RESUMO: O dano moral é um instituto que embora seja conhecido e aplicado a bastante tempo, carece de entendimento consensual até os dias atuais, muito de discute sobre a responsabilidade do Estado na prática dos atos realizados por seus agentes, quando no exercício de suas funções, tendo nesta área, o Brasil adotado a teoria de responsabilidade objetiva, associada a noção de risco administrativo, respondendo o Estado pela falha na execução do serviço público independentemente de dolo ou culpa de seus agentes.
SUMÁRIO: 1. Introdução – 2. Precedentes Históricos do Dano Moral – 2.1 Código de Hamurabi – 2.2 O Código de Manu – 2.3 O Direito Romano – 3. O Dano Moral – 3.1 Noção de Dano – 3.2 Conceito de Dano Moral – 4. Responsabilidade Civil – 4.1 Conceito de Responsabilidade Civil – 4.2 Responsabilidade Contratual ou Extracontratual – 4.3 Responsabilidade Subjetiva e Objetiva – 4.4 Natureza Jurídica da Responsabilidade Civil – 4.5 Função da Reparação Civil – 5. Responsabilidade Civil do Estado Pela Prática dos Atos de Seus Agentes – 5.1 Evolução das Teorias da Responsabilidade Civil do Estado – 5.2 A Responsabilidade Civil no Direito Pátrio – 6. Conclusão – 7. Bibliografia
1. INTRODUÇÃO
O estudo do instituto do dano moral é de extrema relevância para o direito pátrio, haja vista este almejar ressarcir um dano que diferentemente do dano material não é passível de retornar ao status a quo, sendo assim se torne de difícil, visando a indenização pela injusta agressão almejar tão somente minorar o sofrimento do lesado.
Importante se faz atentar para a existência do dano moral oriundo das ações ou omissões dos agentes públicos durante o exercício de suas atribuições funcionais, devendo nestes casos o Estado responder pelos atos praticados por seus agentes, independentemente de dolo ou culpa, haja vista ter sido adotada no Brasil a teoria da responsabilidade objetiva, associada a noção de risco administrativo, também conhecida como responsabilidade sem culpa,.
Desta forma, importante se faz a análise da responsabilidade civil do Estado pelos atos praticados por seus agentes, haja vista a imensidão de atividades que são executadas pelo Poder Público, buscando o presente artigo contribuir com a pacificação do entendimento sobre o referido tema.
2.1 CÓDIGO DE HAMURABI
Embora existente na história das civilizações desde o Código de Hamurabi, o instituto do Dano Moral percorreu um longo caminho até que houvesse um consenso sobre a possibilidade de sua aplicação na doutrina e legislação pátria, sendo ainda de grande importância o papel da jurisprudência para a pacificação deste entendimento, em especial sobre a sua existência nas relações previdenciárias.
Dissertando sobre a história do Código de Hamurabi, Pablo Stolze (2012, p. 113) afirma que “trata-se de um sistema codificado de leis, surgido na Mesopotâmia, através do rei da Babilônia, Hamurabi (1792-1750 a. C.), também conhecido por Kamo-Rábi, que reviu, adaptou e ampliou diversas leis sumérias e acadianas”.
O Código de Hamurabi trata a reparabilidade do dano moral, ainda que de forma primitiva, sendo esta a primeira vez na história das civilizações que um sistema codificado de leis prevê tal fato. O referido código almejava estabelecer uma ordem social baseada no direito do indivíduo, tendo como sua principal preocupação proteger os mais frágeis, buscando reparar de maneira equivalente os danos sofridos por estes nas diversas relações.
Observa-se ainda que este código trata claramente sobre a noção de reparação do dano, devendo as ofensas pessoais, ocorridas dentro da mesma classe social, serem reparadas através de ofensas idênticas, incluindo contudo de maneira inovadora para a sua época, a possibilidade de a reparação do dano ocorrer através do pagamento de um valor pecuniário.
