentagens previstas nas legislações estaduais ou distritais (alíquotas), e como critério pessoal os produtores, industriais e comerciantes (sujeito passivo) obrigados ao pagamento do imposto ao Estado-membro ou Distrito Federal competente para a cobrança (sujeito ativo), que corresponde a onde estiver localizado o estabelecimento do destinatário jurídico dos bens importados.
8 – Uma vez bem definida a materialidade do imposto estadual sobre as importações, foi possível solucionar uma implicação dela decorrente, relativa às incessantes discussões quanto à capacidade tributária ativa, e sujeição ativa da obrigação, permitindo-se fixar o Estado competente para a cobrança do imposto, evitando-se o conflito entre os entes tributantes. Uma vez considerado como fato jurídico tributário a operação jurídica de importação, correspondendo o critério espacial ao local do estabelecimento do destinatário jurídico da importação, constatou-se que sujeito ativo para cobrança do ICMS-importação é o Estado onde estiver situado o domicílio ou o estabelecimento do destinatário da mercadoria, pouco importando o local do desembaraço aduaneiro, o que decorre de norma constitucional expressa, que deve prevalecer sobre a norma conflitante do art. 11, I, d, da LC n. 87/96, de 13-09-1996 (Lei Kandir).
10 - Por fim, após delimitada a materialidade do ICMS-importação e definidos os demais critérios de sua regra-matriz de incidência, este trabalho se propôs a dirimir a controvérsia em torno do sujeito ativo nas importações “por conta e ordem de terceiro”, em contraposição às importações “por conta própria”, nesta última figurando como sujeito passivo do imposto a importadora (trading), a quem é transferida a titularidade das mercadorias, e naquela a própria empresa adquirente da mercadoria, que é quem consta da declaração de importação (D.I.) e que apenas contrata intermediária, prestadora de serviços, para que providencie o despacho de importação da mercadoria, mas sem chegar a deter a propriedade dos bens importados, que é transferida diretamente à empresa brasileira adquirente. Dessa dicotomia decorre que nas importações “por conta própria” e por encomenda o sujeito ativo competente para a cobrança do imposto é o Estado onde estiver situado a importadora (trading), a quem é transferida a titularidade das mercadorias, figurando como destinatária jurídica, em contraposição às importações “por conta e ordem de terceiro”, em que o sujeito ativo é o ente onde estiver localizada a própria empresa adquirente da mercadoria, que é quem consta da declaração de importação (D.I.) e que apenas contrata intermediária, prestadora de serviços, de modo que é transferida diretamente ao comprador brasileiro a propriedade dos bens importados.
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[1] Direito Tributário - Fundamentos jurídicos da incidência. São Paulo: Saraiva, 2012, p. 26. CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – Linguagem e Método. São Paulo: Noeses, 2013, pp. 15-18.
[2] CARVALHO, Paulo de Barros. Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 31-36. CARVALHO, Aurora Tomazini de. Curso de teoria geral do direito (o constructivismo lógico-semântico). São Paulo: Noeses, 2013, pp. 85-112.
[3] Apud CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 610.
[4] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário – linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2013, p. 465.
[5] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2013, pp. 146-150, 610-613 e 663-669; Curso de Direito Tributário. São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 254-257; Direito Tributário - Fundamentos Jurídicos da Incidência, São Paulo: Saraiva, 2012, pp. 131-134)
[6] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2013, pp. 733-737 e 762-768. SALOMÃO, Marcelo Viana. ICMS na importação. São Paulo: Atlas, 2000, pp. 56-80. CARRAZZA, Roque Antonio. ICMS. São Paulo: Malheiros, 1997, pp. 43 e ss.
[7] CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário, vol. II, São Paulo: Noeses, 2013, pp. 159-170. SALOMÃO, Marcelo Viana, op. cit., pp. 66-74.
[8] CARVALHO, Paulo de Barros. Direito Tributário - linguagem e método. São Paulo: Noeses, 2013, pp. 733-737 e 762-768. SALOMÃO, Marcelo Viana, op. cit., pp. 56-80. CARRAZZA, Roque Antonio, op. cit., pp. 43 e ss.
[9] CARVALHO, Paulo de Barros. Derivação e Positivação no Direito Tributário, vol. II. São Paulo: Noeses, 2013, pp. 161-177.
Mestranda em Direito Tributário pela Pontifícia Universidade Católica - PUC/SP, sob orientação do Prof. Paulo de Barros Carvalho. Bacharel em Direito pela Universidade de São Paulo, sob orientação do Prof. Heleno Taveira Tôrres, especialista em Direito Público pela Faculdade de Direito Damásio de Jesus e especialista em Direito Tributário pelo IBET - Instituto Brasileiro de Direito Tributário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: SILVA, Nathália Ayres Queiroz da. ICMS-importação: materialidade e consequente definição do ente competente para exigir o tributo Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 03 jul 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/51988/icms-importacao-materialidade-e-consequente-definicao-do-ente-competente-para-exigir-o-tributo. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
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