Palavras-chave: Direito Processual Penal. Tribunal do Júri. Plenitude de Defesa. Tréplica.
ABSTRACT: in this article the author conducted a study on the plenary debates of the jury's court. Its main purpose was to defend that the right to a rejoinder by the defense can be used without being bound by the use of the rejoinder by the prosecution. From the qualitative research strategy, the deductive method was used. To support the elaboration of the work, the bibliographic research technique was used. The work was developed in three chapters. The first made a brief history of the jury, the second analyzed the constitutional principles guiding this court and the third made an analysis of the special procedure of the jury, highlighting its most relevant aspects to the present study. At the end of the last chapter the author presents a critical position based on the principles of the adversary, the ample defense and the full defense to conclude, despite differences, that the defense can go to the rejoinder without link to the effective use of the replica of the accusation.
KEY WORDS: Criminal Procedural Law. Jury court. Fullness of Defense. Rejoinder.
SUMÁRIO: 1. Introdução. 1.1 Justificativa. 1.2 Dos Objetivos. 1.3 Referencial teórico. 1.4 Metodologia de pesquisa. 2. Breve apanhado histórico do tribunal do júri. 2.1 Síntese dos antecedentes tidos como mais remotos. 2.2 Síntese da instituição do tribunal do júri no direito brasileiro. 3. Dos princípios constitucionais que norteiam o tribunal do júri. 4. Procedimento especial do tribunal do júri. 4.1 Dos debates. 4.2 Do direito à tréplica à luz do contraditório, da ampla defesa e da plenitude de defesa. 5. Conclusão. 6. Referências.
1. Introdução
O tribunal do júri representa “uma instituição de apelo cívico, demonstrativa da importância da cidadania e da democracia na vida em sociedade.” (NUCCI, 2011, p. 42). Contudo, mais que sobre a natureza do júri, com suas reconhecidas virtudes e inegáveis imperfeições, este trabalho visa analisar o julgamento realizado em plenário, pois este é o momento mais aguardado por todos, e o clímax se dá exatamente com os debates orais. Como se sabe, é nessa fase que os jurados tomam conhecimento das teses utilizadas pela acusação e pela defesa.
O convite da discussão do tema cuida de definir que o direito à tréplica pela defesa durante os debates em plenário do tribunal do júri pode ser utilizado sem vinculação ao uso da réplica pela acusação. Assim, é na tréplica que esse trabalho vai focar.
Para o desenvolvimento do tema, o trabalho será dividido em três capítulos, sendo feito no primeiro um breve apanhado histórico do tribunal do júri. Não obstante esse histórico ser secundário ao tema proposto neste trabalho, entende-se que o conhecimento da evolução do júri ao longo do tempo também serve de esteio para aguçar questionamentos jurídicos e políticos desse tribunal atualmente.
No segundo capítulo, será importante ingressar na análise dos princípios constitucionais que norteiam o tribunal do júri. Para tanto, serão valiosas as obras de renomados autores de nosso direito pátrio. No terceiro capítulo, haverá uma análise do procedimento especial do tribunal do júri, destacando seus aspectos mais relevantes ao presente estudo. Ao final do último capítulo será feita uma abordagem crítica sobre a temática, dando especial atenção aos princípios do contraditório e da ampla defesa (art. 5º, LV) e da plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII, “a”), sem obstar o tratamento dado pela literatura a respeito do tema em estudo.
1.1 Justificativa
É de se notar a oportunidade desse estudo, pois, atualmente, encontra-se em tramitação na Câmara dos Deputados o Projeto de Lei nº 5295, de 2009, que busca alterar a redação do § 4º, do art. 476 do Código de Processo Penal (CPP), a fim de possibilitar que durante os debates no tribunal do júri, a defesa possa fazer uso da tréplica, independentemente da utilização ou não do tempo destinado à réplica, pela acusação.
Seja como for, o certo é que esta questão deve merecer uma reflexão mais profunda, que finda por servir de base a uma importante questão, adiante enfrentada, qual seja: é possível o direito à tréplica pela defesa sem a vinculação do uso da réplica pela acusação nos debates do tribunal do júri? A resposta a essa indagação será a nossa missão no presente estudo.
O que faremos aqui será defender, para dizer em uma única frase, o direito de sempre haver nos debates do júri o uso da tréplica pela defesa. Esse estudo trará para o plenário do tribunal o seu grande maestro: o princípio da plenitude de defesa. Na verdade as peculiaridades do julgamento pelo tribunal popular, onde jurados leigos julgam “seus pares” por convicção íntima, impuseram a necessidade de cercar a defesa do réu de maiores garantias, devendo, por isso mesmo, a defesa ser a mais completa possível, como a dizer, plena.
1.2 Dos Objetivos
O objetivo geral deste artigo visa fundamentar que o direito à tréplica pela defesa poderá ser utilizado durante os debates em plenário do tribunal do júri, ainda que não haja o uso da réplica pela acusação.
A título de objetivos específicos, pretende-se:
a) analisar a origem histórica do tribunal do júri;
b) examinar a legislação atinente ao tema;
c) identificar os posicionamentos divergentes de ilustres autores em Direito Penal e Processual Penal sobre a temática em estudo;
d) realizar uma abordagem crítica sobre a ofensa aos princípios do contraditório, da ampla defesa e da plenitude de defesa durante os debates em plenário do júri brasileiro.
1.3 Referencial Teórico
O presente artigo adota como referência teórica alguns trabalhos jurídicos publicados pelo professor e advogado Jader da Silveira Marques, que trazem à tona uma reflexão sobre o tema, intitulados: A Réplica e a Tréplica nos Debates do Tribunal do Júri. Revista IOB de direito penal e processo penal, Porto Alegre, v. 9, n. 52, p. 169-170, out./nov. 2008; Tréplica sem réplica no júri: por que não? Boletim IBCCRIM, São Paulo, Ano 23, n. 268, p. 7-8, mar. 2015; Lealdade e Paridade de Armas: tréplica sem réplica no tribunal do júri. Florianópolis: Empório do Direito, 17 out. 2016. Nos ensinamentos desse ilustre autor:
Por qualquer ângulo que se veja a questão, não há justificativa para o acusador deter o poder de dizer o procedimento, em prejuízo da defesa, pois, no embate das teses, ele poderá usar da faculdade da réplica quando entender que isto é importante para a melhor apreensão da tese acusatória. A defesa, por outro lado, não dispõe da mesma possibilidade. (MARQUES, 2015, p. 7).
