Resumo: O presente artigo visa discorrer sobre o direito de propriedade destacando sua importância e fundamentação jurídica. Passa pelo longo debate doutrinário que se teve sobre as várias concepções do Direito à propriedade. Destaca-se que a propriedade é encarada também como um direito absoluto, perpétuo e exclusivo de seu titular, evoluiu da mesma forma que a sociedade, atrelando-se ao cumprimento de sua necessária função social e, sendo, dessa forma relativizada em prol do interesse coletivo. A metodologia no presente estudo é a da revisão bibliográfica, sendo empregadas informações de artigos publicados em revistas e livros referentes ao tema. A pesquisa bibliográfica deste trabalho foi elaborada de acordo com o esquema de leitura cujos princípios são análise textual, temática, interpretativa problematização e síntese pessoal.
Palavras-chave: Propriedade; Direito; Função Social.
Abstract: This article aims to discuss the right to property, highlighting its importance and legal basis. It goes through the long doctrinal debate that has had on the various conceptions of the Right to property. It should be noted that property is also viewed as an absolute right, perpetual and exclusive of its owner, has evolved in the same way as society, attaching itself to the fulfillment of its necessary social function and, thus, being relativized in favor of interest collective. The methodology in the present study is the one of the bibliographical revision, being used information of articles published in magazines and books referring to the subject. The bibliographic research of this work was elaborated according to the reading scheme whose principles are textual analysis, thematic, interpretative, problematization and personal synthesis.
Keywords: Property; Right; Social role.
Sumário: 1. Introdução; 2. Limitações ao Direito de Propriedade; 3. A propriedade ao longo dos tempos; 4. A função social da propriedade; 5. O Direito à Habitação como Direito Fundamental do ser humano cumprindo sua função social; 6. Conclusão; Referências.
O direito de propriedade, em sentido amplo, recai tanto sobre coisas corpóreas como sobre as incorpóreas. Quando incide exclusivamente sobre coisas corpóreas, recebe a designação de domínio. Nem todos os Códigos seguem o exemplo do Código Napoleônico, definindo o direito de propriedade, tanto que KIYOSHI HARADA (2005) nos instiga a definir propriedade estudando seus caracteres e elementos constitutivos, tomando por base o civilista WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO.
O direito de propriedade é sem dúvida alguma o mais importante de todos os direitos subjetivos materiais. Há unanimidade dos civilistas no sentido de que o direito de propriedade, como direito real, por excelência, constitui o cerne do direito das coisas, representando a propriedade, a espinha dorsal do direito privado. Realmente, dentro do sistema permanente de apropriação de riquezas em que vivemos, inevitáveis os conflitos de interesses entre as pessoas, envolvendo disputas sobre bens, reclamando sua disciplinação pelo ordenamento jurídico (HARADA, 2005).
Pode-se dizer, em primeiro lugar, que o direito de propriedade é absoluto, à medida que oponível erga omnes, e apresenta caráter de plenitude. O proprietário dispõe da coisa como bem lhe aprouver, sujeitando-se, apenas, a determinadas limitações impostas no interesse da coletividade, ou decorrentes da coexistência do direito de propriedade dos demais indivíduos. O segundo atributo desse direito é o da exclusividade, que, aliás, decorre do primeiro. Não pode a mesma coisa pertencer com exclusividade e simultaneamente a duas ou mais pessoas. O art. 1.231 do Código Civil agasalha esse caráter exclusivo ao prescrever que “a propriedade presume-se exclusiva e ilimitada até prova em contrário”. Dos dois atributos acima decorre o terceiro: a irrevogabilidade. Assim, uma vez adquirida a propriedade, de regra, não pode ser perdida senão pela vontade do proprietário. A propriedade tem, pois, um sentido perpétuo, subsistindo independentemente de exercício, enquanto não sobrevier causa legal extintiva. Com a morte do proprietário transfere-se a propriedade a seus sucessores. Vejamos agora os elementos constitutivos da propriedade, que estão contidos na regra do art. 1.228 do Código Civil, que assim prescreve: “O proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la do poder de quem quer que injustamente a possua ou detenha”. O direito de usar, gozar e dispor dos bens corresponde aos atributos da propriedade romana: jus utendi, fruendi et abutendi. O jus utendi implica a possibilidade de usar a coisa segundo a vontade exclusiva do proprietário, o que afasta a idêntica faculdade em relação a estranhos. Pelo Código Napoleônico, o direito de propriedade “é o direito de gozar e de dispor das coisas da maneira mais absoluta, desde que não se faça uso proibido pelas leis e regulamentos”.
