RESUMO: Com o presente trabalho pretende-se demonstrar as principais características das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público e dos Termos de Parceria firmados com a Administração Pública. O agravamento da crise estatal no tocante à ineficiência dos serviços públicos culminou na busca de diferentes alternativas de administração. Neste sentido, a CF/88 não fixou apenas aos Poderes Públicos a missão de perseguir o desenvolvimento e a justiça social. Assim, surgiu a lei 9.790/99, instituindo as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, que consiste numa qualificação outorgada às pessoas jurídicas de direito privado que preencherem determinados requisitos elencados na lei. Sustenta-se que a lei 9.790/99 criou um novo modelo de prestação de serviços públicos, a ser viabilizado por meio da celebração do um Termo de Parceria, que consiste num acordo administrativo firmado com o Poder Público. A pesquisa tem o objetivo de analisar tal modelo de prestação de serviços de interesse público diante das dúvidas ainda persistentes, como se verá a partir das divergências jurisprudenciais. A finalidade é estimular o debate e o conhecimento do modelo, enfatizando a importância da participação popular neste novo momento da Administração Pública.
Palavras-chave: Organização da Sociedade Civil de Interesse Público; Termo de Parceria; Serviços de Interesse Público.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Dos objetivos da Lei 9.790⁄99: 2.1 O Termo de Parceria; 2.2 Da necessidade de Licitação no trato com Recursos Públicos; 2.3 Controle e Fiscalização do Termo de Parceria. – 3. Considerações Finais. 4. Referências.
A Lei das Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público (9.790/99) é considerada um marco na relação entre as entidades do Terceiro Setor e o Poder Público. Essa legislação objetiva atribuir, de certa maneira, caráter público às entidades privadas através de uma qualificação visando o oferecimento de um mecanismo mais simples para se obter aporte financeiro público, o chamado Termo de Parceria.
Antes da nova Lei, o setor não lucrativo com fins públicos não encontrava amparo adequado no arcabouço jurídico existente, tendo suas relações com o Estado ora pautado pela lógica do setor estatal, ora pela lógica do setor privado.
Nesse sentido, a Lei das OSCIPS pode ser considerada o início do processo de atualização da legislação brasileira que passou a reconhecer a importância e as especificidades da esfera pública não estatal. Tal processo de modernização resultou posteriormente na Lei 13.019⁄14, o chamado Marco Regulatório das Organizações da Sociedade Civil, que alterou alguns dos artigos da Lei 9.790⁄99.
O Termo de Parceria é caracterizado pela doutrina dominante como modelo de prestação de serviços públicos consistente num acordo administrativo colaborativo, firmado entre o Poder Público e a OSCIP. Este instrumento possibilita a escolha do parceiro mais adequado do ponto de vista técnico e mais desejável dos pontos de vista social e econômico, além de favorecer a publicidade e a transparência.
Em geral, o poder público sente-se muito à vontade para se relacionar com esse tipo de instituição, porque divide com a sociedade civil o encargo de fiscalizar o fluxo de recursos públicos em parcerias. As OSCIPS são entidades privadas vocacionadas para serem colaboradoras do Estado na implementação de políticas públicas e na prestação de serviços sociais à população.
A Lei 9.790/99 nasceu com o objetivo de trazer critérios legais e objetivos para definir quais entidades efetivamente possuem caráter público, e ainda oferecer a tais entidades a possibilidade de apoio estatal através de um mecanismo despido dos procedimentos burocráticos.
A Lei das OSCIPS buscou criar uma qualificação para as organizações do Terceiro Setor por meio de critérios simples e transparentes. Essa nova qualificação separa as entidades da sociedade civil que realmente são de interesse público das que não o são.
A norma também procura incentivar a parceria entre as referidas entidades e o Estado, através do chamado Termo de Parceria, promovendo o fomento para que a organização cumpra seus objetivos sociais.
Por tudo isso, as OSCIPS são, ao menos sob o aspecto de seu estatuto jurídico, vigorosos instrumentos para a consecução dos interesses públicos no Estado Social e Democrático de Direito.
2.1.O Termo de Parceria
O Termo de Parceria é a forma de fomento estatal através de um acordo firmado entre a Administração Pública e a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público. É o vínculo de cooperação entre as partes para a execução das atividades de interesse público.