Por sua vez, a doutrina majoritária no direito brasileiro entende que não pode haver nos debates do tribunal do júri a tréplica, sem réplica, pois isso obedece a uma lógica dialética. Portanto, trata-se de um tema de embate na doutrina. Resta dizer, ainda, que a jurisprudência ainda não cristalizou entendimento sobre o tema proposto. No entanto, para haver uma contribuição real para o júri brasileiro e os possíveis rumos jurisprudenciais a serem seguidos é de suma importância o aprofundamento da discussão desse assunto.
1.4 Metodologia de Pesquisa
A partir da estratégia de pesquisa qualitativa, foi empregado o método dedutivo, no qual se partiu de preceitos gerais consagrados no Direito para características especiais do assunto abordado. Para suporte à elaboração do trabalho, utilizou-se a técnica de pesquisa bibliográfica e da legislação. Para tanto, foram analisados dados secundários (artigos científicos, periódicos, julgados e livros de doutrina jurídica de renomados autores, especificamente de direito processual penal).
Enfim, considerando a amplitude e complexidade do tema, verificou-se a necessidade de proceder-se a uma pesquisa interdisciplinar abordando conceitos e institutos de variados ramos do Direito, tais como Filosofia Jurídica, Teoria do Direito, Direito Penal e Processual Penal e Direito Constitucional.
2. BREVE APANHADO HISTÓRICO DO TRIBUNAL DO JÚRI
O tribunal popular, hoje denominado tribunal do júri, já experimentou ao longo do tempo variadas formas que permitiram a participação popular direta em julgamentos de pessoas acusadas por cometimento de crimes. Verifica-se na doutrina uma grande imprecisão sobre sua origem na história da humanidade. Apesar de toda divergência, há certos posicionamentos que se afiguram mais importantes, seja em razão de seu valor histórico, seja em razão de sua aceitação nos dias atuais. Vejamos, pois, o que mais se destaca na doutrina.
2.1 Síntese dos antecedentes tidos como mais remotos
Sem muitas delongas, conforme se observa a controvérsia na doutrina em relação à origem do tribunal do júri como instituição histórica, parte dos autores imputa o embrião desse instituto nas antigas civilizações, especialmente, nas leis do Profeta Moisés, que teria vivido segundo muitos historiadores em torno do século XV a.C.
As leis mosaicas foram às primeiras que mostraram que os julgamentos eram feitos por grupos de pessoas e não por um julgador apenas. Ligados à origem do povo de Israel, os livros do Pentateuco (Gênesis, Êxodo, Levítico, Números e Deuteronômio) continham ordens e proibições morais, civis e religiosas onde o julgamento se dava pelos pares e em nome de Deus, num sistema político-religioso que subordinava o magistrado ao sacerdote.
Esses cinco livros fazem referências ao Tribunal Ordinário, ao Conselho dos Anciãos e ao Grande Conselho d’Israel (TUCCI, 1999, p.14). A propósito, apenas para ilustrar, é o livro de Êxodo da Bíblia, em seu capítulo 18, versículos 25 e 26, in verbis:
25 Escolheu Moisés homens capazes, de todo o Israel, e os constituiu por cabeças sobre o povo: chefes de mil, chefes de cem, chefes de cinquenta e chefes de dez.
26 Estes julgaram o povo em todo tempo; a causa grave trouxeram a Moisés e toda causa simples julgaram eles. (Ex 18, 25-26)
Por sua vez, outra corrente doutrinária mais liberal, atribui a origem do júri, dado a sua característica de tribunal democrático popular, a Grécia antiga, por volta do século V a.C., ocasião em que o incremento da participação popular nas decisões do governo, os discursos em praça pública e o aprimoramento da retórica permitiram o lançamento das bases desta instituição (MAMELUQUE, 2009, p.33).
O ilustre autor Rogério Lauria Tucci (1999), em obra que serve de referência no tema da origem do tribunal do júri, explica que na Atenas Clássica o Areópago – tribunal ateniense que julgava os homicídios premeditados e sacrilégios – era formado por antigos arcontes – antigos magistrados gregos – que seguiam apenas os ditames de sua consciência e eram guiados pela prudência de um senso comum jurídico.
A Heliéia, por sua vez, era um tribunal popular composto por um número significativo de heliastas – cidadãos representantes do povo que se reuniam ao ar livre – que ouviam a defesa do réu e depois julgavam todos os crimes que não fossem de sangue. Em Esparta, os Éforos (juízes do povo) tinham atribuições semelhantes às dos Heliastas (TUCCI, 1999, p. 13-14).
Autores mais conceitualistas atribuem que o autêntico embrião do tribunal popular, isto é, de determinação do julgamento do ser humano, integrante da comunidade, por seus pares, reclama, no mínimo, uma certa estruturação, por mais rudimentar que seja, e, também, a observância de regras, ainda que poucas, mas previamente estabelecidas.
Essa situação, assim concebida, só teve lugar, para Tucci (1999, p. 16), nos áureos tempos do império romano, mais precisamente no segundo período evolutivo do sistema acusatório do processo penal, em que o júri atuou, sob a forma de juízes em comissão, conhecido por quaestio, que tinham a finalidade de investigar e julgar. Segundo o autor, a primeira quaestio foi instituída pela Lex Calpurnia, do ano 149 a.C., e com o decorrer do tempo esse grupo adquiriu natureza permanente e passou a ser denominado quaestiones perpetuae e se projetou a accusatio, carecedora da figura do acusador particular.
Não é demais relembrar que o “julgamento de crimes por pessoas comuns foi praticamente extinto na Idade Média, haja vista que a monarquia e a Igreja Católica, não permitiam a delegação de poderes a membros da sociedade.” (SILVA, 2010, p. 26). Entretanto, lembra Tucci (1999, p. 25), citando estudo de Arthur Pinto da Rocha, que existiram entre os povos bárbaros, em especial, os germânicos, tribunais populares bárbaros e feudais muitos antigos conhecidos como vehmicos. A nosso ver, por ser o direito medieval um sistema de “ordens” que subordinava a lei aos reis e aos senhores feudais, não haveria como perdurar o júri na Idade Média.