Diante deste entendimento, verifica-se que o referido código estipulava que as ofensas, materiais ou morais, sofridas, deveriam ser reparadas de maneira equivalente, observando o princípio da Lei de Talião, condenando o ofensor a sofrer ofensas idênticas, ou ainda a pagar indenizações em prata.
2.2 O CÓDIGO DE MANU
Embora guardasse certa semelhança com o Código de Hamurabi, não há como negar que o Código de Manu significou uma considerável evolução em relação ao primeiro, pois este abdicou de aplicar a reparação através de ofensas idênticas ao lesionador inicial, determinando apenas a aplicação da sanção pecuniária ao ofensor como forma de reparar o dano sofrido pela vítima.
Ao suprimir do seu texto a possibilidade da sanção física, substituindo-a por um valor pecuniário, o código buscou a reparação da forma que mais fosse sensível ao homem, atingindo com este intuito sua vida financeira.
Sendo assim, nota-se que o Código de Manu demonstrou um profundo avanço em relação ao Código de Hamurabi, pois seu texto possuía uma ética social que impedia que o transgressor fosse alvo de vingança, prevendo a reparação do dano através da pecúnia, se afastando assim da famigerada Lei de Talião.
2.3 O DIREITO ROMANO
Os romanos possuiam uma perfeita noção de reparação pecuniária do dano sofrido, haja vista que a todo ato considerado lesivo ao patrimônio ou a honra de alguém deveria ser imputada uma reparação.
A honra era objeto de grande preocupação para os romanos, conforme entendimento de Pablo Stolze:
A preocupação com a honra, inclusive era profunda, traduzindo-se no brocardo honesta fama est alterium patrimonium (a fama honesta é outro patrimônio), o que demonstra a possibilidade de reparação, ainda que pecuniária, da lesão à boa conduta, há mais de 2000 anos. (STOLZE, 2012, p. 118).
Para Roberta Schneider Westphal, os romanos previam o ressarcimento por danos desde a Lei das XII Tábuas, aceitando ainda que de maneira primitiva a reparação do dano moral, sendo inegável o aperfeiçoamento desta ao longo dos anos.
Ainda segundo Pablo Stolze:
Os cidadãos romanos, que eventualmente fossem vítimas de injúria, poderiam valer-se da ação pretoriana a que se denominava injuriarum aestimatoria. Nesta, reclamavam uma reparação do dano através de uma soma em dinheiro, prudentemente arbitrada pelo Juiz, que analisaria, cautelosamente, todas as circunstâncias do caso. (STOLZE, 2012, p.119)
Como se pode notar, no Direito Romano não se permitia a lesão, devendo haver a reparação de todo e qualquer ato lesivo ao patrimônio ou a honra dos cidadãos.
3.1 NOÇÃO DE DANO
O dano é o principal elemento da responsabilidade civil, haja vista que a obrigação de indenizar subsiste na medida de sua extensão.
Conforme entendimento de Pablo Stolze (2012, p. 87) sem a ocorrência do dano “não haveria o que indenizar, e, consequentemente, responsabilidade”.
Ainda defende Pablo Stolze (2012, p. 87) que “(...) seja qual for a espécie de responsabilidade sob exame (contratual ou extracontratual, objetiva ou subjetiva), o dano é requisito indispensável para a configuração, qual seja, a sua pedra de toque”.
Sendo assim, existe a obrigatoriedade da presença do dano, para que possa haver a responsabilidade, pois sem o dano não existe algo a ser reparado, diante deste fato, verifica-se que pode haver a responsabilidade sem culpa, contudo não pode haver responsabilidade sem a ocorrência do dano.
Helena Elias (2004, p. 21) conceitua o dano como “qualquer lesão a bem jurídico produzida por fator alheio à vontade da vítima”.
Já Pablo Stolze (2012, p. 88) define dano como sendo “lesão a um interesse jurídico tutelado – patrimonial ou não –, causado por ação ou omissão do sujeito infrator”.
