Resumo: O princípio da capacidade contributiva possui enorme importância para o direito tributário, visto constituir elemento base para a criação e aplicação das normas impositivas. Não obstante sua relevância, é esquecido por parcela da doutrina brasileira, razão pela qual sua conceituação e seu alcance ainda não possuem definições precisas. O presente trabalho busca esclarecer o significado do princípio, bem como o seu âmbito de aplicação. Mediante pesquisa bibliográfica, pretende-se demonstrar que a capacidade contributiva limita a atuação do Estado e oferece proteção ao contribuinte por meio de três funções: pressuposto, critério e limite. O princípio atua tanto condicionando a escolha das hipóteses de incidência e protegendo o mínimo vital quanto determinando a graduação da carga tributária e fixando limites mínimos e máximos para a tributação.
Palavras-chave: Princípio da capacidade contributiva. Função de pressuposto. Função de critério. Função de limite.
Abstract: The ability to pay principle is of great importance for tax law, since it constitutes a basis for the creation and application of tax rules. Notwithstanding its relevance, a portion of the Brazilian doctrine forgets it, which is why its conceptualization and its scope still do not have precise definitions. This paper intends to clarify the meaning of the principle as well as its scope. Through bibliographical research, it is intended to demonstrate that the ability to pay principle limits the State action and it protects the taxpayer by means of three functions: assumption, criterion and limit. The principle acts both by conditioning the choice of events of levy and by protecting the vital minimum and by determining the gradation of tax burden and by setting minimum and maximum limits for taxation.
Keywords: Ability to pay principle. Assumption function. Criterion function. Limit function.
Sumário: Introdução. 1. Capacidade contributiva na história. 2. Conceituação do princípio. 3. Funções derivadas do princípio da capacidade contributiva. 3.1. Função de pressuposto. 3.2. Função de critério. 3.3. Função de limite. Conclusão.
A capacidade contributiva é o princípio base no direito tributário, responsável pela concretização da igualdade no âmbito das normas impositivas (ÁVILA, 2012, p. 432). A despeito de sua importância, referido princípio é, de certa forma, negligenciado, não recebendo a devida atenção por parte dos doutrinadores brasileiros (BALEEIRO, 2010, p. 1096). Por isso, seus contornos não são bem definidos e sua abrangência ainda suscita várias dúvidas.
Como princípio constitucional, a capacidade contributiva irradia efeitos para todo o sistema tributário e estabelece parâmetros a serem observados pelas normas criadoras de encargos. O presente trabalho foi elaborado visando melhor compreender o princípio e esclarecer seu alcance. Por meio de pesquisa bibliográfica, doutrinária, legislativa e jurisprudencial sobre o tema, busca-se conceituar o princípio e determinar as funções por ele exercidas no ordenamento jurídico brasileiro.
Parte-se de uma abordagem histórica do princípio, mostrando seu desenvolvimento e seu funcionamento ao longo dos anos. Após, delimita-se seu conceito, acentuando seu caráter protetivo, qual seja, preservar o contribuinte de uma tributação excessiva. Por fim, apresentam-se as funções decorrentes do princípio da capacidade contributiva: função de pressuposto, função de critério e função de limite, buscando compreender sua definição teórica e suas projeções e consequências práticas.
Desde os períodos mais remotos da história, quando surgiram os tributos, é possível perceber que, de alguma maneira, havia certa correlação entre o valor a ser pago a título de imposto e a riqueza de quem arcaria com o pagamento (TABOADA, 1978, p. 126). Já no Egito Antigo a observância do princípio pode ser verificada (ZILVETI, 1998, p. 39). Contudo, as suas linhas essenciais foram traçadas apenas em momento posterior, pelos filósofos gregos, a partir do ideal de justiça distributiva (GIARDINA, 1961, p. 6).