Sem embargo, vale destacar observação feita já nas primeiras décadas do século passado pelo autor Firmino Whitaker sobre o instituto do júri:
O jury em sua simplicidade primitiva, remonta às primeiras épocas da humanidade. Qualquer que fosse a dúvida levantada nas tribus errantes, sem leis positivas e autoridades permanentes, a decisão era proferida pelos pares dos contendores. Constituída melhor a sociedade e estabelecida a divisão de poderes, na qual se incluía a faculdade de applicar leis e administrar justiça por magistrados especiaes, o jury ficou com suas attribuições limitadas. (WHITAKER, 1930, p. 8).
Independentemente da polemização sobre a origem do júri, a corrente com maior número de adeptos aponta que os sistemas de julgamentos referidos nos tempos de Moisés, na Antiga Grécia e no Império Romano consistiam tão-somente em formas de julgamentos pelos pares, que não equivaliam de modo nenhum ao tribunal do júri atual, pois este reivindica um juiz imparcial, normas e preceitos jurídicos. Desse modo, a origem desse instituto se deu somente na Inglaterra, quando foi editada a Magna Charta Libertatum, ao tempo do Rei João Sem Terra no período sucessivo ao IV Concílio de Latrão, que havia sido convocado pelo Papa Inocêncio III para o ano de 1215.
A Magna Charta Libertatum aboliu as Ordálias ou juízos de Deus que era uma prática muito antiga e que foi amplamente utilizada na Idade Média. As ordálias consistiam em submeter o acusado de algum crime a uma prova – normalmente dolorosa ou perigosa – que indicaria ou não a sua inocência, pois se acreditava na intervenção divina durante a provação proposta que impediria o mal imposto pela ordália (provação pelo fogo, pela água quente, pela água gelada e outras degradantes situações físicas).
Enfim, da Inglaterra o tribunal do júri se espalhou pelo continente europeu, principalmente devido ao fato desse tribunal se opor aos julgamentos despóticos até então realizados, sendo o júri uma forma de proteção social. Apresentando em cada povo as peculiaridades que atendessem ao sistema jurídico-penal local, o tribunal do júri ganhou notoriedade na França com a Revolução de 1789, principalmente pela impopularidade e desconfiança nos tribunais formados por juízes togados.
Hodiernamente, a Itália, Portugal, Espanha e outros, utilizam o sistema escabinado, em que tanto os juízes leigos quanto os togados votam, diferenciando-se do tribunal do júri tradicional em razão de não possuir o juiz togado direito de voto. Nesse diapasão, a Magna Charta inglesa costuma ser tida como o documento histórico mais remoto de consagração do júri, até mesmo em razão da forte influência que exerceu na formação do Direito no sistema common law.
2.2 Síntese da instituição do tribunal do júri no direito brasileiro
No direito brasileiro, atendendo ao pedido do Senado da Câmara do Rio de Janeiro, Dom Pedro de Alcântara de Bragança (Dom Pedro I), então Príncipe Regente do Reino do Brasil, editou o Decreto de 18 de junho de 1822 que criou o tribunal do júri para o julgamento dos crimes de imprensa, que podia ser revisto somente por clemência real.
A Constituição Política do Império do Brasil, de 1824, inspirada no direito inglês, fortaleceu o instituto do júri colocando-o no título pertinente ao Poder Judicial para julgar infrações cíveis e criminais (art. 151). A composição do júri seria por juízes e jurados, estes se pronunciariam sobre o fato e aqueles aplicariam as leis (art. 152).
Destaca-se nesse período, também, uma lei de 20 de setembro 1830, inspirada no júri inglês, que criou o “júri de acusação” e o “júri de julgamento”. Em 1832 foi promulgado o Código de Processo Criminal de Primeira Instância do Império, que ampliou sobremaneira as atribuições do júri. O júri de acusação foi abolido em 1841, pela Lei nº 261 que reformou o Código de Processo Criminal.
Na primeira Constituição republicana em 1891 o tribunal do júri foi mantido (§ 31 do art. 72), sendo criado, ainda, o júri federal (Decreto 848, de 1890). Por conseguinte, todas as Constituições brasileiras, com ou sem ampliação dos dizeres, mantiveram a instituição do júri: art. 72, § 31, da Constituição de 1891; art. 72 da Constituição de 1934; art. 141, § 28, da Constituição de 1946; art. 150, § 18, da Constituição de 1967; e o art. 153, § 18, da Emenda Constitucional nº 01, de 1969.
Insta relembrar que a Carta de 1937, que inaugurou o período do Estado Novo, nenhuma referência fez ao júri, daí surgindo opiniões sobre sua extinção, até que no Decreto-lei nº 167, de 1938, que regulou a instituição do júri, houve o esclarecimento de que o tribunal popular fora mantido pelo preceito genérico do art. 183 previsto na referida Constituição (TUCCI, 1999, p. 32).
Nos dias atuais, o legislador constituinte de 1988 teve maior preocupação com o instituto do tribunal do júri, colocando-o sob a proteção da cláusula pétrea, ao figurar-se dentre os direitos e garantias fundamentais da Constituição Federal (art. 5°, inciso XXXVIII). Frise-se, ainda, que o júri está disciplinado pelos artigos 406 a 497 do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.689/08.
Já agora, o tribunal do júri é um órgão especial do Poder Judiciário de primeira instância, colegiado e heterogêneo, composto por um juiz togado, que o preside, e vinte e cinco jurados. Estes são pessoas leigas, de nacionalidade brasileira, maiores de dezoito anos, idôneas e alfabetizadas, que são sorteadas dentre os alistados, dos quais sete, também por sorteio (com participação das partes pelo sistema das recusas), constituirão o Conselho de Sentença em cada sessão de julgamento (art. 447 CPP).
Os jurados possuem o dever de decidir sobre o fato por convicção íntima. Em relação ao exercício funcional os jurados podem responder por concussão, corrupção, prevaricação, além de outros delitos pertinentes aos funcionários públicos (art. 445 CPP), aplicando-se, ainda, aos jurados o disposto sobre os impedimentos, a suspeição e as incompatibilidades dos juízes togados.
Em que pese a competência do júri ser constitucional ela não é absoluta. Basicamente nos casos de competência especiais por prerrogativa de função, estabelecido diretamente pela Constituição Federal, a autoridade será processada e julgada pelo respectivo foro especial e não pelo tribunal do júri. Isso porque, quando ambas as competências forem constitucionais, prevalece a jurisdição superior do tribunal. Frise-se que a prerrogativa deve estar prevista na Constituição Federal, pois se estiver em Constituição estadual ou lei ordinária prevalece a competência constitucional do Júri. Nessa mesma linha foi editada a Súmula nº 721 do STF: “A competência constitucional do tribunal do júri prevalece sobre o foro por prerrogativa de função estabelecido exclusivamente pela Constituição estadual”.
