RESUMO: O presente artigo tem como objetivo explicar um pouco do pensamento do positivista Hans Kelsen, em sua obra Teoria Geral do Direito e do Estado. Busca explicitar como Kelsen, em sua obra, Kelsen lançou as bases de uma ciência do direito, de maneira a excluir de seu objeto quaisquer referências estranhas ao direito. Referências essas que até então possuíam forte cunho sociológico, político e axiológico.
Palavras-chaves: positivismo, ciência, direito, Kelsen, interpretação
Hans Kelsen, em sua obra, procurou estabelecer uma teoria que se sustente pré-empiricamente, ou seja, que englobe todos os sistemas jurídicos. O autor almejava uma ciência do direito, o fato de dar ao Direito “o direito de ser Direito’’, e não uma ciência reduzida a sociologia ou política.
Pode-se fazer uma analogia entre o pensamento de Kelsen e o do filósofo Immanuel Kant, o primeiro no âmbito jurídico e o segundo no âmbito cognitivo. Kant resolveu o embate entre racionalistas e empiristas, lançando a teoria de que as ideias não eram nem inatas nem adquiridas por meio da experiência. Em sua obra, da mesma forma, Kelsen utiliza tanto do empirismo, considerando o Direito Consuetudinário como forma legítima de criação do Direito, quanto o racionalismo, na sua teoria em geral.
Para iniciar o raciocínio, o autor classifica a ordem jurídica como um sistema de normas, o que o leva a discorrer sobre os fundamentos da validade de tais normas. Diferindo-se de um enunciado qualquer sobre a realidade, a norma não pode ser classificada como “verdadeira’’ ou “falsa’’, e sim como válida ou não válida. Isso porque a norma possui uma natureza de “deve ser’’, e não “ser’’. De acordo com Kelsen, a norma não é válida em razão da sua conformidade com a realidade, ou seja, ela não é válida por ser eficaz. O fundamento de validade são normas pressupostas, pressupostas porque ditas como certas. Assim, pode-se dizer que uma norma é sempre validada por outra norma existente, nunca por um fato. Dessa forma, para questionar a validade de uma norma, observa-se a norma superior que a valida, e assim se sucede até que o conceito de norma fundamental feche o esse sistema. Segundo o autor, a “norma fundamental é a norma cuja validade não pode ser derivada de uma norma superior. Todas as normas cuja validade podem ter sua origem remontada formam um sistema de normas, uma ordem’’ (KELSEN, 2005, p. 163). Pode-se comparar o conceito de norma fundamental ao de limite para ciências exatas, que seria, em suma, um ponto o qual se tende a chegar, pórem nunca se chega. Percebe-se então, que a norma fundamental é um conceito lógico e hipotético, “é uma pressuposição necessária de qualquer interpretação positivista do material jurídico’’ (KELSEN, 2005, p. 170).
Há dois tipos distintos de sistemas normativos, o estático e o dinâmico. O sistema estático é válido devido ao seu conteúdo, o qual possui uma qualidade imediatamente evidente. Isso devido ao fato de que as normas desse sistema são validadas por meio da norma fundamental, do mesmo modo que o particular é deduzível do geral. As normas individuais do sistema estático são obtidas por meio de uma operação intelectual.
Já no sistema dinâmico, as normas não podem ser obtidas por meio da uma operação intelectual. A norma fundamental, nesse sistema, é a regra básica a partir da qual serão criadas as outras normas. “Ela apenas estabelece certa autoridade, a qual por sua vez, tende a conferir poder de criar normas a certas autoridades’’ (KELSEN, 2005, p. 165).
O sistema de normas dito por ordem jurídica é um sistema dinâmico. Uma norma jurídica não é validada em virtude do seu conteúdo, e sim por ter sido criada a partir de uma regra definida e pertencer a uma ordem jurídica válida.