Na Idade Média, com a recomposição do sistema aristotélico pelos filósofos escolásticos, o princípio reaparece. Não ressurge como o núcleo da doutrina financeira da época, mas como forma de corroborar a norma da generalidade do dever tributário (BECKER, 2013, p. 514). Essa primeira noção de capacidade contributiva, com sentido objetivo, visava driblar as franquias e privilégios pessoais que caracterizavam o sistema tributário vigente. Referidas prerrogativas eximiam determinadas pessoas do dever tributário em virtude da posição social ostentada. Para retirar a ênfase dada às qualidades pessoais e à posição social ocupada, surge a noção de capacidade contributiva em sentido objetivo, dando centralidade à substância econômica, aos fatos presuntivos de riqueza. A função desempenhada pela capacidade contributiva nesse momento da história foi a de reafirmar a generalidade do dever fiscal. A capacidade contributiva em seu aspecto subjetivo, relacionada às características do contribuinte, não foi estudada à época, por não se perceber necessidade naquele contexto (GIARDINA, 1961, p. 12-13).
Na obra de Adam Smith, no séc. XVIII, já se encontravam presentes tanto a questão da delimitação da base imponível quanto a preocupação com a graduação dos impostos, ou seja, passou-se a atribuir mais funções ao princípio da capacidade contributiva. As principais ideias desenvolvidas pelo economista foram: (i) a conexão entre capacidade contributiva e renda do indivíduo e (ii) a justificação do dever tributário dos súditos ao Estado (GIARDINA, 1961, p. 15-16). Em relação à justificação, Adam Smith traz duas alternativas possíveis para divisão da carga tributária: ou paga-se tributos conforme o que cada um recebe do Estado, ou conforme a riqueza de cada um (ability to pay). Esta última formulação é semelhante ao entendimento que, no futuro, seria extraído do princípio em comento, contudo, é ainda imprecisa e controversa na obra do economista (SANCHES, 2016).
Também no séc. XVIII, com as obras de Montesquieu e de Bentham, surgiu a ideia de que a tributação não deve incidir sobre aqueles que possuam parcos recursos (CONTI, 1996, p. 37). É o início da ideia de que, do princípio da capacidade contributiva, extrai-se a função de proteção ao mínimo vital. A Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789, também fez referência ao princípio da capacidade contributiva, prevendo que todos deveriam contribuir para a manutenção do poder público “na proporção do seu patrimônio” (CONTI, 1996, p. 37-38). A Declaração serviu como inspiração para a Constituição Francesa subsequente, que foi utilizada como parâmetro para grande parte das Constituições ocidentais, que englobaram em seus textos o princípio da capacidade contributiva, expressa ou implicitamente (ZILVETI, 1998, p. 40).
No Brasil, verifica-se uma primeira noção de capacidade contributiva já na Constituição de 1824, que previa, em seu art. 179, § 15, que “ninguém será isento de contribuir para as despesas do Estado em proporção de seus haveres” (CONTI, 1996, p. 38). Todavia, a primeira Constituição a trazer o princípio de forma expressa foi a de 1946, em seu art. 202: “Os tributos terão caráter pessoal sempre que isso for possível, e serão graduados conforme a capacidade econômica do contribuinte” (BECHO, 2011, p. 400). Com a Emenda Constitucional 18/1965, esse dispositivo foi revogado, mas retornou à Constituição em 1988, no art. 145, § 1°, que assim dispõe: “Art. 145. A União, os Estados, o Distrito Federal e os Municípios poderão instituir os seguintes tributos: [...] § 1º - Sempre que possível, os impostos terão caráter pessoal e serão graduados segundo a capacidade econômica do contribuinte [...]”
O princípio possui conteúdo indeterminado, mas determinável (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 31). Para Zilveti (1998, p. 38), o princípio diz respeito à divisão equitativa da carga tributária, na proporção da capacidade econômica de cada cidadão. Para Becho (2011, p. 399), “o princípio da capacidade contributiva, em apertada síntese, determina que se cobrem tributos apenas de quem pode pagá-los sem sacrifícios desmedidos.” Carazza (2013, p. 99) conceitua o princípio conectando-o à solidariedade, determinado àqueles que podem suportar maiores encargos fiscais, que o façam, a fim de se atingir o bem-estar de todos.
De acordo com o italiano Moschetti, a capacidade contributiva não é qualquer manifestação de riqueza, mas apenas aquela força econômica que seja idônea a concorrer para as despesas públicas (MOSCHETTI, 1973, p. 238). Assim, pode ser que um indivíduo possua capacidade econômica, mas não possua capacidade contributiva, porque esta é uma parte específica daquela. Corresponde à aptidão para arcar com determinada carga tributária (CONTI, 1996, p. 36). Amaro (2014, p. 163) aduz que o princípio se inspira na ordem natural das coisas: “onde não houver riqueza, é inútil instituir imposto”. Entretanto, o princípio não serve tão somente para garantir a eficácia da norma impositiva, mas, sobretudo, para preservar o contribuinte de uma tributação excessiva, que lhe imponha ônus capaz de impedir o exercício de direitos fundamentais.