O jus fruendi consiste no poder de colher os frutos naturais ou civis da coisa. O jus abutendi corresponde aos abusos do romano, não no sentido antissocial, comparável ao ato ilícito, mas no sentido de dispor da coisa, alienando-a ou consumindo-a. Aliás, a ideia de uso antissocial do domínio é simplesmente incogitável nos dias atuais. Para tornar efetivo o direito de usar, gozar e dispor da coisa, a lei assegura a seu proprietário o direito de reivindicá-la das mãos de quem quer que injustamente a detenha. Quanto aos fundamentos, temos algumas teorias que procuram esclarecer a natureza do direito de propriedade, bem como a legitimidade desse direito. WASHINGTON DE BARROS MONTEIRO (2009) fez um resumo da matéria seguindo os estudos de Planiol e Ahrens:
a) Teoria de ocupação:
É a mais antiga, e sustenta que a ocupação seria o fundamento do direito de propriedade. Entretanto, sendo a ocupação apenas um modo de adquirir a propriedade, obviamente não basta para justificar o direito de propriedade; aquisição de direito pressupõe logicamente a preexistência desse direito capaz de ser adquirido. A própria realidade na esfera internacional desmente a teoria. Ninguém ignora o fenômeno da expulsão e aniquilamento do povo indígena, primitivo ocupante da terra.
b) Teoria da lei:
É a defendida, entre outros, por Montesquieu, para quem a propriedade é concessão do direito positivo. É falha a teoria à medida que se funda na vontade humana. Assim como o legislador a instituiu poderia também suprimi-la. Daí a necessidade de colocar a propriedade acima da lei.
c) Teoria de especificação:
É a formulada pelos economistas, que afirmam que só o trabalho, criador único de bens, constitui título legítimo para a propriedade. Segundo Planiol, é falsa essa teoria, porque o trabalho deve ter por recompensa o salário e não a própria coisa por ele produzida. Conteria o germe da negação do direito de propriedade.
d) Teoria da natureza humana:
Essa teoria, que desfrutou e continua desfrutando grande prestígio entre os estudiosos, é a sustentada pela doutrina da Igreja Católica, segundo a qual a propriedade é inerente à própria natureza do homem; ela representa a condição de existência e de liberdade da criatura humana, constitui a garantia e expressão da individualidade humana, pressuposto e instrumento de desenvolvimento intelectual e moral do homem. A verdade é que o direito de propriedade fundamenta-se na lei que o consagra. Entre nós, ele sempre teve fundamento na Lei Maior, porque convencido o legislador constituinte de sua legitimidade e de sua conveniência, por representar uma necessidade (HARADA, 2005).
2 LIMITAÇÕES AO DIREITO DE PROPRIEDADE
O direito de propriedade reveste-se das características de absolutismo, de exclusividade e de irrevogabilidade, sendo certo que os dois primeiros caracteres estão contidos na norma do art. 1.231 do Código Civil, que declara que “a propriedade presume-se plena e exclusiva, até prova em contrário”. Todavia, é fora de dúvida que o domínio vem sofrendo limitações ao longo dos tempos, de conformidade com a nova ordem social que está surgindo na sociedade moderna, na qual a intervenção do poder público faz-se cada vez mais necessária para restringir a liberdade individual e subordinar o direito de propriedade às exigências do bem comum. Assim é que ao lado das restrições voluntárias (usufruto, servidões, cláusulas de inalienabilidade e impenhorabilidade, etc.) existem inúmeras limitações que decorrem da própria natureza das coisas, ou que são impostas por lei. As limitações que decorrem da natureza do direito, como ensina SILVIO RODRIGUES (1979), explicam-se através do recurso à noção de abuso de direito. O proprietário, no uso de seu direito, não pode ultrapassar determinados lindes sob pena de cometer abusos e o ato deixar de ser lícito (art. 188, n. 1, in fine, do CC).
Citaremos algumas das limitações de ordem legal, sendo elas numerosíssimas, podendo ser ainda tanto encontradas no direito privado quanto no direito público. No direito privado encontramos aquelas concernentes ao direito de vizinhança, reguladas pelo Código Civil. Há também as limitações de direito público (urbanísticas e administrativas), tais como: as referentes à proteção do patrimônio histórico e artístico, nas três esferas governamentais (União, Estados e Municípios); aquelas estatuídas nos Códigos de Minas, de Caça, de Pesca e Florestal; as previstas nas leis de uso e ocupação do solo urbano e urbanizável, procurando conciliar o direito de propriedade com o interesse maior da coletividade, principalmente nas megalópoles; as voltadas para a proteção da ecologia e preservação ambiental; aquelas de natureza militar, que vão desde as restrições a transações imobiliárias nas faixas de fronteiras com outros países até a requisição de móveis e imóveis necessários às forças armadas e à defesa passiva da população (HARADA, 2005).
Enfim, existem, ainda, inúmeras limitações objetivando a proteção da lavoura, do comércio, da indústria, sem contar aquelas capituladas nas leis penais e eleitorais. Pode-se dizer, sinteticamente, que as restrições à liberdade do proprietário de dispor da coisa de maneira que melhor lhe aprouver atingem o caráter absoluto da propriedade; as servidões e outras formas de uso de propriedade alheia limitam seu caráter exclusivo; as desapropriações, bem como as nacionalizações de bens estrangeiros, afetam o caráter da irrevogabilidade ou o caráter perpétuo da propriedade (HARADA, 2005).
