RESUMO: O artigo investiga o problema da possibilidade da ocorrência do regresso ao privatismo processual, tendo em vista a valorização da vontade das partes com a celebração de negócios jurídicos processuais atípicos no novo Código de Processo Civil. Busca-se examinar o tema discorrendo acerca da natureza jurídica do processo e sua implicação na forma como negócios jurídicos processuais são vistos. Em seguida, com vistas a compreender o que são os negócios jurídicos processuais, realiza-se uma abordagem conceitual. Em outro passo, analisa-se a cláusula geral de atipicidade das convenções processuais, bem como o princípio do respeito ao autorregramento da vontade, contidos no art. 190 da nova legislação. Ao fim, conclui-se pela não ocorrência do regresso ao privatismo processual, mas sim pela compatibilização do negócio jurídico processual com o publicismo do processo, considerando-se que a valorização da vontade das partes significa a concretização da Constituição e a possibilidade de convivência harmônica entre o público e o privado, mesmo nas matérias que versem sobre direitos indisponíveis.
Palavras-chave: Autorregramento da vontade. Liberdade. Negócio jurídico processual. Direitos indisponíveis Processo Coletivo. Termo de Ajustamento de Conduta. Novo Código de Processo Civil.
Sumário: 1. INTRODUÇÃO. 2. O PRINCÍPIO DO RESPEITO AO AUTORREGRAMENTO DA VONTADE. 3. DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE 1973. 4. A COVENCIONALIDADE E OS DIREITOS INDISPONÍVEIS. 5. A RESOLUÇÃO N° 118 DO CNMP E O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA. 6. A CLÁUSULA GERAL DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS ATÍPICAS. 7. O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E OS NEGÓCIOS PRÉ-PROCESSUAIS. 8. CONCLUSÃO
1. INTRODUÇÃO
A questão das convenções em matéria processual sempre se mostrou malquista por grande parte dos doutrinadores, instaurando-se uma verdadeira celeuma acerca da existência ou não do instituto ora em comento.
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, entretanto, a discussão ganhou outro colorido.
Agora, a sistemática processual passa a contar, de forma expressa, com uma cláusula geral que assegura às partes a liberdade para estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às singularidades das relações jurídicas deduzidas em juízo, bem como convencionarem sobre suas situações processuais ativas e passivas.
Em decorrência da novidade, despertou-se para a possibilidade da utilização dessa indiscutível ferramenta nos processos coletivos, marcado e permeado por interesses indisponíveis. A contar dessa ponderação, o tema foi delimitado da seguinte forma: as convenções processuais e os direitos indisponíveis.
Assim, a presente pesquisa básica busca oferecer um melhor entendimento sobre o fenômeno das convenções processuais, investigando a seguinte problemática: Seria possível, na tutela coletiva, os legitimados ativos disporem não do direito material, mas da forma e modo como este será exercido? E mais, se a utilização de tais práticas coaduna-se ou não com a finalidade da jurisdição.
Sem qualquer pretensão de exaurir o assunto, foi levantada as seguintes hipóteses: se o processo coletivo, por tutelar direitos transindividuais, é incompatível ou não com as convenções processuais, tendo em vista os Direitos Indisponíveis presentes; se existe ou não maior proteção dos direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos por meio das convenções pré-processuais.
Por tal razão, o escopo máximo deste artigo é o de provar a compatibilidade dos negócios jurídicos processuais, mesmo nas situações que estão em jogo direitos indisponíveis. Para isto, será analisado se houve um aumento da liberdade e participação das partes no processo, acarretando a criação de um novo princípio.
Após, examinará a existência do instituto no Código de Processo Civil anterior, dando enfoque para o seu exercício nos campos de Direito Público. Em um segundo momento, identificará se é possível o emprego das convenções processuais nos processos coletivos e a relação entre os negócios jurídicos processuais e os Termos de Ajustamento de Conduta. Por fim, detalhará o conceito, a aplicação e os limites da Cláusula Geral e do Calendário Processual, dispostos, respectivamente, nos arts. 190 e 191 do CPC, como também se defenderá a eficácia dos acordos pré-processuais para a proteção dos direitos transindividuais.
Além dos ganhos acadêmicos, especialmente por ser um tema novo e pouco debatido, espera-se que esta pesquisa ganhe relevância prática, dilatando-se para os operadores forenses. Em especial, para os legitimados extraordinários na proteção dos direitos sociais, a fim de contribuir para um maior conhecimento e reflexão acerca do assunto, possibilitando uma maior eficácia e proteção aos bens jurídicos tutelados por estes órgãos.
2. O PRINCÍPIO DO RESPEITO AO AUTORREGRAMENTO DA VONTADE
De plano, destaca-se o conceito de Princípio cunhado por Bandeira de Mello (2004), o qual servirá como guia para a força e aplicabilidade do princípio do respeito ao autorregramento das partes:
O princípio é um mandamento nuclear de um sistema, verdadeiro alicerce dele, disposição fundamental que se irradia sobre diferentes normas compondo-lhes o espírito e servindo de critério para a sua exata compreensão e inteligência, exatamente para definir a lógica e racionalidade do sistema normativo, no que lhe confere a tônica e lhe dá sentido harmônico.
Fazendo uma análise dos escopos jurisdicionais, além do jurídico, que é o mais conhecido e difundido, fala-se em objetivos sociais e políticos. Assim, muitas vezes, não se alcança a desejada pacificação social, quando, simplesmente, aplica-se o Direito ao caso concreto.
Logo, não tem serventia (ou pelo menos não tem tanta) resolver a lide de forma aparente, porém persistir a insatisfação fática, a tensão entre as partes. É nesse contexto que a participação democrática no resultado final da decisão, ou ao menos no seu caminhar e desenvolvimento procedimental, mostra-se como excelente ferramenta para, conforme expressão utilizada por Marinoni (2000), combater a “lide sociológica”.
Ainda sobre os objetivos da jurisdição, Neves (2016) cita uma dimensão política, que se divide em três vertentes, dentre as quais, a jurisdição é o último recurso em termos de proteção às liberdades públicas e aos direitos fundamentais.
Por isso, o Estado, como um todo, deve se preocupar com direitos e garantias, mas quando ocorre a concreta agressão ou ameaça, mesmo provenientes do próprio Estado, é a jurisdição que garante o respeito a esses valores.
Sendo assim, consoante o escopo político, a jurisdição tutela os nossos direitos fundamentais, incluindo-se a liberdade e, quando ocorre a lesão ou ameaça de lesão destes, será garantido o respeito a tais valores, através de um complexo de atos praticados pelo agente estatal investido de jurisdição no processo.
Nessa esteira, em específico sobre o princípio da liberdade, seria um contrassenso jurídico, o próprio órgão estatal, incumbido justamente de velar e punir eventual transgressão a este princípio no plano material, ignorar as possibilidades de seu exercício pelas partes na seara processual.
Do Princípio da Liberdade, assegurado constitucionalmente e condição indispensável em qualquer estado que se intitule democrático de Direito, irradia-se diversos feixes que correspondem a outros direitos decorrentes daquele princípio, mas que afloram em diversas áreas. Segundo Didier (2015), no conteúdo eficacial deste direito, encontra-se o direito ao autorregramento, aquele que todo sujeito possui de regular juridicamente seus interesses, de poder definir o que reputa melhor ou mais adequado.
Contudo, nem sempre foi tarefa fácil aceitar a existência do citado princípio no âmbito do Direito Processual Civil. Em tom mais pessimista, ainda hoje percebe-se uma certa complexidade em reconhecer o fortalecimento da atuação das partes na seara processual, mesmo com dispositivos ostensivos previstos no Novo Código.
Na mesma direção, Greco (2007, p. 8) entende que
se o processo judicial não é apenas coisa das partes, são elas as destinatárias da tutela jurisdicional e são os seus interesses que a decisão judicial diretamente atinge, e, através deles, os seus fins últimos, embora remotos e abstratos, de tutela do interesse geral da coletividade, do bem comum e da paz social.