A própria Lei 9.790/99 traz uma conceituação do Termo de Parceria em seu art. 9º, a saber:
Art. 9o Fica instituído o Termo de Parceria, assim considerado o instrumento passível de ser firmado entre o Poder Público e as entidades qualificadas como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público destinado à formação de vínculo de cooperação entre as partes, para o fomento e a execução das atividades de interesse público previstas no art. 3o desta Lei.
O teórico Luís Eduardo Regules (2006, p. 163) ainda caracteriza este instrumento como: “[...] a forma de fomento pela qual o Poder Público destina às organizações privadas qualificadas como OSCIPs recursos e bens públicos a fim de promover as iniciativas privadas de interesse público”.
O Ministro do TCU Marco Antônio Vilaça apresentou o seguinte comentário acerca do Termo de Parceria:
É uma das grandes inovações da lei. Permitirá a formação de parcerias entre o poder público, em suas várias esferas, e as entidades integrantes do Terceiro Setor, tendo como essência os princípios da transparência, da competição, da cooperação e da parceria propriamente dita. [...]
Em outras palavras, o Termo de Parceria é uma alternativa ao Convênio para a realização de projetos ou atividades de interesse comum entre as entidades qualificadas como OSCIP e a administração pública; porém, sem a necessidade do extenso rol de documentos exigidos na celebração de um convênio.
Quanto à sua natureza jurídica, o Termo de Parceria é um acordo administrativo bilateral, já que há um evidente equilíbrio entre as partes, na medida em que a sua celebração decorre da ingerência moderada do Poder Público no que tange à vontade da organização privada.
Já em relação à escolha da OSCIP que firmará o Termo de Parceria, eis que surge a primeira divergência teórica sobre o modelo, pois a redação original do Decreto Federal 3.100/99 assim previa:
Art. 23. A escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, para a celebração do Termo de Parceria, poderá ser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos pelo órgão estatal parceiro para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultorias, cooperação técnica e assessoria.
O termo “poderá” disposto na norma foi duramente atacado pela doutrina, já que simplesmente colocava no campo da discricionariedade do administrador a escolha da Instituição a celebrar o Termo de Parceria e receber recursos públicos. Neste sentido, a teoria de Raquel Urbano de Carvalho (2008, p. 921) assim manifestava no período:
Entende-se inadmissível escolha livre, pelo Poder Público, de um só interessado, na hipótese de haver multiplicidade de entidades já qualificadas como OSCIP que atendem os requisitos normativos e que desejam firmar vínculo com o Estado. Com efeito, não observa-se o disposto na Lei 8.666/93 admitir que a União, por meio do Ministério da Justiça, escolha livremente a entidade com quem firmará termo de parceria, se mais de uma OSCIP afigura-se interessada em firmar o vínculo com o Poder Público.
A mesma autora ainda defendia a inconstitucionalidade da referida norma, já que por ter características de contrato administrativo, deveria obedecer aos artigos 22, XXVII, e 37, XXI da Constituição da República.
O Ministro do TCU Ubiratan Aguiar Walton Alencar Rodrigues, seguia o mesmo entendimento, a saber:
O compromisso assumido por meio do Termo de Parceria implica alocar recursos públicos a uma entidade privada para a consecução de uma atividade de interesse público. Logo, desatende os princípios constitucionais da impessoalidade e da publicidade permitir a escolha de entidade privada, que realizará gastos os mais diversos com recursos públicos, sem que se observe o princípio da licitação, nos termos do que estabelece o inciso XXI do art. 37 da Constituição Federal. Ademais, a seleção mediante procedimento licitatório evita privilégios e assegura, ao menos em tese, igual direito a todas as OSCIPs e a seleção daquela que melhores condições terá de executar o objeto almejado pelo Estado.
Assim, utilizar procedimento licitatório para a seleção de OSCIP significa, a meu ver, a busca pela entidade que reúne melhores condições de alocar recursos públicos com critérios de eficiência, haja vista que o modelo contempla o alcance de resultados e avaliação de desempenho como a mola propulsora do sucesso esperado.