Kirchhof (2016, p. 31) conceitua o princípio da capacidade contributiva como axioma ético e como síntese dos princípios constitucionais. Como axioma ético, o princípio faz parte das fontes de valoração do direito, as quais “conscientizam sobre o conflito entre o direito vigente e o direito justo e ampliam a margem de argumentação para a construção do direito em relação aos dispositivos legais.” É possível perceber uma estreita relação do princípio da capacidade contributiva com a justiça fiscal.
Considerando o disposto na Constituição, os poderes Judiciário e Legislativo estão impelidos à realização da justiça mediante a observância do princípio da igualdade. Na esfera tributária, isto só se torna possível na medida em que efetivado o princípio da capacidade contributiva (COÊLHO, 2015, p. 75). O princípio é norma cogente, impondo limites ao poder estatal e assegurando ao contribuinte uma tributação que não viole seus direitos fundamentais.
A capacidade contributiva emana poder normativo e irradia efeitos sobre o sistema tributário como um todo. É princípio base (TIPKE; LANG, 2008, p. 201), exercendo funções que devem orientar a atuação de quem cria e aplica o direito, quais sejam: (i) função de pressuposto, (ii) função de critério e (iii) função de limite. Trata-se de norma geral e abrangente, que condiciona tanto a escolha das hipóteses de incidência, quanto a carga tributária que poderá ser suportada por cada indivíduo, seus limites mínimos e máximos. Cada uma das funções desempenhadas pelo princípio da capacidade contributiva será detalhada nos próximos tópicos.
Pela função de pressuposto, o princípio da capacidade contributiva estabelece os requisitos mínimos para que a tributação seja legítima. Possui duas dimensões: uma objetiva e outra subjetiva. Ambas são essenciais, visto que sua ausência impede o próprio nascimento da capacidade de contribuir. São pressupostos absolutos. Resumidamente, como pressuposto objetivo, a capacidade contributiva impõe que cada contribuição possua em sua hipótese de incidência um índice de força econômica, ou dinheiro ou riquezas não monetárias. Como pressuposto subjetivo, diz respeito à possibilidade de se impor aquele índice ao sujeito passivo (FALSITTA, 2005, p. 146).
A capacidade contributiva enquanto pressuposto objetivo constitui fundamento jurídico do tributo e condiciona a atividade do legislador, impedindo que este escolha como hipótese de incidência fato que não denote riqueza (COSTA, 1993, p. 26). Assim, o princípio restringe o arbítrio do legislador, estipulando que os fatos sujeitos à tributação sejam apenas aqueles que revelem a existência de recursos. Os fatos escolhidos para constituírem hipóteses de incidência devem ser signos que indicam manifestação de riqueza. Para identificar referido signos, é preciso atentar para as formulações pré-legislativas da Ciência das Finanças. É possível que o Direito crie seus próprios conceitos e realidades a partir de ficções jurídicas. Entretanto, o substrato econômico exigido pelo princípio da capacidade contributiva em sua função de pressuposto objetivo faz com que essa apreensão da força econômica seja necessária (COSTA, 1993, p. 27).
Necessário destacar que, nesse ponto, o princípio da capacidade contributiva, em nosso ordenamento, encontra-se praticamente exaurido no próprio texto constitucional. Assim destaca Baleeiro (2010, p. 1094):
Ao contrário do que acontece na maior parte dos países ocidentais, a Constituição brasileira já enumera a competência tributária para instituir impostos, elegendo de antemão as possíveis hipóteses de incidência. Não há liberdade alguma para o legislador municipal ou estadual inventar imposto novo, campo no qual a Constituição já esgotou e delimitou, pelo menos genericamente, a capacidade econômica objetiva.