Aliás, não se discute todas as evoluções e benefícios trazidos pelo Direito Processual nas últimas décadas, mas é certo que, como explica Costa (2015), no atual Estado Democrático de Direito, em que se prima pela eficiência, a ideia de uma sequência procedimental always under law perde força e o processo civil passa a ser marcado por traços como particularização, individualização fragmentação, adaptação e maleabilidade. Daí por que já se fala num “sistema de artesania procedimental”, onde a vontade de um dos sujeitos processuais, de ambos, ou até destes com a vontade do Juiz, é levada em consideração pelo sistema.
Como alerta, Didier (2015) explica que a maior autonomia das partes não é sinônimo de um Modelo Dispositivo, pois o respeito à liberdade convive com a atribuição de poderes ao órgão jurisdicional, não sendo o princípio em tela ilimitado, como aliás, não o é em nenhum outro ramo do Direito.
Redondo (2015) elucida que o Novo Código não caminhou para a privatização do processo. As partes não se substituem ao poder legiferante quando convencionam sobre suas próprias situações processuais, apenas reconheceu-se com mais evidência que as partes são as efetivas titulares de determinadas situações processuais e, por essa razão, devem desfrutar de maiores poderes de regulamentação e liberdade sobre as mesmas. Para o autor, precisa ocorrer uma quebra de paradigma, um rompimento com o anterior sistema, para que atuais premissas do novo código possam ser corretamente observadas e aplicadas.
Assim, a autonomia das partes no âmbito processual, na sua relação com as normas impeditivas (ordem pública), encontra barreiras mais sólidas do que na seara privada, mas não intransponíveis. Em verdade, como se demonstrará ao longo deste trabalho, o legislador reservou espaço considerável para a atuação e participação das partes no trâmite processual. Nos dizeres de Lima (2010), a possibilidade e a prática dos negócios jurídicos processuais importam em criar braços do princípio democrático em sede processual.
Em congruência com o princípio abordado nesse tópico, Nogueira (2015) aduz que a solução consensual do litígio é benéfica, não só porque põe termo ao processo judicial, mas também por ser a medida que mais se aproxima do escopo da jurisdição. Logo, nada mais justo do que permitir que os litigantes possam, inclusive quando não seja possível a resolução da própria controvérsia em si, ao menos disciplinar a forma do exercício das suas faculdades processuais, ou até mesmo delas dispor.
Assim, o conjunto de dispositivos legais consagrados no novo caderno processual exterioriza o princípio do respeito ao autorregramento da vontade e demonstra uma quebra de paradigma no que diz respeito a liberdade concedida às partes, o que se verifica com a própria estruturação do código em torno da autocomposição, da vontade da parte como limitadora da atividade jurisdicional, pelo princípio da congruência, bem como todos os negócios processuais típicos (a eleição negocial do foro, o saneamento consensual, a convenção sobre ônus da prova, a escolha consensual do perito, entre outros, nos termos, respectivamente, dos arts. 63, 357, 373 e 471, todos do CPC)
E, para concluir, a densificação normativa atribuída pelo constituinte derivado reformador ao princípio da liberdade processual das partes, tem-se a cláusula geral de negócios jurídicos processuais disposta no art. 190 do CPC, a qual concretizou o Princípio Sub-análise no processo civil.
Ademais, o princípio da cooperação também corrobora para a autonomia das partes, surgindo-se, então, um modelo cooperativo entre os sujeitos processuais, de modo a favorecer a celebração de convenções processuais.
Noutro giro, para Redondo (2015), citando parcela considerável da doutrina, afirma a aparição de um verdadeiro Princípio da adequação decorrente do devido processo legal (art. 5, LIV), do acesso à justiça (art. 5, XXXV) e da duração razoável do processo, inserido de forma mais recente pela E.C 45/2004. Aquele impõe a exigência que o procedimento seja adequado, atento às características específicas de cada caso, como a peculiaridade da causa, às necessidades do direito material, os próprios litigantes envolvidos, etc.
Só, assim, mediante o exercício real de um procedimento pensado e efetivo, chega-se a uma tutela jurisdicional também efetiva. Não se pode ter o discurso vazio de exigir uma resposta do Poder Judiciário condizente com os anseios emergentes da própria sociedade sem criar mecanismos para concretizar tal objetivo. E isto foi exatamente o que o Novo Código de Processo Civil se propôs a fazer ao estimular a participação das partes.
Segundo Cunha (2015), o novo código de Processo Civil foi fundado no ideal da democracia participativa, estruturando-se de modo a permitir maior valorização da vontade dos sujeitos processuais, a quem se confere a possibilidade de promover o autorregramento de suas situações processuais. Desse modo, a atribuição de maior relevância a autonomia das partes deriva do próprio direito fundamental da liberdade e contribui para a construção de uma decisão mais justa.
Assim, pelos diversos dispositivos legais citados que apontam para uma verdadeira irrupção de convencionalidade no Direito Processual Civil Brasileiro, em especial por meio da cláusula geral do art. 190 do CPC, que consagra a atipicidade da negociação processual, percebe-se, sem sombra de dúvidas, a valorização da liberdade das partes e, por sua vez, a consagração do Princípio do Respeito ao Autorregramento e suas consequências nas situações endoprocessuais.
3. DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS NO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL DE
1973
De início, cumpre ressaltar que, atualmente, não restam dúvidas acerca da existência dos negócios jurídicos processuais, notadamente pela entrada do Novo Código de Processo Civil, que avançou tanto na previsão de convenções processuais típicas, quanto na criação de cláusula geral clara e específica acerca desse fenômeno.
Entretanto, no passado, o assunto foi alvo de forte divergência, sendo inclusive negado por renomados Autores. Daí o porquê ser necessário entender a evolução e as críticas dos negócios processuais, a fim de possibilitar um melhor entendimento sobre a matéria.
Por muito tempo, os estudos sobre as convenções processuais no Brasil mostraram-se bastante tímidos. Com efeito, parcela considerável da doutrina não entendia ser o citado instituto compatível com o ordenamento processual pátrio, marcado pelo publicismo e protagonismo do juiz.
A título de exemplo, Dinamarco (2009) defende não ser possível considerar a existência de negócios jurídicos processuais, visto que os efeitos dos atos processuais resultam sempre da lei, e não da vontade. Os atos processuais das partes não teriam o efeito da livre autorregulação, que é própria dos negócios jurídicos, justamente porque os efeitos são impostos pela lei. Assim, para o autor, o negócio jurídico é ato derivado da autonomia da vontade e, por consequência, pressupõe que seus efeitos sejam, exata e precisamente, aqueles que as partes querem, o que não ocorre no processo, pois a lei estabelece os possíveis resultados dos atos praticados no processo, sem conferir qualquer margem de intervenção às partes.
Na mesma senda, Câmara (2014) aponta pela inexistência dos negócios jurídicos processuais, uma vez que todos os efeitos possíveis de ocorrência em virtude de atos dos sujeitos do processo já estão pré-estabelecidos pela legislação.
No direito alienígena, Liebman (2005) também afirmava que os efeitos no tocante aos atos processuais já viriam preestabelecidos em lei, por isso, a atuação da parte se dirigia para a prática do ato e não para à obtenção do efeito em si.
Com efeito, as críticas contrárias às convenções processuais giram em torno, em síntese, dos efeitos não serem escolhidos pelas partes, já que estão de forma antecedente estabelecidos em leis, como também a necessidade de intervenção judicial para outorgar os efeitos dos negócios jurídicos. Assim, o núcleo comum dessas teses é: a ausência de uma liberdade absoluta conferida às partes, no bojo processual, a qual seria exigida para a existência de um negócio jurídico.
Assim, o Autor limitar-se-ia a narrar sua pretensão ao Poder Judiciário e o Réu, por sua vez, oferecer sua defesa, sem, entretanto, participarem, colaborarem ou influenciarem diretamente no caminhar processual. Pelo contrário, caberia apenas ao magistrado o monopólio do impulso dos atos processuais, exercendo, no termo utilizado por Cunha (2015, pg. 36): “atividade solitária de subsunção dos fatos aos textos normativos”.