Sabe-se então que o Direito é um sistema dinâmico de normas jurídicas, as quais, segundo Kelsen, podem ser criadas de duas formas distintas: “as normas gerais por meio de costume ou legislação, as normas individuais por meio de atos judiciais e administrativos ou de transações jurídicas’’ (KELSEN, 2005, p. 167). O fato de Hans Kelsen considerar o Direito consuetudinário como fonte legítima de Direito, contesta a afirmação de que o autor é um positivista. Dessa forma, podemos considerá-lo ainda um anti-positivista, tendo em vista que um defensor do positivismo defende apenas no Direito estatutário (Direito posto), e não os costumes como geradores de Direito.
No tocante ao princípio de legitimidade, as normas jurídicas permanecem válidas a menos que sejam invalidadas, de forma legítima, segundo o que próprio sistema jurídico estabelece. No entando, este princípio é valido apenas em condições normais. Em caso de revolução, no seu sentido mais abrangente, ele deixa de ser válido. Pode-se caracterizar a revolução como a derrubada e a substituição, de forma ilegítima, da ordem jurídica vigente por outra ordem não prescrita pela primeira.
Relacionando o princípio de legitimidade com a eficácia, tem-se que as normas da antiga ordem jurídica não são mais consideradas válidas devido ao fato de que a antiga ordem como um todo não é mais eficaz. Porém, deve se atentar ao fato de que a eficácia da ordem jurídica como um todo é uma condição, não um fundamento, para validade das suas normas individuais constituintes. O princípio de legitimidade é restrito pelo princípio de eficácia. Trantando de normas individuais de um sistema jurídico, tem-se que a norma individual não é invalidada se, apenas ela, perder sua eficácia. Entretanto, caso ela permaneça ineficaz, pode perder sua validade por “dessuetude’’, que seria o efeio negativo do costume. Assim como o costume pode criar normas, ele pode anulá-las. Dessa forma, pode-se estabelecer uma relação entre validade e eficácia. Uma norma jurídica é valida se houver sido criada de maneira constitucional e se não tiver sido anulada, podendo ser por meio de dessuetude, ou de acordo com as regras da ordem jurídica, ou se essa ordem como um todo for considerada ineficaz. A validade é um conceito autorreferente, enquanto a eficácia é heterorreferente (KELSEN, 2005).
Pode-se dizer que o Direito regula sua própria criação, tendo em vista que uma norma anterior determina o modo como outra norma é criada. Sendo assim, a ordem jurídica pode ser classificada como uma hierarquia de normas, em que a norma inferior é criada a partir da regulamentação da norma superior a ela.
No que tange ao tema sobre a constituição, essa pode ser diferenciada como formal ou material. No seu sentido formal, a constituição pode ser entendida como um conjunto de normas jurídicas gerais, um documento solene, que pode ser modificado apenas com a observância de prescrições especiais que torna, propositalmente, a modificação dessas normas. No sentido material, “a constituição consiste nas regras que regulam a criação das normas jurídicas gerais, particulamente a criação de estatutos’’ (KELSEN, 2005, p. 182).
No que toca à constituição material, deve-se distinguir as leis ordinárias das leis constitucionais. Essas diferem-se no que tange a criação das leis constitucionais, as quais são criadas por meio de um processo especial, mais difícil que o de leis ordinárias. A constituição material pode determinar também, de certo modo, tanto positivamente quanto negativamente, o conteúdo de futuras normas. Negativamente no sentido de restringir o conteúdo certas leis, e positivamente no sentido de prescrever o conteúdo de futuros estatutos.
As normas gerais podem ser estabelecidas por meio da legislação ou por meio do costume. Essas normas possuem uma função dupla: “determinar os órgãos aplicadores de Direito e o processo a ser observado por eles, e determinar os atos judiciais e administratvios desses órgãos’’. (KELSEN, 2005, p. 188).
