Resumo: O presente trabalho pretende discorrer sobre a figura do trabalhador intermitente trazida pelas alterações promovidas pela Lei 13.467/2017, conhecida como “reforma trabalhista” e seus reflexos no Sistema Previdenciário Brasileiro.
Rodrigo Perrone¹
Palavras-chave: Contrato de trabalho intermitente. Reflexos no Sistema Previdenciário. Art. 194 e 195, I, “a” da Constituição Federal. Princípio da Dignidade da Pessoa Humana. Princípio do Mínimo Existencial. Princípio da Solidariedade.
Abstract: The present paper intends to discuss the figure of the intermittent worker brought by the changes promoted by Law 13467/2017, known as "labor reform" and its reflexes in the Brazilian Social Security System.
Keywords: Intermittent work contract. Reflections on the Social Security System. Art. 194 and 195, I, “a" of the Federal Constitution. Principle of the Dignity of the Human Person. Principle of the Existential Minimum. Principle of Solidarity.
1. INTRODUÇÃO
Com efeito, a Lei 13.467/2017, também conhecida como “reforma trabalhista”, entrou em vigência em 11 de novembro de 2017, realizando profundas alterações na área trabalhista.
Nesse sentido, referida norma alterou as estruturas do Direito do Trabalho, trazendo novas redações para diversos dispositivos da Consolidação das Leis do Trabalho, modificando conceitos balizares da doutrina e jurisprudência deste ramo jurídico.
Muitas dessas alterações são questionáveis, com relação a sua constitucionalidade e o respeito aos acordos internacionais ratificados pelo Brasil na Organização Internacional do Trabalho (OIT), sendo certo que diversos dispositivos já se encontram sob análise de sua legalidade, através do controle concentrado de constitucionalidade do Supremo Tribunal Federal e do difuso exercido pelos juízes de primeiro grau.
Com todo respeito ao legislador, este agiu mal em promover referidas alterações, as quais tiveram claro objetivo de flexibilizar as normas trabalhistas, privilegiando o capital em detrimento a dignidade da pessoa humana.
Nessa esteira, com falsos argumentos de que a legislação trabalhista estaria ultrapassada, pois não teria sofrido alterações desde 1943, bem como promessas de aumento de emprego, as quais frisa-se não se concretizaram, o governo brasileiro, contrariando os ditames constitucionais promoveu alterações sensíveis que afetaram tanto o Direito do Trabalho como o Previdenciário.
Neste contexto, nasceu uma nova espécie de relação de emprego, o chamado contrato intermitente, cuja as características irão influenciar o Sistema Previdenciário, conforme será discutido no decorrer deste artigo, buscando propiciar ao leitor uma visão sobre este novo contrato de trabalho introduzido pela lei 13.467/2017.
2. CONTRATO DE TRABALHO INTERMITENTE
A Lei 13.467/2017 introduziu uma nova espécie de contrato, o chamado intermitente. Dispõe o Art. 443 da CLT que “o contrato individual de trabalho poderá ser acordado tácita ou expressamente, verbalmente ou por escrito, por prazo determinado ou indeterminado, ou para prestação de trabalho intermitente”. (gn)
Esta forma de contrato vem sendo utilizada em diversos países, como França, Alemanha e Inglaterra, sendo conhecido como o famoso “zero-hour contract”.
Em Portugal, segundo o professor Iure Pereira Pinheiro, juiz do trabalho da 3ª Região, o Código de Trabalho Português cuida nos Art. 157 a 160 do trabalho intermitente, sendo este admitido apenas para empresas que exerçam atividades com descontinuidade ou intensidade variável. Ainda, no período de inatividade, o trabalhador tem direito a uma compensação retributiva, convencionada em acordo coletivo e na falta deste, o empregador deverá pagar 20% da remuneração base que este empregado iria receber caso tivesse se ativado. Na Itália, afirma o doutrinador que esta forma de contrato está prevista no Decreto Legislativo n. 81/2015, somente podendo ser constituído em caso de previsão coletiva para períodos limites de 400 dias a cada três anos e para menores de 24 anos e maiores de 55 anos. Por sua vez, na França somente poderá ser firmado através de acordo coletivo, bem como deverá ser pactuado um labor anual mínimo para este trabalhador. Na Espanha, deve-se acordar em convenções coletivas um mínimo de dias de trabalho e acesso ao seguro desemprego. ²
Do exposto acima, verifica-se que na maioria dos países, existem salvaguardas para garantir um mínimo de remuneração para o trabalhador, pois sem estas, o empregado ficará privado do mínimo necessário para sua sobrevivência, pois nesta espécie de contrato pode não se ativar por meses, ficando sem qualquer provento.