Nesse pensamento, a vontade das partes é, em grande parte, desprezada, pois se encontraria previamente engessada pelas imposições do legislador. A única faculdade a ser exercida seria praticar ou não ato cominado em lei, tendo como consequência resultados também previstos na própria legislação.
Alguns autores concluem, inclusive, pela existência de um dogma da irrelevância da vontade no processo, decorrente do estigma de separar o direito adjetivo do direito substancial, da posição de superioridade do juiz em face das partes, bem como da necessidade da prevalência da forma em detrimento da vontade, sob pena de causar insustentável insegurança jurídica.
Esta crença na irrelevância da vontade, usando como subsídio a sabedoria popular, seria algo como manda quem pode, obedece quem tem juízo, instaurando-se dentro do processo um ar de inferioridade das partes e, consequentemente, a supremacia ideológica da figura do magistrado. Digo ideológica, pois mesmo no sistema processual anterior, as fontes normativas não apontavam para um sistema inquisitivo puro.
Por conseguinte, em análise mais atenta, em que pese as críticas doutrinárias, o caderno processual revogado já estabelecia inúmeros negócios processuais típicos, ou seja, convenções que não prescindem da vontade das partes para a sua prática, mas que já estão discriminadas e reguladas em lei.
Além disso, também se verifica a existência de uma cláusula geral de negócios processuais desde o antigo Código de Processo. Nesse sentido, o art. 158 (repetido integralmente pelo art. 200 DO NCPC) declarava que os atos das partes, consistentes em declarações unilaterais ou bilaterais de vontade, produzem imediatamente a constituição, a modificação ou a extinção de direitos processuais, com exceção da desistência da ação, a qual fica condicionada a homologação judicial para produzir seus efeitos.
Isto é, a possibilidade de as partes pactuarem negócios não regulados diretamente nos tipos legais, confeccionando-os com o fim de atender suas necessidades e conveniências. Para Redondo (2015, p. 271), o artigo 158 do Código passado: “guardava enorme potencial de interpretação no sentido de ali estar consagrada, implicitamente, uma cláusula geral de atipicidade de negócios jurídicos processuais”.
Portanto, tendo em vista os diversos dispositivos legais do antigo Código de Processo Civil que previam expressamente a existência dos acordos processuais, pode-se inferir que a não aceitação das convenções processuais reside muito mais no campo ideológico. Ou seja, o processo, por ser ramo de Direito Público, seria incompatível com a ideia de valorização da vontade das partes.
Destaca-se, todavia, que não se pode descartar a existência dos negócios jurídicos processuais simplesmente porque seus efeitos decorrem da lei, isto é, seus possíveis resultados já estão anteriormente previstos e estabelecidos no Direito positivo.
Para reforçar tal entendimento, destaca-se precisa lição de Negreiros Lima (2013), a qual infere que a lei, seja material ou processual, de um modo geral, acarreta limitações aos negócios jurídicos.
A partir dessas abordagens, chegou-se a duas premissas, quais sejam: a) desde o CPC/73 havia expressa previsão legal do instituto ora em debate; b) que a própria finalidade do Direito é regular a vida em sociedade e, por isso, ao cumprir com seu desiderato acaba impondo restrições, limites, contornos legais. Essas regulações previstas de forma abstrata na lei também alcançam as convenções processuais, sem que, com isso, fulmine a autonomia das partes ou a existência do instituto.
4. A COVENCIONALIDADE E OS DIREITOS INDISPONÍVEIS
A doutrina processual mostrou-se muito tímida em admitir as convenções processuais, apontando, em resumo, os seguintes motivos: o processo teria como fundamento apenas normas cogentes; a fonte processual limitar-se-ia à lei; qualquer negócio envolveria necessariamente prerrogativas do juiz; e, para o que nos interessa no presente trabalho, que não haveria espaços de consensualidade ou convencionalidade no direito público, e, portanto, no processo.
A ideia de negócios, por muito tempo, relacionou-se somente aos contratos privados, afastando-se, então, do direito público e, consequentemente, do direito processual.
Contudo, conforme aponta Cabral (2015), trata-se de uma premissa antiquada e inadequada ao Direito contemporâneo. Apesar de sua natureza pública, o processo não é infenso aos acordos e convenções. Renomados autores, tais quais Josef Kohler e Friedrich Carl Von Savigny, há muito, já afirmavam o ingresso do fenômeno da contratualização na seara pública e, assim, no direito processual.
Assim, continua o autor, o processo civil de interesses públicos, tradicionalmente arisco às soluções negociadas, há muito vem se rendendo à mediação, conciliação etc. Trata-se da vitória da concepção atualmente disseminada que reconhece uma disponibilidade parcial dos interesses públicos, desfazendo a equivocada compreensão de que o interesse, por ser público, seria indisponível. Ao contrário, há graus de (in)disponibilidade e, em alguma medida, permite-se que mesmo as regras estabelecidas no interesse público sejam flexibilizadas.
Segundo aponta Cianci e Megna (2015), não é porque a Administração é parte que todos os interesses processuais serão de ordem pública (embora sejam de interesse público, no sentido de que todos os cidadãos têm interesse na coisa pública como um todo). Assim, em ação indenizatória de danos por acidentes de veículos terrestres, o interesse público está em obter o justo ressarcimento do erário, e não no prazo maior ou menor com que, por exemplo, será apresentado o rol de testemunhas. No entanto, os autores alertam que deve-se respeitar o devido processo legal, os princípios da boa-fé processual e dos princípios que regem todos os atos da Administração, dispostos no art. 37, caput, da CRFB/88.
Para reforçar o entendimento, até mesmo nos campos do Direito Penal, o qual é marcado pela indisponibilidade e evidente interesse de toda a sociedade, pode-se citar diversos institutos que apontam para uma negociação entre os sujeitos processuais, tais quais, a título de exemplo, a transação penal e a composição civil dos danos (ambos da lei 9.099/95).
E os exemplos não param: existe a previsão de composição do dano por parte do infrator, como forma de obtenção de benefícios legais, prevista na Lei no 9.605/1998, a qual disciplina as sanções penais e administrativas derivadas de condutas e atividades lesivas ao meio ambiente, a tão em voga delação premiada estabelecida nas leis no 8.137/1990, artigo 16, parágrafo único, 8.072/1990, artigo 8o, parágrafo único, e 9.807/1999.
No âmbito administrativo, também já existem inúmeros dispositivos que autorizam as transações pela Administração Pública, por exemplo, (arts. 65 e 79 lei 8.666/93 e 53 da lei 8.884/94. A possibilidade dos representantes judiciais das Fazendas Públicas transigirem nos juizados especiais (art. 10 da lei 10.259/01 e art. 8 lei 12.153/09). O próprio CPC, em seu artigo 174, determina que os Entes Políticos criem câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos no âmbito administrativo, permitindo-se, inclusive, a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta.
Esta verdadeira invasão de “consensualidade” no Poder Público não é mera coincidência, mas sim uma tendência e um reconhecimento por parte do Legislativo das vantagens advindas do instituto. Em outras palavras, prestigia-se cada vez mais, tanto no âmbito do direito material quanto no processual, a vontade dos envolvidos.
Acompanhando o mesmo raciocínio, o Fórum Permanente dos Processualistas Civis – FPPC, por meio do enunciado n. 135, esclarece que “a indisponibiliddade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual”.
Isto se dá porque a indisponibilidade do Direito Material não acarreta, necessariamente, a indisponibilidade do Direito Processual. De fato, são ramos distintos e autônomos. Pensar de modo diverso, estar-se-ia regredindo vários séculos de forma a alcançar a teoria imanentista, onde entendia-se que o direito à ação era mero desdobramento da lesão ao direito substancial.