Ocorre que diante da norma então em vigente, o próprio Tribunal de Contas da União chegou a admitir legalidade da faculdade na escolha da OSCIP, como se observa no acórdão n. 1.777/05, relatado pelo Ministro Marcos Vilaça prolatado em sessão do Pleno do Tribunal de Contas de União realizada em 09.11.05:
Em conseqüência, a conclusão que se chega é que é inaplicável a licitação para a escolha da entidade parceira. Por fim, cabe assinalar a existência de previsão no Decreto n. 3.100/99, de escolha de OSCIP por meio da publicação de edital de concurso de projetos. A previsão é uma faculdade conferida à Administração e não infirma a conclusão acerca da inaplicabilidade da Lei 8.666/99 para a escolha da OSCIP para a celebração de Termo de Parceria.
Após anos de críticas e decisões divergentes entre as Cortes de Contas Estaduais, o Decreto n. 7.568⁄11 alterou a redação do referido artigo, tornando obrigatório o concurso de projetos para a escolha da OSCIP a firmar o Termo de Parceria a partir de então, a saber:
Art. 23. A escolha da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público, para a celebração do Termo de Parceria, deverá ser feita por meio de publicação de edital de concursos de projetos pelo órgão estatal parceiro para obtenção de bens e serviços e para a realização de atividades, eventos, consultoria, cooperação técnica e assessoria.
Assim, a nova redação do artigo tornou obrigatório o concurso de projetos pela Administração Pública, retirando assim do campo de discricionariedade do administrador, encerrando assim a celeuma sobre o assunto. O edital do concurso deverá ter informações como prazos, condições, prestações, contraprestações, etc.
Cumpre destacar que a nova redação do Decreto também apresentou hipóteses de exceção ao concurso de projetos, como nos casos de emergência ou calamidade pública, para a realização de programas de proteção a pessoas ameaçadas, ou nos casos em que o projeto, atividade ou serviço objeto do Termo de Parceria já seja realizado adequadamente com a mesma entidade há pelo menos cinco anos com prestações de contas devidamente aprovadas.
Tal como a Lei de Contratos Administrativos, a Lei 9.790/99 apresenta ainda um rol de cláusulas essenciais do Termo de Parceria, ou seja, que obrigatoriamente devem constar no instrumento. Entre as destacadas se encontram a do objeto, da estipulação das metas e dos resultados com os respectivos prazos de execução, os critérios de avaliação de desempenho, previsão das receitas e despesas, das obrigações de prestação de contas, bem como da publicação na imprensa oficial do extrato de execução física e financeira do Termo de Parceria.
Já em relação à execução do Termo de Parceria, as duas partes devem atentar para cumprir todas as cláusulas constantes no Projeto. A entidade deve executar o programa de trabalho dentro dos prazos estabelecidos no respectivo instrumento, e o órgão estatal deve orientar, supervisionar, e liberar os recursos que constam no cronograma de desembolso do Projeto.
No caso de que no acordo envolva o repasse dos recursos em várias parcelas, a liberação de cada uma poderá ser condicionada a uma comprovação parcial do cumprimento de metas no período imediatamente anterior.
Tal como os contratos administrativos, os Termos de Parceria podem ser prorrogados por comum acordo entre a Administração Pública e a OSCIP. Havendo necessidade de uma nova dotação orçamentária, poderá ser celebrado um Termo Aditivo, cuja celebração deve ser realizada preferencialmente por indicação da Comissão de Avaliação.
2.2.Da Necessidade de Licitação no trato com Recursos Públicos
Embora o princípio licitatório não esteja expresso na legislação referente às Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, trata-se de um principio de caráter constitucional que os entes privados que atuem com recursos públicos devem observar. Ainda que por intermédio de pessoa jurídica de direito privado, a contratação com recursos públicos deve sempre buscar a proposta mais vantajosa e assegurar a participação isonômica dos interessados.
O artigo 14 da Lei 9.790/99 impõe à OSCIP a adoção de um regulamento de contratação de obras e serviços, nos seguintes termos:
Art. 14. A organização parceira fará publicar, no prazo máximo de trinta dias, contado da assinatura do Termo de Parceria, regulamento próprio contendo os procedimentos que adotará para a contratação de obras e serviços, bem como para compras com emprego de recursos provenientes do Poder Público, observados os princípios estabelecidos no inciso I do art. 4o desta Lei.