Para que o dano seja indenizável, ele deve possuir os seguintes requisitos: ser certo; especial; anormal; referente a uma situação protegida pelo Direito; e de valor economicamente apreciável.
De acordo com Pablo Stolze (2012, p. 111), “O dano moral consiste na lesão de direitos cujo conteúdo não é pecuniário, nem comercialmente redutível a dinheiro”.
Dentre as diversas definições doutrinárias no sentido de que dano moral é aquele que atinge os bens da personalidade, preceitua Sérgio Cavalieri:
Enquanto o dano material (...) repercute sobre o patrimônio, o moral, também chamado de dano imaterial, ideal ou extrapatrimonial, atinge os bens da personalidade, tais como a honra, a liberdade, a saúde, a integridade psicológica, causando dor, sofrimento, tristeza, vexame e humilhação à vítima.
Nessa categoria incluem-se também os chamados novos direitos da personalidade: intimidade, imagem, bom nome, privacidade, a integridade da esfera íntima. Tutela-se, aí, o interesse da pessoa humana de guardar ao para si, ou para estrito círculo de pessoas, os variadíssimos aspectos da sua vida privada: convicções religiosas, filosóficas, políticas, sentimentos, relações afetivas, aspirações, hábitos, gostos, estado de saúde, situação econômica, financeira etc. (CAVALIERI, 2001, p. 74-75).
Para Carlos Alberto Bittar (1999, p. 277), danos morais “são lesões sofridas pelas pessoas, físicas ou jurídicas, em certos aspectos de sua personalidade, em razão de investidas de outrem”.
Maria Helena Diniz (2014, p. 81) conceitua dizendo que "Dano moral vem a ser a lesão de interesses não patrimoniais de pessoa física ou jurídica, provocada pelo fato lesivo".
Já Theodoro Vicente Agostinho (2015, p. 32) afirma que “O que configura o dano moral é aquela alteração no bem-estar psicofísico do indivíduo. Se do ato de outra pessoa resultar alteração desfavorável, aquela dor profunda, que causa modificações no estado anímico, aí está o início da busca pelo dano moral”.
Wânia Alice Ferreira Lima (2013, p. 92) diz que “A conceituação de dano moral é complexa, eis que difere dos danos materiais, estes fisicamente demonstráveis, visíveis e quantificáveis, enquanto aqueles por vezes não podem ser demonstrados, não são aparentes e guardam um problema em sua quantificação”.
Embora existam diversos conceitos com relação ao instituto do dano moral, de maneira sintética pode-se dizer que o dano moral é aquele que atinge a esfera personalíssima do indivíduo ocasionando dor, angústia, sofrimento e tristeza.
A principal distinção entre os danos moral e material relaciona-se ao fato de este atingir unicamente o patrimônio da vítima, ao passo que aquele atinge a personalidade da pessoa.
Desta maneira, enquanto que no dano material há uma diminuição patrimonial e, comprovados os danos, há que se ressarcir a perda, recompondo o status quo patrimonial do ofendido, no dano moral, essencialmente extrapatrimonial, a grande questão é a determinação do quantum indenizatório, haja vista ser indeterminável pecuniariamente.
4. RESPONSABILIDADE CIVIL
4.1 CONCEITO DE RESPONSABILIDADE CIVIL
O termo responsabilidade esta ligado a uma obrigação derivada, que tem por origem uma relação jurídica não cumprida espontaneamente pelo devedor. É ainda a aptidão que o ordenamento jurídico confere a alguém para se submeter às sanções decorrentes de ato próprio ou de terceiro sob sua responsabilidade, respaldado pelo princípio de não ofender.
Há um grande esforço por parte da doutrina no sentido de se encontrar uma diferença ontológica entre a responsabilidade civil e a penal, ficando evidente que a responsabilidade penal decorre da violação de condutas humanas mais graves, que atingem bens sociais de maior relevância, enquanto que a responsabilidade civil se preocupa em reprimir as condutas humanas menos graves, podendo, contudo ocorrer à violação simultânea da lei civil e penal.