Por tais razões, tendo em vista a existência de convencionalidade no processo penal e no processo civil das causas de interesse do Estado, que representam alguma disposição dos interesses substanciais abrangidos, somado a toda consolidação dos novos dispositivos que inegavelmente deram um novo colorido as convenções processuais, não se enxerga quaisquer óbices na celebração de convenções em matéria processual, mesmo nas situações de indisponibilidade do direito material.
5. A RESOLUÇÃO N.118 DO CNMP E O TERMO DE AJUSTAMENTO DE
CONDUTA
A resolução N° 118/2014, editada pelo Conselho Nacional do Ministério Público, discorre sobre a solução e pacificação de litígios de maneira extrajudicial, com mais celeridade e economia de recursos. Assim, o referido ato normativo secundário demonstra o espírito de colaboração e incentivo elevado à autocomposição no âmbito do Parquet, estando em consonância com os valores propalados pelo Novo Código de Processo Civil.
Em suas considerações, a Resolução cita várias normas legais que conferem legitimidade ao Ministério Público (art. 585, inciso II, do CPC; art. 57, parágrafo único, da Lei no 9.099/1995; art. 5o, § 6o, da Lei no 7.347/1985, dentre outras). Também revela a necessidade de se consolidar, no âmbito do Ministério Público, uma política permanente de incentivo e aperfeiçoamento dos mecanismos de autocomposição, ressaltando que esta nova postura é uma tendência mundial, decorrente da evolução da cultura de participação, do diálogo e do consenso; infere ainda que o acesso à Justiça, como direito e garantia fundamental, ultrapassa o simples ingresso ao Judiciário, incorporando também o direito de acesso a outros mecanismos e meios autocompositivos de resolução de conflitos e controvérsias, sendo o Ministério Público ferramenta fundamental para a proteção e efetivação de direitos e interesses individuais indisponíveis e sociais; afirma que os meios de autocomposição, incluindo as convenções processuais, são instrumentos efetivos de pacificação social, resolução e prevenção de litígios, controvérsias e problemas.
No que diz respeito às suas disposições específicas, o ato normativo sub análise institui a POLÍTICA NACIONAL DE INCENTIVO À AUTOCOMPOSIÇÃO NO ÂMBITO DO MINISTÉRIO PÚBLICO, com o objetivo de assegurar a promoção da justiça e a máxima efetividade dos direitos e interesses que envolvem a atuação da Instituição, bem como assevera que incumbe ao Ministério Público implementar e adotar os mecanismos de autocomposição, como a negociação, a mediação, a conciliação, o processo restaurativo e, a espécie que mais nos interessa no presente trabalho, as convenções processuais.
A adoção de convenções processuais nos TACS também encontra previsão com o disposto no art. 2, IV, da R. 118, o qual impõe a observância da valorização do protagonismo institucional na obtenção de resultados socialmente relevantes que promovam a justiça de modo célere e efetivo.
Sem atraso, é na Seção V, por meio dos artigos 15 a 17, que a resolução trata especificamente das convenções processuais. Da leitura dos dispositivos, as convenções podem ser realizadas antes do processo ou durante o processo, sendo possível a sua formalização por meio de cláusulas constantes no termo de ajustamento de conduta. Além disso, o resultado prático de tais ferramentas não reduzirá e/ou prejudicará o direito material envolvido, pelo contrário, as negociações das situações jurídicas processuais ou adequações no procedimento visa atribuir maior eficácia e proteção aos direitos tutelados pelo Ministério Público e por outros legitimados.
Assim, em uma análise mais detida, percebe-se claramente os aspectos positivos na adoção de cláusulas processuais no Termo de Ajustamento de Conduta, fomentando e auxiliando a efetividade na proteção dos direitos transindividuais e a concretização da Política Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público, instituída pela pioneira resolução N. 118 do CNMP. Exemplo que deve ser bem visto pelos outros órgãos, como a Defensoria Pública e as procuradorias responsáveis pela defesa dos entes políticos, para que possam também editar atos normativos para orientar e estimular a utilização de técnicas de autocomposição, incluindo-se as convenções processuais.
Conforme já pontuamos, Cabral (2015) assevera que mesmo havendo restrições no que tange à disponibilidade sobre os direitos materiais, vimos que existe alguma margem para autocomposição. O mesmo acontece nos termos (ou compromissos) de ajustamento de conduta nas ações coletivas. Em se tratando de convenções atinentes a direitos processuais ou ao procedimento, não há propriamente a disposição de direitos materiais da coletividade. A disposição de direito processual não tem como reflexo necessário a mitigação do direito material cuja tutela é pretendida na relação. As convenções, por exemplo, que alteram a forma da citação, ou os negócios que renunciam previamente a certos tipos de recurso ou meios de prova, não versam sobre o direito material; embora possam, é verdade, impactar a solução final do processo em relação a eles.
Por este motivo, a indisponibilidade sobre as situações jurídicas processuais não deriva obrigatoriamente da indisponibilidade sobre o direito material. Ademais, cumpre salientar que a convenção processual pode, inclusive, fortalecer a proteção que a legislação atribui aos bens jurídicos que gozam de algum nível de indisponibilidade.
Reforçando tal entendimento, Abreu (2015) defende que "No que diz respeito à indisponibilidade do direito, cumpre ressaltar que até mesmo em casos de direitos difusos têm-se encontrado meios alternativos como o TAC, com vistas ao incremento da autocomposição”.
No tocante a influência normativa exercida pelo novo Código Processual sobre as convenções processuais, destaca-se que diversas inovações da legislação corroboram para o estímulo da autocomposição e da colaboração entre as partes, valorizando notadamente a autonomia destas, desde que respeitados os limites previsto em lei.
Em antigo brocardo dizia-se que mais vale um acordo ruim do que um bom processo. Em grande parte, tal entendimento deriva do fato de que em um “acordo” há a efetiva participação da vontade das partes na construção do mesmo, já na decisão judicial, por sua vez, é decidida por um terceiro imparcial incumbido de aplicar o direito no caso concreto, consoante seu livre convencimento motivado.
Por tais razões, verifica-se que a valorização da autonomia das partes, por meio da utilização de negócios jurídicos processuais, só tende a auxiliar a criação de uma tutela jurisdicional mais justa e em consonância com o espírito colaborativo que permeia o Novel Código, fazendo-se imprescindível estimular sua aplicação nos órgãos, legitimados extraordinários, que possuem como tarefa a defesa direitos coletivos, difusos e individuais homogêneos.
Podemos entender que o escopo máximo da jurisdição é a pacificação social, sendo o processo a ferramenta para alcançar esse desiderato. Nesse contexto, as convenções processuais, utilizando-se expressão de Almeida (2015), “são instrumentos do próprio instrumento (processo)”, onde as partes não dispõem de seu direito material, mas, sim, do direito adjetivo, regulamentando o método e o exercício do iter processual. Com isso, pode-se dizer que os negócios jurídicos contribuem, assim como as técnicas de autocomposição, para a eficiente retirada de quaisquer atritos entre as partes, tendo em vista a participação das mesmas no desenrolar processual.
Nesse sentido, imperioso transcrever a seguinte lição acerca da relação entre os direitos coletivos e os TACS:
A possibilidade de disposição sobre direitos coletivos existe, mas é restrita, pois o próprio direito coletivo não é de todo transacionável. Não obstante, alguns instrumentos legais permitem uma margem de negociação no que tange ao tempo e modo de cumprimento das obrigações legais. Dentre eles, o mais conhecido e utilizado é o termo de ajustamento de conduta. (CABRAL, 2015, p. 548).
O referido Termo encontra-se disciplinado na própria lei 7347/85, em seu art. 5, § 6, o qual dispõe:
Art. 5o Têm legitimidade para propor a ação principal e a ação cautelar: § 6° Os órgãos públicos legitimados poderão tomar dos interessados compromisso de ajustamento de sua conduta às exigências legais, mediante cominações, que terá eficácia de título executivo extrajudicial.