3 A PROPRIEDADE AO LONGO DOS TEMPOS
Vale a pena iniciarmos a evolução da propriedade ao longo dos tempos como uma fala do jurista MIGUEL REALE, que supervisionou a comissão elaboradora do 8º Código Civil de 2002. Sobre a propriedade ele afirma que:
A propriedade não é apenas uma disposição individual e singular de um indivíduo, mas é, ao contrário, algo que implica sempre a correlação de duas pessoas entre si, em função da necessidade social em geral, e é a razão pela qual, no projeto do Código Civil, aparece um novo conceito de posse. Se os senhores estudarem todos os Códigos, todos eles sem exceção, o alemão, o italiano, o francês, os senhores encontrarão apenas uma noção de posse: posse é a projeção do domínio, posse é o direito de detenção da coisa em razão do domínio que se possui, da legitimidade do domínio, e isso não há dúvida nenhuma, o núcleo da posse, a ideia de posse, é direito, é uma detenção da coisa.
Porém, é mister olhar as coisas com um pouco mais de atenção. Quando se toma posse de um terreno abandonado há muito tempo, e na maior da boa-fé nele se constrói uma casa para a morada da família, ou para a alimentação de seus filhos, para criar a sua horta, para ter o seu alimento, nós dizemos que há uma nova forma de posse, a posse pro labore, a posse trabalho. E entendendo assim, nós introduzimos no projeto do código o conceito de posse trabalho, com repercussão fundamental em vários aspectos e momentos.
(...) a usucapião, por sua vez, é a aquisição da coisa pela sua utilização mansa e pacífica durante um certo tempo. Pois bem, em razão da diferença da posse trabalho, o projeto reduz pela metade o tempo necessário para que se dê usucapião. Uma coisa é ocupar a terra com o meu dinheiro, com a minha capacidade dominadora, e então obedeço o tempo de 20 anos. Mas se eu fiz, ao contrário, no exercício de uma posse de trabalho, a usucapião se opera pela metade do tempo. Estão vendo, portanto, que este código está cheio de inspiração ética.
Pois bem, desde tempos remotos, a propriedade tem sido alvo de atenção entre filósofos, economistas, juristas e estudiosos do tema, que têm em comum o objetivo de determinar sua origem, evolução, regime, função social e função individual. O certo é que a necessidade de demarcação de uma área acontecia quando havia reivindicação sobre essa área; e o Direito de Propriedade é o mais importante de todos os Direitos Subjetivos. A aquisição de bens sempre teve importância para o homem, ao atestar sua segurança. CARLOS ALBERTO BITTAR (1991, p. 55) leciona que:
Destinado a possibilitar a existência e a subsistência da pessoa na vida terrena e a respectiva perpetuação no tempo, através de sua descendência, o direito em questão tem suas raízes na Antiguidade, a partir da constatação de que ao homem era possível a submissão a seus interesses de coisas corpóreas suscetíveis de apropriação individual e de que a identificação da pessoa consigo mesma e com o cumprimento de seus desígnios somente seriam alcançados mediante a obtenção e a preservação de espaço e de bens próprios, postos a seu serviço.
CÉSAR FIÚZA (2007, p. 749) também refere que o instituto jurídico da propriedade se origina do Direito Romano, que o descrevia como ius utendi, fruendi et abutendi – direito de usar, fruir e dispor. Em Roma, a propriedade só poderia ser adquirida por cidadão romano. Com a evolução do tempo, a propriedade veio a favorecer o expansionismo romano. Nesse sentido o autor nos diz que:
Passou-se a admiti-la fora dos muros da cidade. Mais adiante, foi estendido o direito a todos os habitantes do Império, independentemente de sua origem.
Os elementos constitutivos da propriedade se caracterizam por: ius utendi – direito de usar – compreende o direito que o titular tem de ter e usar a coisa, respeitando as limitações legais; ius fruendi – direito de gozar – consiste em fazer prosperar a coisa, em auferir- lhe os produtos; ius abutendi – direito de dispor – consiste no direito de dispor da coisa.
O conceito de propriedade privada foi desenvolvido entre os romanos e foi chamado de dominium. Esse conceito foi aplicado aos escravos e aos imóveis e deveria atender aos seguintes critérios para ser categorizado como dominium: estar dentro da legalidade, ser absoluto, permanente e exclusivo. LUIZ EDSON FACHIN (1981, p. 16) ensina que:
A conceituação do Direito de Propriedade constitui tema que trespassa o universo estrito do Direito Positivado, não conseguindo, pela sua natureza, minimizar-se diante de situações metajurídicas substanciais. Isto se revela na apreciação do elemento histórico e na constatação de que o conceito não existe isolado de um sistema.
Para CÉSAR FIÚZA (2001, p. 757), a propriedade pode ser definida como:
A situação jurídica consistente em uma relação dinâmica entre uma pessoa, o dono, e a coletividade, em virtude da qual são assegurados àquele os direitos exclusivos de usar, fruir, dispor e reivindicar um bem, respeitados os direitos da coletividade.