Após ressaltar o fato de não existir um consenso entre os doutrinadores quanto ao conceito de responsabilidade, Caio Mário da Silva Pereira diz (2002, p.11) “consiste na efetivação da reparabilidade abstrata do dano em relação a um sujeito passivo da relação jurídica que se forma”.
Já Rui Stoco (1999, p. 93), define “constitui a obrigação pela qual o agente fica adstrito a reparar o dano causado à terceiro”.
Na lição de Maria Helena Diniz (2014, p. 34), responsabilidade civil “é a aplicação de medidas que obriguem uma pessoa a reparar o dano moral ou patrimonial causado a terceiros, em razão de ato por ela mesma praticado, por pessoa por quem ela responde, por alguma coisa a ela pertencente ou de simples imposição legal”.
Pablo Stolze (2012, p. 54), entende que “a responsabilidade civil deriva da agressão a um interesse eminentemente particular, sujeitando, assim, o infrator, ao pagamento de uma compensação pecuniária à vítima, caso não possa repor in natura o estado anterior das coisas”.
Diante destes conceitos, pode-se afirmar sinteticamente que a responsabilidade civil é a sanção estipulada no ordenamento jurídico que surge com o intuito de recompor o dano causado a outrem.
Fala-se em responsabilidade contratual quando a obrigação de indenizar for oriunda da violação de cláusulas contratuais.
No dizer de Pablo Stolze (2012, p. 62) a responsabilidade contratual “(...) é resultante do descumprimento de um dever contratual, pois, nessa hipótese, presumir-se-ia a culpa, uma vez que a própria parte se obrigou, diretamente, à obrigação, ora descumprida.”.
Contudo se o dever de indenizar decorrer da ofensa a um direito subjetivo oponível erga omnes, fala-se neste caso da responsabilidade extracontratual.
Para Pablo Stolze (2012, p. 62) “(...) se o prejuízo decorre diretamente da violação de um mandamento legal, por força da atuação ilícita de um agente infrator (caso do sujeito que bate um carro), estamos diante da responsabilidade extracontratual (...)”.
Em relação a estas espécies de responsabilidade, estipula Sérgio Cavalieri:
Quem infringe dever jurídico (...) que resulte dano a outrem fica obrigado a indenizar. Esse dever, passível de violação, pode ter como fonte uma relação jurídica obrigacional preexistente, isto é, um dever oriundo de contrato, ou, por outro lado, pode ter por causa geradora uma obrigação imposta por preceito geral de Direito, ou pela própria lei.
É com base nessa dicotomia que a doutrina divide a responsabilidade civil em contratual e extracontratual, isto é, de acordo com a qualidade de violação. Se preexiste um vínculo obrigacional, e o dever de indenizar é consequência do inadimplemento, temos a responsabilidade contratual, também chamada de ilícito contratual ou relativo; se esse dever surge em virtude de lesão a direito subjetivo, sem que entre o ofensor e a vítima preexista qualquer relação jurídica que o possibilite, temos a responsabilidade extracontratual, também chamada de ilícito aquiliano ou absoluto. (CAVALIERE, 2001, p. 26)
Este entendimento encontra-se presente no Código Civil de 2002, o qual estabelece a regra da responsabilidade extracontratual no art. 927[1] em aplicação combinada com o art. 186[2], e a responsabilidade contratual no art. 389[3].
A responsabilidade subjetiva decorre do dano causado a terceiros, decorrente de atos culposos ou dolosos.
Segundo ensinamentos de Alvino Lima (1999, p. 44), os requisitos essenciais para a configuração da responsabilidade extracontratual são: “1º) o ato ou omissão violadora do direito de outrem; 2º) o dano produzido por esse ato ou omissão; 3º) a relação de causalidade entre o ato ou omissão e o dano; 4º) a culpa”.