CARVALHO FILHO (2009) conceitua o tac da seguinte forma:
Podemos, pois, conceituar o dito compromisso como sendo o ato jurídico pelo qual a pessoa, reconhecendo implicitamente que sua conduta ofende interesse público difuso ou coletivo, assume o compromisso de eliminar a ofensa através da adequação de seu comportamento às exigências legais (CARVALHO FILHO, 2009, p. 222).
O instituto também foi ampliado por força do art. 174 do CPC, o qual estabelece a criação por todos os entes da federação de câmaras de mediação e conciliação, com atribuições relacionadas à solução consensual de conflitos, inclusive para promover a celebração de Termo de Ajustamento de Conduta.
Ainda, o TAC possui força de título executivo extrajudicial, tendo sua previsão legal retirada do art. 784, IV do CPC.
Assim, o Ministério Público e a Defensoria Pública ao adotarem a técnica dos negócios jurídicos processuais no corpo de seus respectivos TACS, objetivando uma melhor tutela jurisdicional aos direitos difusos, coletivos e individuais homogêneos, estarão materializando a essência de seus deveres constitucionais.
Por tais razões, entendo que o Ministério Público, justamente por ser instituição permanente, essencial à função jurisdicional do Estado, responsável pela defesa da ordem jurídica, do regime democrático e dos interesses sociais e individuais indisponíveis, deve observar e se valer das ferramentas legais disponíveis para melhorar sua atuação e a consecução de suas finalidades constitucionais. Sem qualquer dúvida, a inserção de cláusulas de convenções processuais no TAC está entre estes instrumentos. Por outro lado, faz-se necessário que os outros órgãos legitimados para realizarem acordos extrajudiciais, a exemplo da Resolução N. 118 do CNMP, elaborem atos normativos internos que visem o estímulo das convenções processuais, regulando-as e atribuindo uniformidade em suas aplicações em respeito à isonomia.
6. A CLÁUSULA GERAL DAS CONVENÇÕES PROCESSUAIS ATÍPICAS
Devido a sua importância, faz-se necessária a transcrição do art. 190 do CPC, in verbis:
Art. 190. Versando o processo sobre direitos que admitam autocomposição, é lícito às partes plenamente capazes estipular mudanças no procedimento para ajustá-lo às especificidades da causa e convencionar sobre os seus ônus, poderes, faculdades e deveres processuais, antes ou durante o processo.
Parágrafo único. De ofício ou a requerimento, o juiz controlará a validade das convenções previstas neste artigo, recusando-lhes aplicação somente nos casos de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte se encontre em manifesta situação de vulnerabilidade.
Consoante já exposto, só pelo art. 200 do CPC (art. 158 do CPC/73) já se poderia concluir pela existência do instituto dos negócios jurídicos processuais atípicos. Não bastasse isso, o Novo Código, em seu art. 190, prevê outra cláusula geral destinada às partes para adequar o procedimento às especificidades da causa e convencionar acerca de suas posições processuais.
A meu ver, por uma interpretação teleológica, a finalidade da norma foi criar uma cláusula geral apta a criar uma tutela diferenciada, possibilitando às partes a adequarem às necessidades do direito material apresentadas no caso concreto, acarretando uma efetiva tutela jurisdicional.
Ora, a utilização de procedimentos especiais, espécie de tutela diferenciada prevista de maneira abstrata pelo legislador, justifica-se porque nem sempre o procedimento ordinário será idôneo e eficaz para solucionar todas as demandas de direito material que são levadas ao Poder Judiciário.
Contudo, mesmo com grande esforço por parte do legislativo, faz-se imperioso reconhecer que o mesmo nunca conseguirá prever todas as infinitas singularidades derivadas do direito material e que exigem, por sua vez, a correspondente discriminação e proteção nas leis processuais. Daí o porquê, o Legislador reconheceu, com base no princípio do respeito ao autorregramento da vontade, a possibilidade de as partes adotarem uma tutela diferenciada em concreto, a fim de atender suas particularidades.
De volta a cláusula geral, cabe salientar que o próprio dispositivo estabelece certas condições e limites para a realização dessas “mudanças” no procedimento e das disposições de suas situações jurídicas, sendo imprescindível esmiuçar esses limites, a fim de possibilitar a melhor utilização do instituto.
Da conjugação dos dois dispositivos supracitados, infere-se que o controle de validade exercido pelo juiz sobre as convenções processuais bilaterais (entre as partes), em regra, somente ocorrerá nos casos expressamente previstos pelo legislador, quais sejam, no de nulidade ou de inserção abusiva em contrato de adesão ou em que alguma parte encontre-se em manifesta situação de vulnerabilidade.
Fora destas hipóteses, o magistrado deve privilegiar a autonomia das partes e aplicar, na forma do art. 200 do CPC, imediatamente as convenções, sem necessidade de homologação, salvo expressa previsão legal em contrário (art. 200, parágrafo único).
Segundo Nogueira (2001), pode-se conceituar o negócio processual como o fato jurídico voluntário em cujo suporte fático esteja conferido ao respectivo sujeito o poder de escolher a categoria jurídica ou estabelecer, dentre dos limites fixados no próprio ordenamento jurídico, certas situações jurídicas processuais.
Em sentido parecido, Cabral infere que:
Negócio jurídico processual é o ato que produz ou pode produzir efeitos no processo escolhidos em função da vontade do sujeito que o pratica. São em geral, declarações de vontade unilaterais ou plurilaterais admitidas pelo ordenamento jurídico como capazes de construir, modificar e extinguir situações processuais, ou alterar procedimentos. (CABRAL, 2016, p. 48)
Manifestando-se sobre o tema ora em comento, Dinamarco (2016), autor que negava a existência das convenções processuais no Código passado, admite que a nova legislação atenuou a exclusividade da lei como fonte regulamentadora do processo e dos procedimentos, acarretando na maior liberdade das partes para criarem ou modificarem as regras ditadas pela lei, através de sua manifestação de vontade.
Almeida (2015) esclarece que as convenções processuais estabelecem regramento próprio para a solução do conflito, acrescentando regras que alteram o procedimento legal com o objetivo de adaptá-lo para melhor atender, com base na autonomia da vontade, as características do caso concreto. Todavia, o poder de autorregramento da vontade não é absoluto, consoante já exposto. Daí, como aponta Julia lipiani e Marília siqueira (2015), surgem os limites que decorrem do sistema considerado em sua integralidade, inclusive, tais limites constituem um dos maiores desafios da doutrina, tendo em vista a técnica (cláusula geral) legislativa adotada - que se caracteriza pela abertura no sentido e inúmeras possibilidades de incidência.
No tocante aos limites que devem ser respeitados pelos integrantes da atual ou futura relação processual (a depender se a convenção se dá durante ou antes do processo), imperioso reconhecer a aplicabilidade da teoria geral da nulidade, onde a convenção só será invalidada na hipótese de inobservância das delimitações legais e constitucionais somada ao efetivo prejuízo.
Deve ser saudado o legislador na utilização do termo "os direitos que admitam autocomposição”, uma vez que o mesmo não tomou direitos passíveis de autocomposição como sinônimo de direitos indisponíveis. É justamente por este motivo que ficam autorizadas a celebração dos negócios jurídicos processuais nos processos coletivos, pois mesmo tendo como objeto direitos indisponíveis, a parte procedimental, bem como as situações jurídicas podem sofrer autocomposição, regulando apenas o movimento desses direitos no plano processual.
Outro limite lógico das convenções processuais diz respeito ao seu objeto, o qual não pode alcançar posições jurídicas do juiz, mas somente das partes. Assim, as partes não podem convencionar acerca das atribuições e prerrogativas do magistrado, justamente por não poderem abrir mão de algo que não lhes pertencem.
Cabe ressalvar as hipóteses dos negócios jurídicos plulilaterias (calendário processual), os quais serão possíveis, mesmo atingindo e vinculando o juiz, justamente por este também integrar e aquiescer com a convenção.
O negócio jurídico processual nada mais é do que um típico negócio jurídico estudado amplamente no Direito Civil, porém visa produzir modificações e efeitos endoprocessuais. Sendo assim, os requisitos estabelecidos pelo art. 104 do CC devem ser observados, consoante preceitua o enunciado 403 do FPPC: “A validade do negócio jurídico processual, requer agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável e forma prescrita ou não defesa em lei”.
