Resumo : O presente artigo [1.a] tem por objetivo revisitar a figura das licenças edilícias, analisando quais os atributos desse ato administrativo, imprescindível para o controle das atividades construtivas em nossas cidades. O trabalho parte da noção inicial da licença edilícia, abordando brevemente sua natureza e regime jurídico, recordando também dos atributos dos atos administrativos em geral. Ao final, desenvolve-se análise quanto aos atributos próprios das licenças edilícias, propondo nova abordagem no tema.
Sumário: Introdução; 1. A licença edilícia - noções fundamentais; 2. Os atributos do ato administrativo - escorço doutrinário; 3. Os atributos das licenças edilícias – abordagem tradicional; 4. Afastando as premissas tradicionalmente adotadas; 5. Os atributos do ato de licença edilícia; 6. Notas finais.
Introdução
Diante da relevância do contexto urbano atual, que abriga grande parcela da população brasileira[1b], revela-se pertinente revisitar a figura das licenças edilícias (as licenças construtivas), correspondente ao ato prévio de controle da atividade edilícia de nossas cidades.
Seguindo sua dinâmica social e econômica, o meio ambiente urbano construído, especialmente no Brasil, está em constante transformação, seja através da demolição, reforma, reconstrução, ou construção de edificações novas. Essas alterações materiais, intencionalmente realizadas em determinado imóvel, designamos por “atividades edilícias”[2].
Tais atividades, executadas em terrenos urbanos (os lotes) deverão ser precedidas do devido licenciamento, que verificará a observância das normas construtivas (estrutura das edificações) e de ordenação do solo (ligadas aos parâmetros de uso e ocupação de cada zona da cidade) de cada alteração a ser executada.
É através do licenciamento edilício, então, que se garante a proteção à ordenação urbana, diretamente atrelada ao planejamento, gestão do ambiente e qualidade de vida nas cidades. Obedecidas as limitações incidentes, o Poder Público expedirá a licença edilícia, possibilitando ao interessado a execução de seu projeto.
O objetivo do presente artigo é justamente esmiuçar os atributos desse ato de licença, provocando uma reflexão acerca de suas características e da dimensão de seus efeitos sobre seu destinatário (aquele que solicitou a licença).
Para isso, partiremos da análise dos atributos do ato administrativo em geral (presunção de legitimidade, exigibilidade, imperatividade, executoriedade), para posteriormente verificar em que medida estes se manifestam no ato da licença edilícia e quais as peculiaridades em relevo. A proposta é oferecer uma nova abordagem do assunto, buscando a continuidade na análise dessa figura, cuja relevância é majorada a cada instante.
1. A licença edilícia - noções fundamentais
Para melhor desenvolvermos as premissas de nossa redação, mister trazer em caráter preliminar os principais contornos da figura em relevo, destacando, mui brevemente, sua natureza e regime jurídico.
Partindo das considerações de nosso rápido introito, temos que é através do licenciamento edilício que se verificam a obediência às normas construtivas e de ordenação do solo em cada projeto a ser empreendido. Tais normas correspondem às limitações administrativo-urbanísticas à propriedade urbana, naquilo que corresponde à sua edificabilidade (o “direito de construir”).
Dizemos “limitações administrativas”, eis que são genéricas, definidas em lei, e fundadas no interesse público e bem-estar social (em oposição às limitações de caráter civil, voltadas a interesses privados - o direito de vizinhança). São, por outro lado, urbanísticas, na medida em que se destinam à ordenação física dos espaços habitáveis (o próprio objeto do Direito Urbanístico[3]).
Para se referir a esse condicionamento estatal - legislativo ou administrativo - da propriedade aos interesses coletivos, costuma-se empregar a expressão “Poder de Polícia” (lato sensu). Estritamente no âmbito da Administração Pública, preferimos a expressão “Polícia Administrativa”, que corresponderá, pois, aos atos administrativos emitidos no exercício dessa função, em total aderência aos ensinamentos de Celso Antônio Bandeira de Mello [4].
De todo modo, para a observância dessas limitações administrativas a autoridade licenciadora, no exercício da função de polícia administrativa, deverá atenta-se a dois elementos: (i) ao projeto pretendido pelo interessado, incluindo suas características, coeficientes construtivos e outros índices; e (ii) ao local (lote) onde se pretende executar o empreendimento (eis que os parâmetros de uso e ocupação do solo costumam variar no território da cidade, conforme diretrizes e objetivos previstos para cada área).