Observa-se que a inclusão da culpa indica a necessidade da existência do elemento subjetivo conduta, para que se trate da responsabilidade subjetiva. Quando a demonstração da culpa for desnecessária, nos encontramos diante da responsabilidade objetiva ou responsabilidade sem culpa.
Para Alvino Lima (1999, p. 69) a culpa é definida como “(...) um erro de conduta, moralmente imputável ao agente e que não seria cometido por uma pessoa avisada, em iguais circunstâncias”.
Já Pablo Stolze (2012, p. 59) entende que a culpa “(...) se caracterizará quando o agente causador do dano atuar com negligência ou imprudência (...)”.
Contudo deve-se atentar, pois existem situações em que o ordenamento jurídico pode atribuir a responsabilidade civil pelo dano, a alguém que não foi o responsável direto por sua ocorrência, trata-se neste caso da responsabilidade civil indireta, podendo neste caso esse alguém responder por danos causados por terceiros, desde que exista algum tipo de relação jurídica entre eles.
Para a existência da responsabilidade civil objetiva, não é necessário que seja caracterizado o dolo ou a culpa do agente causador do dano, pois para que seja caracterizada a responsabilidade objetiva, faz-se necessário apenas que haja um elo de causalidade entre o dano e a conduta do agente responsável, surgindo a partir daí o dever de indenizar.
O fundamento da responsabilidade civil objetiva é a teoria do risco, a qual se encontra presente no art. 927, Parágrafo Único, do Código Civil de 2002. Esta teoria estipula que todo prejuízo causado a terceiros deve ser reparado pelo seu autor independentemente de dolo ou culpa, devendo apenas neste caso existir um nexo de causalidade entre o dano ocorrido e a conduta praticada pelo causador do dano.
A responsabilidade civil pode decorrer tanto por uma violação de ordem jurídica, quanto por uma imposição legal, a qual pode inclusive ser oriunda de uma atividade lícita.
Neste sentido defende Pablo Stolze que:
No caso da responsabilidade civil originada de uma imposição legal as indenizações devidas não deixam de ser sanções, que decorrem não por força de algum ato ilícito praticado pelo responsabilizado civilmente, mas sim por um reconhecimento do direito positivo (previsão legal expressa) de que os danos causados já eram potencialmente previsíveis, em função dos riscos profissionais da atividade exercida, por envolverem interesse de terceiros. (STOLZE, 2012, p. 65).
Ainda conforme entendimento de Carlos Alberto Bittar:
Realmente, a construção de uma ordem jurídica justa – ideal perseguido, eternamente, pelos grupos sociais – repousa em certas pilastras básicas, em que avulta a máxima de que a ninguém se deve lesar. Mas, uma vez assumida determinada atitude pelo agente, que vem a causar o dano, injustamente a outrem, cabe-lhe sofrer os ônus relativos, a fim de que se possa recompor a posição do lesado, ou mitigar-lhe os efeitos do dano, ao mesmo tempo em que se faça sentir ao lesante o peso da resposta compatível prevista na ordem jurídica. (BITTAR, 1999, p. 16).
Sendo assim pode-se dizer que a natureza jurídica da responsabilidade civil será sempre sancionadora, independentemente da obrigação de indenizar decorrer de um ato ilícito, ou de uma imposição legal.
4.5 FUNÇÃO DA REPARAÇÃO CIVIL
Em relação às funções da reparação civil, entende-se que estas são de compensar o dano sofrido pela vítima, de punir o ofensor, bem como ainda de desmotivar a prática de tais atos pela sociedade.
A respeito deste assunto observa Clayton Reis:
(...) o ofensor receberá a sanção correspondente consistente na repreensão social, tantas vezes quantas forem suas ações ilícitas, até conscientizar-se da obrigação em respeitar os direitos das pessoas. Os espíritos responsáveis possuem uma absoluta consciência do dever social, posto que, somente fazem aos outros o que querem que seja feito a eles próprios. Estas pessoas possuem exata noção de dever social, consistente em uma conduta emoldurada na ética e no respeito aos direitos alheios. Por seu turno, a repreensão contida na norma legal tem como pressuposto conduzir as pessoas a uma compreensão dos fundamentos que regem o equilíbrio social. Por isso, a lei possui um sentido tríplice: reparar, punir e educar. (REIS, 2002, p. 78-79).