Além disso, o próprio artigo 190 também prevê, de forma expressa, a capacidade da parte como requisito imprescindível para a validade da convenção processual.
Não obstante parcela da doutrina defender ser necessário a capacidade material, a exemplo do enunciado n. 38 da ENFAM, parece ser mais adequado o entendimento de exigir-se capacidade de estar em juízo. Dessa forma, mesmo os incapazes no plano material poderão celebrar acordos processuais, desde que estejam devidamente assistidos ou representados.
Conforme detalha Neves (2016), cumpre diferenciar a figura da representação da presentação, de forma que as pessoas jurídicas e formais, devidamente presentadas no processo, possuem capacidade material e processual.
Com isso, é possível que estas figuras possam figurar como parte nas convenções processuais, inclusive o Ministério Público (EN. 253 FPPC) e a Fazenda Pública (EN. 256 FPPC).
Consciente ou não, o legislador condicionou a modificação do procedimento às especificidades da causa. Assim, estas mudanças no procedimento serão permitidas para adequar o processo a situação concreta, necessidade esta originada da peculiaridade da relação controvertida ou dos sujeitos processuais, sendo, portanto, mais um requisito a ser analisado e controlado pelo juiz por expressa imposição legal.
Diante disso, Neves (2016) ressalta que a opção legislativa, acertada ou não, não pode ser ignorada pelos doutrinadores e operadores do direito. Com isso, as partes não possuem ampla liberdade para a modificação do procedimento, sendo imprescindível que as possíveis mudanças guardem uma relação lógica e jurídica entre o procedimento desejado e a eventual especialidade da causa. Precisa existir uma vontade: “justificada, condicionada a uma adequação procedimental que atenda a eventuais peculiaridades do caso concreto” (NEVES, 2016, p. 320-321).
Contudo, em sentido diverso, Nogueira (2015) afirma ser necessário reconhecer que as especificidades da causa mencionadas no art. 190 do CPC constituem as circunstâncias que as próprias partes convencionam como relevantes para conferir um tratamento diferenciado ao procedimento. Portanto, conclui-se que as especificidades são eleitas pelos figurantes do negócio processual e a partir delas acordam os ajustes procedimentais.
Cabe desde já deixar registrado a importante repercussão prática de tal divergência doutrinária, uma vez que a mesma influenciará diretamente na possibilidade de mais uma hipótese de controle de validade exercido pelo Juiz. Só o tempo e o amadurecimento do instituto nos darão a resposta.
Diferente, porém, ocorre com os contratos de adesão, onde não há tal divergência doutrinária. Pelo teor do parágrafo único do art. 190 do CPC, não se proíbe a inserção de negócios processuais em contrato de adesão, mas somente a sua previsão em casos que reste configurada a abusividade. O legislador foi sensível ao reconhecer que, citado contrato, possui modificabilidade rígida, sendo a maioria das vezes impostos à parte contrária.
Por isso, a vontade só existe em aderir ou não ao contrato, mas não em modificá-lo ou negociá-lo de fato. Assim, não se desconhece que o contrato de adesão é meio propício para práticas abusivas e desarrazoadas, mas não se pode realizar a negação veemente e automática de quaisquer convenções processuais nos referidos contratos, sem prévia reflexão, não possui guarida legal.
A vulnerabilidade, por sua vez, deve ser entendida a partir de fatores objetivos. Segundo a melhor doutrina:
A vulnerabilidade decorre da insuficiência econômica, óbices geográficos, debilidades de saúde, desinformação pessoal, dificuldades na técnica jurídica e incapacidade de organização (TARTUCE, 2012, pg. 189-216).
Com relação a vulnerabilidade técnica, a ausência do advogado na celebração das convenções processuais, em especial as pré-processuais, seria forte indício da ocorrência desta. Algo como uma presunção relativa, admitindo-se, portanto, prova em contrário para demonstrar que, mesmo com a ausência de um procurador, a parte por possuir conhecimentos específicos ou experiência no assunto, por exemplo, não se encontrava em situação desfavorável. Nesse sentido está o enunciado n. 18 do FPPC, cujo qual aduz existir apenas indício de vulnerabilidade quando a parte celebra acordo de procedimento sem assistência técnico-jurídica.
A preocupação da grande parte da doutrina é louvável, notadamente por ser assunto técnico que foge da esfera de conhecimento do homem comum. Contudo, parece-me que estamos diante de típico caso de silêncio eloquente, onde o legislador poderia mas optou por não colocar a figura do patrono como obrigatória para a validade da convenção processual, como o fez com os outros requisitos previstos no próprio art. 190 do CPC.
Por fim, existe a possibilidade de o juiz recusar a aplicação das convenções nos casos de nulidade. Com o único intuito de fornecer um panorama geral sobre o assunto, deve-se considerar nulo o negócio jurídico processual que desrespeite as exigências específicas do próprio dispositivo ora analisado, em razão de vícios sociais ou de consentimento, bem como caso não se observe os requisitos gerais do Código Civil, tais quais os arts. 104, 166 e 167. Outrossim, o respeito do princípio da Boa-Fé objetiva precisa se fazer presente desde a confecção do negócio jurídico até a sua execução e, por último, a utilização do instituto não pode ser exercida de forma abusiva, como acontece com todo Direito, sob pena de tornar a convenção um ato ilícito com base no art. 187 do CC.
Pelo exposto, percebe-se a superação e a consequente novação da antiga celeuma sobre a existência dos acordos processuais, tendo em vista a expressa existência das convenções processuais, sejam típicas ou atípicas, unilaterais, bilaterais ou plurilaterais, no Código de Processo Civil.
Em decorrência disso, passa-se, agora, a indagar a área de atuação das partes e em quais casos o Princípio do Respeito ao Autorregramento da Vontade esbarraria nos limites tidos como normas cogentes, ocasionando, por sua vez, a impossibilidade da celebração de eventual negócio jurídico. É certo que o próprio art. 190, como já exemplificado, impõe certos requisitos, mas haverá outros?
É interessante notar que a possibilidade ou impossibilidade das convenções processuais passa pela natureza jurídica da norma: se cogente, a convenção será inválida; se tratar de norma dispositiva, será possível. O desafio é classificar quais normas pertencem a quais categorias. Pode-se dizer que, em regra, as normas de ordem pública serão[1] , por sua vez, intransigíveis. Mas o que pode, de fato, ser considerado uma norma de natureza pública?
Sabe-se que a atual constituição brasileira é analítica, tendo regulado muitas vezes assuntos não essenciais a estrutura do Estado dentro do próprio corpo constitucional. Com os direitos processuais fundamentais não foi diferente. Nesse contexto, destaca-se o devido processo legal, o qual funciona como fundamento dos outros direitos fundamentais e que assegura um processo justo. Além dele, pode-se destacar os direitos fundamentais à segurança jurídica, ao acesso à justiça, à isonomia, ao contraditório, à ampla defesa, o dever de motivação do magistrado e à publicidade dos atos processuais.
Sobre a relação existente entre o processo e a Constituição, Bueno (2013, p. 110) ressalta: “De forma bem simples e bem direta é possível (e necessário) concluir no sentido de que é a Constituição Federal o ponto de partida de qualquer reflexão do direito processual civil”.
Dito isso, percebe-se que a preocupação da doutrina em proibir certas convenções processuais decorre justamente do respeito a essas normas fundamentais, uma vez que a supremacia da constituição impõe que as normas infraconstitucionais sejam com ela compatíveis e harmônicas, sob pena de serem consideradas inconstitucionais. Nesses casos, a autonomia da vontade, derivada do importante princípio constitucional da liberdade, não é excluída do ordenamento jurídico, tal qual um sistema de tudo ou nada, mas simplesmente afastada no caso concreto, tendo em vista a ponderação (peso e importância) entre outros princípios igualmente protegidos.