J. M. OTHON SIDOU (1991) conceitua propriedade como “direito de usar, gozar e dispor das coisas dentro da sua função social, desde que se não faça delas uso proibido por lei, e de reavê-las de quem injustamente as possua”. O aludido autor nos ensina ainda que a propriedade se traduz no “direito que a pessoa física ou jurídica tem, dentro dos limites normativos, de usar, gozar e dispor de um bem, corpóreo ou incorpóreo, bem como de reivindicar de quem injustamente o detenha” (SIDOU, 1991, p. 642).
Há disciplinas diversas para a propriedade, segundo a sua potencialidade quanto à destinação econômica. O art. 185 da Constituição Federal estabelece serem inexpropriáveis, para fins de reforma agrária:
I - A pequena e média propriedade rural, assim definida em lei, desde que seu proprietário não possua outra.
II - A propriedade produtiva (CHINELATO; HIRONAKA, 2003, p. 92).
Para RUBENS LIMONGI FRANÇA (1998, p. 436):
Propriedade é o direito, excludente de outrem, que, dentro dos limites do interesse público e social, submete juridicamente a coisa corpórea, em todas as suas relações, ao poder da vontade do sujeito, mesmo quando, injustamente, esteja sob a detenção física de outrem.
O Direito de Propriedade é visto pela maioria dos estudiosos como um direito do homem, tal qual o direito à vida e à liberdade. O Direito de Propriedade, assim como outros Direitos Privados, deve ser visto sob o prisma de sua função social, descrita em consonância com a Constituição Federal, que dispõe em seu art. 5º, XXII, XXIII:
Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
(...)
XXII - é garantido o direito de propriedade;
XXIII - a propriedade atenderá a sua função social.
Nessa perspectiva, vale o comentário de CAIO MÁRIO DA SILVA PEREIRA (2001, p. 79) que diz que a propriedade:
Cada vez mais perde o caráter excessivamente individualista que reinava absoluto. Cada vez mais se acentuará a sua função social, marcando a tendência crescente de subordinar o seu uso a parâmetros condizentes com o respeito aos direitos alheios e às limitações em benefício da coletividade.
4 A FUNÇÃO SOCIAL DA PROPRIEDADE
O conceito de função social é, efetivamente, muito difícil de ser enunciado com precisão, dada a sua conotação abstrata. Mas dúvida não resta de que ela é ideia inarredavelmente instalada bem no âmago do conceito de direito de propriedade, vinculando-o, em definitivo, ao destino previsto por aquela funcionalidade (CHINELATO; HIRONAKA, 2003, p. 94).
Para CÉSAR FIÚZA (2007, p. 760):
A propriedade deve ser entendida; (...) vinculada a sua função social, embora a ideia em si não seja nova. Se um indivíduo pode dizer-se dono de algo, é porque os outros indivíduos não o são. A propriedade existe em função das outras pessoas. Ninguém é dono de nada, a não ser que viva em sociedade. E é a essa sociedade que se deve render tributos. Destarte, os direitos inerentes à propriedade não podem ser exercidos em detrimento da sociedade, contra as aspirações sociais. Com isso, limitou-se o gozo absoluto da pessoa sobre a coisa, que não só fica impedida de usá-la em malefício dos demais, como fica obrigada a usá-la de acordo com as demandas do grupo social.
A função social da propriedade é tema bastante discutido e consagrado na Constituição de 1967, por causa do Estatuto da Terra, onde foi atrelado ao bem-estar coletivo: a Constituição de 1967 e a sua emenda de 1969 consagraram o princípio da função social da propriedade, de forma mais ampla, provavelmente porque já se encontrava promulgado o Estatuto da Terra (1964) que estabeleceu que “à propriedade privada da terra cabe intrinsecamente uma função social e seu uso é condicionado ao bem-estar coletivo, previsto na Constituição Federal e caracterizado nesta lei (art. 12)”. Assegurou o estatuto da terra, ainda, o acesso à propriedade da terra, condicionada pela sua função social (art. 2º) e determinou as sanções (art. 13) impostas à observância do ordenamento constitucional e da lei ordinária”. (CHINELATO; HIRONAKA, 2003, p. 91).
No Código Civil, especificamente no art. 1.228, está disciplinado que o “proprietário tem a faculdade de usar, gozar e dispor da coisa, e o direito de reavê-la de quem quer que a possua ou detenha”. Para ÁLVARO MANOEL ROSINDO BOURGUIGNON (2007):
Uma das mais significativas alterações promovidas pelo novo Código Civil no âmbito do direito da propriedade refere-se à forma de aquisição estabelecida nos §§ 4° e 5° do art. 1.228, que não encontra paradigma na legislação pátria anterior. Cuida-se de modalidade aquisitiva absolutamente sui generis, pela qual certo número de pessoas (possuidores), preenchendo os requisitos da lei, passa a ter “direito de adquirir” imóvel alheio mediante pagamento de justa indenização, sempre sob a necessária e imprescindível intervenção judicial.
Vejamos na literalidade do Código Civil:
§ 4° O proprietário também pode ser privado da coisa se o imóvel reivindicado consistir em extensa área, na posse ininterrupta e de boa-fé, por mais de cinco anos, de considerável número de pessoas, e estas nela houverem realizado, em conjunto ou separadamente, obras e serviços considerados pelo juiz de interesse social e econômico relevante.