No Brasil ao contrário dos demais países, essa forma de contrato foi imposta sem qualquer proteção, ou seja, não há qualquer limitação para esta espécie de contratação, nem uma garantia de um mínimo anual de trabalho que desse segurança ao empregado de que receberá ao menos algum valor fixo caso não se ative.
A única previsibilidade para o empregado de que irá receber algum valor neste contrato, se é que podemos chamar desta forma, está elencada no Art. 452-A, § 4º da CLT, o qual prevê uma multa de 50% sobre a remuneração acordada no caso de descumprimento da oferta de convocação por uma das partes.
Ora, observa-se que essa multa somente ocorrerá em razão do descumprimento de uma convocação, não sabendo o trabalhador quando esta ocorrerá, podendo demorar meses para que seja chamado por seu empregador.
Prosseguindo, o contrato intermitente alterou profundamente o conceito de relação de emprego, isto porque no Direito do Trabalho, empregado será toda pessoa física que prestar serviços de natureza não eventual ao empregador, estando a este subordinado recebendo uma contraprestação, não sendo outro o entendimento que se extrai do Art. 3º da CLT.
Segundo o professor e Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Maurício Godinho Delgado (2018, p.338):
“Esses elementos ocorrem no mundo dos fatos, existindo independentemente do direito (devendo, por isso, ser tidos como elementos fáticos). Em face de sua relevância sociojurídica, são eles, porém, captados pelo Direito que lhes confere efeitos compatíveis (por isso devendo, em consequência, ser chamados de elementos fático-jurídicos). Não, são, portanto, criação jurídica, mas simples reconhecimento pelo direito de realidades fáticas relevantes. Também denominados pela mais arguta doutrina jurídica de pressupostos, esses elementos fático-jurídicos alojam-se “...na raiz do fenômeno a ser demonstrado”, antecedendo o fenômeno e dele independendo, embora venham a ser indispensáveis à composição desse mesmo fenômeno.
Conjugados, esses elementos fático-jurídicos (ou pressupostos) em uma determinada relação socioeconômica, surge a relação de emprego, juridicamente caracterizada”.
Conforme se verifica, a redação que introduz o trabalho intermitente em nosso país, altera os conceitos de relação de emprego, no que diz respeito a subordinação e habitualidade, pois agora o trabalhador poderá ser convocado para prestar serviços por apenas alguns períodos, para vários empregadores, sendo a inatividade não considerada como tempo à disposição, ou seja, forma-se o vínculo empregatício, porém sem a habitualidade, podendo o empregado laborar apenas algumas horas, possuir diversos patrões e não ser remunerado pelo tempo de inatividade a espera de uma nova convocação, tudo de acordo com o disposto pelo Art. 452-A, § 1º e 5º da CLT.
Sobre o tempo à disposição, convém mencionar a redação prevista no Art. 452-C da CLT, o qual foi revogado em razão da perda da validade da Medida Provisória n. 808/2017:
“Art. 452-C. Para fins do disposto no § 3º do art. 443, considera-se período de inatividade o intervalo temporal distinto daquele para o qual o empregado intermitente haja sido convocado e tenha prestado serviços nos termos do § 1º do art. 452-A.
§ 1º Durante o período de inatividade, o empregado poderá prestar serviços de qualquer natureza a outros tomadores de serviço, que exerçam ou não a mesma atividade econômica, utilizando contrato de trabalho intermitente ou outra modalidade de contrato de trabalho.
§ 2º No contrato de trabalho intermitente, o período de inatividade não será considerado tempo à disposição do empregador e não será remunerado, hipótese em que restará descaracterizado o contrato de trabalho intermitente caso haja remuneração por tempo à disposição no período de inatividade.”
Destaca-se contudo, que referido dispositivo foi novamente reproduzido através da Portaria n. 349/2018 do Ministério do Trabalho em seu Art. 4º, a qual deverá ser observada em nosso ordenamento jurídico.
Pois bem, referido contrato de trabalho admite ainda que o empregado receba menos que um salário mínimo, uma vez que consta em seu caput, que o trabalhador não poderá receber valor inferior ao mínimo hora, conforme dispõe o Art. 452-A da CLT.
Diante do narrado, resta evidente que o contrato de trabalho intermitente trouxe novidades que flexibilizam a relação de trabalho, retirando direitos dos empregados, isto porque agora podem trabalhar apenas poucas horas e receberem valores abaixo do salário mínimo.
