Resumo: O presente trabalho científico tem como finalidade fazer uma análise acerca da possibilidade do uso das cartas psicografadas como meio probatório nos procedimentos do Tribunal do Júri, avaliando o possível choque entre os princípios da plenitude de defesa, do in dubio pro reo e da soberania dos veredictos em contraposição à laicidade estatal e à liberdade de crença. Após um estudo sistemático do ordenamento jurídico, bem como a sua análise conjuntamente com outros ramos científicos, será adotada a resposta que mais se coaduna com o direito pátrio.
Palavras-chave: Tribunal do Júri. Laicidade estatal. Provas psicografadas. Plenitude de defesa. Liberdade de crença. Direito e religião.
Abstract: The present scientific work aims to analyze the possibility of using psychographed letters as a probative means in the proceedings of the Jury Court, evaluating the possible clash between the principles of fullness of defense, the presumption of innocence and the sovereignty of the verdicts in contraposition to freedom of belief and the fact that Brazil doesn’t have an official religion. After a systematic study of the legal order, as well as an analysis of other scientific branches in accordance with the legal system, the solution adopted will be the one that makes more sense when compared to the country’s law.
Keywords: Jury Court. State without an official religion. Psycrographed evidence. Fullness of defense. Freedom od belief. Religion and law.
Sumário: Introdução. 1. O instituto da psicografia na doutrina espírita. 2. Da laicidade do Estado brasileiro e da liberdade de crença. 3. Os princípios norteadores da sistemática do Tribunal do Júri. 4. A utilização da prova psicografada no Tribunal do Júri. Conclusão. Referências Bibliográficas.
Introdução
O Tribunal do Júri é um instituto previsto na Constituição da República com competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida, quais sejam: homicídio, infanticídio, aborto e instigação, induzimento ou auxílio ao suicídio.
Em razão da natureza dos delitos julgados, o Tribunal do Júri é permeado por diversas regras e princípios (plenitude de defesa, soberania do veredictos, sigilo das votações etc) que o tornam peculiar. Essa singularidade acaba por permitir uma interpretação mais elástica das provas admissíveis no curso de um julgamento pelo Júri.
Nesse contexto, é de fundamental importância perquirir se a prova obtida por meio de psicografia pode ser admitida como instrumento probatório idôneo a ser usado, especialmente pela defesa. Ganha ainda mais relevo este estudo ao se contrapor a utilização desse meio de prova com a laicidade do Estado brasileiro.
Assim, utilizando principalmente o método dialógico, buscar-se-á a resposta mais condizente com o ordenamento jurídico pátrio, a fim de solucionar a problemática em questão, que trata da possibilidade ou não do uso de cartas psicografadas no procedimento do Tribunal do Júri.
1. O instituto da psicografia na doutrina espírita
Cada uma das bilhões de pessoas que habitam o Planeta Terra possui sua pessoal compreensão sobre o sentido da vida e o que acontece após a morte. Para uns, após a morte não há nada, pois tudo chega ao fim. Para outros, a morte é apenas a passagem para uma outra vida, que continua em plano diferente.
Nesse contexto, e para aqueles que acreditam ser a morte uma passagem para a vida em um outro plano, tenta-se o contato com aquelas pessoas que estão desencarnadas.
Estas pessoas desencarnadas fazem contato com as pessoas ainda encarnadas por meio, dentre outras coisas, da psicografia, que se trata de uma forma de mediunidade pela qual o espírito desencarnado se utiliza da mão do médium para escrever uma mensagem ou o influencia para que este escreva a mensagem que o espírito pretende passar.
Sobre o que é a psicografia, ensina Allan Kardec (1996, p.32):
“A transmissão do pensamento dos Espíritos por meio da escrita se faz pela mão do médium. No médium escrevente a mão é o instrumento, porém a sua alma ou espírito nele encarnado é intermediário ou interprete do espírito estranho que se comunica.”
Em todo o Planeta Terra, vários Médiuns ficaram mundialmente conhecidos por sua irrepreensível sensibilidade de contato com os espíritos daqueles que não mais estão encarnados. Dentre eles, é possível citar as norte-americanas Lorraine Warren e Ellen White, além do brasileiro Chico Xavier, cujas obras e benfeitorias renderam-lhe legião de seguidores.
Sem que se apegue ao cunho religioso da questão, vez que não é o objetivo do trabalho científico, o fato é que milhões de pessoas acreditam fervorosamente nas psicografias elaboradas por famosos médiuns por todo o mundo, atribuindo-lhe veracidade incontestável.