Essa noção - que adiante revelar-se-á essencial ao desenvolvimento de nosso raciocínio - reflete o caráter intuito rei da licença edilícia, que é adstrita à coisa - ao imóvel (e o correspondente projeto). Trata-se de entendimento pacífico, que resumimos emprestando os ensinamentos de Lúcia Valle Figueiredo, ao tratar das licenças urbanísticas em geral[5]:
Podemos configurar-lhe o regime jurídico de ato intuito rei. É dizer, de ato concedido, não em vista de seu beneficiário, mas sim da res, na qual se vai construir; res, na qual se vai funcionar. Portanto, é ato que adere à coisa e não ao particular. Tanto que poderá ser suscetível de transação. Quando se transaciona propriedade com licença para edificar, a transação é efetuada com a licença (2011, p. 04).
Com efeito, sendo o ato através do qual a Administração Pública verifica o atendimento às normas urbanísticas e edilícias, a outorga da licença dependerá da zona (área da cidade), da área (dimensões do lote), e de outras características concernentes ao lote (declividade do terreno, acessos, largura das vias e calçadas confrontantes, proximidade com outros usos), onde o projeto construtivo será desenvolvido. Somente então com essa definição é que será possível verificar a observância dos parâmetros de uso e ocupação determinados pela legislação municipal. A licença é, portanto, rigidamente fixada ao lote.
Assim, ainda que seja emitida em nome do proprietário (ou outrem a ele equiparado), a licença edilícia, por sua própria finalidade, sempre estará vinculada a dois elementos objetivos: em primeiro, o projeto aprovado por técnico competente, em segundo, o lote específico no qual será desenvolvido o referido projeto. Esse caráter é essencial para o entendimento da leitura que proporemos adiante e, portanto, a ideia será retomada.
De todo modo, já foi possível traçar alguns aspectos fundamentais da licença edilícia (selecionando aquilo essencial ao seguimento de nossa abordagem), que então tomamos por ato administrativo, emitido pela Administração Pública, no exercício da Polícia Administrativa - destacando sua natureza e regime jurídico -, que possibilita a execução de certa atividade edilícia, em determinado lote - destacando seu caráter real.
Cumpre agora, antes de esmiuçarmos os atributos desse ato, lembrar brevemente das noções elementares daquilo que se entende pelos atributos dos atos administrativos em geral, conforme os ensinamentos da principal doutrina administrativista.
2. Os atributos do ato administrativo - escorço doutrinário
Pela própria natureza das atividades desenvolvidas pela Administração Pública (no caso em tela, o poder de polícia), os seus atos estarão dotados de atributos peculiares a sua função, inexistentes nos atos privados.
Sem prejuízo, Marçal Justen Filho (2014) adverte que tais atributos foram concebidos sob a influência de concepções não democráticas do Estado e que, em uma democracia republicana, seu estudo tem de refletir os princípios inerentes à organização democrática do poder estatal (2014, p. 408). Ressalta que os atributos do ato não são decorrência da qualidade estatal do agente que o produz, mas sim decorrência do próprio direito, o que significa uma inafastável compatibilidade com a Constituição (p. 409).
Igualmente, Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 417) alerta que nenhuma das prerrogativas conferidas à Administração constitui em benefícios conferidos simplesmente por sua natureza estatal (por ser órgão de poder). Afirma que “não há, no Estado de Direito, privilégios atribuídos à ‘força governante’ (para usar uma desativada mas realista expressão de Duguit) pelo mero fato de ser a força governante” (2010, p. 417).
Patente, pois, o caráter instrumental daquilo que comumente designamos por atributos dos atos administrativos. Justamente por isso, tais caracteres variarão conforme a especificidade de cada ato, bem como do interesse público em relevo.
Advertência feita, Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 419) aponta os seguintes atributos típicos dos atos administrativos (o que, aliás, encontra pouca variação na doutrina): (a) presunção de legitimidade, que seria a qualidade pela qual os atos se presumem verdadeiros e conformes ao Direito (presunção juris tantum - ressalte-se), característica comum aos atos administrativos em geral; (b) imperatividade, pela qual os atos administrativos se impõe a terceiros independentemente de sua concordância; (c) exigibilidade, qualidade pela qual o Estado pode exigir o cumprimento, a observância, das obrigações que impôs; e (d) executoriedade, pela qual o Poder Público pode compelir materialmente o administrado ao cumprimento das obrigações impostas e exigidas.
Veja-se que a imperatividade pode ser tomada sob duas perspectivas[6]: (i) a possibilidade de a Administração impor determinado ato independente da vontade do administrado (ligando-se, portanto, à própria expedição do ato); (ii) ou à possibilidade de que os atos veiculem prescrições (o conteúdo do ato) estabelecidas independe da vontade ou anuência de seu destinatário. A primeira volta-se mais à competência administrativa para a emissão do ato que à sua qualidade ou impactos sobre terceiros. Pela segunda, a imperatividade estaria atrelada aos efeitos ou eficácia[7] do ato administrativo e suas prescrições sobre a órbita jurídica do particular (v. entendimentos esposados por Ricardo Marcondes e Marçal Justen Filho[8]).