Acertadamente o legislador optou pela criação de um “regulamento licitatório” com atendimento aos princípios constitucionais da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade, economicidade e eficiência. A adoção dos referidos princípios torna mais seguro o emprego dos recursos públicos por entidades privadas, assegurando assim, o atendimento do interesse público.
As especificidades formalísticas da Lei 8.666/93 tornariam as atividades das OSCIPS tão lentas quanto às estatais. As exigências estabelecidas pelo referido diploma são incompatíveis com a celeridade, informalidade e a própria estruturação do Terceiro Setor, o que inviabilizaria a parceria em questão.
O Ministro Marcos Vilaça, do Tribunal de Contas da União, relator do Acórdão 1.777/05, diz o seguinte em relação à regra do artigo 14 da Lei 9.9790/99:
[...] é compatível com o objetivo de conferir maior grau de liberdade às entidades privadas que celebrarem Termo de Parceria com o Poder Público. Não haveria sentido, portanto, exigir das entidades a estrita observância de todos os dispositivos da Lei de Licitações e Contratos. A obediência aos princípios gerais da Administração Pública é o que basta.
Os regulamentos que a Lei das OSCIPS impõe, podem prever mecanismos simplificados e mais céleres de seleção, onde serão editadas normas objetivas que tenham por meta dar cumprimento aos princípios supracitados. Ao passo em que não se exige vinculação à Lei das Licitações, abre-se espaço para inovações, visando assegurar a celeridade e dinamicidade próprias do Terceiro Setor, sempre em busca da proposta mais vantajosa.
Destaca-se que se os regulamentos próprios podem contemplar as hipóteses de afastamento do procedimento licitatório, autorizando a chamada “compra direta”, seja em virtude de inviabilidade de competição, ou por outros critérios de dispensa, o que poderá ser feito por analogia aos casos elencados na Lei 8.666/93.
2.3.Controle e Fiscalização do Termo de Parceria
As OSCIPS se submetem a mecanismos de controle que extrapolam as técnicas tradicionais de fiscalização das iniciativas particulares de interesse social.
No tocante à atividade de fomento, convém realizar a seguinte divisão em controle interno e controle externo quanto ao órgão estatal incumbido de referida missão.
Com efeito, o controle interno decorre da produção de provimentos consultivos e decisórios no âmbito da própria Administração Pública. A verificação do preenchimento dos requisitos para a qualificação, por exemplo, trata-se da primeira forma de controle interno realizado pela Administração Pública.
Ainda sobre o controle interno, observe-se que o Termo de Parceria se sujeita às seguintes formas de fiscalização: no tocante à celebração do instrumento de cooperação haverá prévia consulta aos Conselhos de Políticas Públicas, enquanto a execução do Termo de Parceria terá a fiscalização e o acompanhamento analisados por comissão de avaliação, composta por membros indicados pelos partícipes, sendo o relatório encaminhado à autoridade competente.
Não há dúvida que a malversão de recursos públicos, assim como o descumprimento de obrigações impostas às OSCIPS, devem resultar na perda da respectiva qualificação, o que pode ocorre em razão de provocação do Ministério Público, por iniciativa popular, ou pela própria Administração Pública. Ficam assegurados os princípios do contraditório e ampla defesa, exigidos em qualquer processo administrativo, onde será dada ciência à entidade do que está sendo acusada, com a oportunidade de apresentar defesa escrita e provas que entender favoráveis.
Ademais, a Lei 9.790/99 traz ainda a necessidade de que a execução do Termo de Parceria será acompanhada e fiscalizada por órgão do Poder Público da área de atuação correspondente à atividade fomentada, e pelos Conselhos de Políticas Públicas das áreas correspondentes de atuação existente em cada nível de governo. Os referidos Conselhos são compostos por membros do Poder Público e da sociedade, e integram o sistema de participação popular na condução dos negócios públicos.
Destaca-se que compete ao Conselho emitir opinião acerca do Termo de Parceria antes de sua celebração. O referido parecer emitido por estes órgãos colegiados tem a função de propiciar o controle da atividade pelo próprio órgão do Poder Público.