Em relação ao Espiritismo, válidas são as palavras de Herculano Pires (1984, p.5):
“O Espiritismo é uma doutrina que abrange todo o Conhecimento Humano, acrescentando-lhe as dimensões espirituais que lhe faltam para a visualização da realidade total. O Mundo é o seu objeto, a Razão é o seu método e a Mediunidade é o seu laboratório.”
Diante desta constatação, qual seja, a de que milhões de pessoas acreditam na veracidade da psicografia, surge a questão acerca de sua utilização como meio de prova no direito, mais especificamente no âmbito do Tribunal do Júri.
2. Da laicidade do Estado Brasileiro e da liberdade de crença
Extrai-se da Constituição Federal que o Estado é laico, ou seja, o Brasil é neutro na questão religiosa. Nessa esteira, uma primeira questão a ser enfrentada diz respeito à aceitabilidade de religiões (ou doutrinas de cunho religioso) em um país que, de forma expressa, preconiza a laicidade. Contudo, deve-se ter em mente que o fato de um determinado Estado ser laico não significa que ele não aceita a religiosidade, mas apenas que não adota uma religião oficial.
A religião está, na verdade, umbilicalmente ligada à evolução histórica da humanidade. Em decisão proferida pelo Conselho Nacional de Justiça – CNJ, foi muito bem ressaltado pelo Conselheiro Emmanoel Campelo esta relação equidistante, mas não ausente, entre Estado e Religião:
“A presença de Crucifixo ou símbolos religiosos em um tribunal não exclui ou diminui a garantia dos que praticam outras crenças, também não afeta o Estado laico, porque não induz nenhum indivíduo a adotar qualquer tipo de religião, como também não fere o direito de quem quer seja”
Havendo esta historicidade entre a população e as religiões, e tendo em vista que o Tribunal do Júri é composto exatamente por pessoas do povo, não há como negar a forte influência que pode ser exercida perante um Conselho de Sentença.
Sendo as cartas psicografadas portadoras de mensagens que podem influenciar o veredicto em determinado processo penal, resta saber se poderia este tipo de prova ser utilizado no âmbito do Tribunal do Júri, especialmente sua utilização pela defesa.
3. Os princípios norteadores da sistemática do Tribunal do Júri
O ordenamento jurídico brasileiro possui princípios basilares, aplicáveis a ele nas diversas modalidades processuais. Dito isso, também cabe mencionar que há princípios aplicáveis especialmente a determinados procedimentos. No âmbito do Tribuna do Júri, ganham papéis protagonistas, dentre outros, os princípios da plenitude de defesa, da soberania dos veredictos e do in dubio pro reo.
Cumpre salientar que a plenitude de defesa é uma prerrogativa garantida ao acusado somente no âmbito do Tribunal do Júri, a qual não deve ser confundida com a ampla defesa. A redação constitucional é clara acerca da plenitude de defesa no Júri, em seu art. 5o, inciso XXXVIII, alínea “a”. Quanto a todos os outros âmbitos processuais, a Carta Magna se utiliza de outro termo, a ampla defesa. No mesmo art. 5o, mas no inciso LV, o diploma constitucional afirma que “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.
Semanticamente, há uma diferença abissal entre ampla defesa e plena defesa. Esta dá a ideia de uma maior completude, enquanto aquela, conquanto ampla, encontra restrições pontuais no ordenamento jurídico.
Essa distinção feita pelo legislador é proposital, pois a plenitude de defesa garante ao acusado igualdade material no momento de sua defesa em relação à acusação. Sabe-se que a máquina estatal possui maiores e mais efetivos mecanismos para proceder à acusação do que o réu. Dessa forma, a plenitude de defesa garante a isonomia e paridade de armas entre as partes.
Sobre o assunto, válida é a lição de Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2013 – P. 30/31):
Vozes poderão surgir para sustentar o seguinte ponto de vista: o legislador constituinte simplesmente repetiu os princípios gerais da instituição do Júri, previstos na Constituição de 1946. Em razão disso, por puro descuido ou somente para ratificar uma ideia, acabou constando a duplicidade. Não nos soa correta a equiparação, até pelo fato de que o estabelecimento da diferença entre ambas as garantias somente é benefício ao acusado, com particular ênfase, em processos criminais no Tribunal Popular.
Na visão do autor, portanto, o Constituinte originário não “errou” ao estabelecer, para o Tribunal do Júri, uma defesa plena. Quis, na verdade, fazer com que a defesa no Tribunal do Júri fosse completa, de modo que nada lhe faltasse para salvaguardar a liberdade do acusado.