Entende o professor Iuri Pereira Pinheiro que este contrato de trabalho inviabiliza a possibilidade de programação de sua vida, ou seja, acaba por prejudicar o acesso aos direitos sociais previstos no Art. 6° de nossa Carta Magna. Afirma ainda que contrato intermitente viola o Princípio da Alteridade, transferindo os riscos da atividade econômica para o trabalhador, pois a convocação dependerá da demanda de serviços, sendo, portanto, seu salário uma surpresa. ³
Essa transferência do risco é ilegal e constitui um dos motivos pelos quais a doutrina e jurisprudência apontam para invalidade dessa forma de contratação, conforme se verifica no aresto a seguir proferido pela 8ª Turma do Colendo Tribunal Superior do Trabalho em Ação Civil Pública contra a empresa Arcos Dourados Comércio de Alimentos LTDA, mais conhecida ao público como McDonald’s:
RECURSO DE REVISTA DO MINISTÉRIO PÚBLICO DO TRABALHO. AÇÃO CIVIL PÚBLICA. JORNADA MÓVEL E VARIÁVEL. INVALIDADE. Entende-se pela invalidade de cláusula prevista em contrato de trabalho que fixa jornada móvel e variável porque prejudicial ao trabalhador, pois, embora não exista vedação expressa sobre a prática adotada pela requerida, percebe-se que a contratação efetivada visa a que o trabalhador fique sujeito a ato imperativo do empregador que pode desfrutar do labor de seus empregados quando bem entender,em qualquer horário do dia, pagando o mínimo possível para auferir maiores lucros. Esta prática, contratação na qual os trabalhadores ficam à disposição da empresa durante 44 horas semanais, em que pese esta possa utilizar-se de sua força laborativa por apenas 8 horas semanais, na medida de suas necessidades, é ilegal, porquanto a empresa transfere o risco do negócio para os empregados, os quais são dispensados dos seus serviços nos períodos de menor movimento sem nenhum ônus e os convoca para trabalhar nos períodos de maior movimento sem qualquer acréscimo nas suas despesas. Entender o contrário implicaria desconsiderar as disposições contidas nos artigos 4º, caput, e 9º da CLT, que disciplinam o tempo à disposição do empregador e nulificam os atos praticados com o objetivo de desvirtuar ou fraudar os dispositivos regulamentadores da CLT. Recurso de revista conhecido e provido. (TST- RR- 9891900-16.2005.5.09.0004; Órgão Julgador: 8ª Turma; Julgamento: 23/02/2011; Publicação: 25/02/2011; Relatora: Dora Maria da Costa) (gn)
Nas palavras do professor Maurício Godinho Delgado (2018, p.668) este contrato retirou diversas garantias dos trabalhadores, conforme se verifica no trecho a seguir transcrito:
“O novo contrato de trabalho intermitente, conforme se pode perceber, inscreve-se entre as mais disruptivas inovações da denominada reforma trabalhista, por instituir modalidade de contratação de trabalhadores, via CLT sem diversas proteções, vantagens e garantias estruturadas pelo Direito do Trabalho”.
Diante do exposto, verifica-se que o contrato intermitente trouxe diversas alterações ao Direito do Trabalho, sendo certo que estas reduziram os direitos dos celetistas, bem como suas remunerações, situação que irá impactar diretamente no Sistema Previdenciário Brasileiro, tanto no que diz respeito a proteção deste trabalhador como também na captação de recursos para garantir seu acesso aos benefícios, conforme será discutido no momento oportuno deste estudo.
3. DISPOSIÇÕES LEGAIS SOBRE A CONTRIBUIÇÕES PREVIDENCIÁRIAS DO TRABALHADOR INTERMINTENTE
Sem delongas, antes de adentrar na matéria atinente aos reflexos de Lei n. 13.467/2017, importante destacar os dispositivos trazidos por esta norma que se referem as questões previdenciárias.
Nesse sentido, o Art. 452, §8º da CLT dispõe que o empregador efetuará o recolhimento da contribuição previdenciária e o depósito do Fundo de Garantia na forma da lei, com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento destas obrigações.
Ainda sobre esta matéria, o Art. 6° da Portaria n. 349/2018 do Ministério do Trabalho e Emprego, prevê que o empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias própria e do empregado, com base nos valores pagos no período mensal.