Vale ainda consignar que o júri, como instituição reconhecida pela Constituição, é uno, mas “por razões pertinentes à competência em razão da matéria, da pessoa ou do local onde ocorreu o crime, pode ser integrado à Justiça Comum da União (Júri federal) ou à Justiça Comum dos Estados da Federação (Júri estadual).” (CAMPOS, 2010, p. 12).
3. DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS QUE NORTEIAM O TRIBUNAL DO JÚRI
A moderna noção de Estado Democrático de Direito, como Estado constitucional, não se coaduna mais com o mero Estado legal, regulado por leis, mas como um modelo material de organização política. Em outros termos, “toda a atividade estatal é sempre vinculada axiomaticamente pelos princípios constitucionais explícitos e implícitos” (BITENCOURT, 2011, p. 55).
Buscando uma breve definição para o vocábulo “princípio”, tem-se que este provém do latim principium, que significa: base, origem, início. Etimologicamente, princípio tem vários significados. Para o propósito deste trabalho, vale destacar “o de ser um momento em que algo tem origem; é causa primária ou o elemento predominante na constituição de um todo orgânico” (NUCCI, 2011b, p. 23).
Nessa linha de pensar, a Constituição Federal consagrou de forma cristalina os princípios do contraditório e da ampla defesa no inciso LV do artigo 5º, segundo o qual: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes.” (BRASIL, 2018b, p. 16).
Muito mais que dar unidade, harmonia e coerência a todo o sistema jurídico, o contraditório e a ampla defesa – que são intimamente ligados – garantem todas as medidas necessárias para que as partes possam influir sobre a formação do convencimento do juiz, com todos os meios e recursos que lhe sejam essenciais.
Inegável na doutrina que além da dimensão formal do contraditório que se desdobra no direito à informação e garantia de ser ouvido – reação –, deve ser observado, ainda, a sua dimensão substancial que representa uma participação efetiva das partes no processo capaz de influenciar a decisão do magistrado, que deve em contrapartida apreciar todos os elementos de argumentação e de prova deduzidos no processo.
Grosso modo, a ampla defesa corresponde à dimensão substancial do contraditório. “O direito de defesa, em sua significação mais ampla, é direito latente em todos os preceitos emanados do Estado, pois constitui o fundamento primário e básico da segurança jurídica estabelecida pela vida social organizada” (MARQUES, 1997, p. 487).
Antes de mais, faz-se uma breve ressalva. No rastro de uma decisão justa, os princípios do contraditório e da ampla defesa devem ser observados de forma excepcional no inquérito policial sempre que houver produção de provas urgentes, cautelares e antecipadas que não poderão ser repetidas em juízo.
Continuando, a ampla defesa, como garantia individual, contempla tanto a autodefesa quanto a defesa técnica, a cargo de defensor constituído ou dativo. Exige-se, pois, defesa obrigatória do réu, ainda que revel (artigo 261 c/c 497, V, do CPP).
Acresça-se, por oportuno, que “O fato de o réu ter defensor constituído, ou de ter sido nomeado advogado para sua defesa, não é suficiente. É preciso que se perceba no processo, atividade efetiva do advogado no sentido de assistir o acusado” (FERNANDES, 2007, p. 299). Nesse sentido é a Súmula nº 523 do STF, in verbis: “No processo penal, a falta de defesa constitui nulidade absoluta, mas a sua deficiência só o anulará se houver prova de prejuízo para o réu”.
Pois bem! Quando se trata do júri, não basta assegurar ao réu a ampla defesa e o contraditório. Com sapiência, o constituinte estabeleceu no art. 5º, inciso XXXVIII, quatro princípios processuais que devem ser respeitados, sob pena de se violar o devido processo legal:
XXXVIII - é reconhecida a instituição do júri, com a organização que lhe der a lei, assegurados:
a) a plenitude de defesa;
b) o sigilo das votações;
c) a soberania dos veredictos;
d) a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida; (BRASIL, 2018b, p. 15).
Em bom Português! No júri é necessária maior cautela! Por isso mesmo, o legislador constituinte buscou assegurar ao acusado a plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII, “a”), ou seja, uma defesa mais vasta que deve ser exercida no seu grau máximo, de maneira absoluta, perfeita, sob pena de ser dissolvido o Conselho de Sentença. É importante salientar aqui, que o tema da plenitude de defesa será abordado novamente no item 4.2, quando será analisado o direito à tréplica nos debates do júri.
Outro princípio constitucional regente no júri é o sigilo das votações (art. 5º, XXXVIII, “b”). Por este princípio entende-se que os jurados decidem a causa por meio de votações secretas, não se identificando a maneira como votou cada cidadão leigo. Visa tal princípio preservar a imparcialidade do julgamento, de modo a deixar os jurados livres e isentos para decidirem o destino do acusado, longe de qualquer interferência que possa haver à vista do público (FERNANDES, 2007, p. 188).
Na prática, o julgamento pelos jurados se dá em plenário, esvaziado, ou em sala especial, longe das vistas do público, que continuaria em plenário, conforme dispõem o caput e § 1º do art. 485 do CPP com redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008:
Art. 485. Não havendo dúvida a ser esclarecida, o juiz presidente, os jurados, o Ministério Público, o assistente, o querelante, o defensor do acusado, o escrivão e o oficial de justiça dirigir-se-ão à sala especial a fim de ser procedida a votação.
§ 1º Na falta de sala especial, o juiz presidente determinará que o público se retire, permanecendo somente as pessoas mencionadas no caput deste artigo. (BRASIL, 2018a, p. 120).
Há uma discussão na doutrina, hoje superada pela ampla maioria, de que o sigilo das votações violaria o princípio constitucional da publicidade nos julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário (art. 5º, LX e art. 93, IX). Frise-se que o próprio texto constitucional – em ambos os dispositivos – traz ressalva acerca do sigilo.
A Constituição também estabeleceu a soberania dos veredictos (art. 5º, XXXVIII, “c”), isto é, a decisão coletiva dos jurados, chamada de veredicto, não pode ser mudada em seu mérito por qualquer tribunal togado. Essa garantia foi prevista pela primeira vez na Constituição de 1946 e mantida na Constituição de 1967. Contudo foi suprimida pela Emenda Constitucional nº 01, de 1969, gerando grande controvérsia à época.