Apenas a União, no exercício de sua competência residual, pode criar imposto novo. Deve-se acrescentar ainda que os mais importantes tributos federais estão previstos na Constituição. Assim, o princípio da capacidade econômica, no sentido objetivo-absoluto, não é apenas norma autoaplicável, mas de conteúdo já amplamente determinado no Texto Magno.
Dessa forma, em relação à escolha das hipóteses de incidência, o legislador possui liberdade mínima ou nenhuma. Contudo, podem-se extrair duas outras consequências do princípio da capacidade contributiva enquanto pressuposto objetivo. A primeira diz respeito à necessária correlação entre base de cálculo e fato escolhido como hipótese de incidência. A base de cálculo é responsável por fornecer a expressão econômica do fato praticado pelo contribuinte, portanto, deve guardar pertinência com o índice revelador de riqueza. Caso não se verifique essa correlação, a norma impositiva será inconstitucional (COSTA, 1993, p. 72).
A segunda consequência diz respeito à necessidade de que o legislador autorize, na tributação sobre renda e sobre patrimônio, a dedução dos gastos efetuados para obtenção da renda e conservação do patrimônio, bem como das despesas efetuadas para o exercício do trabalho (VELLOSO, 2016, p. 75). Se as deduções não forem integralmente autorizadas, estar-se-á tributando valores que não são aptos a custearem as despesas públicas, por representarem uma ficção.
Como pressuposto subjetivo, o princípio da capacidade contributiva protege o mínimo vital, ou seja, aos recursos indispensáveis à sobrevivência. Determina que a tributação incida apenas após deduzidas as despesas necessárias para que o contribuinte e sua família possam manter uma vida digna (COÊLHO, 2015, p. 70). Esse entendimento vem implícito no princípio da capacidade contributiva: quem possui recursos apenas suficientes à existência própria e de sua família, contanto que possua capacidade econômica, não possui capacidade contributiva (FALSITTA, 2005, p. 149), sendo considerado incapaz para figurar no polo passivo da obrigação tributária. Os valores disponíveis para que incida a tributação, assim, são apenas aqueles que superam a soma das despesas vitais (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 95)
Giardina (1961, p. 213-217) oferece duas justificativas para a exclusão dos valores necessários à existência do total tributável. A primeira explicação recebe o nome de teoria da reintegração do capital-homem. A ideia básica é que a renda mínima é uma despesa de produção que se destina a reintegrar as energias utilizadas no trabalho. Foi inferida a partir do conceito de renda elaborado no campo econômico. Da mesma forma que os gastos necessários para auferir a renda não eram tributados, argumentava-se que os valores necessários ao sustento do indivíduo também deveriam ser considerados um gasto de produção e, portanto, mantidos fora da tributação.
A segunda explicação põe em foco a intensidade e a urgência da satisfação das necessidades vitais em comparação às demais necessidades. O indivíduo não buscará outros interesses se não tiver, pelo menos, o necessário à sua sobrevivência. Os bens que suprem as necessidades indispensáveis do indivíduo possuem, para este, a maior utilidade possível. Caso se tributassem os indivíduos que recebam somente o mínimo para viver, o sacrifício a eles imposto seria imenso
Outros princípios inseridos na Constituição de 1988, para além da capacidade contributiva, também justificam a não tributação do mínimo vital, tais como a erradicação da pobreza e da marginalização e a redução das desigualdades sociais e regionais, objetivo fundamental da República, e o princípio da dignidade da pessoa humana, fundamento da República brasileira.
Como pressuposto subjetivo, o princípio da capacidade contributiva deve ser aplicado a todos os tributos (VELLOSO, 2016, p. 73), sem exceções. A proteção ao mínimo vital deve ser adotada, inclusive, nos tributos vinculados a uma prestação estatal, como nas taxas e contribuições de melhoria. Não é possível onerar com encargos tributários aqueles que possuam recursos apenas suficientes para suprir as necessidades básicas suas e da família.