Além disso, o Tribunal do Júri é norteado pela soberania dos veredictos, de modo que é lícito aos jurados adotarem o entendimento que melhor lhes aprouver, sem que haja a necessidade de minudenciada justificativa. Na verdade, nem mesmo a justificativa é necessária. Diferentemente, no âmbito processual penal comum e nos outros ramos processuais, o princípio que ganha destaque é o do livre convencimento motivado, o qual preconiza que o julgador é livre para decidir conforme o seu entendimento, devendo, no entanto, sempre motivar suas decisões conforme as normas jurídicas.
Assim, vê-se que o princípio da soberania dos veredictos e o princípio do livre convencimento motivado possuem salutar distinção: o primeiro permite que os jurados decidam conforme seu livre entendimento, sem a necessidade de motivar ou explicar suas razões, e o segundo, por outro lado e apesar de garantir certa elasticidade à atuação do julgador, não permite que o magistrado profira decisões sem devida fundamentação que se mostre condizente com o ordenamento jurídico.
Dessa forma, é possível perceber que os princípios da plenitude de defesa e da soberania dos veredictos são específicos e inerentes à sistemática do Tribunal do Júri.
Dito isso, é de salutar importância destacar outro princípio que, apesar de aplicável a todo processo penal em sentido lato, possui papel protagonista no procedimento especial do Tribunal do Júri, qual seja o princípio do in dubio pro reo.
O mencionado princípio aduz que, havendo dúvida razoável, deve-se beneficiar o réu. Assim, não se pode condenar o indivíduo caso reste alguma dúvida sobre a autoria do crime. Percebe-se que o in dubio pro reo busca preservar e proteger o cidadão, parte mais fraca e mais vulnerável do ponto de vista probatório, contra a máquina estatal.
4. A utilização da prova psicografada no Tribunal do Júri
Conforme já salientado, a defesa no âmbito do Júri é plena e a influência religiosa exercida sobre os jurados existe. Resta perquirir acerca da possibilidade de utilização de psicografia como prova, especialmente em se tratado de prova produzida pela defesa, em favor do acusado.
O tema não é profundamente estudado pelos juristas, especialmente diante de inúmeros preconceitos que, invariavelmente, cercam o tema. Muitos pensam que a psicografia não pode ter esta relação com o direito, mormente em se tratando de Tribunal do Júri.
Nesse ponto, válidas são as palavras de Leandro Medeiros Galvão, que em linhas introdutórias de sua obra sobre o assunto (GALVÃO, 2010. P. 15-16), salienta o seguinte:
“Contudo, como primeiro passo para um estudo sério e uma coerente análise da situação, há de se quebrar certos tabus. Deve-se parar de tratar assuntos como a morte de forma ‘sobrenatural’, visto que a morte é um fenômeno natural da existência humana, bem como o próprio nascimento, ou a reencarnação para os espíritas; diariamente pessoas nascem e morrem. Logo, o estudo da psicografia não pode ser entendido como um fenômeno ou fato ‘sobrenatural’, até porque a única certeza que se tem na vida é a morte.”
Ao se analisar se seria possível sua utilização pelo Tribunal do Júri, é fundamental assentar que a prova consiste no instituto que tem por finalidade gerar, na pessoa do julgador, um estado de relativa certeza sobre um determinado fato ou acontecimento que seja importante para a decisão judicial. Nas palavras do Professor Nucci (NUCCI, 2013, p.338):
“O termo prova origina-se do latim – probatio –, que significa ensaio, verificação, inspeção, exame, argumento, razão, aprovação ou confirmação. Dele deriva o verbo provar – probare –, significando ensaiar, verificar, examinar, reconhecer por experiência, aprovar, estar satisfeito com algo, persuadir alguém a alguma coisa ou demonstrar"
Nesse contexto, é cediço que diversas são as formas que se tem para gerar este juízo de relativa certeza sobre um fato ou conhecimento. Tem-se, por exemplo, a testemunha, que é um dos meios de prova mais comuns em processos penais. Além dela, tem-se a acareação, a prova pericial, dentre tantas outras típicas e atípicas permitidas pelo ordenamento jurídico.
De acordo com as lições de Vladimir Polizio, o material psicografado apresentado em processo criminal para valoração probatória tem a natureza de “prova documental” que exprime declaração de quem já morreu, e exatamente por isso a prova, quanto à fonte, encontra-se exposta a questionamentos os mais variados (POLIZIO, 2009).
Ou seja, de acordo com o referido autor, a prova psicografada ingressaria em determinado processo judicial como um documento, sujeito a todos os incidentes inerentes ao seu tipo de prova.