Diante deste conceito pode-se dizer que a indenização arbitrada pelo magistrado para compensar o dano sofrido, visa a restaurar a coisa ao status quo ante, ou sendo esta impossível, pelo menos minorar a dor sofrida pela vítima. Já em relação à segunda função da reparação civil, punição do ofensor, observa-se que almeja persuadir o ofensor a não mais praticar tais atos. E por último, observa-se a função socioeducativa, a qual tem por objetivo tornar público à sociedade que a conduta praticada pelo agente é aceita no convívio social e não deve ser praticada, sob pena de ser igualmente punida.
5. RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO PELA PRÁTICA DOS ATOS DE SEUS AGENTES
5.1 EVOLUÇÃO DAS TEORIAS DA RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO
Inicialmente existiu a teoria da irresponsabilidade, diante da qual o Estado absolutista não poderia ser responsabilizado por danos, na prática de atos equivocados tomados pela sua administração.
Conforme expõe Alexandre Mazza (2013, p. 310) “[...] a teoria da irresponsabilidade do Estado era própria dos Estados Absolutistas nos quais a vontade do Rei tinha força de lei. Assim, a exacerbação da ideia de soberania impedia admitir que os súditos pudessem pleitear indenizações por danos decorrentes da atuação governamental”.
Contudo, após a derrocada do absolutismo, e influenciado pelo surgimento do liberalismo, o Estado vai perdendo sua imunidade, e passa a admitir a responsabilidade subjetiva, a qual estaria relacionada a culpa na prática dos atos praticados por seus agentes, para que o Estado pudesse ser responsabilizado.
Pablo Stolze (2012, p. 277), diz a respeito desta evolução que “Cinco teorias procuram explicar tal fenômeno, quais sejam, a teoria da culpa civilística, a da culpa administrativa, a da culpa anônima, a da culpa presumida e a da falta administrativa”.
A teoria civilista, primeira teoria subjetiva, permitia que o Estado fosse responsabilizado pela prática dos atos de seus agentes, os quais eram considerados seus prepostos, desde que fosse comprovada a culpa do Estado pela não vigilância dos seus representantes, fato este de difícil comprovação pelo particular, o que ocasionou a decadência desta tese.
A teoria da culpa administrativa apresenta um primeiro avanço terminológico, pois deixa de ver o agente público como um preposto, passando a visualizá-lo como parte da estrutura estatal, responsabilizando assim o Estado pelos danos causado pela prática dos atos de seus agentes no exercício de sua função, haja vista que a partir deste momento ele passa a ser apenas um instrumento da administração pública. Devendo, contudo, o particular demonstrar o nexo de causalidade entre a prática do ato do agente público e o dano ocorrido.
Ressalta-se que devido a existir corriqueiramente dificuldade do particular em identificar o agente causador do dano, houve mais uma evolução na responsabilidade subjetiva, que passou a aplicar a teoria da culpa anônima, diante da qual existia a necessidade tão somente do lesado demonstrar que o dano sofrido foi decorrente da atividade pública, sem existir a necessidade de identificar o funcionário causador do dano.
A quarta teoria subjetiva, foi a teoria da culpa administrativa, na qual conforme ensinamentos de Pablo Stolze (2012, p. 280) “[...] há presunção da culpa do Estado, com a adoção do critério de inversão do ônus da prova”. Entretanto esta teoria aceitava a possibilidade da demonstração da não concorrência de culpa pelo Estado.
Por fim houve a teoria da falta administrativa, diante da qual havendo a falta de serviço estatal, já esta caracterizada a culpa da Administração Pública, sendo assim, no caso de inexistência, mau funcionamento ou retardamento do serviço público, deve o Estado ser responsabilizado.