José dos Santos Carvalho Filho (2015), aborda a imperatividade em conjunto com a exigibilidade. Para o autor, a segunda seria decorrência lógica da primeira, o que justificaria entendê-las como característica única: “imperatividade, ou coercibilidade, significa que os atos administrativos são cogentes, obrigando a todos quantos se encontrem em seu círculo de incidência” (2015, p. 122).
Acrescenta que se trata de característica diretamente atrelada à supremacia do interesse público, pois, de fato, não seria aceitável que a Administração ficasse, a cada passo de sua atividade, à mercê do interesse individual (CARVALHO FILHO, 2015, p. 122).
Marçal Justen Filho também entende a exigibilidade e a imperatividade como atributo único, correspondente à possibilidade de estabelecer que direitos e deveres contemplados no ato administrativo tornem-se exigíveis, atuantes, cumpridos, concretamente (2014, p. 412).
O autor liga a exigibilidade à eficácia das relações jurídicas nas quais surgem direito subjetivo e dever jurídico para as partes (2014, p. 397), distinguindo três gradações de eficácia (tomada pela capacidade de produzir efeitos jurídicos) [9]. (i) Com conteúdo mínimo, quando não há a possibilidade de promover a exigência de qualquer conduta determinada. A exigibilidade fica condicionada a evento futuro, certo ou incerto (o exemplo seria um contrato que preveja momento futuro para a execução das prestações - nada obstante o direito e o dever existentes, as prestações ainda não são exigíveis). (ii) Caso já haja a possibilidade de exigir o cumprimento, tratar-se-ia do grau médio de eficácia. (iii) Já no grau máximo, há a possibilidade da conduta devida ser exigida coativamente. É impossível que uma obrigação nasça com o grau máximo de eficácia, pois este presume seu inadimplemento em seu estágio médio.
Especificamente em relação aos atos administrativos, a eficácia máxima corresponderia à autoexecutoriedade do ato. Nessa hipótese, a Administração Pública está autorizada a produzir os atos concretos necessários a implementar as suas determinações mediante a exigência compulsória do cumprimento de condutas (inclusive mediante o uso da força), obedecendo estritamente aos princípios da legalidade proporcionalidade (JUSTEN FILHO, 2014, p. 413).
Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 419-420), por sua vez, não confunde imperatividade com exigibilidade, ensinando que a primeira corresponde somente à imposição (unilateral) de obrigações; enquanto que a segunda seria o atributo pelo qual se impele à obediência da obrigação já imposta.
Cunha Junior (2015) vai no mesmos sentido:
[Exigibilidade] É o atributo que confere a Administração Pública o poder de exigir do administrado as obrigações que ela unilateralmente lhe impôs, sob pena de lhe infligir multa ou outras penalidades administrativas em caso de descumprimento do ato (meios indiretos de coação).
A exigibilidade não se confunde com a imperatividade, pois, através desta, apenas se constitui uma dada situação, se impõe uma obrigação. A exigibilidade é o atributo elo qual se impele à obediência, ao atendimento da obrigação já imposta, sem necessidade de recorrer ao Poder Judiciário para induzir o administrado a observá-la (p. 107).
Retomando a Bandeira de Mello, o autor também esclarece a distinção entre a exigibilidade e a executoriedade, ensinando que aquela permite apenas a indução indireta ao atendimento do ato (pela imposição de multas, por exemplo) , enquanto esta possibilita a coação material (por exemplo, na dissolução de uma passeata, interdição de uma fábrica, destruição de alimentos deteriorados). Importante ressaltar que em ambos não há necessidade da Administração recorrer ao Judiciário.
Ainda que haja certa variação doutrinária nos critérios adotados, já se verifica certa pacificidade no entendimento de que os atos administrativos possuem características próprias (em oposição aos atos particulares), ligadas à própria natureza da função administrativa.
Compilemos o que dissemos em rasa síntese: de acordo com a ideia geral da doutrina, além da presunção de legitimidade, comum a todo o ato administrativo (decorrente da própria legalidade), o atributo da imperatividade é entendido pela possibilidade de que o ato se imponha e seja observado pelos seus destinatários, independente de sua anuência. Já a exigibilidade permite que as prescrições do ato sejam exigidas sem a necessidade de interferência do Judiciário, inclusive mediante coação indireta, enquanto que pela executoriedade o ato pode ser obedecido mediante coação direta, material (uso da força).
3. Os atributos das licenças edilícias – abordagem tradicional
Verificar a dimensão dos atributos de determinada espécie de ato administrativo mostra-se relevante não somente porque estes estão ligados ao interesse público em relevo em cada situação, mas também para a devida compreensão de cada ato, permitindo a melhor análise quanto à manifestação de suas prescrições incidentes sobre seus destinatários.