Deve-se ainda ter em mente que, no Brasil, apenas aquelas provas que são ilícitas não são passiveis de serem utilizadas. Ora, a prova psicografada, ao revés da ilicitude, apresenta em sua origem milhões de pessoas que fervorosamente acreditam em sua adequação.
No Brasil, a utilização de provas psicografadas no Direito e, em especial, no Tribunal do Júri, conquanto ainda seja um tema controverso, é algo que remonta à década de 40. Com efeito, a história da psicografia e do direito no Brasil é muito bem contada por Mirna Policarpo Pitelli, em seu artigo intitulado “A psicografia como meio de prova judicial” (PITTELLI, 2014):
“O primeiro caso de que se tem notícia no Brasil, ocorreu no Estado do Rio de Janeiro, no ano de 1944, no âmbito Cível. As partes envolvidas na Ação Declaratória eram: a viúva e os três filhos do escritor, Humberto de Campos, contra a Federação Espírita Brasileira e o médium, Chico Xavier. Requerendo, como titulares dos direitos autorais das obras do escritor, explicações, uma vez que tais livros encontravam-se expostos nas prateleiras das livrarias, sem que estes tivessem autorizado ou recebido qualquer valor por eles (TIMPONI, 1945). Neste caso o juiz concluiu que não havia interesse legítimo, julgando a suplicante carecedora da ação proposta. Desta sentença houve recurso, porém esta foi confirmada pelo Tribunal de Apelação do antigo Distrito Federal, em 03 de novembro de 1944.
No âmbito Penal, quatro são os casos, já julgados, que geraram grande repercussão social e mundial, em que a Justiça aceitou as cartas psicografadas, como meio de prova. São casos de julgamentos históricos, em que cartas “sobrenaturais” foram utilizadas a fim de absolver réus de crime de homicídio (Linha Direta Justiça, 2006). Antes, porém, cabe esclarecer que estas cartas foram psicografadas por “Chico Xavier”, médium respeitado mundialmente e precursor da Religião Espírita no Brasil. Destes, dois ocorreram no Estado de Goiás, em 1976, e ambos foram submetidos em momentos diversos, ao Juiz de Direito, Doutor Orimar de Bastos.
No primeiro processo o réu, João B. França, foi absolvido, a decisão se deu pela impronúncia por falta de dolo, bem como quaisquer elementos da culpa, por entender que se tratava de uma fatalidade, um acidente. O réu nem chegou a julgamento popular.
No segundo caso, o réu, José Divino Nunes, foi absolvido pelo Tribunal do Júri, por seis votos a um. Houve recurso de apelação por parte da promotoria. O Tribunal negou provimento à apelação e confirmou por unanimidade a decisão do júri popular, absolvendo o réu.
O terceiro caso se deu em 1980, no estado do Mato Grosso do Sul, o réu, João Francisco M. De Deus foi condenado inicialmente, por homicídio doloso e os autos foram remetidos ao Tribunal do Júri, em março de 1982. O réu então foi absolvido por unanimidade. Houve recurso de apelação. Submetido a novo Júri, foi condenado a um ano e meio de detenção, por homicídio culposo, porém o crime já estava prescrito.
O quarto caso se deu no estado do Paraná, em 1982, o réu, Aparecido Andrade Branco, foi considerado culpado pelo Tribunal do Júri, por cinco votos a dois e condenado a oito anos e vinte dias de reclusão. (Linha Direta Justiça 2006).
Em maio de 2006, a imprensa divulgou um novo caso, ainda em trâmite, no Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (Folha On Line, 2006). O crime se deu em 2003, a ré, Iara M. Barcelos foi inocentada, por cinco votos a dois, da acusação de mandante do crime de homicídio. Foram utilizadas pela defesa duas cartas psicografadas pelo médium Jorge J. Santa Maria, ou seja, sem o respaldo da figura de Chico Xavier. Houve recurso de apelação. A decisão do Tribunal se deu por maioria, dando provimento ao apelo do Ministério Público para declarar a nulidade do julgamento, pela ocorrência de nulidade absoluta, com fundamento no art. 564, inc. II, do CPP. Consistente no fato de que um dos integrantes do Conselho de Sentença mantém estreita relação profissional com um dos defensores que atuaram em plenário. O caso está em trâmite.