A respeito desta teoria expõe Pablo Stolze (2012, p. 280) que “[...] para a caracterização da responsabilidade civil, prove-se também, para o reconhecimento da omissão estatal, justamente o seu dever de agir, com a demonstração de que, não se omitindo, haveria real possibilidade de evitar o dano”.
De maneira concisa, ainda a respeito da responsabilidade subjetiva, explica Alexandre Mazza (2013, p. 311) “[...] para a teoria subjetiva é sempre necessário demonstrar que o agente público atuou com intenção de lesar (dolo), com culpa, erro, falta do agente, falha, atraso, negligência, imprudência, imperícia”.
Já na teoria da responsabilidade objetiva, a qual também é conhecida como teoria da responsabilidade sem culpa ou teoria publicista, não há a necessidade de que se comprove que o agente público agiu com dolo ou culpa para que o Estado tenha o dever de indenizar, pois seu fundamento encontra guarida na teoria do risco administrativo.
Na teoria objetiva a vítima deve comprovar que o ato administrativo lhe gerou um dano, demonstrando o nexo causal entre eles.
Segundo Alexandre Mazza:
A teoria objetiva baseia-se na ideia de solidariedade social, distribuindo entre a coletividade os encargos decorrentes de prejuízos especiais que oneram determinados particulares. É por isso, também, que a doutrina associa tal teoria às noções de partilha de encargos e justiça distributiva.
Duas correntes internas disputam a primazia quanto ao modo de compreensão da responsabilidade objetiva: teoria do risco integral e teoria do risco administrativo. (MAZZA, 2013, p. 312-313)
Na teoria do risco integral o cidadão deve comprovar o ato administrativo, o dano causado e o nexo causal entre eles, para que a partir de então o Estado tenha a obrigação de ressarci-lo financeiramente, desprezando-se quaisquer excludentes de responsabilidade, assumindo o Estado todo risco de dano na sua atuação.
Já na teoria do risco administrativo reconhece causas excludentes do dever de indenizar, sendo possível a exclusão da responsabilidade da Administração Pública no caso de culpa da vítima, ou ainda em havendo a culpa concorrente do agente público e do particular a possibilidade da indenização proporcional ao grau de culpa.
O Brasil adotou a teoria do risco administrativo na responsabilidade objetiva, a qual atualmente encontra seu amparo legal no art. 37, § 6º da Constituição Federal de 1988[4].
5.2 A RESPONSABILIDADE CIVIL NO DIREITO PÁTRIO
A responsabilidade do Estado encontra seu amparo legal no art. 37, § 6º da CRFB/88, diante do qual se observa que o legislador constituinte optou por adotar a teoria objetiva, na modalidade do risco administrativo, na legislação pátria, não sendo assim necessária a demonstração de dolo ou culpa do agente público para que haja a obrigação de indenizar o ofendido.
Diante do disposto no art. 37, § 6º da CRFB/88, observa-se que o as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público, responderão pelos atos que seus agentes causarem a terceiros no exercício da função, excluindo-se desta forma a responsabilidade nos atos praticados por seus agentes fora da esfera funcional.
O Código Civil de 2002, em seu art. 43[5], também estipula que o Estado é responsável pelos danos causados a terceiros, oriundos dos atos praticados por seus agentes, contudo a referida norma infraconstitucional encontra-se obsoleta quando comparada ao texto constitucional, pois deixa de incluir em seu bojo a responsabilidade das pessoas jurídicas de direito privado, prestadoras de serviço público.
No dispositivo constitucional, encontra-se referência a dois tipos de responsabilidade, a saber, responsabilidade objetiva do Estado e responsabilidade subjetiva do agente público.