Por meio da função de critério, o princípio da capacidade contributiva atua como critério de graduação dos tributos, preceituando que a carga tributária total seja dividida de forma isonômica entre os cidadãos (TIPKE; YAMASHITA, 2002, p. 18). Estabelece que, na determinação da carga pública a ser suportada por cada contribuinte, seja considerado não apenas o montante total a ser recolhido, mas também o peso que tal encargo fiscal representa para a satisfação das necessidades daquele indivíduo (GIARDINA, 1961, p. 35)
Como critério, a capacidade contributiva vincula-se ao princípio da igualdade em um plano horizontal e em um plano vertical. O primeiro plano impõe que contribuintes que apresentem idêntica capacidade contributiva sejam onerados com os mesmos encargos fiscais. Entretanto, “se, neste caso, se produz uma distorção, esta deve ser reparada, mesmo que os tributos em forma isolada respeitem o princípio da capacidade contributiva” (CALIENDO, 2005, p. 177). Já no plano vertical, o princípio da capacidade contributiva exige que indivíduos com diferentes capacidades contributivas paguem tributos distintos (BUFFON; MATOS, 2015, p. 168), isto é, sejam onerados com um maior ou menor encargo fiscal conforme a riqueza revelada.
Se, como pressuposto objetivo, o princípio da capacidade contributiva estabelece a necessária correlação entre base de cálculo e índice econômico gravado, como critério de graduação dos tributos, o princípio está ligado à alíquota, ou seja, à fração da base de cálculo que, juntamente a esta, determina o valor do encargo tributário. Com relação à alíquota, existe a discussão acerca da progressividade dos tributos. No plano vertical, considerando as variações da alíquota, os tributos podem ser regressivos, proporcionais ou progressivos. Os tributos proporcionais são aqueles cuja alíquota é uniforme e invariável, independentemente de alteração do valor da base de cálculo. A progressividade e a regressividade, por sua vez, dizem respeito a uma variação da alíquota para mais, no primeiro caso, e para menos, no último caso, à medida que aumenta a quantidade gravada (COSTA, 1993, p. 72).
Para Tipke e Yamashita (2002, p. 18), ricos devem contribuir proporcionalmente mais do que pobres, entretanto, não se deduz da capacidade contributiva que a alíquota, necessariamente, deva ser progressiva, mas esta revela-se compatível com o princípio em comento. Já para Caliendo (2005, p. 177), a capacidade contributiva impõe que as alíquotas sejam progressivas, aumentando à medida que se avolumar a riqueza disponível. No mesmo sentido Buffon e Matos (2015, p. 162) ressaltam que os ocupantes do topo da pirâmide social e econômica devem suportar a tributação de forma mais expressiva. Costa (1993, p. 72) refere que a progressividade se revela mais idônea à concretização da capacidade contributiva, entretanto, a proporcionalidade é mantida para casos em que não seja possível a progressividade.
Sanches (2016) menciona que a principal justificativa para tributação progressiva se encontra na teoria da utilidade marginal decrescente do rendimento. Essa teoria preceitua haver uma redução da utilidade de cada fração de rendimento acrescida à receita do indivíduo. Posto isso, para que haja igualdade de sacrifício nos diferentes extratos sociais, é preciso que os tributos sejam progressivos. Assim, conclui-se que, embora não haja consenso na doutrina quanto à necessidade de uma carga tributária progressiva, há unanimidade no que tange ao impedimento de que a carga tributária global suportada por cada extrato social seja regressiva. Desta forma, a totalidade de encargos tributários deve, pelo menos, observar a proporcionalidade.
A capacidade contributiva não impõe que cada tributo seja progressivo no sentido pleno do termo, mas determina que o sistema tributário, considerado em sua globalidade, seja informado por critérios de progressividade (MOSCHETTI, 1973, p. 226) ou de proporcionalidade. Diz respeito ao sistema fiscal como um todo, permitindo que tributos progressivos convivam com aqueles apenas proporcionais (COSTA, 1993, p. 75), mas exigindo que, como resultado, a carga tributária total não seja regressiva.