Especificamente em relação aos atributos das licenças edilícias, são escassos os trabalhos que já abordaram diretamente o assunto. Os poucos autores que enfrentam o tema, na maior parte das vezes, abordam a figura apenas incidentalmente, utilizando-a como exemplo de seus ensinamentos gerais sobre os atributos dos atos administrativos. O padrão é indicar que as licenças edilícias apenas estariam dotadas da presunção de legitimidade, comum a todos os atos administrativos. Como regra, afastam-se então as características da imperatividade e exigibilidade.
Celso Antônio Bandeira de Mello (2010, p. 427), por exemplo, ao tratar da classificação dos atos administrativos, abordando especificamente os atos “ampliativos de direito” (categoria na qual inclui as licenças em geral), defende que a estes não cabe falar de imperatividade, exigibilidade ou executoriedade.
Também Cunha Junior menciona expressamente as licenças para ensinar que o atributo da imperatividade não está presente nesse ato ampliativo de direito:
A imperatividade não existe em todos os atos administrativos, como nos atos ampliativos da esfera jurídica do administrado (v. g., autorização, permissão, licença, admissão) e nos atos enunciativos (v. g., certidão, declaração, parecer, informação), mas apenas naqueles que impõem obrigações. A imperatividade é um dos atributos que distingue o ato administrativo do ato de direito privado, uma vez que este último não cria qualquer obrigação para um terceiro sem a sua concordância (2015, p. 106).
Em artigo que aborda diretamente as peculiaridades dos atributos dos atos administrativos ampliativos e restritivos de direito, Angélica Petian (2008) também conclui que somente os atos restritivos gozam dos atributos da imperatividade, exigibilidade e executoriedade[10].
Poderíamos nos estender a outros exemplos de abordagem nesses mesmos sentidos. De todo modo, atendo-se com maior detalhe a cada raciocínio construído, tem-se que, de modo geral, os autores tem entendido que a imperatividade ou exigibilidade não estão presentes nos atos de licença (em geral), basicamente sob dois argumentos: (i) a licença corresponde a ato ampliativo à esfera jurídica do interessado; e (ii) a licença não obriga, mas apenas faculta o exercício de certa atividade.
Tratam-se, portanto, das primeiras premissas a serem examinadas neste trabalho.
4. Afastando as premissas tradicionalmente adotadas
Pelo que denotamos do conceito dos atributos dos atos administrativos, estes dizem respeito à própria função pública, manifestando-se em graus diferentes dependendo do interesse em relevo, bem como do correspondente regime jurídico. Todavia, sempre dizem respeito a diferentes aspectos do ato administrativo, inconfundíveis entre si.
Com uma ou outra variação (e novamente: tomando por referência o entendimento doutrinário principal), a presunção de legitimidade está atrelada aos fundamentos do ato, i.e., os motivos de fato arrolados pela Administração para a sua expedição, bem como sua adequação ao direito[11].
A imperatividade, tal como ensinado pela doutrina em nosso primeiro tópico, relaciona-se mais com os efeitos, as situações jurídicas decorrentes das prescrições cominadas ao destinatário do ato, independentemente de sua aquiescência.
Por fim, a exigibilidade e a executoriedade, estão atreladas à satisfação, cumprimento, daquilo que o ato prescreve, bem como aos meios disponíveis para a indução desse cumprimento (coação direta ou indireta). O atendimento do ato poderá ser exigido por diferentes vias, ou mesmo executado pela própria administração.
Encerrando o raciocínio, portanto, temos que os atributos dos atos administrativos manifestam-se especialmente nos seguintes aspectos: fundamentos do ato, seus efeitos, e meios voltados à sua devida observância (a satisfação de suas prescrições).
Tais minúcias são importantes para revelar a primeira de nossas conclusões: nenhuma das acepções desenvolvidas - ou a doutrina trazida em nosso primeiro tópico -, vincula o conceito de qualquer dos atributos do ato administrativo aos seus resultados (favoráveis ou desfavoráveis ao administrado), ou ao modal deôntico de suas prescrições (um fazer, não fazer ou poder fazer).
Daí que entendemos que o diagnóstico dos atributos de cada ato não pode ser traçado tendo por referência única - e de plano – tais critérios. O argumento de que determinada espécie de ato não estaria dotada de imperatividade, exigibilidade ou executoriedade, simplesmente porque “ampliaria a esfera jurídica dos administrados” ou “estabeleceria uma faculdade (e não um dever ou restrição)”, precisa ser examinado com maior cautela, atentando-se às suas peculiaridades.
No caso das licenças edilícias, por exemplo, é possível que tais presunções não resistam. Retomemos, então, às nossas observações quantos às peculiaridades desse ato, para aferir a devida medida de seus atributos[12].