§ 5° No caso do parágrafo antecedente, o juiz fixará a justa indenização devida ao proprietário; pago o preço, valerá a sentença como título para o registro do imóvel em nome dos possuidores.
JOSÉ AFONSO DA SILVA (2006) entende que:
A função social da propriedade não se confunde com os sistemas de limitação da propriedade. Estes dizem respeito ao exercício do direito, ao proprietário; aquela, à estrutura do direito mesmo, à propriedade.
ROGÉRIO CESTA LEAL (1998, p. 117) concorda que a função social da propriedade não deve ser entendida como uma limitação, mas, sim, “um princípio informativo do direito de propriedade que depende de melhor e constante explicitação (ampliativa e não limitativa) pelo legislador ordinário”. JOSÉ AFONSO DA SILVA (2006, p. 121) afirma que a função social introduziu, na esfera interna do direito de propriedade, um interesse que pode não coincidir com o do proprietário e que, em todo caso, é estranho ao mesmo, constitui um princípio ordenador da propriedade privada e fundamento da atribuição desse direito, de seu reconhecimento e da sua garantia mesma, incidindo sobre seu próprio conteúdo.
Com essa concepção é que o intérprete tem que compreender as normas constitucionais que fundamentam o regime jurídico da propriedade: sua garantia enquanto atende à sua função social, implicando uma transformação destinada a incidir, seja sobre o fundamento mesmo da atribuição dos poderes ao proprietário, seja, mais concretamente, sobre o modo em que o conteúdo do direito vem positivamente determinado; assim é que a função social mesma acaba por posicionar-se como elemento qualificante da situação jurídica considerada, manifestando-se, conforme as hipóteses, seja como condição de exercício de faculdades atribuídas, seja como obrigação de exercitar determinadas faculdades de acordo com modalidades preestabelecidas. Enfim, a função social manifesta-se na própria configuração estrutural do direito de propriedade, pondo-se concretamente como elemento qualificante na predeterminação dos modos de aquisição, gozo e utilização dos bens (SILVA, 2006, p. 121).
Ao longo da evolução dos conceitos e do próprio Direito, a propriedade veio se constituindo elemento imprescindível para o modo de produção capitalista, representado pela conjugação entre o capital, isto é, a propriedade do empresário ou industrial, e a força física dos trabalhadores, que por sua vez trabalham na expectativa de amealhar bens, ou seja, constituir seu próprio patrimônio, sua propriedade.
Como consequência, a própria produção científica, durante anos, deu ênfase ao aspecto individual da propriedade, como instituto eminentemente de direito privado, cuja disciplina era regida principalmente pelo Código Civil de 1916, o qual conferia ao proprietário o poder de uso ilimitado e incondicionado sobre seus bens. Isto é, a propriedade servia apenas ao dono, e não tinha qualquer função instrumental na lida dos interesses públicos. Com o advento da noção de função social da propriedade, o pensamento que girava em torno do instituto paulatinamente se modificou. Por influência, já no século XX, do jurista Léon Duguit, a noção de função social, antes concebida por Augusto Comte, foi incorporada ao conceito de direito de propriedade. A partir de então, a noção do instituto passou a abranger a sua flexibilização, nos casos em que o bem não fosse utilizado de forma a atender, concomitantemente aos interesses do proprietário, os interesses coletivos (EVANGELISTA, 2013).
A propriedade que não cumpre sua função social perde seu caráter de intangível. Melhor dizendo, o ordenamento jurídico não aceita como legítima a propriedade que não cumpre sua função social e, assim, o Estado se vê munido dos fundamentos para a imposição do uso adequado, ou de outra destinação que implique na perda da propriedade. Sejamos sucintos: a concepção de função social nasceu da noção de que, enquanto vivente em sociedade, o homem deve empregar esforços no sentido de dar sua contribuição ao bem-estar da coletividade em detrimento dos interesses unicamente individuais. Neste contexto, erige- se a teoria da função social, segundo a qual “todo indivíduo tem o dever social de desempenhar determinada atividade, de desenvolver da melhor forma possível sua individualidade física, moral e intelectual, para com isso cumprir sua função social da melhor maneira” (FIGUEIREDO, 2008, p. 83).
O transporte da teoria da função social para o âmbito do direito de propriedade evoca o dever atribuído ao proprietário de fazer uso de seus bens de forma a cumprir uma função social, ou seja, de forma que o exercício do direito de propriedade obedeça aos parâmetros legais e morais estabelecidos, no intuito de contribuir para o interesse coletivo.
Além do art. 5º da Constituição Federal, encontramos nos artigos 170, 182, 184, 186, a função social da propriedade, in verbis:
Art. 170. A ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, tem por fim assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados os seguintes princípios:
II - propriedade privada;
III - função social da propriedade.
Art. 182. A política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público Municipal, conforme diretrizes fixadas em lei, tem por objetivo ordenar o plano de desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes.
§ 2º A propriedade urbana cumpre a sua função social quando atende às exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no plano diretor.
§3º As desapropriações de imóveis urbanos serão feitas com prévia e justa indenização em dinheiro.