Em relação a responsabilidade objetiva do Estado, Maria Sylvia Zanella Di Pietro expõe que:
A regra da responsabilidade objetiva exige, segundo o art. 37, § 6º, da Constituição:
1. que o ato lesivo seja praticado por agente de pessoa jurídica de direito público [...] ou pessoa jurídica de direito privado [...];
2. que as entidades de direito privado prestem serviço público, o que exclui as entidades da administração indireta que executem atividade econômica de natureza privada; as que prestam serviço público respondem objetivamente, nos termos do dispositivo constitucional, quando causem dano decorrente da prestação de serviço público; mesmo as concessionárias e permissionárias de serviço público e outras entidades privadas somente responderão objetivamente na medida em que os danos por elas causados sejam decorrentes da prestação de serviço público;
3. que seja causado dano a terceiros, em decorrência da prestação de serviço público; aqui está o nexo da causa e efeito; [...];
4. que o dano seja causado por agente das aludidas pessoas jurídicas, o que abrange todas as categorias, de agentes políticos, administrativos ou particulares em colaboração com a Administração, sem o título sob o qual prestam serviço;
5. que o agente, ao causar o dano, aja nessa qualidade; não basta ter a qualidade de agente público, pois, ainda que o seja, não acarretará a responsabilidade estatal se, ai causar o dano, não estiver agindo no exercício de suas atribuições. (DI PIETRO, 2014, p. 722-723)
Neste sentido, verifica-se que a teoria objetiva esta associada a noção de risco administrativo, tornando desnecessária a comprovação da culpa ou dolo do agente, sendo assim também é conhecida como teoria da responsabilidade sem culpa. Contudo, após ter sido condenado, para que o Estado possa buscar uma ação de regresso contra seu agente, será necessário comprovar a culpa ou dolo do mesmo.
6. CONCLUSÃO
Conclui-se, portanto, que a Constituição Federal estipulou que se deve aplicar a responsabilidade objetiva sem culpa, diante do exposto no artigo 37, § 6º da CRFB/88, o qual firma que as pessoas jurídicas de direito público e de direito privado prestadoras de serviço público, responderão pelos atos que seus agentes causarem a terceiros no exercício da função.
Desta forma, constata-se que o Brasil adotou a teoria do risco administrativo, aliada a reponsabilidade objetiva, respondendo o Estado tão somente por haver nexo causal entre a atividade administrativa e a lesão sofrida pelo particular.
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THEODORO JÚNIOR, Humberto. Dano Moral. São Paulo: Editora Juarez de Oliveira, 2001.
[1] Art. 927. Aquele que, por ato ilícito (arts. 186 e 187), causar dano a outrem, fica obrigado a repará-lo. Parágrafo único. Haverá obrigação de reparar o dano, independentemente de culpa, nos casos especificados em lei, ou quando a atividade normalmente desenvolvida pelo autor do dano implicar, por sua natureza, risco para os direitos de outrem.
[2] Art. 186. Aquele que, por ação ou omissão voluntária, negligência ou imprudência, violar direito e causar dano a outrem, ainda que exclusivamente moral, comete ato ilícito.
[3] Art. 389. Não cumprida a obrigação, responde o devedor por perdas e danos, mais juros e atualização monetária segundo índices oficiais regularmente estabelecidos, e honorários de advogado.
[4] Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência e, também, ao seguinte:
[...]
§ 6º As pessoas jurídicas de direito público e as de direito privado prestadoras de serviços públicos responderão pelos danos que seus agentes, nessa qualidade, causarem a terceiros, assegurado o direito de regresso contra o responsável nos casos de dolo ou culpa.
[5] Art. 43. As pessoas jurídicas de direito público interno são civilmente responsáveis por atos dos seus agentes que nessa qualidade causem danos a terceiros, ressalvado direito regressivo contra os causadores do dano, se houver, por parte destes, culpa ou dolo.
Bacharel em Direito, e Especialista em Direito Previdenciário.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: RODRIGO QUEIROZ DE ARAúJO, . O dano moral e a responsabilidade civil do Estado pelos atos praticados por seus agentes Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 22 ago 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52158/o-dano-moral-e-a-responsabilidade-civil-do-estado-pelos-atos-praticados-por-seus-agentes. Acesso em: 23 dez 2024.
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