Ato contínuo, a antiga Medida Provisória n. 808/2017 trazia que o Art. 452-A da CLT seria acrescido dos parágrafos 13º e 14º, os quais versavam sobre o auxílio doença e o salário maternidade, cujo teor transcreve-se in verbis: “§ 13. Para os fins do disposto neste artigo, o auxílio-doença será devido ao segurado da Previdência Social a partir da data do início da incapacidade, vedada a aplicação do disposto § 3º do art. 60 da Lei nº 8.213, de 1991; § 14. O salário maternidade será pago diretamente pela Previdência Social, nos termos do disposto no § 3º do art. 72 da Lei nº 8.213, de 1991”.
Referida Medida Provisória ainda acrescentava o Art. 911-A a Consolidação, versando sobre o acesso do trabalhador a Previdência Social:
“Art. 911-A. O empregador efetuará o recolhimento das contribuições previdenciárias próprias e do trabalhador e o depósito do FGTS com base nos valores pagos no período mensal e fornecerá ao empregado comprovante do cumprimento dessas obrigações.
§ 1º Os segurados enquadrados como empregados que, no somatório de remunerações auferidas de um ou mais empregadores no período de um mês, independentemente do tipo de contrato de trabalho, receberem remuneração inferior ao salário mínimo mensal, poderão recolher ao Regime Geral de Previdência Social a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, em que incidirá a mesma alíquota aplicada à contribuição do trabalhador retida pelo empregador.
§ 2º Na hipótese de não ser feito o recolhimento complementar previsto no § 1º, o mês em que a remuneração total recebida pelo segurado de um ou mais empregadores for menor que o salário mínimo mensal não será considerado para fins de aquisição e manutenção de qualidade de segurado do Regime Geral de Previdência Social nem para cumprimento dos períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários.”
Portanto, de acordo com esta Medida Provisória, os trabalhadores que recebem menos que o salário mínimo, o qual atualmente se encontra no valor de R$ 954,00 (novecentos e cinquenta e quatro reais) deveriam recolher 8% sobre a diferença entre a remuneração recebida de um ou mais empregadores e o valor do salário mínimo mensal, sob pena de não serem considerados segurados e os valores recolhidos não contarem para o cumprimento do período de carência para recebimento dos benefícios previdenciários, não sendo outro o entendimento que se extrai do Ato Declaratório Interpretativo da Receita Federal Brasileira n. 6 de 24 de novembro de 2017, a seguir transcrito:
“Ato Declaratório Interpretativo RFB nº 6, de 24 de novembro de 2017 Publicado no DOU de 27/11/2017, seção 1, página 103)Dispõe sobre a contribuição previdenciária complementar prevista no § 1º do art. 911-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943.O SECRETÁRIO DA RECEITA FEDERAL DO BRASIL, no uso da atribuição que lhe confere o inciso XXV do art. 327 do Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil, aprovado pela Portaria MF nº 430, de 9 de outubro de 2017, e tendo em vista o disposto no art. 911-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, declara:
Art. 1º A contribuição previdenciária complementar prevista no § 1º do art. 911-A da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT), aprovada pelo Decreto-Lei nº 5.452, de 1º de maio de 1943, a ser recolhida pelo segurado empregado que receber no mês, de um ou mais empregadores, remuneração inferior ao salário mínimo mensal, será calculada mediante aplicação da alíquota de 8% (oito por cento) sobre a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal.
1º O recolhimento da contribuição previdenciária prevista no caput deverá ser efetuado pelo próprio segurado até o dia 20 (vinte) do mês seguinte ao da prestação do serviço.
2º Não será computado como tempo de contribuição para fins previdenciários, inclusive para manutenção da condição de segurado do Regime Geral de Previdência Social (RGPS) e cumprimento de prazo de carência para concessão de benefícios previdenciários, o mês em que a remuneração recebida pelo segurado tenha sido inferior ao salário mínimo mensal e não tenha sido efetuado o recolhimento da contribuição previdenciária complementar prevista no caput”.
Dos citados dispositivos, verifica-se que o legislador ao introduzir o contrato intermitente foi omisso em diversos pontos relativos a matéria previdenciária, sendo necessária a edição de uma Medida Provisória para tratar deste assunto.
Ocorre que referida Medida Provisória perdeu sua validade diante da não ratificação pelo Congresso Nacional, situação esta que trás ainda mais dúvidas sobre como deverá ser enfrenada as questões atinentes ao acesso deste trabalhador aos benefícios da Previdência Social.
Posto isto, será abordado a seguir as consequências das alterações propostas pelo legislador no que tange a matérias previdenciárias.
4. DOS REFLEXOS DA REFORMA TRABALHISTA NO SISTEMA DA PREVIDÊNCIA SOCIAL – PRINCÍPIOS DA DIGNIDADE DA PESSOA HUMANA – DA SOLIDARIEDADE – DO MÍNIMO EXISTENCIAL
Com efeito, a introdução do contrato intermitente em nossa legislação causou diversas alterações, trazendo prejuízos aos trabalhadores, os quais agora podem ser submetidos a empregos precários com salários reduzidos.