É certo que o júri é soberano, mas isso não significa que possa passar ileso ao controle de suas decisões. Há durante o processo um prévio controle judicial sobre a admissibilidade do julgamento, sobre a competência e sobre a ocorrência de excludente de ilicitude (FERNANDES, 2007, p. 190).
Nesse trilhar, não caracteriza ofensa à soberania dos veredictos dos jurados o fato de ser possível encaminhar o réu a novo julgamento, pois apesar do constituinte ter imposto o respeito à votação dos jurados não pretendeu que a decisão fosse única (FERNANDES, 2007, p. 190-191).
Há que se considerar, ainda, controvérsia na doutrina acerca do tribunal togado ingressar no mérito, em sede de revisão criminal, para absolver o réu condenado pelo júri. Dentre os variados argumentos na doutrina ressalta-se o de que a revisão criminal é garantia implícita da Constituição e, entre duas garantias, deve prevalecer a mais favorável à liberdade, no caso a garantia da revisão sobre a garantia da soberania dos veredictos.
Não há como negar que a decisão soberana do povo precisa ser respeitada na sua integralidade. Se a participação popular por meio do júri é tão enaltecida por muitos, como mecanismo do exercício da cidadania, deve-se outorgar ao tribunal popular a última decisão nos casos de crimes dolosos contra a vida (NUCCI, 2011b, p. 31). Destacam-se, ainda, as palavras de Guilherme de Souza Nucci (2011b, p. 30-31):
Não é possível que, sob qualquer pretexto, cortes togadas invadam o mérito do veredito, substituindo-o. Quando – e se – houver erro judiciário, basta remeter o caso a novo julgamento pelo Tribunal Popular. Porém, em hipótese alguma, pode-se invalidar o veredicto, proferindo outro, quanto ao mérito. (NUCCI, 2011b, p. 30).
[...] Ademais, quem pode garantir que, quando o tribunal togado der provimento a uma revisão criminal, absolvendo o réu, está realizando a autêntica justiça? Quem pode asseverar que a melhor avaliação da prova foi feita pelos magistrados de toga e não pelos jurados? Se a resposta for: “mas são os juízes togados os que conhecem o direito e, portanto, melhor sabem aplicá-lo”, permitindo-nos apontar a opção político-legislativa, pois há, no Brasil, o Tribunal do Júri, com soberania, para decidir determinados casos. Portanto, pouco interessa o conhecimento jurídico de qualquer magistrado, mas o fato de que a vontade popular precisa ser acatada. (NUCCI, 2011b, p. 31).
Noutra dimensão, por maior que seja o esforço discursivo em torno da soberania dos veredictos, tal princípio não tem nada a ver com o famigerado in dubio pro societate, que autoriza uma condenação com base na dúvida. Oportuno, nesse momento, fazer uma rápida crítica sobre esse tema, pois segundo a doutrina tradicional, na primeira fase do procedimento deve o juiz guiar-se pelo “interesse da sociedade” em ver o réu submetido ao tribunal do júri, de modo que, havendo dúvida sobre sua responsabilidade penal, o juiz decide a favor da sociedade, encaminhando o julgamento ao júri.
Fato é que ao lado da presunção de não culpabilidade (ou de inocência), como critério pragmático de solução da incerteza (dúvida) judicial, está o princípio do in dubio pro reo que corrobora a atribuição de todo o ônus probatório ao acusador e reforça a regra de que somente quando houver fortes elementos probatórios de autoria e materialidade pode o juiz pronunciar o réu. Portanto, o in dubio pro societate não possui amparo legal quando da decisão de pronúncia. Como é certo também que tanto a presunção de não culpabilidade quanto o in dubio pro reo não podem ser afastados do rito do tribunal do júri (LOPES JR., 2014, p. 564).
Ora, sabe-se que o juiz não precisa ter certeza ou se convencer da autoria delitiva, até porque a pronúncia é um juízo de probabilidade e, após ela, quem efetivamente julgará são os jurados. Mas se o juiz estiver com dúvida sobre se estão ou não presentes os indícios suficientes de autoria, deverá aplicar o in dubio pro reo por não ter sido atendido o requisito legal. Nessa mesma diretriz, é ditosa a lição de Aury Lopes Jr. que, por sua precisão, merece transcrição literal:
Questionamos, inicialmente, qual é a base constitucional do in dubio pro societate?
Nenhuma. Não existe.
[...]
Não se pode admitir que os juízes pactuem com acusações infundadas, escondendo-se atrás de um princípio não recepcionado pela Constituição, para, burocraticamente, pronunciar réus, enviando-lhes para o Tribunal do Júri e desconsiderando o imenso risco que representa o julgamento nesse complexo ritual judiciário. (LOPES JR., 2014, p. 1025-1026).
Em que pese isso tudo, foi reservada ao júri a competência para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 5º, XXXVIII, “d”). O intuito do constituinte ao fixar a competência mínima foi garantir a permanência do instituto no cenário jurídico, evitando, assim, qualquer ação no sentido de suprimi-lo (NUCCI, 2011b, p. 33). Ainda segundo Guilherme de Souza Nucci (2011), o legislador constituinte de 1946 já havia optado por inserir os crimes dolosos contra a vida no contexto do júri, in verbis:
A Constituição de 1946 já havia definido a competência do júri para o julgamento dos crimes dolosos contra a vida (art. 141, § 28). E, naquela ocasião, “deveu-se à vontade dos coronéis do sertão, que, mandando matar seus oponentes, desejavam o julgamento dos seus mandatários no Tribunal do povo. Assim ocorrendo, a pressão pela absolvição seria intensa, atendendo aos anseios políticos da época e da região.” (NUCCI, 2011b, p. 33).
Cumpre recordar que o art. 74, § 1º, do CPP define a competência do tribunal do júri de forma taxativa, quais sejam: homicídio doloso em suas diversas modalidades (art. 121, caput, §§ 1º e 2º), o induzimento, instigação ou auxílio ao suicídio (art. 122), infanticídio (art. 123) e as várias formas de aborto (arts. 124, 125, 126 e 127). A Constituição de 1988 (art. 125, § 4º) também atribui ao tribunal do júri a competência para o processo e o julgamento de militares dos Estados, em casos de crimes militares definidos em lei, quando a vítima for civil.
Saliente-se que o delito de latrocínio, extorsão mediante seqüestro, estupro com resultado morte e demais crimes em que se produz o resultado morte, mas que não se inserem nos “crimes contra a vida”, não são julgados no tribunal do júri, salvo quando houver conexão ou continência de causas (arts. 76, 77 e 78, I, CPP) entre esses delitos ou qualquer outro de natureza diversa com um crime doloso contra a vida.