Curioso notar que a paranormalidade já foi tratada por textos legislativos. Com efeito, a Constituição do Estado de Pernambuco, em seu art. 174, expressamente menciona a figura da paranormalidade:
“Art. 174, Constituição de Pernambuco: O Estado e os municípios, diretamente ou através do auxilio de entidades privadas de caráter assistencial, regularmente constituídas, em funcionamento e sem fins lucrativos, prestarão assistência aos necessitados, ao menor abandonado ou desvalido, ao superdotado, ao paranormal e à velhice desamparada”.
Chama-se atenção, contudo, para proposições legislativas editadas com o fito de expressamente proibir a utilização de provas psicografadas em processos penais, por meio de alterações à redação do Art. 232 do Código de Processo Penal. As alterações, encaminhadas pelo PL 1705/2007 e 3314/2008, foram arquivadas pela Câmara dos Deputados, por força do término da legislatura, acirrando ainda mais os debates.
Em resumo, o subjetivismo da psicografia acaba por se mostrar latente, pois não há como constatar que o médium está agindo de boa-fé no momento em que psicografa uma mensagem. Por isso, como respaldo para garantir a autenticidade das provas psicografadas, deve ser utilizada a perícia grafotécnica, a qual consiste em um método objetivo de examinar a autoria dos grafismos.
Especificamente, utilizando-se desse método, no qual se compara a letra do indivíduo antes de ter falecido e a letra da psicografia, já foram comprovadas as autenticidades de mais de quatrocentas cartas psicografadas por Chico Xavier. Resta, dessa maneira, demonstrado que a prova psicografada não se trata de algo completamente abstrato e duvidoso, mas sim de algo que pode ser comprovado objetivamente por peritos especializados em grafia.
Ademais, a livre convicção e a desnecessidade de motivação dos jurados, trazem ainda mais respaldo para o uso dessas provas no processo doloso contra a vida. Ora, sendo os jurados livres para bem decidirem conforme suas crenças e valores, não estaria se garantindo um princípio que a priori parecia comprometido, o princípio da liberdade de crença? Vislumbra-se que sim, pois o jurado pode ou não adotar a prova psicografada levada pela defesa, não estando ele obrigado a aceitá-la.
Demonstra-se, diante do exposto acima, que a prova psicografada é plenamente constitucional quando utilizada no Tribuna do Júri pela defesa. No entanto, resta dúvida quanto sua utilização como prova acusatória.
Sabe-se que a plenitude de defesa garante ao acusado a utilização de todos os meios de prova, mesmo os não previstos em lei, desde que sejam moralmente legítimos. Em contrapartida, para a acusação a realidade é diferente. O Ministério Púbico deverá se ater à produção de provas previstas no Código de Processo Penal, pois, para o órgão ministerial, as provas elencadas no Título VII do referido diploma legal são taxativas, ou seja, a acusação deverá se utilizar somente das provas ali constantes.
Dessa maneira, admitir que a acusação se valha de provas distintas das previstas no Código de Processo Penal significa violar frontalmente o princípio do devido processo legal, princípio este consagrado na Constituição Federal, no art 5o, inciso LIV.
Por fim, constata-se que é constitucional a utilização da psicografia como prova pela defesa no Júri, em respeito à plenitude da defesa, à liberdade de crença e à livre motivação dos jurados. Ao contrário, para a acusação, essas provas se mostram inconstitucionais, por não estarem taxativamente previstas no diploma legal de processo penal, afrontando o devido processo legal.
Conclusão
Diante de toda a análise da pesquisa apresentada, é possível concluir pela possibilidade do uso da psicografia como prova pela defesa no procedimento do Tribunal do Júri, em obediência ao in dubio pro reo e à plenitude de defesa.
Percebe-se, então, que a psicografia se trata simplesmente de uma prova documental, perdendo sua qualidade de abstração a partir do momento em que a perícia grafotécnica, de forma objetiva, atesta a sua autenticidade.
Ademais, ao contrário do que pode se pensar a priori, não há violação à liberdade de crença ou à laicidade estatal, tendo em vista que o jurado pode decidir ou não em favor da prova psicografada, pois não há motivação vinculada no Tribunal do Júri. Caberá aos membros do conselho de sentença avaliar a carta psicografada em cotejo com todas as outras provas produzidas nos autos, pois, conforme salientado acima, o ordenamento jurídico pátrio admite qualquer meio probatório moralmente legítimo, mesmo que não esteja previsto em lei.
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Graduada em Direito pela Universidade Federal do Amazonas (UFAM/2017). Pós-graduanda em Direito Público pela Universidade do Estado do Amazonas (UEA).
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: CAVALCANTI, Maria Fernanda Vianez de Castro e. A psicografia como meio de prova no Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52139/a-psicografia-como-meio-de-prova-no-tribunal-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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