A essas duas funções das normas gerais anteriormente citadas, tem-se dois tipos de Direito: o Direito substantivo e o Direito adjetivo, que, de acordo com o autor, são inseparáveis. O Direito adjetivo, também chamado de formal, é tudo aquilo que possibilita o acesso ao Direito. Já o substantido, também dito como material, é o material básico para que haja esse acesso.
Para a doutrina tradicional, a aplicação de Direito cabe aos tribunais. No entando, ao mesmo tempo que aplica uma norma geral, o tribunal cria uma norma individual com mais detalhes que a geral. Essa norma individual esta para as normas gerais, assim como um estatuto esta para a constituição. Dessa forma, a função judicial é tanto criação quanto aplicação de Direito (KELSEN, 2005, p. 196).
No Direito, não há nenhum fato absoluto, existem apenas fatos analisados por um ógão competente num processo estabelecido pelo Direito.
No Direito Civil, a transação jurídica, ato pelo qual os indivíduos autorizados pela ordem jurídica regulam relações, também cria e aplica Direito. É um ato criador de Direito no sentido de produzir direitos e deveres jurídicos das partes que participam da transação. Deve se atentar ao fato do duplo uso do termo contrato, pois esse significa tanto o procedimento específico pelo qual são criados os direitos e deveres contratuais das partes contratantes quanto a norma contratual criada.
A decisão judicial, baseada em uma norma geral, sempre cria uma norma individual, fazendo do juiz também o legislador. “A decisão do tribunal nunca pode ser determinada por uma norma geral preexistente’’, pois, “por mais detalhada que seja essa norma, a norma individual criada sempre acrescentará algo de novo’’ (KELSEN, 2005, p. 211).
Hans Kelsen também discorre sobre a ficção das lacunas do Direito. Para ele, a ordem jurídica não possue quaisquer lacunas. O juiz pode atuar como legislador caso a ordem jurídica não contenha nenhuma norma geral explicitandoo caso. Se isso acontece, ele não está preenchendo uma lacuna do Direito efetivamente válido, e sim acrescentando a esse Direito uma norma individual à qual não corresponde nenhuma norma geral. As lacunas do Direito são algo fictício, pois, segundo o autor, “o Direito vigente não pode ser aplicado a um caso concreto porque não existe nenhuma norma geral que se refira a esse caso’’ (KELSEN, 2005, p.212).
Em relação ao conflito existente entre normas, tem-se que a norma superior determina, de certo modo, o conteúdo e a criação da norma inferior da decisão judicial. A norma inferior e superior pertence a mesma ordem jurídica apenas na medida que a segunda corresponde à primeira. O conflito está no impasse causado pela dúvida de quem decidirá se a norma inferior corresponde à superior. Para Kelsen, deve haver um tribunal de última instância autorizado a dar uma decisão final à disputa, pois sem esse, o queixoso e o réu podem sempre recorrer a outro tribunal superior em um processo sem fim. Desse modo, não há qualquer garantia absoluta que a norma inferior está de acordo com a superior (KELSEN, 2005).
Hans Kelsen conclue o capítulo determinando que não existe real contradição entre a norma superior e a inferior, pois nunca pode ocorrer qualquer contradição entre duas normas de diferentes níveis da ordem jurídica. Por fim, a ‘’ ilegalidade’’ de uma norma significa a possibilidade de esta ser anulada (do modo ordinário ou não ordinário) ou a possibilidade de ser nula, que significa a negação da sua existência.
BIBLIOGRAFIA
KELSEN, H. Teoria Geral do Direito e do Estado. São Paulo: Martins Fontes, 2005.
Bacharelanda em Direito na UnB - Universidade de Brasília.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: TESTONI, Mariana Atala. O positivismo jurídico de Hans Kelsen e a ciência do direito Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 13 set 2018, 04:45. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52228/o-positivismo-juridico-de-hans-kelsen-e-a-ciencia-do-direito. Acesso em: 23 dez 2024.
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