Nesse diapasão, o Art. 452-A da CLT não se harmoniza com os preceitos constitucionais referentes a Seguridade Social, qual seja, a busca pela justiça social prevista no Art. 3º de nossa Carta Magna.
Isto ocorre porque a dicção do referido dispositivo faz com que o trabalhador intermitente nos períodos em que se encontra em atividade seja enquadrado como empregado, situação esta que é afastada durante os períodos de inatividade, no qual não haverá o recolhimento previdenciário.
E mais, a remuneração apenas pelas horas trabalhadas, representa um grande óbice para este trabalhador preencher os requisitos previstos hoje para aposentaria, pois frisa-se o trabalhador não sabe quando ou se irá se ativar e somente após a prestação do serviço serão recolhidas as contribuições previdenciárias.
Pior, como se não bastasse tal situação, na qual o trabalhador não é considerado segurado no período de inatividade, tem prejuízos com relação ao tempo de contribuição diante da ausência de habitualidade na prestação dos serviços o que irá afetar sua aposentadoria, o Governo editou a Medida Provisória n. 808/2017 que dispunha que aquele empregado que recebesse menos que o salário mínimo legal, deveria realizar o recolhimento complementar previdenciário desta diferença, sob pena de não ser considerado como segurado do Regime Geral de Previdência, bem como os valores recolhidos não serem considerados para cumprimento do período de carência.
Por sorte, referida Medida Provisória perdeu sua validade, não havendo mais a necessidade do trabalhador intermitente que recebe menos de um salário mínimo mensal realizar referida complementação no presente momento.
E por certo não deverá ser revivida, como pretende realizar futuramente o governo brasileiro através de Portarias, pois esta medida está em desacordo com os princípios que regem nossa Carta Magna a respeito da matéria previdenciária.
Observa-se que todo o arcabouço criado para dificultar o trabalhador intermitente de ter acesso aos benefícios do Sistema Previdenciário está em desacordo com os ditames da Constituição Federal, isto porque nosso ordenamento jurídico é regido pelo Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no Art.1º, III da CF/88.
A respeito deste princípio, transcreve-se os ensinamentos do professor José Afonso da Silva (1998, p.108/109):
“O Estado Brasileiro, segundo o Art. 1°, tem como fundamentos a soberania. Dignidade da pessoa humana é um valor supremo que atrai o conteúdo de todos os direitos fundamentais do homem, desde o direito à vida. “Concebido como referência constitucional unificadora de todos os direitos fundamentais [observem Gomes Canotilho e Vital Moreira], o conceito de dignidade da pessoa humana obriga a uma densificação valorativa que tenha em conta o amplo sentido normativo-constitucional e não qualquer ideia apriorística do homem, não podendo reduzir-se o sentido da dignidade da pessoa humana à defesa de direitos pessoais tradicionais, esquecendo-a nos casos de direitos sociais, ou invocá-la para construir ‘teoria do núcleo da personalidade’ individual, ignorando-a quando se trate de garantir as bases da existência humana”. Daí decorre que a ordem econômica há de ter por fim assegurar a todos a existência digna (art.170), a ordem social visará a realização da justiça social (art.193) a educação, o desenvolvimento da pessoa e seu preparo para o exercício da cidadania (art.205) etc., não como meros enunciados formais, mas como indicadores de conteúdo normativo eficaz da dignidade da pessoa humana”.
Portanto, como citado pelo Autor, referido princípio por ser fundamento do Estado Brasileiro, diante de sua valoração, privilegia Direitos Sociais, dentre os quais estão
incluídos os benefícios previdenciários. Logo, não pode o Estado dificultar ou então excluir os cidadãos do acesso ao Sistema Previdenciário, como pretendeu o legislador com a elaboração da Medida Provisória n. 808/2017.
Ato contínuo, o entendimento trazido pelo legislador nesta Medida Provisória não se coaduna com as disposições do Art. 195, I “a” da Constituição Federal, o qual prevê que a contribuição recai sobre o total da remuneração, não havendo qualquer exigência de vinculação ao salário mínimo como constou neste diploma legal.
Ainda, observa-se que a Medida Provisória ao obrigar o trabalhador intermitente a realizar um recolhimento complementar previdenciário, afrontou o Princípio da Solidariedade, maior característica do Direito Previdenciário, prevista no Art. 194 da Constituição Federal, versando sobre um conjunto de ações integradas do Governo e da Sociedade em busca da justiça social, a qual não será alcançada se este empregado for excluído da Previdência Social, como constou na redação da Medida Provisória n. 808/2017.