Um ponto ainda digno de nota é o fato do texto constitucional não impedir que, por meio de lei ordinária, se amplie o rol de crimes que poderão ser apreciados pelo tribunal do júri. “Por encontrar-se sob a proteção da cláusula pétrea, o júri não pode ser extinto, mas pode ter a competência ampliada” (NUCCI, 2011b, p. 33).
Em suma, não se pode esquecer, que os princípios que norteiam o tribunal do júri não excluem as demais garantais e direitos humanos fundamentais previstos na Constituição e em tratados e convenções internacionais, os quais devem ser respeitados de forma ampla, não podendo ser mitigados ou interpretados de maneira restrita (SILVA, 2010, p. 36).
4. PROCEDIMENTO ESPECIAL DO TRIBUNAL DO JÚRI
O procedimento relativo aos processos da competência do tribunal do júri é bifásico ou escalonado (dividido em duas fases). Atentos a tal distinção, será feita uma rápida pincelada sobre essas fases procedimentais examinando os seus aspectos mais relevantes ao presente estudo.
A primeira fase, iudicium accusationes (juízo ou formação da acusação), tem por finalidade averiguar se existem provas sérias e coerentes, produzidas em juízo, de ter o réu praticado um delito que autorize seu julgamento pelo júri. Aliás, é na instrução preliminar que será avaliada a viabilidade da acusação que, no caso concreto, se realiza em duas oportunidades distintas, a primeira durante o recebimento da denúncia e a segunda na decisão de pronúncia, onde o juiz analisa novamente a viabilidade da pretensão acusatória, mas, dessa vez, com base nos elementos colhidos sob o manto do contraditório.
Tal etapa procedimental, prevista nos arts. 406 a 421 do CPP, é o filtro do procedimento do júri. Desenvolve-se entre o recebimento da denúncia ou eventual queixa-crime e o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, de impronúncia, de desclassificação ou absolvição sumária (LOPES JR., 2014, p. 1017).
Com o trânsito em julgado da decisão de pronúncia, inicia-se a segunda fase do rito, iudicium causae (juízo da causa), que se desenvolve praticamente em uma audiência única de instrução, debates e julgamento em plenário. É prevista nos arts. 422 a 424 e 453 a 497 do CPP e progride, desde a intimação do órgão do Ministério Público ou do querelante, no caso de queixa, e do defensor, para apresentarem rol de testemunhas, juntarem documentos e requererem diligências, até o julgamento realizado em plenário.
Concluídos os debates, o juiz presidente indagará dos jurados se estão habilitados a julgar ou se necessitam de outros esclarecimentos. Feitos os esclarecimentos necessários, passa-se para o momento em que serão formulados os quesitos, proferida a votação e, em seguida, proferida a sentença que será lida em plenário pelo presidente (CAMPOS, 2010, p. 22).
Ambas as fases do rito do júri têm etapas postulatórias (de requerimentos pelas partes), de instrução (de produção de provas e argumentação) e de julgamento (decisão). Dito isto, constata-se que o trabalho da acusação e da defesa desenvolve-se durante toda a instrução do processo. No entanto, quando o julgamento é levado perante a Corte Popular, concentram-se nos debates orais os momentos culminantes, quando a prova é dissecada e são expostas as teses das partes.
Não se pode esquecer, entretanto, que o julgamento em plenário é complexo e invariavelmente longo, exige horário rigoroso para o início dos trabalhos e não tem horário para terminar. Às vezes avança pela madrugada. Segundo Leopoldo Mameluque (2009, p. 40), o juiz presidente tem o dever constitucional de zelar pela soberania e competência do tribunal do júri e pela plenitude de defesa do réu. Compete-lhe, ainda, dirigir os debates, regulando os tempos, verificar se as teses da acusação e da defesa são possíveis de quesitação, atentar-se aos requerimentos das partes e redigir as perguntas a serem formuladas aos jurados.
4.1 Dos debates – arts. 476 a 481 do CPP
Encerrada a instrução (o último ato será, sempre, o interrogatório do acusado), começam os debates. Inicialmente, a palavra será concedida à acusação (art. 476). Em plenário do júri, o Promotor de Justiça irá articular a sua acusação verbalmente, expondo o seu conteúdo, as provas e os argumentos jurídicos nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante (CAMPOS, p. 189). Compete-lhe, no entanto, não ficar adstrito unicamente à busca da condenação, pois havendo dúvida, pode expressar aos jurados a sua opinião sobre o caso no sentido da absolvição.
Quanto à ordem dos debates, havendo assistente da acusação, este deverá falar depois do Promotor de Justiça (art. 476, § 1º). Caso se trate de ação penal de iniciativa privada subsidiária da pública (quando a ação pública não for intentada pelo Ministério Público no prazo legal) falará em primeiro lugar o querelante e, em seguida, o Promotor de Justiça, salvo se este houver retomado a titularidade da ação, nos termos do art. 29 do CPP (art. 476, § 2º).
Finda a fala da acusação, terá a palavra a defesa (art. 476, § 3º). Ademais, é comum a divisão da tribuna do júri por dois ou mais advogados, como estratégia e por conveniência de defesa. A respeito desse tema, é a lição de Leopoldo Mameluque:
Neste sentido, há advogados que são mais técnicos, do ponto de vista da dogmática penal e reservam-se para discussão dos temas relacionados ao direito e há outros, que são mais eloquentes, atuando em plenário somente na análise dos fatos e no convencimento dos jurados. (MAMELUQUE, 2009, p. 57).
Importante pontuar que depois de longa experiência, começaram as leis a limitar os tempos dos debates. Nos dias atuais, o CPP disciplina que na primeira fase dos debates o tempo destinado à acusação e à defesa será de uma hora e meia para cada, e na fase complementar dos debates de uma hora para a réplica e outro tanto para a tréplica (art. 477).
Ressai claro que havendo mais de um acusador ou mais de um defensor, deverão combinar entre si a distribuição do tempo, cabendo ao juiz, na falta de acordo, decidir pela divisão proporcional. Na eventualidade de haver mais de um acusado, se forem julgados todos (ou mais de um deles) na mesma oportunidade, cada parte terá direito a mais uma hora, totalizando assim, duas horas e trinta minutos; a réplica e a tréplica sofrerão acréscimo do dobro do tempo previsto, perfazendo um total de duas horas para cada parte (art. 477, §§ 1º, 2º). Não obstante, se pode dizer, que:
[...] a regra admite importante exceção: caso haja extraordinária necessidade – comumente em casos complexos e em que há vários acusados –, a defesa poderá requerer prorrogação razoável de seu tempo, com o intuito de abarcar todas as suas teses de forma irrepreensível e pormenorizada. (SILVA, 2010, p. 165-166).