Importante distinguir duas espécies de progressividade: a fiscal e a extrafiscal. A primeira é decorrência do princípio da capacidade contributiva, fixando que haja um implemento do ônus fiscal a ser recolhido à medida que crescerem os recursos disponíveis. Já a segunda liga-se aos fins perseguidos pelo Estado, servindo para estimular ou desestimular determinadas condutas (BUFFON; MATOS, 2015, p. 170). Para o presente estudo, interessa a primeira hipótese, a progressividade fiscal, por se relacionar com o princípio em comento. Em relação a esta, a Constituição prevê, de forma expressa, a progressividade do imposto sobre a renda (art. 153, § 2°, I) e do imposto sobre a propriedade imobiliária (art. 156, § 1°) (ÁVILA, 2012, p. 441). Quanto aos demais tributos, doutrinadores como Costa (1993, p. 92) afirmam que a progressividade também pode ser a eles aplicada. Diferente era o entendimento do Supremo Tribunal Federal que, por muito tempo, afirmou que a progressividade apenas se harmonizaria com os impostos pessoais e que seria necessária expressa autorização constitucional para a adoção de tal técnica. Entretanto, esse entendimento vem sendo mitigado, sobretudo após a decisão da Corte no RE 562.045/RS, que permitiu a progressividade do imposto sobre transmissão causa mortis e doação (ITCMD), o qual possui caráter real e cuja progressividade não conta com previsão expressa constitucional (ROSENBLATT; PEREIRA, 2017, p. 204-208).
Desta forma, percebe-se que, como critério de graduação dos tributos, o princípio da capacidade contributiva determina que a carga tributária, como um todo, seja progressiva ou, pelo menos, proporcional. Para atingir esse fim, é possível a existência simultânea de tributos proporcionais e progressivos. Entretanto, o que o princípio em comento impede é que a globalidade da carga fiscal incidente sobre cada extrato social seja regressiva.
Pela função de limite, o princípio da capacidade contributiva indica o marco inicial e o marco final dentro dos quais a tributação pode ser instituída. O patamar inaugural é o mínimo vital. Já o patamar máximo encontra expressão na vedação à imposição de tributos que tenham efeitos confiscatórios (VELLOSO, 2016, p. 75). Em sua função de limite, o princípio da capacidade contributiva é aplicável a todos os tributos, inclusive aos extrafiscais (COSTA, 1993, p. 102). Em relação ao limite inicial, estarão protegidos da tributação os valores indispensáveis à manutenção de uma vida digna ao contribuinte e à sua família. A inviolabilidade do mínimo existencial também é pressuposto absoluto subjetivo da tributação, portanto, já especificado no ponto 3.1.
O limite máximo da tributação é a confiscatoriedade (DIFINI, 2013, p. 14908). Nesse sentido, Falsitta (2005, p. 147) afirma que a capacidade contributiva impede que determinado contribuinte seja obrigado a concorrer para o custeio das despesas públicas em montante superior à sua capacidade de pagamento. Ou seja, proíbe-se que a tributação tenha efeito confiscatório, que seja tão alta a ponto de resultar em expropriação. Paulsen (2017, p. 143) identifica o efeito confiscatório como aquele resultante de uma tributação excessivamente onerosa, insuportável, não razoável. Difini (2013, p. 14906) assim o define:
Confisco, como se sabe, é absorção de propriedade sem indenização. Tributo, até por sua definição legal entre nós (CTN, art. 3º) não é sanção de ato ilícito. Assim, tributo, ontologicamente não pode, em si, ser confisco. Mas pode ter efeito de confisco, ou seja, a tributação alcançar níveis tão elevados que chega a absorver a ‘propriedade’ ou o resultado do trabalho ou da atividade econômica.
Dessa forma, tem-se efeito confiscatório quando os tributos privarem injusta e desarrazoadamente o contribuinte de parte ou da totalidade de seus bens. O aspecto mais tormentoso do não confisco é a fixação de parâmetros para sua concretização. A quantificação do efeito confisco, ou seja, a forma como devem ser analisados os tributos para verificar a ocorrência de tal efeito e o estabelecimento exato do percentual ou fração a partir do qual a tributação possuiria efeito confiscatório, é controvertida na doutrina. O Supremo Tribunal Federal, ao pronunciar-se sobre o tema, afirmou que o caráter confiscatório deve ser aferido em relação à carga tributária total (BRASIL, 1999, p. 6-7):
A identificação do efeito confiscatório deve ser feita em função da totalidade da carga tributária, mediante verificação da capacidade de que dispõe o contribuinte – considerado o montante da sua riqueza (renda e capital) – para suportar e sofrer a incidência de todos os tributos que ele deverá pagar, dentro de determinado período, à mesma pessoa política que os houver instituído (a União Federal, no caso), condicionando-se, ainda, à aferição do grau da insuportabilidade econômico-financeira, à observância, pelo legislador, de padrões de razoabilidade destinados a neutralizar excessos de ordem fiscal eventualmente praticados pelo Poder Público.