5. Os atributos do ato de licença edilícia
Havíamos delimitado a figura em debate como “ato administrativo, emitido pela Administração Pública, no exercício da Polícia Administrativa, que possibilita a execução de certa atividade edilícia, em determinado lote”.
Aqui, é necessário reforçar o caráter intuito rei da licença edilícia. Conforme adiantamos, a licença estará adstrita a dois elementos objetivos: em primeiro, o projeto aprovado por técnico competente, em segundo, o lote específico no qual será desenvolvido o referido projeto.
Esses elementos, evocando a estrutura do ato administrativo ensinada por Bandeira de Mello (2010, p. 393), comporão o próprio conteúdo, a prescrição, do ato emanado, que facultará ao interessado o desenvolvimento de determinado projeto, nos exatos termos daquilo apresentado (nem mais, nem menos - salvo eventuais modificações ou variações permitidas em lei), e em determinado lote. O lote e o projeto, portanto, além de objeto da licença (aquilo sobre o que o ato dispõe), se transmutam em seu próprio conteúdo, no contorno de suas prescrições[13].
E ainda que se trate de mera faculdade, caso o destinatário do ato opte realmente pela execução da atividade licenciada, deverá fazê-lo nos exatos termos daquilo disposto na declaração da Administração (o alvará), incluindo os meios e limitações eventualmente definidos (leia-se: impostos). Assim, mesmo que o ato não determine um facere ou non facere, há a estipulação de prescrição inafastável, imperativa e exigível quando o particular opte pelo facere.
Isso, pois a licença edilícia, ao manifestar o consentimento da Administração à execução de certo projeto, não se reduz à simples permissividade operada pelo “poder fazer”, mas sim ao “pode fazer, nos exatos termos do projeto, seguindo os meios e limites estabelecidos neste auto”. Deste modo, por conter prescrições que deverão ser seguidas independentemente da vontade do particular[14], entendemos que a licença edilícia, ainda que ato favorável ao administrado, é dotada dos atributos da imperatividade e exigibilidade, seguindo a conceituação destes atributos definida por nossa doutrina.
Trata-se mesmo de elemento distintivo da licença edilícia, que não apenas outorga, mas também condiciona a atuação do indivíduo. Há que se reforçar: tais imposições sempre serão acompanhadas de embasamento na legislação urbanística e edilícia municipal.
Contrariamente ao que entendemos, poder-se-ia alegar que a submissão à ordenação geral está presumida em qualquer atividade licenciada (não somente a edilícia). A exemplo, a licença para dirigir um veículo automotor não presume a liberdade absoluta na condução de um automóvel, submetendo sempre o particular às regras de trânsito. A imperatividade, portanto, não adviria da habilitação para dirigir, mas simplesmente da própria regulamentação do trânsito.
Todavia, a peculiaridade in casu é que apenas no auto de licença edilícia é que tais prescrições serão individualmente traçadas, em termos específicos voltados ao projeto que será executado, ao lote respectivo e outros elementos correspondentes (área do terreno, viário, imóveis contíguos, etc). Assim, não se trata, simplesmente, da previsão genérica e abstrata das leis de ordenação do solo, mas sim a prescrições administrativas concretas definidas conforme o caso[15].
Veja-se que tais prescrições corresponderão: (i) aos índices e parâmetros contidos no projeto aprovado (naquilo que for aprovado, tendo em vista a possibilidade de deferimento parcial); e (ii) a outras eventuais disposições traçadas pela entidade licenciadora, com base na legislação municipal. O primeiro elemento (projeto) necessariamente estará presente, transformando os parâmetros do desenho aprovado em verdadeira norma individual ao particular destinatário. Já o segundo elemento dependerá das previsões de cada Município, e pode sequer estar presente, bastando a mera referência às leis e decretos aplicáveis.
Vale, na oportunidade, transcrever interessante citação jurisprudencial, do Ministro Herman Benjamin, no Recurso Especial nº 941.110 (BRASIL, 2009, p. 7), que reforça a submissão do particular aos termos das licenças em geral:
A licença, qualquer que seja sua natureza (urbanística, ambiental, sanitária, etc), emoldura, na ótica das necessidades da coletividade, as condições mínimas de exercício da atividade econômica, bem como as contrapartidas exigidas do particular para tanto. Existe para ser cumprida e fielmente respeitada, pois do contrário é um nada jurídico.
(...)
A licença é para o licenciado e não do licenciado. Em vez de dono da licença, o sujeito-licenciado é seu vassalo, o que faz com que seus termos, exigências mínimas na forma de piso, só possam ser alterados com o prévio e expresso consentimento da Administração, sob pena de abuso de licença.