Emerge do CPP, com a redação dada pela Lei nº 11.689, de 2008, que a acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário (art. 476, § 4º):
Art. 476. Encerrada a instrução, será concedida a palavra ao Ministério Público, que fará a acusação, nos limites da pronúncia ou das decisões posteriores que julgaram admissível a acusação, sustentando, se for o caso, a existência de circunstância agravante.
§ 1º O assistente falará depois do Ministério Público.
§ 2º Tratando-se de ação penal de iniciativa privada, falará em primeiro lugar o querelante e, em seguida, o Ministério Público, salvo se este houver retomado a titularidade da ação, na forma do art. 29 deste Código.
§ 3º Finda a acusação, terá a palavra a defesa.
§ 4º A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário. (BRASIL, 2018a, p. 117).
Uma leitura mais atenta é suficiente para fazer notar que o CPP não faz qualquer menção ao direito à tréplica ser vinculado ao efetivo uso da réplica. No entanto, vigora o entendimento de não haver tréplica, sem réplica. Sobre esse tema, abordaremos de forma detalhada em tópico específico (item 4.2).
Conforme bem salientado por Nucci (2011b, p. 213), somente poderá ser reinquirida aquela testemunha que não tenha sido dispensada após seu depoimento quando da instrução em plenário, bem como que a reinquirição deverá ocorrer dentro do tempo destinado para sustentação da parte que requereu a reinquirição. Não fosse assim, a parte poderia abusar, aumentando consideravelmente o seu tempo de manifestação.
É mister dizer que durante os debates no plenário do júri, onde se consagra o princípio processual da oralidade, o legislador visou garantir o controle da transparência e fidelidade da fundamentação exposta, determinando no art. 480 do CPP que as partes e os jurados poderão, a qualquer momento, por intermédio do juiz presidente, pedir ao orador que indique a folha dos autos onde se encontra a peça lida ou citada, facultando-se, ainda, aos jurados solicitar o esclarecimento de questões fáticas (LOPES JR., 2014, p. 321-322).
A prática tem permitido a ocorrência do “aparte”, que constitui o direito que a parte possui de interromper a fala da outra, para dizer algo. Devido à força do costume e da tradição o aparte sagrou-se previsto na reforma de 2008 do CPP como parte integrante dos debates, sendo concedido até três minutos para cada aparte requerido, atribuindo ao juiz presidente o seu controle (art. 497, XII) (NUCCI, 2011b, p. 210).
Quanto à leitura de peças, preocupou-se o legislador na reforma de 2008 do CPP em atenuar o imenso enfado que era ouvir horas e horas de leitura de depoimentos. Agora, permite-se somente a leitura de peças que se refiram às provas colhidas por carta precatória e às cautelares, antecipadas ou não repetíveis (art. 473, § 3º).
Com o intuito de se evitar práticas abusivas, tão disseminadas até então, que ocorriam em plenário com o intuito de induzir os jurados a condenar o réu, o legislador restringiu às partes, sob pena de nulidade, o uso de referências, como a decisão de pronúncia (e posteriores, confirmatórias), a determinação judicial do uso de algemas como argumento de autoridade que beneficiem ou prejudiquem o acusado e ao silêncio do réu ou à ausência de interrogatório por falta de requerimento, em seu prejuízo (art. 478). Também não pode ser lido documento ou exibido objeto que não tenha sido juntado aos autos com a antecedência mínima de três dias úteis, dando-se ciência à outra parte (art. 479).
Um aspecto interessante refere-se à polêmica sobre a “inovação da tese defensiva na tréplica”. Ao contrário do que indica boa parte da jurisprudência e doutrina, entendemos que a defesa poderá também, na tréplica, trazer uma configuração jurídica defensiva ainda não aventada (SILVA, 2010, p. 166). Ressalta-se que pela plenitude da defesa, o réu pode arguir qualquer tese que possa levar à absolvição ou à atenuação da pena, ainda que expostos no momento da tréplica (NUCCI, 2011b, p. 213-214).
Ademais, não há, nem na antiga nem na nova redação, a proibição da inovação da tese defensiva na tréplica. A principal objeção à inovação da tese concentra-se na potencial ofensa ao contraditório, pois o órgão acusatório não mais poderia se manifestar sobre o que foi sustentado. Essa questão foi tratada com muito acerto por Guilherme de Souza Nucci (NUCCI, 2011b, p. 214):
[...] Ora, demanda ressaltar que uma das partes há de falar por último, pois seria infindável o julgamento quando se buscasse ouvir, sempre, a cada nova interpretação do mesmo fato, a parte contrária. Por ser mais lógico e adequado à plenitude de defesa, é natural que o defensor seja o último a se manifestar.
[...] É o que se dá no procedimento comum, perante o juiz singular. As partes, finda a colheita da prova, expõem, em alegações finais, a sua versão sobre a necessidade de condenação ou absolvição do réu. Primeiramente, manifesta-se o órgão acusatório. Na sequência, abre-se vista à defesa. Após, é momento destinado ao magistrado para a sentença. Não se retorna o prazo à acusação para apresentar seu ponto de vista sobre o alegado na peça de defesa. Se assim ocorresse, haveria de, outra vez, falar o defensor. Inexistiria um fim, pois, indefinidamente, cada parte poderia levantar argumento jurídico novo, dando ensejo à pretensa aplicação do contraditório. O mesmo procedimento deve ocorrer no júri. As partes usam o tempo proporcionado pela lei para expor todas as teses possíveis, avaliando as provas existentes. Os jurados escolherão as que mais os convencer. (NUCCI, 2011b, p. 214).
Destarte, fica mais do que caracterizado que em qualquer caso, a defesa é sempre a última a se pronunciar. O autor Rodrigo Faucz Pereira e Silva (2010, p. 166) afirma que a defesa pode utilizar-se de todos os meios legítimos para desempenhar seu papel. Até porque, precipuamente, à acusação, em qualquer procedimento, cabe provar os fatos que articulou e não, necessariamente, conhecer as teses defensivas para contra-atacar. Ademais, uma tese nova poderá surgir, ou ser confirmada, justamente em decorrência da réplica.