§ 4º É facultado ao Poder Público Municipal, mediante lei específica para área incluída no plano diretor, exigir, nos termos da lei federal, do proprietário do solo urbano não edificado, subutilizado ou não utilizado, que promova seu adequado aproveitamento, sob pena, sucessivamente, de:
III - desapropriação com pagamento mediante títulos da dívida pública de emissão previamente aprovada pelo Senado Federal, com prazo de resgate de até dez anos, em parcelas anuais, iguais e sucessivas, assegurados o valor real da indenização e os juros legais.
Art. 184. Compete à União desapropriar por interesse social, para fins de reforma agrária, o imóvel rural que não esteja cumprindo sua função social, mediante prévia e justa indenização em títulos da dívida agrária, com cláusula de preservação do valor real, resgatáveis no prazo de até vinte anos, a partir do segundo ano de sua emissão, e cuja utilização será definida em lei.
Art. 186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I - aproveitamento racional e adequado;
II - utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III - observância das disposições que regulam as relações do trabalho;
IV - exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos
trabalhadores.
A Carta Política de 1988, para efeito de execução da política de desenvolvimento urbano, confere ao Município a incumbência de definir a função social da propriedade urbana, como se depreende do art. 182 e seu § 2º. A propriedade cumpre a função social quando atende as exigências fundamentais de ordenação da cidade expressas no Plano Diretor, impositivo para cidades com mais de vinte mil habitantes (§ 1º do art. 182).
A Constituição possibilita flexibilizar a definição de função social da propriedade urbana, que pode variar de um Município para outro, ou até mesmo de uma zona para outra zona do mesmo Município, tudo dependendo dos problemas e necessidades de cada comuna ou de cada zona de uso, que irão influir na elaboração do respectivo Plano Diretor, instrumento básico da política de desenvolvimento e de expansão urbana.
A propriedade rural, por sua vez, cumpre a função social quando preenche os requisitos dos incisos I a IV do art. 186 da CF, submetidos estes aos critérios e graus estabelecidos em lei. A Lei nº 8.629, de 25 de fevereiro de 1993, em seu art. 9º, fixa esses critérios e graus completando a definição constitucional. Essa definição é igualmente flexível, à medida que o conceito de propriedade produtiva, que a integra, varia no tempo em função do progresso científico e tecnológico da agricultura e do desenvolvimento regional (art. 11). Do exposto, é possível concluir que a Constituição Federal inscreveu o princípio da função social para a propriedade em geral; inscreveu a propriedade privada e sua função social como um dos princípios da ordem econômica, fundada na valorização do trabalho e na livre iniciativa, com o fito de assegurar a todos a existência digna, conforme os ditames da justiça social e definiu o conteúdo desse princípio em relação às propriedades urbana e rural. Sendo a função social matéria de ordem constitucional como atestado anteriormente, com efeito, vejamos sua importância enquanto princípio da ordem econômica, da política urbana, da política agrícola e fundiária.
a) Função social da propriedade como princípio da ordem econômica:
Segundo o artigo 170, da Constituição Federal, a ordem econômica encontra fundamento na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e tem por fim assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, observados, dentre outros princípios, o da propriedade privada e o da função social da propriedade. A propriedade, na condição de direito fundamental, está elencada como princípio da ordem constitucional econômica, tendo em vista estar fortemente relacionada à satisfação das necessidades humanas primárias. Com efeito, conforme leciona EDSON LUIZ PETERS (2009):
O direito de propriedade é condição sem a qual não se garante o direito maior à vida. Neste diapasão, se a finalidade da ordem econômica consiste em assegurar a todos existência digna, conforme os ditames da justiça social, não se pode olvidar a propriedade, que garanta ao indivíduo o poder de uso e gozo sobre os bens de produção e consumo.
b) Função social da propriedade como princípio da política urbana:
O regime da política constitucional urbana decorre da associação entre os artigos 182 e 21, XX, ambos da Constituição Federal. Com base nos citados dispositivos, a política de desenvolvimento urbano, executada pelo Poder Público municipal, conforme diretrizes gerais fixadas em lei federal, in casu, a Lei nº 10.257/00 (Estatuto da Cidade), tem por objetivo ordenar o pleno desenvolvimento das funções sociais da cidade e garantir o bem-estar de seus habitantes. Evidencia-se no ordenamento constitucional os princípios da função social e da dignidade da pessoa humana, este sob a forma de bem-estar dos habitantes das cidades. Transportando para o âmbito da propriedade privada urbana, e tendo em mente a função social no sentido de dever genérico de colaboração para a consecução do interesse coletivo, pode-se facilmente relacionar a função social da propriedade urbana como instrumento para o alcance do objetivo traduzido na garantia do bem-estar dos habitantes (EVANGELISTA, 2013).