Entendemos que nossa posição também encontra patrocínio nas lições de CARVALHO FILHO (2015, p. 91). Primeiro, pois o autor coloca a imperatividade como caráter típico dos atos de Polícia. Segundo, pelo excerto abaixo, no qual o doutrinador termina por reconhecer a presença de certa imperatividade e exigibilidade também nos atos de consentimento (2015, p. 123):
Há, é verdade, certos atos em que está ausente o cunho coercitivo. É o caso dos atos de consentimento (permissões, autorizações), em que ao lado do interesse público de todo ato há também o interesse privado. Entretanto, ainda neles se pode descobrir um resquício de imperatividade, ao menos no que toca à obrigação do beneficiário de se conduzir exatamente dentro dos limites que lhe foram traçados.
O que pretendemos com a presente tese (ainda que sujeita a revisões e reformas) é contribuir com a devida qualificação da licença edilícia em nosso sistema, coadunando com a relevância deste ato na gestão e políticas urbanas, com escopo constitucional (Art. 182 da Constituição Federal).
Nesse sentido é que também aderimos às considerações já promovidas por José Afonso da Silva, em seu “Direito Urbanístico Brasileiro" (2008, p.440) quanto à impertinência de se reduzir a licença urbanística (o autor abordava a figura mais ampla) à mera “remoção de obstáculos”, reforçando a possibilidade de imposição de limites e deveres:
Ela [a licença urbanística] não é, no campo urbanístico, tão-só a remoção de obstáculos ou de limites ao exercício do direito, não é mera técnica habilitante para o exercício do direito, como tradicionalmente se concebe; mas é, ao mesmo tempo, uma técnica de intervenção e controle urbanístico, impõe deveres e condiciona permanentemente o exercício destes (2008, p. 440).
A ideia, acrescentamos, é romper com a noção estreita de que à licença corresponde mera permissividade a ser alcançada pelo particular.
Vale abrir parênteses também para retomar o entendimento defendido por Justen Filho (2014). Caso fôssemos tomar como parâmetro aquele elaborado raciocínio (já abordado em tópico acima), também concluiríamos que a licença edilícia estaria dotada de exigibilidade e imperatividade. Vejamos.
Tomando tais atributos como característica única, Justen Filho entende a exigibilidade e a imperatividade correspondem à possibilidade de estabelecer que os direitos e deveres contemplados no ato administrativo tornem-se exigíveis (2014, p. 412). Ligam-se, portanto, à eficácia do ato, ainda que com gradações distintas (mínima, média e máxima, conforme também já abordamos acima).
Trazendo a ideia para o panorama das licenças edilícias, entendemos que haveria conteúdo mínimo de eficácia (quando a exigência do ato está condicionada a evento futuro, certo ou incerto) até que o destinatário do ato optasse efetivamente pela consecução do projeto aprovado (a construção, propriamente). Nesta hipótese, iniciando-se as obras, a eficácia atingira grau médio, isto é, haveria a possibilidade concreta de exigir o cumprimento das prescrições do auto (o alvará)[16].
Desta forma, ainda que com premissas diversas, vê-se que também pela doutrina de Justen Filho (2014) os caracteres de exigibilidade e imperatividade estariam presentes no ato de licença edilícia, sendo descabida sua desconsideração, de plano.
Fechado esse adendo, cumpre verificar, por último, como se manifesta o atributo da executoriedade nos atos de licença edilícia. Vale lembrar, essa característica correspondente à possibilidade de a Administração compelir materialmente - frise-se - o particular ao cumprimento de suas determinações.
Trata-se de atributo mais restrito, normalmente presente nos atos cujo cumprimento célere, imediato, se mostre necessário ao interesse público. Nesse ponto, então, nosso entendimento se aproxima da doutrina majoritária, concluindo que a possibilidade de autoexecutoriedade não está presente na licença edilícia.
Veja-se que o ato de licença, consistente na aquiescência da Administração à pretensão construtiva do particular, não atrai qualquer possibilidade de urgência. Há, é certo, situações em que o abuso da licença poderá ensejar risco aos ocupantes do imóvel ou edificações vizinhas, mas nesse caso eventual providência demolitória por parte da Administração não corresponderá aos preceitos veiculados no alvará, mas sim a ato diverso (ainda que relacionado à edificação licenciada), seja este acautelatório ou sancionatório.
Por outro lado, tem-se que o interesse primeiro na atividade edilícia pretendida será do particular que apresentou o projeto, correspondendo a faculdade própria, não fazendo sentido sua execução (compulsória, portanto) por parte da Administração Pública.
Concluindo tudo o que expusemos, atentando à composição lógica da licença edilícia, para verificar quais os atributos presentes, temos que sua prescrição permissiva (“poder fazer desta forma”), possibilita ao particular edificar apenas nos limites daquilo aprovado, atendendo às exigências contidas no alvará de licença (imperatividade), inclusive sob pena das sanções previstas (exigibilidade).