Luís Eduardo Patrones Regules (2006, p. 176) defende o referido método de controle da seguinte forma:
A fiscalização exercida pelos indigitados órgãos colegiados visa não apenas cuidar da regular aplicação dos recursos e bens públicos, mas assegurar a implementação de direitos constitucionais em favor dos administrados mediante a prestação dos serviços sociais, nos moldes dos princípios, diretrizes e objetivos traçados pelo sistema normativo.
Ainda em relação ao controle interno, a prestação de contas do Termo de Parceria pela OSCIP é a comprovação ante o órgão estatal, da execução do programa de trabalho pactuado, além da correta aplicação dos recursos públicos destinados à entidade.
Maria Sylvia Zanella Di Pietro (2016, p. 630) justifica a prestação de contas da seguinte maneira:
[...] a verba que o Poder Público repassa à entidade privada não tem a natureza de preço ou remuneração, razão pela qual não passa a integrar o patrimônio da entidade, para que ela a utilize a seu bel-prazer, mas, ao contrário, mantém a natureza de dinheiro público; em decorrência disso, a entidade está obrigada a prestar contas de maneira a demonstrar que os recursos foram utilizados para os fins estabelecidos no acordo, sob pena de ilegalidade.
Esta prestação de contas será instruída dos seguintes documentos: relatório anual de execução do objeto do Termo de Parceria, contendo comparativo entre as metas propostas e os resultados alcançados; demonstrativo integral da receita e da despesa efetivamente realizadas na execução; extrato da execução física e financeira; demonstração de resultados do exercício; balanço patrimonial; demonstração das origens e das aplicações de recursos; demonstração das mutações do patrimônio social; e parecer e relatório de auditoria.
Já em relação ao controle externo, sendo o Termo de Parceria o instrumento que dá às OSCIPS acesso a recursos públicos, natural que estes sejam devidamente fiscalizados pelos Tribunais de Contas do respectivo ente financiador do Projeto.
Tratando-se do supracitado controle externo, o artigo 4º, VII, d, da Lei 9.790/99, diz que a prestação de contas de todos os recursos e bens de origem pública recebidos pela OSCIP será feita conforme o parágrafo único do artigo 70 da Constituição Federal:
Art. 70. A fiscalização contábil, financeira, orçamentária, operacional e patrimonial da União e das entidades da administração direta e indireta, quanto à legalidade, legitimidade, economicidade, aplicação das subvenções e renúncia de receitas, será exercida pelo Congresso Nacional, mediante controle externo, e pelo sistema de controle interno de cada Poder.
Parágrafo único. Prestará contas qualquer pessoa física ou jurídica, pública ou privada, que utilize, arrecade, guarde, gerencie ou administre dinheiros, bens e valores públicos ou pelos quais a União responda, ou que, em nome desta, assuma obrigações de natureza pecuniária.
Diante disso, surgiram diversas indagações sobre qual a forma e os limites de atuação dos Tribunais de Contas no julgamento das contas dos Termos de Parceria. Destaca-se que as Cortes de Contas do país ainda são divergentes sobre como deve ser realizada este tipo de fiscalização.
A decisão 931/99 do TCU firmou entendimento de que as OSCIPS prestariam contas anualmente e diretamente ao Poder Público, ou seja, o órgão repassador dos recursos, sob o fundamento de que sendo essas entidades não estatais, descaberia a prestação de contas sistemática ao TCU, conforme alguns trechos da decisão relatada pelo Ministro Marcos Vilaça:
Novamente é reforçado o dever de prestar contas, definindo-se a forma e a freqüência com que deverá ser cumprido. Note-se que, à semelhança do que ocorre nos convênios (IN/STN n° 01/97), a prestação de contas ao Poder Público é feita diretamente ao órgão repassador dos recursos (o parceiro estatal), com o fito de comprovar a correta aplicação dos recursos e o adimplemento do objeto.
Nos termos do arts. 4°, inciso VII, alínea d, 10, § 2°, inciso V, da Lei 9.790/99, c/c art. 12 do Decreto 3.100/99, a prestação de contas relativa ao Termo de Parceria deverá ser feita diretamente ao órgão parceiro estatal, à semelhança do que ocorre com os convênios.