Assim, observa-se que a propriedade privada urbana resta igualmente vinculada à sua função social. Com efeito, o artigo 182, § 2º, da CF, impõe expressamente o atendimento da função social da propriedade, sob os parâmetros a serem fixados pelos planos diretores dos centros urbanos. O não atendimento da função social sujeita ao proprietário sanções de caráter restritivo, como o parcelamento compulsório, edificação compulsória ou o imposto predial territorial urbano progressivo no tempo (artigo 183, I e II, da CF); ou até mesmo punições que importem na perda da titularidade sobre o bem, mediante indenização paga com títulos da dívida pública, como é o caso da desapropriação-sanção (artigo 183, III, da CF).
c) Função social da propriedade como princípio da política agrícola e fundiária:
O texto constitucional consagra expressamente a função social da propriedade rural, quando, em seu artigo 186, dispõe:
Artigo186. A função social é cumprida quando a propriedade rural atende, simultaneamente, segundo critérios e graus de exigência estabelecidos em lei, aos seguintes requisitos:
I – aproveitamento racional e adequado;
II – utilização adequada dos recursos naturais disponíveis e preservação do meio ambiente;
III – observância das disposições que regulam as relações de trabalho;
IV – exploração que favoreça o bem-estar dos proprietários e dos trabalhadores.
O exercício da propriedade rural resta, portanto, condicionado ao cumprimento da função social que, in casu, manifesta-se no efetivo aproveitamento. Entretanto, o mero aproveitamento não basta por 16 si só, mas necessita ser exercido de forma proveitosa ao interesse público (EVANGELISTA, 2013). Em última análise, o descumprimento da função social da propriedade rural tem como consequências a desapropriação-sanção prevista no artigo 184 da Constituição Federal, realizada para fins de interesse público (reforma agrária), mediante o pagamento de indenização em títulos da dívida agrária, resgatáveis em até 20 anos.
5 O DIREITO À HABITAÇÃO COMO DIREITO FUNDAMENTAL DO SER HUMANO CUMPRINDO SUA FUNÇÃO SOCIAL
Inicialmente vale ressaltar que o direito à habitação é reconhecido como um direito humano na Declaração Universal dos Direitos do Homem:
Toda a pessoa tem direito a um nível de vida suficiente para lhe assegurar e à sua família a saúde e o bem-estar, principalmente quanto à alimentação, ao vestuário, ao alojamento, à assistência médica e ainda quanto aos serviços sociais necessários, e tem direito à segurança no desemprego, na doença, na invalidez, na viuvez, na velhice ou outros casos de perda de meios de subsistência por circunstâncias independentes da sua vontade (ONU, 1948, art. 25, nº 1).
Segundo WASHINGTON CARLOS DE ALMEIDA (2013), o direito à habitação engloba não somente o direito a um teto, mas se amplia à concepção de ter acesso a uma habitação provida de infraestrutura. É um Direito concernente às necessidades primárias do ser humano, pois é fundamental para uma vida com dignidade. O direito à habitação, como ressaltam vários instrumentos internacionais, não se restringe apenas à presença de um abrigo, ou um teto, mas engloba uma concepção mais ampla. Este direito se estende a todos e, assim, toda a sociedade e cada um de seus membros têm de ter acesso a uma habitação provida de infraestrutura básica e outras facilidades, ou seja, acesso a uma habitação adequada (DIREITO À HABITAÇÃO, 2012). O direito à habitação assume grande importância em legislações nacionais e estrangeiras. Esse direito está estampado nos mais importantes instrumentos de defesa dos direitos humanos. São muitos os órgãos que tratam desse assunto em seus dispositivos: Declaração Universal dos Direitos Humanos; o Pacto dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais; Convenção sobre todas as Formas de Discriminação Racial; Convenção sobre os Direitos da Criança; Convenção sobre a Eliminação de todas as Formas de Discriminação contra a Mulher; Carta Africana de Direitos Humanos e dos Povos; e, Protocolo Adicional à Convenção Americana de Direitos Humanos – Protocolo de San Salvador (DIREITO À HABITAÇÃO, 2012).
A moradia e a sua garantia constituem uma busca do ser humano. Trata-se de um direito social, e nossas principais legislações mostram preocupação no cumprimento da propriedade como função social (ALMEIDA, 2013). O Direito da Habitação e o Direito à Habitação constituem direitos com objetivos diferentes. O Direito à Habitação trata dos direitos sociais e o Direito da Habitação trata do direito a um espaço de proteção.
Direito à Habitação enquadra-se no rol dos direitos econômicos e sociais. Esses direitos caracterizam-se, geralmente, por exigirem dos Estados maior atuação para que sejam implementados. Eles exigem um maior gasto de recursos para que existam na prática e saiam da teoria. Embora haja uma maior dificuldade em cobrar sua eficácia, os direitos econômicos, sociais não devem ser deixados em segundo plano, pois, como apregoa a Declaração Universal dos Direitos Humanos, os Direitos Humanos são interdependentes e indivisíveis. Isto implica dizer que os direitos civis e políticos não sobrevivem sem os direitos econômicos, sociais e culturais e vice-versa (DIREITO À HABITAÇÃO, 2012).