6. Notas finais
Após esse breve esforço teórico, avaliamos que o raciocínio tradicionalmente desenvolvido pela doutrina, consistente na vinculação, de plano, dos atributos dos atos administrativos aos modais deônticos por eles veiculados, ou a seus resultados (favoráveis ou desfavoráveis aos destinatários), nem sempre proporcionará o melhor diagnóstico da figura em relevo.
No caso das licenças edilícias, após trazer uma breve noção de sua natureza e regime jurídico, atentando à minúcia de sua estrutura, conteúdo e peculiaridades, foi possível concluir que este ato está dotado não somente da presunção de legitimidade (comum aos atos administrativos em geral), mas também de certa imperatividade e exigibilidade.
Vimos que o conteúdo das licenças edilícias não corresponde a uma mera faculdade (“poder fazer”), pois também condiciona a ação do particular, contendo prescrições concretas que deverão ser seguidas independentemente de sua vontade, atraindo as noções de exigibilidade e imperatividade - diretamente atreladas à ordenação urbana, e à boa gestão das cidades.
Trata-se de necessária evolução no entendimento dessa figura, que tem sido já sinalizada por parte da doutrina, ainda que sem uma abordagem direta. Para reflexão, calha novamente trazer a lição jurisprudencial de Benjamin (BRASIL, 2009, p. 7):
O Brasil é o País da licença-faz-de-conta, em que um importante ato administrativo dessa natureza, essencialmente preventivo e de salvaguarda dos interesses da coletividade, é tratado pelos sujeitos econômicos como se fosse um mero pedaço de papel, a ser fixado na parede do estabelecimento comercial e desconsiderado ao nível do assoalho, isto é, no plano de seu cumprimento.
Há que se progredir na forma como a licença edilícia tem sido encarada não só pela ciência do Direito, mas também no trato dispendido pela própria Administração Pública, pelos destinatários direto do ato e pela sociedade em geral. Não ignoramos que a questão seja metajurídica, ultrapassando em muito os objetos desse trabalho.
O que pretendemos foi, limitando-nos à análise jurídica, contribuir com a evolução da temática, considerando seu papel cada vez mais crucial no adequado desenvolvimento de nossas cidades e no controle do uso e ocupação do solo urbano.
Referências:
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PETIAN, Angélica. Atributos dos atos administrativos: peculiaridades dos atos ampliativos e restritivos de direitos. Revista da Procuradoria-Geral do Município de Belo Horizonte: RPGMBH, Belo Horizonte, v. 1, n. 2, p. 11-38, jul./dez. 2008.
SILVA, Afonso da. Direito Urbanístico Brasileiro. 5ª ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2008.
[1b] O Censo Demográfico de 2010 apontou que a população urbana é predominante, representando 84,4% (oitenta e quatro por cento) da população brasileira total, já naquele ano de 2010 (CENSO 2010, p. 46).
[2] Em acepção semelhante àquela desenvolvida por Hely Lopes Meirelles (1961, p. 305).
[3] José Afonso da Silva define o direito urbanístico objetivo como o “conjunto de normas que têm por objeto organizar os espaços habitáveis, de modo a propiciar melhores condições de vida ao homem na comunidade” (2008, p. 50).
[4] Celso Antônio Bandeira de Mello: “a atividade estatal de condicionar a liberdade e a propriedade ajustando-as aos interesses coletivos designa-se ‘poder de polícia’ (2010, p. 822)”. “Servir-nos-emos da expressão ‘polícia administrativa’ quando reportados tão-só a comportamentos administrativos” (2010, p. 822).
[5] No mesmo sentido, Celso Antônio Bandeira de Mello, em artigo publicado em 1982 (p. 23 a 38), já reforçara o caráter real da licença para edificar: “vale dizer, adere ao bem, pois diz respeito ao imóvel e não ao proprietário” (p. 37). E também Hely Lopes (MEIRELLES, apud SILVA, 2008, p. 441), entendendo que a aderência da licença à coisa se mantém mesmo na transferência do bem: “[a licença edilícia] transmite-se automaticamente aos sucessores com a só alienação do imóvel, não sendo lícito à Prefeitura opor-se à expedição ou à transferência do alvará ao novo proprietário ou compromissário comprador”.
[6] Distinção semelhante à apresentada por Ricardo Marcondes Martins (2017, p. 10), ainda que em raciocínio não coincidente com o nosso. Para o autor, a imperatividade dependerá da necessidade (ou não) de aquiescência por parte dos destinatários, seja em relação ao conteúdo do ato, seja em relação a sua própria emissão. Os efeitos dos atos, todavia, sempre prescindirão da aquiescência do destinatário, sendo sempre imperativos.