Assim, evidente que as convenções das partes não podem derrogar os parâmetros constitucionais, sob pena de passar-se de um modelo de supremacia formal da constituição para o de supremacia da vontade dos particulares.
Desse modo, as manifestações de vontade são válidas no primeiro momento e nao é qualquer desigualdade que irá abalar o pacto firmado pelas partes, a não ser que se demonstre um efetivo desequilíbrio, a desproporcional e unilateral retirada de um direito de somente uma das partes, inviabilizando, por exemplo, sua possibilidade de influência.
Exemplo disso, seria banir por meio de convenção processual a possibilidade da assistência judiciária gratuita (igualdade ao processo).
Portanto, a casuística, nesse momento inicial, mostra-se de suma importância para orientar e fornecer um norte interpretativo das convenções processuais para os sujeitos processuais, notadamente os advogados. Diante disso, o Fórum de Processualistas Civis procurou exemplificar, em rol não taxativo, os possíveis negócios jurídicos processuais, por meio dos enunciados n. 19 e 21.
Consoante já pontuado, pelo mesmo motivo que levou o legislador a criar diversos procedimentos especiais, estruturados em razão de possuírem alguma característica peculiar, especial, o mesmo constituinte derivado entendeu e conferiu aos jurisdicionados a possibilidade de também adequarem os seus procedimentos ao caso concreto, atendendo às finalidades e à natureza do direito material objeto da lide.
Assim, com o advento do Novo Código de Processo Civil, a dúvida sobre as convenções processuais não paira sobre a sua possibilidade, mas sim sobre seus limites.
Diante do exposto, cumpre ressaltar que a cláusula geral de negócios processuais atípicos não deve servir apenas para uma atuação mais engenhosa, astuta e criativa pelos advogados. Incumbe a toda comunidade jurídica servir-se desta ferramenta para contribuir para a concretização de um processo cooperativo, com duração razoável, originando uma decisão justa, efetiva e capaz de fornecer uma resposta jurisdicional de qualidade e em observância com as singularidades dos casos concretos. Assim, fala-se em um Devido Processo Convencional.
7. O TERMO DE AJUSTAMENTO DE CONDUTA E OS NEGÓCIOS PRÉ-
PROCESSUAIS
Com base na lição de Yarshell (2015, p. 64), imperioso ressaltar que a possibilidade de “criação de regras pelas partes deve visar racionalizar o processo; e não criar embaraços desnecessários ou torná-lo menos eficiente”. É com esse espírito que o negócio pré-processual inserido no Termo de Ajustamento de Conduta deve ser pensado: como transformar a tutela jurisdicional mais efetiva.
As convenções pré-processuais podem ser previstas tanto em instrumento autônomo, quanto inseridas nos próprios negócios jurídicos de direito material.
Dessa forma, nos TACs, constarão, além das cláusulas pertinentes ao direito material, cláusulas de diferendos inseridas no próprio corpo do Título Executivo Extrajudicial, visando fornecer melhores ferramentas para o eventual descumprimento do acordo e, consequentemente, a sua execução pelo Poder Judiciário.
Ademais, além de criar mecanismos de efetividade para a proteção de direitos que passam da esfera individual, o referido acordo pré-processual, com base no princípio do autorregramento da vontade das partes, visa dar mais fluidez no procedimento, concretizando o Direito Fundamental da Duração Razoável do processo.
A própria dicção do art. 190 do CPC não deixa dúvidas que os negócios processuais podem ser realizados durante ou ANTES da demanda judicial. Em verdade, o campo de incidência das convenções mostra-se muito mais rico e propício na modalidade pré-processual.
Nogueira (2015) classifica os tipos de acordos de procedimento em estáticos e dinâmicos, sendo os últimos de suma importância para o presente trabalho, uma vez que, as partes, ao utilizarem-se da norma prevista no art. 190, podem ajustar o procedimento de acordo com seus interesses, seja criando um novo rito, seja restringindo fases, seja limitando prazos, meios de prova, ou a própria forma dos atos do processo.
Outro ponto importante é a necessidade de assegurar a igualdade das partes e a decorrente paridade das armas no processo, na forma do art. 5, caput, da CRFB/88 e do art. 7 do CPC (paridade de armas). Sendo assim, a observância desses princípios é importante para aferir a validade das convenções processuais, não permitindo que os órgãos legitimados a firmarem TACs, mesmo que na premissa de proteger direitos transindividuais, determinem regras processuais desproporcionais e unicamente vantajosas a uma das partes.
Por fim, Abreu (2015) esclarece que se as partes podem, por falta de ação, não desempenhar certas posições processuais durante o processo, igualmente podem abdicar dessas posições por meio das convenções processuais, sem que isso afronte os direitos fundamentais processuais. Logo, o desequilíbrio gerado entre os sujeitos processuais no que diz respeito às suas posições processuais não significa que a manifestação da vontade seja invalidada por ofensa à isonomia.
Sobre o calendário, o mesmo é um típico negócio jurídico processual plurilateral, em que as partes, juntamente com o juiz, podem calendarizar o procedimento, estipulando as datas para os futuros atos processuais. A grande vantagem é a dispensa da intimação das partes, já que todos os sujeitos processuais estão previamente cientes dos acontecimentos processuais, dando segurança, previsibilidade e velocidade ao processo. Por tal razão, o calendário mostra-se como uma grande ferramenta a combater os tempos mortos, isto é, o período o qual o processo fica parado, esquecido, esperando, muitas vezes, meses para o cumprimento de uma simples diligência.
A situação atual do Judiciário enfrenta um grave problema aritmético entre a quantidade de novas demandas ajuizadas, de um lado, e os processos finalizados de outro. A conta simplesmente não bate. Desde da grande reforma administrativa (EC 19/1998), percebe-se que o constituinte derivado está preocupado com a gestão e eficiência da Administração Pública.
Mas como torná-lo este princípio basilar uma realidade para a atividade jurisdicional? O calendário processual, chamado de timing of procedural steps pela doutrina norte-americana, possui natureza acessória, com a finalidade de estabelecer data-limites, seja do próprio desenho ordinário previsto em lei, seja do próprio acordo procedimental permitido pelo art. 190 do CPC.
Por isso, Costa[2] (2015) aduz que a calendarização não constitui uma técnica de flexibilização procedimental, mas sim uma técnica de gestão racional do tempo processual, fruto da filosofia do just in time, que tanto inspira o processo produtivo das grandes corporações empresariais.
Assim, a única semelhança seria que tanto a cláusula geral dos negócios processuais atípicos quanto o calendário processual são convenções processuais, mas, no primeiro, a autonomia da vontade modela a estrutura procedimental, enquanto, no segundo, define um ritmo próprio no desenvolvimento procedimental.
Sendo um negócio plurilateral, há a necessidade do acordo de vontade entre todos os sujeitos processuais (entendidos como parte, terceiros, salvo a assistência simples, e juiz). Mas essa reunião de vontades não precisa ser colhida de forma simultânea. Logo, é perfeitamente possível a previsão de um calendário processual dentro do Termo de Ajustamento de Conduta por iniciativa das partes, condicionado ao aceite e controle do Magistrado, o qual irá ratificar ou não esse negócio processual em particular.
A imprescindibilidade de concordância do Juiz também deriva de uma questão lógica: ele será diretamente afetado pela convenção, tendo que se adequar a mesma, afetando, até mesmo, a atuação e organização dos servidores da própria vara.
Caso o magistrado recuse o calendário processual, deverá demonstrar o porquê da não aceitação, acompanhado da devida motivação, consoante art. 93, da CRFB/88. Em respeito ao contraditório, pedra de toque no atual CPC, deve-se dar oportunidade às partes para se manifestarem, sendo o momento ideal para reafirmarem a importância e a vantagem do “TIMETABLE”. Note-se que, a depender da fundamentação do juiz, os sujeitos processuais também podem adequar as cláusulas a algum óbice apresentado pelo magistrado.