Sobre os objetivos da Seguridade Social, afirma o professor Wagner Balera (2014, p.22):
“combinação da igualdade com a solidariedade – é o sistema jurídico apto a conferir equivalente quantidade de saúde, de previdência e de assistência a todos que necessitem de proteção. O respectivo objetivo, a justiça social, se tornará realidade quando a promoção de bem de todos deixar de ser mero programa”.
Ainda, não observou o legislador a respeito desta matéria, o Princípio do Mínimo Existencial, ou seja, seu dever de garantir ao trabalhador um mínimo de condição de sobrevivência através do acesso aos benefícios previdenciários.
Destaca-se ainda que o Estado Brasileiro adotou os fundamentos do Welfare State, ou seja, possuir o dever de proteger este trabalhador intermitente e não excluí-lo como tentou fazer o legislador.
Assim, a inclusão do trabalho intermitente em nossa legislação ser qualquer proteção, bem como o fato do Governo não prever suas consequências na seara previdenciária e ainda por cima editar uma Medida Provisória desfavorável ao empregado, demonstra que não se atentou as previsões constitucionais, desrespeitando os princípios balizares do Direito do Trabalho e Previdenciário.
Observa-se que com a imposição do empregado complementar o recolhimento previdenciário, pretendeu o legislador atender o disposto Art. 194, parágrafo único, VI da Constituição Federal, que versa sobre a diversidade de financiamento da Seguridade Social.
Nesse sentido, pretendeu através do recolhimento complementar captar recursos Sistema Previdenciário, isto porque o fornecimento de benefícios ao trabalhador intermitente ocasionará um desequilíbrio nas contas da Previdência Social, uma vez que nossa Carta Magna em seu Art. 201, § 2º, dispõe que nenhum benefício previdenciário terá valor mensal inferior ao salário mínimo.
Nesta toada, verifica-se que aquele trabalhador que recebeu menos que o salário mínimo, realizando recolhimentos sobre esta remuneração, terá direito a um benefício previdenciário de pelo menos um salário mínimo, ou seja, um benefício muito maior do que seu próprio salário, sem ter recolhido o valor proporcional necessário para receber tal remuneração.
Ocorre que tal custo não pode ser repassado ao trabalhador, o qual já irá receber um salário abaixo do mínimo, logo, quem deverá a empresa arcar com essa complementação, pois frisa-se o Sistema Previdenciário busca a justiça social, sendo certo que aquele que tem maiores condições deverá contribuir com valores maiores.
Outros questionamentos que surgem dizem respeito ao acesso deste trabalhador ao seguro desemprego. A Medida Provisória n. 808/2017 vedava seu recebimento, porém como pode uma relação de emprego não ter acesso a este benefício?
Ainda, indaga-se quem irá realizar os pagamentos do salário maternidade, uma vez que o § 14 acrescido pela medida provisória perdeu sua vigência?
Do exposto verifica-se que ocorrem diversos problemas na seara previdenciária com relação ao trabalhador intermitente, tais como acesso aos benefícios em época de inatividade, preenchimento dos requisitos para recebimento dos benefícios previdenciários em razão do labor por hora, captação de recursos dentre outros, o que levará a uma judicialização destas matérias, pelo que caberá ao Poder Judiciário observando os preceitos constitucionais encontrar uma solução para as alterações realizadas pela Lei 13.467/2017.
5. CONCLUSÃO
A figura do trabalho intermitente trazido pela chamada reforma trabalhista jamais foi permitida em nosso país, sendo este contrato considerado ilegal, pois transfere o risco do negócio aos empregados, uma vez que a convocação destes trabalhadores dependerá da demanda destes serviços.
No caso, se houver uma grande demanda estes trabalhadores serão convocados, porém, dispensados em épocas de baixa, sendo dever do empregador assumir o risco durante as épocas de baixa procura, não podendo penalizar seus trabalhadores que ficarão inativos por determinados períodos sem receber remuneração.
Nesse sentido, a prática indica que o contrato de trabalho intermitente, ao invés de gerar empregos, como afirmou o deputado Rogério Marinho, relator da reforma trabalhista no Congresso, cria um maior número de desempregados, bem como precariza a relação de trabalho.
Tal fato pode ser constado no caso do McDonald’s que buscando reduzir seus custos implantou o trabalho intermitente através de uma jornada móvel e variável, conforme se extrai do Recurso de Revista n. 9891900-16.2005.5.09.0004.