Considerando que as OSCIPs são entidades não-estatais (característica intrínseca do Terceiro Setor), descabe a prestação de contas sistemática ao TCU, por parte dessas instituições, mesmo em relação aos recursos vinculados a Termos de Parceria. A Lei n° 8.443/92 e respectivas normas inferiores igualmente não prevêem que particulares prestem contas direta e regularmente a este Tribunal pelos recursos públicos que venham a receber mediante vínculo formal com a Administração Pública (art. 6° da Lei n° 8.443/92 e art. 1° da IN/TCU n° 12/96).
Por outro lado, ao analisar, para fins de julgamento, as contas anuais dos responsáveis, no âmbito estatal, pela celebração de Termos de Parceria, este Tribunal terá a oportunidade de avaliar a celebração e execução desses instrumentos, nos termos do art. 71 da Constituição Federal, c/c arts. 1°, 6°, 7°, 8° e 9°, da Lei n° 8.443, de 16/07/92. Para tanto, torna-se necessário que tanto o Relatório de Auditoria do Controle Interno quanto o Relatório de Gestão noticiem eventuais falhas/irregularidades ocorridas na execução dos Termos de Parceria, bem assim as respectivas providências saneadoras adotadas. Destarte, torna-se necessário que a Instrução Normativa/TCU n° 12, de 24/04/96, seja alterada, de modo a contemplar especificamente essas informações.
Sendo assim, a fiscalização pelo Tribunal de Contas seria feita de forma indireta, já que o Termo de Parceria seria analisado apenas em vista do órgão público, a partir de suas prestações de contas anuais.
Na mesma decisão, foi ressalvado ainda, que havendo indícios de irregularidades, deverá instaurar-se a chamada Tomada de Contas Especial, nos termos da Lei 8.443/92, onde aí sim ocorrerá a fiscalização direta sobre o Termo de Parceria em relação à OSCIP, a saber:
A IN/TCU n° 13, de 04/12/96 (dispõe sobre as tomadas de contas especiais), em seu artigo 2°, que define as circunstâncias ensejadoras da tomada de contas especial, deixa de mencionar a expressão 'repassados a Estado, ao Distrito Federal ou a Município', ao referir-se à omissão no dever de prestar contas. Por conseguinte, abre o leque da TCE aos particulares responsáveis por convênios, acordos, ajustes ou instrumentos similares (Termo de Parceria) que deixem de prestar contas.
Analisando a questão sob outro prisma, pode-se considerar que a percepção de recursos públicos sem a comprovação de sua boa e regular aplicação nas finalidades pactuadas, ou seja, sem o cumprimento do dever legal de prestar contas (in casu: arts. 4°, inciso VII, alínea d, 10, § 2°, inciso V, da Lei 9.790/99, c/c art. 12 do Decreto 3.100/99), presume dano ao Erário, ensejando, assim, a tomada de contas especial do responsável.
[...]
compreende-se livre de dúvidas o alcance da tomada de contas especial sobre os agentes responsáveis pelos Termos de Parceria, no âmbito das OSCIPs, logicamente, nos casos previstos no art. 8° da Lei Orgânica desta Casa, inclusive diante da omissão no dever de prestar contas dos recursos recebidos via Termo de Parceria
Vale destacar que a decisão 931/99 não proibiu a fiscalização de contas direta do Termo de Parceria, pelo contrário, previu este tipo de controle, e assim o TCU pode realizar fiscalizações diretas por meio de Tomadas de Contas, inspeções, auditorias e demais processos de fiscalização.
Como se vê diversas são as questões polêmicas envolvendo a atuação dos Tribunais de Contas em relação aos Termos de Parcerias celebrados pelas OSCIPS, pois diante do aparelho estatal falido, a participação desse tipo de organização na consecução dos objetivos públicos tem tomado um inesperado protagonismo.
Por tudo isso, a colaboração das Organizações da Sociedade Civil com o Poder Público não há de ser considerada como forma de atuação substitutiva. Ao contrário, a ordem social confere respaldo às atividades particulares em caráter suplementar, sem abrandar o alcance do princípio da subsidiariedade como fator de regulação para a fiel consecução do interesse público.