Por exemplo, foi realizado um Termo de Ajustamento de Conduta Ambienta no Ministério Público Federal, no qual o causador do dano admite ter assoreado um braço de rio na extração ilegal (sem as licenças devidas) de areia/cascalho, acarretando grave erosão nas margens e dificuldade na atividade de pesca pelos moradores da comunidade. Além disso, durante uma forte tempestade, a balsa virou e poluiu o corpo da água com óleo diesel. Assim, o poluidor se comprometeu a indenizar a comunidade afetada, bem como apresentar um PRAD em 60 dias, elaborado por profissional técnico e aprovado pelo órgão ambiental competente.
Dentro do TAC, foi convencionado um calendário processual, estipulando o seguinte: A data para apresentação dos embargos à execução, em eventual execução, será até a data X/X/X, significando X 8 dias após o eventual ajuizamento da execução. A data para resposta aos embargos à execução será até 8 dias após a apresentação dos embargos; A sentença será prolatada, provavelmente, até X/X/X, significando X o período condizente com a realidade prática da vara, tendo em vista a fila de espera de sentenças conclusas, como a extensa gama de processos.
Nessa situação, caso o juiz, ao receber o cumprimento de título executivo judicial, não concorde com as datas estipuladas, o negócio processual não se aperfeiçoará. Caso o magistrado aquiesça, a calendarização será válida e terá seu normal cumprimento.
Um desses estudiosos levanta situação interessante. Se houver substituição do juiz da causa, o substituto estará vinculado ao calendário processual? A autora aponta como crucial saber o motivo que levou o afastamento do magistrado, caso seja temporário, a eventual mudança de juiz não deve atrapalhar o calendário, devendo ser normalmente cumprido. Porém, em hipótese diversa:
Caso o afastamento seja definitivo, tendo em vista a nossa realidade forense, em que os prazos são impróprios para os magistrados, o novo juiz poderia rever os prazos inicialmente estabelecidos para aderir, modificar ou extinguir a convenção processual plurilateral. (XAVIER CABRAL, 2015, p. 234-235)
Por outro lado, se ocorrer o aperfeiçoamento da convenção processual, isto é, a vontade convergente de todos os sujeitos processuais, as datas estipuladas passam a vincular os seus adeptos as novas regras procedimentais estabelecidas, inclusive o agente público investido de jurisdição, na forma do parágrafo primeiro do art. 191. Por tal razão, em que pese os prazos para o juiz serem impróprios, o legislador ao estipular a citada vinculação, atestou seu desejo na participação e comprometimento de todos os integrantes do acordo para cumprir com a finalidade do instituto.
Nesse particular, cumpre ressaltar que o art. 235 do CPC serve para representar ao corregedor do tribunal ou ao CNJ contra juiz que exceder o prazo previsto em lei. De igual modo, por meio de uma interpretação sistêmica, caso o magistrado descumpra com o prazo acordado por ele mesmo sem justa causa, abrir-se-ia a possibilidade de aplicar analogicamente o retrorreferido dispositivo.
Sobre o prazo a ser cumprido, notadamente sobre a calendarização de sentença, cita-se o art. 12 do NCPC, o qual estabelece uma ordem cronológica de julgamento, permitindo aos destinatários da jurisdição um controle e segurança maior sobre a data provável do término de seu processo. Portanto, voltando para a referida convenção plurilateral, esta caminha no mesmo sentido, fornecendo às partes uma estimativa da duração do processo.
Inobstante a semelhança com o calendário processual em possibilitar maior previsibilidade das partes no tocante à duração do processo, parece existir um conflito entre os dois institutos na prolação da sentença judicial. Isto porque, caso o calendário preveja uma data limite para a sentença, automaticamente, estar-se-ia desrespeitando a ordem cronológica de conclusão para proferir sentenças, afetando outros jurisdicionados que também aguardam a prolação de sentenças em seus respectivos processos.
Parte da doutrina afirma ser possível a conciliação da calendarização e da regra disposta no art. 12 do CPC, desde que se estabeleça, frisa-se, em comum acordo das partes e o JUIZ, que o ato que ponha fim a uma das fases do processo com base no arts. 485 e 487 do CPC, seja realizado em audiência especificamente designada para tanto, incidindo, desse modo, na exceção prevista no art. 12, p. 2, I do mesmo Código. Por derradeiro, destaca-se alguns possíveis negócios pré-processuais para promover a eficácia e proteção dos direitos difusos: redução dos prazos peremptórios pela metade, contagem do prazo em dias corridos, provas pré-constituídas, renúncia de assistente técnico, custas de eventual perito judicial arcada pelo poluidor, da desconsideração da Pessoa Jurídica, cláusula de paz e cominação de penalidade por eventual descumprimento das convenções processuais.
8. CONCLUSÃO
O presente artigo pretendeu, sem esgotar o assunto, firmar o entendimento pela compatibilidade do uso das convenções processuais nos processos coletivos, em especial pelo uso dos Termos de Ajustamento de Conduta. Primeiro. Verificou-se a existência de um novo princípio no Código de Processo Civil, derivado do valor da liberdade e consagrado pela cláusula geral expressa no art. 190, qual seja, o respeito ao autorregramento da vontade das partes, sendo o seu conhecimento imprescindível para a correta interpretação da amplitude dos negócios jurídicos processuais.
Tal premissa pôde ser observada por meio de uma interpretação sistemática do Novo Código, onde constatou-se, por inúmeros dispositivos, a valorização e o prestígio da atuação das partes para a formação de uma decisão justa, contribuindo, assim, para o pleno exercício democrático endoprocessual.
Com base na análise histórica do instituto, inferiu-se por sua existência, mesmo que tímida, desde o Código de Buzaid, tendo em vista a previsão de extensa quantidade de negócios jurídicos processuais típicos, bem como uma potencial, mas não expressa, cláusula geral de convenções processuais atípicas.
Segundo. Acerca da existência de convencionalidade no âmbito do Direito Público, averiguou-se uma verdadeira invasão de normas que estimulam a autocomposição em campos antes vistos como avessos a tais práticas.
A esse respeito, destacou-se inúmeros dispositivos e institutos que permitem um grau de disponibilidade, muitas vezes, do próprio direito material pela Administração Pública.
Desta feita, concluiu-se pela possibilidade de se convencionar nos processos coletivos, elencando como equivocada a premissa que os Direitos Materiais indisponíveis sempre levam a indisponibilidade no plano processual. Além disso, comentou-se sobre a resolução N. 118 do CNMP e a utilidade dos TACS para realização de negócios jurídicos processuais. Constatou-se, ainda, a imprescindibilidade do uso de tais ferramentas para criar mecanismos mais eficazes de proteção aos direitos coletivos e sociais relevantes.
Terceiro. A partir da consagração da atipicidade dos negócios processuais, prevista no art. 190 do CPC, além do inequívoco poder dado às partes para adequarem o procedimento e suas situações processuais, observou-se e estabeleceu-se limites para a prática do instituto, os quais se subdividem em: i) requisitos específicos elencados no parágrafo único do art. 190 do CPC; ii) requisitos gerais dos negócios jurídicos espalhados pelo CC; iii) requisitos constitucionais, derivados dos Direitos Processuais Fundamentais, notadamente do Devido Processo Legal, o qual revela-se como eixo axiológico de toda a ciência processual.
Por último, com a finalidade de contribuir e fomentar a utilização das convenções processuais no âmbito da Administração Pública, citou-se alguns exemplos de negócios pré-processuais que podem ser firmados nos TACS que, na visão do autor, são instrumentos idôneos para assegurar uma tutela tempestiva, justa e condizente com a natureza jurídica dos Direitos Transindividuais.
REFERÊNCIAS
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Analista jurídico da Defensoria Pública do Estado do Amazonas,<br>Formado em Direito pela Universidade Martha Falcão-DEVRY, Pós-graduando em Direito Processual Pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: HEBRON, Samuel. O negócio jurídico processual e os direitos indisponíveis Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 21 ago 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52155/o-negocio-juridico-processual-e-os-direitos-indisponiveis. Acesso em: 23 dez 2024.
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