Resulta configurado o caráter confiscatório de determinado tributo, sempre que o efeito cumulativo – resultante das múltiplas incidências tributárias estabelecidas pela mesma entidade estatal – afetar, substancial, de maneira irrazoável o patrimônio e/ou os rendimentos do contribuinte.
No que tange às multas decorrentes do descumprimento da legislação tributária, a Corte tem decidido que a também deve ocorrer a aplicação do princípio da capacidade contributiva em sua função de limite, ou seja, a vedação aos efeitos confiscatórios. Os fundamentos utilizados para tal vedação são a proporcionalidade das penas e a proibição do excesso. Os parâmetros adotados pelo Supremo Tribunal Federal, resumidamente, são a validade de multa moratória de 20% e o caráter confiscatório da multa de ofício quando superior a 100% do tributo devido (PAULSEN, 2017, p. 145).
Portanto, os limites mínimo e máximo da tributação decorrentes da capacidade contributiva são o mínimo existencial e o efeito confiscatório, respectivamente. Todos os tributos e também as multas tributárias estão sujeitos à observância desses parâmetros. Em sua função de critério, a capacidade contributiva determina que a carga tributária total seja progressiva ou, pelo menos, proporcional. Em sua função de limite, por meio da vedação à tributação com efeito confiscatório, o princípio estabelece uma baliza à progressividade. Funciona como limite quando a progressividade colidir com outros direitos garantidos pelo texto constitucional, tais como livre exercício do trabalho, livre iniciativa, defesa do consumidor e direitos sociais (DIFINI, 2013, p. 14913).
O princípio da capacidade contributiva é observado desde os momentos mais remotos da história. Ao longo dos anos, teve sua compreensão desenvolvida e seu âmbito de abrangência ampliado. No direito brasileiro, é princípio cogente. Estabelece que cada cidadão contribua para o custeio de gastos estatais na medida de sua força econômica, sem que lhe seja imposto sacrifício desmedido. A capacidade contributiva vem para assegurar os direitos subjetivos do contribuinte, impedindo uma tributação excessiva e exigindo que a carga tributária seja dividida com igualdade.
No ordenamento jurídico brasileiro, o princípio da capacidade contributiva desempenha as funções de pressuposto, de critério e de limite. Como pressuposto objetivo da tributação, exige que as hipóteses de incidência contenham em si um índice que demonstre riqueza, que a base de cálculo seja relacionada a esse índice escolhido e que as despesas inerentes à obtenção/manutenção da riqueza sejam deduzidas do valor total a ser tributado. Com pressuposto subjetivo, protege o mínimo vital, proibindo que a tributação atinja os recursos indispensáveis à sobrevivência digna do contribuinte e de sua família.
Como critério de graduação dos tributos, o princípio da capacidade contributiva exige o respeito à igualdade horizontal e vertical. Contribuintes que apresentem a mesma capacidade contributiva devem ser tratados de forma idêntica. Já aqueles que possuam capacidade contributiva distinta devem ser onerados de forma diferente. Obriga, também, que ricos contribuam mais do que pobres, ou seja, que a carga tributária global seja proporcional ou progressiva. Há vedação a um sistema tributário que, como um todo, seja regressivo.
O princípio da capacidade contributiva também estabelece os limites mínimo e máximo da tributação. O primeiro parâmetro é o mínimo vital, também considerado pressuposto subjetivo da tributação. O parâmetro máximo é o efeito confiscatório, que ocorre nos casos em que a norma impositiva onere o contribuinte de forma não razoável. Assim, o limite máximo funciona como baliza à progressividade. O princípio da capacidade contributiva desdobra-se nessas funções, das quais decorrem várias consequências e efeitos aplicáveis a todo o sistema tributário, sempre tendo por norte a salvaguarda do contribuinte.
AMARO, Luciano. Direito tributário brasileiro. 20 ed. São Paulo: Saraiva, 2014.
ÁVILA. Humberto. Sistema Constitucional Tributário. 5 ed. São Paulo: Saraiva, 2012.
BALEEIRO, Aliomar. Limitações constitucionais ao poder de tributar. Atualização de Misabel Abreu Machado Derzi. 8 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2010.