Ocorre que na prática o que se vê é o desvirtuamento das OSCIPS, tendo em vista que os Termos de Parceria com elas firmados nem sempre observam os seus fins institucionais, que são atividades privadas de interesse público, dentre as previstas no art. 3º da Lei 9.790 ou na respectiva legislação estadual ou municipal.
A participação do Poder Público deve se enquadrar na atividade de fomento, onde o objetivo é o de incentivar tais entidades pelo fato de prestarem atividade de interesse público. Elas não se prestam à delegação de serviços públicos nem podem ser contratadas pela Administração Pública para prestação de serviços ou obras (empreitada) ou para fornecimento de mão-de-obra, porque isso contraria os objetivos institucionais da entidade. Elas devem atuar paralelamente ao Estado em seu próprio âmbito de atividade, com a ajuda do Estado, e não substituir-se à Administração Pública.
No que tange ao controle das OSCIPS, viu-se que estas se submetem a mecanismos que extrapolam as técnicas tradicionais de fiscalização das iniciativas particulares de interesse social, tendo em vista que a Organização da Sociedade Civil de Interesse Público tem acesso a recursos públicos, natural que estes sejam fiscalizados e bem geridos.
Assim, tal modelo abriu as portas para novas formas de prestação de serviços públicos através da Organização da Sociedade Civil de Interesse Público por meio do Termo de Parceria, com a finalidade de trazer a participação privada para a consecução dos interesses públicos.
4. REFERÊNCIAS
BRASIL. Decreto 3.100, de 30 de junho de 1999. Regulamenta a Lei 9.790/1999.Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 01 jul. 1999.
BRASIL. Lei n. 9.790, de 23 de março de 1999. Dispõe sobre a qualificação de pessoas jurídicas de direito privado, sem fins lucrativos, como Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público, institui e disciplina o Termo de Parceria e dá outras providências.Diário Oficial da República Federativa do Brasil, Brasília, DF, 24 de mar. 1999.
CARVALHO, Matheus. Manual de Direito Administrativo. 3ª ed. Salvador: Juspodivm, 2016.
CARVALHO, Raquel Melo Urbano de. Curso de Direito Administrativo. 1ª ed. Salvador: Podivm, 2008.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 29ª ed. Rio de Janeiro: Forense, 2016.
DI PIETRO, Maria Sylvia Zanella. Parcerias na Administração Pública. 11ª ed. São Paulo: Atlas, 2017.
MÂNICA, Fernando Borges. Panorama Histórico Legislativo do Terceiro Setor no Brasil: Do Conceito de Terceiro Setor à Lei das OSCIP. In, OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.). Terceiro Setor, Empresas e Estado: Novas Fronteiras Entre o Público e o Privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 163-194.
PEREIRA, Cláudia Fernanda de Oliveira. Os Tribunais de Contas e o Terceiro Setor: Aspectos Plolêmicos do Controle. In, OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.). Terceiro Setor, Empresas e Estado: Novas Fronteiras Entre o Público e o Privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007.
REGULES, Luis Eduardo Patrone. Regime Jurídico das OSCIPs. 1ª ed. São Paulo: Método, 2006.
SANTOS, José Anacleto Abduch. Licitação e Terceiro Setor. In, OLIVEIRA, Gustavo Justino de (Coord.). Terceiro Setor, Empresas e Estado: Novas Fronteiras Entre o Público e o Privado. Belo Horizonte: Fórum, 2007. p. 163-194.
Advogado, Pós-Graduado em Direito Público com ênfase em Direito Constitucional e Direito Administrativo pela Escola Superior da Advocacia do Amazonas - OAB/AM, Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Amazonas - UFAM.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JOSé LUPéRCIO RAMOS DE OLIVEIRA JúNIOR, . Aspectos jurídicos do termo de parceria firmado entre a Administração Pública e as Organizações da Sociedade Civil de Interesse Público Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 16 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52143/aspectos-juridicos-do-termo-de-parceria-firmado-entre-a-administracao-publica-e-as-organizacoes-da-sociedade-civil-de-interesse-publico. Acesso em: 22 nov 2024.
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