A Constituição Federal inclui a “moradia” no elenco dos direitos sociais primordiais ao homem: “São direitos sociais: a educação, a saúde, o trabalho, a moradia, o lazer, a segurança, a previdência social, a proteção à maternidade e à infância, a assistência aos desamparados, na forma desta Constituição”. A moradia foi inserida na Constituição por meio de uma emenda que teve como escopo o tema amplamente discutido na Segunda Conferência das Nações Unidas sobre os Assentamentos Humanos – Habitat II, realizado em Istambul em 1996. Essa conferência teve o objetivo de discutir como e onde moram os habitantes da Terra (DIREITO À HABITAÇÃO, 2012).
O compromisso de aceitar de forma progressiva que se torne realidade o direito à moradia para todos foi firmado pelo Brasil e diversas outras nações. Programas especiais, objetivando examinar as soluções utilizadas para melhorar a qualidade de vida em centros urbanos, tendo como critérios eficiência na reabilitação de áreas degeneradas, uso de desenvolvimento sustentado e grau de inovação, foram selecionados pela organização do evento. Afirmou-se, nesta conferência, que uma moradia adequada requer mais que um teto sobre a cabeça dos indivíduos. Uma moradia adequada também significa privacidade adequada, espaço adequado, acesso físico, segurança adequada, estabilidade e durabilidade estrutural, iluminação, aquecimento e ventilação adequados, infraestrutura básica adequada, como abastecimento de água e facilidades sanitárias e de coleta de lixo; qualidade ambiental saudável e adequada; localização adequada e acessível em relação ao trabalho e facilidades básicas, tudo em um custo razoável. A adequação deveria ser determinada de forma conjunta com as pessoas interessadas, tendo em vista um desenvolvimento gradual. A concepção de adequação varia entre os diversos países, dependendo de fatores culturais, sociais, ambientais e econômicos (DIREITO À HABITAÇÃO, 2012).
A partir da década de 1930, houve significativa mudança na política habitacional, assinalada pelo deslocamento de grande parte da população rural para os grandes centros urbanos. A moradia adequada passou a exigir medidas por parte do governo. Sob a ótica dos Direitos Fundamentais, a inclusão do Direito Moradia entre os Direitos Sociais “permitirá ao intérprete, nas questões da proteção à moradia, tratar do tema revestido da ótica constitucional, valorado pelo artigo 6º. (ARAÚJO; NUNES JÚNIOR, 2002, p. 172).
Esse direito, atualmente assegurado como Direito Social, veio consolidar a preocupação do Estado com a pessoa humana. Conforme INGO WOLFGANG SARLET (2001, p. 66):
Consagrando expressamente, no título dos princípios fundamentais, a dignidade da pessoa humana como um dos fundamentos do nosso Estado democrático (e social) de Direito (art. 1º, inciso III, da CF), o nosso Constituinte de 1988 – a exemplo do que ocorreu, entre outros países, na Alemanha –, além de ter tomado uma decisão fundamental a respeito do sentido, da finalidade e da justificação do exercício do poder estatal e do próprio Estado, reconheceu categoricamente que é o Estado que existe em função da pessoa humana, e não o contrário, já que o ser humano constitui a finalidade precípua, e não meio da atividade estatal.
Até mesmo o direito de propriedade – inclusive e especialmente tendo presente o seu conteúdo social consagrado no constitucionalismo pátrio – se constitui em dimensões inerentes à dignidade da pessoa, considerando que a falta de uma moradia decente ou mesmo de um espaço físico adequado para o exercício da atividade profissional evidentemente acaba, em muitos casos, comprometendo gravemente – senão definitivamente – os pressupostos básicos para uma vida com dignidade (SARLET, 2001, p. 90-1).
6 CONCLUSÃO
A moradia constitui uma das formas do cumprimento da função social da propriedade por meio da ocupação do solo e da criação de mecanismos que protegem o direito à habitação. O grande problema habitacional enfrentado no Brasil e a inserção no texto constitucional do direito à moradia são fatores determinantes para uma ação progressiva do Estado (ALMEIDA, 2013). A produção social do direito à moradia, regra e não exceção nas cidades brasileiras, logrou seu reconhecimento pelo Direito Positivo, tirando da “ilegalidade” a maior parte da população brasileira que vive em territórios informais, à margem da lei. Neste sentido, a ação estatal, seja o exercício da função administrativa, legislativa ou judicial para as favelas, e todos os assentamentos informais de baixa renda, deve ser revista, dirimindo qualquer conflito entre a lei e o direito à moradia, em favor deste (CARDOSO, 2010, p. 100). A condição econômica, que determina a informalidade do uso e ocupação do solo pela população de menor renda, de “problema de polícia” foi elevada a fundamento das políticas públicas urbanas. Depreende-se da breve introdução ao tema acima que o Direito de Propriedade, assunto amplo, um tanto filosófico, marcado por princípios como sua função social, possível de ser desapropriado também em função de necessidade e interesses coletivos.
REFERÊNCIAS
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Pesquisador - UNIFOR
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TELES, FILIPE EWERTON RIBEIRO. Importância e fundamentos jurídicos da propriedade Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 26 jul 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52073/importancia-e-fundamentos-juridicos-da-propriedade. Acesso em: 23 dez 2024.
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