No referido processo, foram interpostos Embargos de Divergência para a SDI-1, a qual entendeu que o objeto que teria levado ao entendimento da 8º Turma pela ilegalidade destes contratos, qual seja, a jornada variada foi extinto, em razão de um acordo celebrado com o Ministério Público nos autos n.1040-74.2012.5.06.0011 da 11ª Vara do Trabalho de Recife, obrigando a empresa a alterar a jornada móvel para fixa.
Referida alteração, segundo artigo do professor Igor de Oliveira Zwicker, encartado no livro Reforma Trabalhista e seus impactos (2018, p.188) aumentou o número de empregos nesta rede, sendo uma falácia a tese de que esta forma de contrato de trabalho irá produzir mais empregos, não sendo outro o entendimento que se extrai do trecho a seguir transcrito:
“A grande reflexão que tomo, dessas ações civis públicas, bem como consta na nota Técnica n. 1/2017, do Ministério Público do Trabalho – e me chamou bastante a atenção, quando da leitura: segundo dados objetivos e oficiais do CAGED – Cadastro Geral de Empregados e Desempregados do Ministério do Trabalho, instituído pela Lei n. 4.923/1965, após o momento em que a empresa passou a cumprir o acordo judicial celebrado com o Ministério Público do Trabalho, com migração para a jornada fixa, em relação aos seus empregados, o McDonald’s passou de um total de 16.003 (dezesseis mil e três) empregados, em 532 filiais, para 45.075 (quarenta e cinco mil e setenta e cinco) empregados em 583 filiais – isso em apenas 10 meses, o que demostra, claramente, que o fim da jornada móvel intermitente, no caso concreto, acarretou o aumento da empregabilidade e que sua prática, no Brasil, trará desemprego formal e precarização das relações de trabalho, em franca afronta à própria Constituição da República, cuja ordem econômica, fundada na valorização do trabalho humano e na livre iniciativa, e que tem por fim assegurar a todos uma existência digna, conforme os ditames da justiça social, deve observar, dentre outros, o princípio da busca do pleno emprego”.
Diante do narrado, resta evidente que a figura do contrato intermitente gerou enormes controvérsias no Direito do Trabalho, assim como reflexos nas questões previdenciárias, pois o empregado contratado desta forma encontra-se extremamente desprotegido, pois a Lei foi omissa sobre a forma adequada de sua inclusão no Sistema Previdenciário.
Ao contrário, procurou o legislador através da edição da Medida Provisória n. 808/2017, a qual felizmente perdeu sua vigência, criar óbices para afastar este trabalhador da proteção do Sistema Previdenciário, dispondo que o empregado cuja remuneração for inferior ao salário mínimo mensal, deverá realizar um recolhimento complementar sobre a diferença entre a remuneração recebida e o valor do salário mínimo mensal, sob pena de não ser aceito como segurando da Previdência Social, bem como não ser considerado cumpridos os períodos de carência para concessão dos benefícios previdenciários.
A atitude do legislador demonstra seu total descaso com as condições deste do trabalhador intermitente, afrontando o Princípio da Dignidade da Pessoa Humana, previsto no Art. 1º, III da CF/88 e considerado a pedra fundamental do nosso Estado Democrático de Direitos.