BECHO, Renato Lopes. Lições de Direito Tributário: teoria geral e constitucional. São Paulo: Saraiva, 2011.
BECKER, Alfredo Augusto. Teoria Geral do Direito Tributário. 6 ed. São Paulo: Noeses, 2013.
BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Acórdão na Medida Cautelar na Ação Direta de Inconstitucionalidade 2.010-2/DF. Relator: MELLO, Celso de. Publicado no DJ de 30/09/1999. Disponível em: http://redir.stf.jus.br/paginadorpub/paginador.jsp?docTP=AC&docID=347383. Acesso em: jun. 2018.
BUFFON, Marciano; MATOS, Mateus Bassani de. Tributação no Brasil no século XXI: uma abordagem hermeneuticamente crítica. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2015.
CALIENDO, Paulo. Da Justiça Fiscal: Conceito e Aplicação. Interesse Público. Porto Alegre, ano 6, nº 29, p. 159-196, jan./fev. 2005.
CARRAZZA, Roque Antonio. Curso de direito constitucional tributário. 29 ed. São Paulo: Malheiros Editores, 2013.
COÊLHO, Sacha Calmon Navarro. Curso de Direito Tributário Brasileiro. 14 ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
CONTI, José Maurício. Princípios Tributários da Capacidade Contributiva e da Progressividade. São Paulo: Dialética, 1996.
COSTA, Regina Helena. Princípio da capacidade contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 1993.
DIFINI, Luiz Felipe Silveira, Elementos para Fixação de Parâmetros para Concretização da Norma de Proibição de Tributos Confiscatórios. Revista do Instituto do Direito Brasileiro, Lisboa, n. 13, p. 14901-14930, 2013.
FALSITTA, Gaspare. Manuale di Diritto Tributario. Parte Generale. 5 ed. Padova: Cedam, 2005.
GIARDINA, Emilio. Le basi teoriche del princiio dela capacità contributiva. Milano: Dott. A. Giuffrè, 1961.
KIRCHHOF, Paul. Tributação no Estado Constitucional. Tradução de Pedro Adamy. São Paulo: Quartier Latin, 2016.
MOSCHETTI, Francesco. Il principio della capacità contributiva. Padova: Cedam, 1973.
PAULSEN, Leandro. Curso de Direito Tributário. 8. Ed. São Paulo: Saraiva, 2017.
ROSENBLATT, Paulo; PEREIRA, Juliana Studart. Alíquotas progressivas no imposto sobre a transmissão de bens imóveis. Revista de Informação Legislativa. Brasília, a. 54 n. 215, p. 195-212, jul./set. 2017.
SANCHES. José Luís Saldanha. Justiça Fiscal [livro eletrônico]. Lisboa: Fundação Francisco Manuel dos Santos, 2016.
TABOADA, Carlos Palao. Isonomia e capacidade contributiva. Revista de Direito Tributário. São Paulo, n. 4, p. 125-154, abr./jun. 1978.
TIPKE, Klaus; LANG, Joachim. Direito tributário. Vol. I. Tradução de Luiz Doria Furquim. Porto Alegre: Sergio Antonio Fabris Editor, 2008.
TIPKE, Klaus; YAMASHITA, Douglas. Justiça Fiscal e Princípio da Capacidade Contributiva. São Paulo: Malheiros Editores, 2002.
VELLOSO, Andrei Pitten. Constituição tributária interpretada. 3 ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2016.
ZILVETI, Fernando Aurelio. Capacidade Contributiva e Mínimo Existencial. In: SCHOUERI, Luís Eduardo; ZILVETI, Fernando Aurelio (Coord.). Direito tributário: estudos em homenagem a Brandão Machado. São Paulo: Dialética, 1998, p. 36-47.
Mestranda em Direito Tributário pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul. Graduada em Direito pela Universidade Federal do Rio Grande do Sul.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: FACHINI, Laura Stefenon. O Princípio da Capacidade Contributiva e suas Funções: Pressuposto, Critério e Limite Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 02 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52095/o-principio-da-capacidade-contributiva-e-suas-funcoes-pressuposto-criterio-e-limite. Acesso em: 23 dez 2024.
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Por: Roberto Rodrigues de Morais
Precisa estar logado para fazer comentários.