[7] Preferimos dizer que a imperatividade atrela-se aos efeitos do ato administrativo, correspondendo ao modo pelo qual estes incidirão na esfera jurídica do destinatário. A eficácia, por sua vez, corresponderia à aptidão do ato para a produção desses efeitos (conforme ensina MELLO, 2010, p. 388).
[8] Como já observamos em nota anterior, ao abordar a imperatividade como atributo correspondente aos efeitos do ato administrativo, Ricardo Marcondes Martins (2017) entende que aquela estaria presente, em maior ou menor medida, em todos os atos, independente de seu conteúdo ou eventual consensualidade em sua produção. Marçal Justen Filho (2014, p. 412), por sua vez, entende que a imperatividade liga-se à eficácia do ato, conforme retomaremos adiante.
[9] A eficácia corresponde à intensidade de poderes jurídicos atribuídos a uma das partes da relação jurídica em face da outra parte e de terceiros. Num grau mínimo de eficácia, a maior parte dos poderes existe em estado de latência. (...) O direito disciplina a eficácia dos atos jurídicos. Os diferentes graus de eficácia retratam diversos regimes jurídicos previstos (JUSTEN FILHO, 2014, p. 398).
[10] Mais ao final a autora faz uma ressalva, afirmando que “a administração somente atuará quando o beneficiário do ato for a coletividade, isto é, quando o resultado do ato for ampliativo de direito para a coletividade, titular do interesse público, protegido pela administração” (PETIAN, 2008, p. 294). Não se estende no desenvolvimento ou exemplificação desse último raciocínio, todavia.
[11] O entendimento acerca do alcance da presunção de legitimidade encontra certa variação em nossa doutrina. Há quem entenda que está abranja somente as questões pertinentes aos fatos (MARÇAL, p. 411), ainda devendo a Administração comprovar o seguimento dos devidos procedimentos para tanto. Outros (MOREIRA NETO, 2009) enxergam as presunções a favor do ato administrativo alcançam sua validade, legalidade, veracidade, legitimidade (conformação do ato com a vontade da sociedade), e licitude (conformação com os valores morais tutelados pelo Direito). De todo modo, há certa pacificidade no reconhecimento de a presunção de legitimidade está voltada aos motivos de fato e sua adequação ao direito.
[12] Não trataremos, portanto, das licenças administrativas em geral, ou de outras administrativo-urbanísticas (parcelamento, funcionamento, e.g.), restringindo nossas considerações às licenças edilícias, à qual nos detivemos com maior cautela, e que apresenta peculiaridades próprias. Esse corte, todavia, não importa em negar que o presente raciocínio seja aplicado a outras espécies de atos administrativos, mas sim que tais constatações reclamam uma verificação mais cautelosa.
[13] Nas palavras de MELLO (2010, p. 394): “Preferimos a expressão ‘conteúdo’ à expressão ‘objeto’, acolhendo o ensinamento de Zanobini, segundo quem o conteúdo dispõe sobre alguma coisa, que é, esta sim, o objeto do ato”.
[14] Vale ressalvar: não desconsideramos o caráter negocial do ato em questão, eis que é evidente que a licença presume, ainda que parcialmente, a coincidência da manifestação de vontade da Administração com a vontade do particular. Todavia, tampouco é possível ignorar a possibilidade da licença impor condições diversas daquelas apresentadas, limites, contrapartidas e outras providências, como reforçamos em nossa nota seguinte (n. 16). Ademais, eventual coincidência com a manifestação do particular não afasta a imperatividade daquilo que restar disposto (aprovado). O particular, caso pretenda alterar aquelas prescrições, deverá propor projeto modificativo, justamente porque aquelas são imperativas e exigíveis enquanto perdurarem.
[15] A exemplo, assim dispõe a legislação paulistana, acerca dos alvarás concedidos para a implantação de edificações consideradas polos geradores de tráfego (PGT), que deverão abarcar as medidas mitigadoras estabelecidas em cada caso: “Art. 14. Os Alvarás de Aprovação, Alvarás de Execução e Certificados de Mudança de Uso, para os quais a Secretaria Municipal de Transportes - SMT tenha fixado diretrizes, conterão a exigência de cumprimento total ou parcial da execução dos serviços e obras necessários à adequação do Sistema Viário para o funcionamento do empreendimento” (Lei Municipal nº 15.150 de 2010).
Bacharel e Mestrando em Direito na Pontifícia Universidade Católica de São Paulo. Advogado com experiência na área de Direito Público. Pesquisador no Grupo de Pesquisa "Meio Ambiente Urbano" (CNPq/PUC-SP). Atualmente, é assessor na Prefeitura da Cidade de São Paulo.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FARIA, Eduardo Augusto Arteiro de. Os Atributos das Licenças Edilícias - propondo uma nova abordagem Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 30 jul 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52082/os-atributos-das-licencas-edilicias-propondo-uma-nova-abordagem. Acesso em: 23 dez 2024.
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