Com efeito, pretendeu o legislador afastar o empregado intermitente do sistema jurídico característico de qualquer outro trabalhador, o que não seria correto, pois segundo entendimento do professor Igor de Oliveira Zwicker (2018, p.212/213), não haveria a típica eventualidade no trabalho intermitente, situação esta que permite o enquadramento do empregado como segurando obrigatório nos moldes do Art. 11, inciso I, alínea “a” da Lei nº 8.213/1991, não sendo outro o entendimento que se extrai do seu artigo disponibilizado no Livro a Reforma Trabalhista e seus Impactos:
“Entretanto não me furto novamente registrar (e criticar) que, no tocante ao sistema previdenciário, a “Reforma Trabalhista” (Lei n. 13.467/2017 e Medida Provisória n. 808/2017) buscou afastar o empregado sob intermitência do sistema jurídico característico a todo e qualquer trabalhador, aproximando-o muito mais da figura do empregado doméstico e dos demais segurados, o que não é correto, no meu sentir, em razão do próprio artigo 443 da Consolidação das Leis Trabalho, com redação dada pela Lei 13 467/2017. Com efeito, o empregado intermitente é um autêntico empregado contratado por prazo indeterminado, nada diferenciando quanto a isto. A única diferença, falando em termos gerais, reside na “intermitência” propriamente dita, de modo que o empregado intermitente está sujeito a períodos de inatividade e o empregado celetista, no geral, está envolto no manto do Art. 4º, caput da Consolidação das Leis do Trabalho, considerando-se como serviço efetivo o período em que o empregado estiver à disposição do empregador, aguardando ou executando ordens. Nesse diapasão, o empregado intermitente, tal qual o empregado celetista no geral, é segurado obrigatório do Regime Geral de Previdência Social; ambos se inserem na inteligência do artigo 11, inciso I, alínea “a”, da Lei n. 8213/1991, (...) Como já visto neste trabalho, em arremate final, a novel figura da “intermitência” não se aproxima da teoria da descontinuidade, típica do trabalho eventual sendo “o trabalho descontínuo e ininterrupto com relação ao tomador enfocado” (Delgado, 2017 a:318), que se ajusta à figura so trabalhador eventual doméstico (“diarista”). No contrato de trabalho intermitente não há, efetivamente, um evento certo, determinado e episódico ou esporádico, de modo que não se aplica a essa novel modalidade de trabalho, a teoria da descontinuidade; o pressuposto da não eventualidade, se faz presente. Existindo, igualmente, os pressupostos da subordinação jurídica, da onerosidade e da pessoalidade, esse empregado, inequivocamente – repita-se - , insere-se no artigo 11, inciso I, alínea “a”, do plano de Benefícios da Previdência Social”.
Data a vênia, não há dúvidas que a intenção do legislador foi infelizmente a de excluir este trabalhador da Sistema Previdenciário, situação esta, que não poderá se repetir, através de futuras Portarias sobre esta matéria que serão elaboradas de acordo com o anunciado pelo Governo, sob pena de afronta direta a Constituição Federal.
Para o professo Iure Pereira Pinheiro (2018, p.150), em artigo publicado no Livro Reforma Trabalhista e seus Impactos redação elaborada pelo legislador causa um enorme espanto diante sua falta de visão da realidade:
“A norma é estarrecedora porque imaginar que um trabalhador que recebe abaixo do mínimo necessário à subsistência terá capacidade financeira para fazer recolhimento previdenciário suplementar é ignorar as mais elementares máximas da experiência. A verdade cristalina é que, na prática, esses trabalhadores dificilmente preencherão os requisitos para usufruírem dos benefícios e nem os quinze primeiros dias de adoecimento receberão porque, diversamente dos demais empregados, não são destinatários desse direito mínimo custeado pelas empresas. O discurso de dar proteção securitária a essas pessoas fica, assim, extremamente comprometida”.
Dessa forma, o Estado Brasileiro ao introduzir o contrato intermitente no ordenamento jurídico, sem qualquer proteção, tanto na seara trabalhista, como previdenciária, ignorou as normas internacionais ratificadas pelo Brasil na Organização Internacional do Trabalho e os preceitos fundamentais do Welfare State estabelecidos em nossa Carta Magna, quais sejam: a Dignidade da Pessoa Humana, Solidariedade e Mínimo Existencial.
Diante do rompimento do pacto social pelo Estado, surgirão situações absurdas que poderão reduzir o trabalhador a condições análogas a escravidão, uma vez que é possível que a remuneração do empregado intermitente seja menor que o salário mínimo, recaindo sobre a Previdência Social a responsabilidade de garantir direitos mínimos a este trabalhador, os quais lhe proporcionem uma vida digna, sendo certo que caso de omissão desta, será necessário a intervenção do Poder Judiciário para trazer novo equilíbrio a sociedade.
REFERÊNCIAS
BALERA, Wagner. Sistema de Seguridade Social. 7ª. ed. São Paulo: LTr, 2014.
DELGADO, Maurício Godinho. Curso de Direito do Trabalho. 17ª. ed. São Paulo: LTr, 2018.
MIESSA, Élisson., CORREIA, Henrique (org.). A Reforma Trabalhista e seus Impactos. Salvador: Editora jusPODIVM, 2018.
SILVA, José Afonso. Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª. ed. São Paulo: Malheiros Editores, 1998.
Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Estadual de Maringá. Especialista em Processo Civil pela Universidade Presbiteriana Mackenzie. Especialista em Direito e Processo do Trabalho pela Escola Paulista de Direito. Mestrando em Direito do Trabalho pela Universidade Pontifícia Católica de São Paulo.<br>
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: PERRONE, Rodrigo. O intermitente e seus reflexos no sistema previdenciário Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 06 set 2018, 04:30. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52208/o-intermitente-e-seus-reflexos-no-sistema-previdenciario. Acesso em: 23 dez 2024.
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