4.2 Do direito à tréplica à luz do contraditório, da ampla defesa e da plenitude de defesa
Dando prosseguimento ao tema principal, é fundamental o entendimento, conforme já explanado anteriormente, que no júri, não basta a ampla defesa (inciso LV) cabível em todos os procedimentos, inclusive os administrativos. No tribunal do júri a ampla defesa é dilatada para a plenitude de defesa (art. 5º, XXXVIII, “a”), ou seja, uma defesa mais vasta que deve ser exercida no seu grau máximo, de maneira absoluta, perfeita, sob pena de ser dissolvido o Conselho de Sentença. Portanto, apesar de correlatos, a plenitude de defesa adquire uma amplitude ainda maior que a ampla defesa.
Enriquecendo esse assunto, preleciona com objetividade o autor Antonio Scarance Fernandes (2007, p. 187-188):
Quis o legislador constituinte, além da ampla defesa geral de todos os acusados, assegurar ao acusado do júri mais, ou seja, a defesa plena, levando em conta principalmente o fato de que, diferente das decisões judiciais nos processos em geral, a decisão dos jurados não é motivada. Pode o juiz, no seu julgamento, de ofício, admitir em favor do acusado tese não apresentada pela defesa, mas os jurados não podem. Assim, há que se exigir mais do advogado no júri, e, daí, a necessidade de que se garanta ao acusado a plenitude da defesa, ou seja, uma defesa completa. Trata-se de garantia especial e que se aplica à fase do plenário. (FERNANDES, 2007, p. 187-188, grifo nosso).
Destacamos, novamente, as palavras do autor Guilherme de Souza Nucci que adverte:
Amplo é algo vasto, largo, copioso, enquanto pleno equivale a completo, perfeito, absoluto. Somente por esse lado já se pode visualizar a intencional diferenciação dos termos. E, ainda, que não tenha sido proposital, ao menos foi providencial.
O que se busca aos acusados em geral é a mais aberta possibilidade de defesa, valendo-se dos instrumentos e recursos previstos em lei e evitando-se qualquer forma de cerceamento. Aos réus, no Tribunal do Júri, quer-se a defesa perfeita, dentro, obviamente, das limitações naturais dos seres humanos. (NUCCI, 2011b, p. 25).
No fundo, não se deve interpretar as normas, mormente princípios, partindo-se do pressuposto de que contêm palavras ou frases inúteis e repetidas. Cai por terra, pois, qualquer afirmativa no sentido de que a ampla defesa e a plenitude de defesa possuam o mesmo significado (NUCCI, 2011b, p. 24). É importante pontuar a fala de Rodrigo Faucz Pereira e Silva (2010, p. 33), em termos que não permitem melhor exposição, por isto reproduzidos:
A plenitude de defesa adquire uma amplitude ainda maior que o princípio da ampla defesa. A defesa plena deve ser completa, perfeita, absoluta, ou seja, deve ser possibilitada ao acusado a utilização de todas as formas de defesa possíveis, causando, inclusive, um desequilíbrio em relação à acusação. Em havendo conflito entre o princípio do contraditório e a plenitude de defesa, esta última deve imperar. (SILVA, 2010, p. 33).
A importância da plenitude de defesa abarca o momento da escolha dos jurados e continua no plenário do júri abrangendo: a formação do Conselho de Sentença, com o direito às recusas e a possibilidade de conhecer os jurados; os debates; a formulação e a votação dos quesitos. Ao juiz incumbe o controle da defesa eficiente, declarando, quando se fizer necessário, o réu indefeso, ou admitindo, se for imprescindível, a inovação na tréplica da tese de defesa, ou ainda, a tréplica quando não houver réplica (FERNANDES, 2007, p. 188).
Ainda dentro desse prisma, é preciso considerar que, se no processo comum a defesa não atuar convenientemente, nem sempre precisará o juiz declarar o réu indefeso, pois ao vislumbrar poder absolver o réu na sentença assim deverá agir de ofício. Já no tribunal do júri, como bem explanado por Nucci (2011b, p. 25-26), configura-se ofensa a defesa plena quando se constata a deficiência técnica do advogado na sustentação das teses, pois os jurados, por serem pessoas leigas, apenas votam, condenando ou absolvendo, sem qualquer fundamentação. No processo comum o magistrado deve fundamentar suas decisões, expondo, portanto, as razões que o levou a condenar o réu. No entanto, tal sistema não ocorre no júri.
Nessa vereda, como corolário do princípio da plenitude de defesa, teve o CPP cuidado especial com o réu considerado indefeso, pois nessa situação atribuiu ao juiz presidente do tribunal do júri nomear ou constituir novo defensor ao acusado, dissolvendo o Conselho de Sentença e designando novo dia para o julgamento (art. 497, V).
A respeito de uma postura humanista no julgamento realizado no tribunal do júri, aduz Guilherme de Souza Nucci (2011b, p. 27):
[...] Quer-se o Tribunal Popular atuando no Brasil, onde vigora o direito codificado e os operadores do Direito passam anos e anos estudando códigos e leis especiais, porém, os jurados, em poucas horas de debate, devem decidir a sorte de alguém – condenando ou absolvendo – lastreados em argumentos, expostos pelas partes. E tais sustentações precisam ser absolutamente equilibradas? Por certo que não. Há que se ter a postura, até mesmo humanista, de permitir ao réu uma defesa perfeita. (NUCCI, 2011b, p. 27).
Veja-se agora o reverso da medalha: vigora na doutrina majoritária o entendimento de que não pode haver tréplica sem réplica. Este aspecto, aliás, é da tradição do julgamento pelo tribunal do júri no Brasil, e muitos autores defendem que não pode haver tréplica, sem réplica, pois isso obedece a uma lógica dialética. Na voz de Walfredo Cunha Campos (2010, p. 209):
Pode haver tréplica sem réplica? Entendemos que não, pois seria um contrassenso lógico imaginar-se uma resposta a algo que não foi produzido (a réplica pelo promotor). O advogado deve expor todos os seus argumentos quando de sua fala, para que não corra o risco de não haver a tréplica. (CAMPOS, 2010, p. 209).
Também se posicionando por essa falta de lógica o autor Guilherme de Souza Nucci assim se manifesta: “A lógica dos debates impõe a conclusão de ser a réplica um direito exclusivo da acusação, que, se utilizado, acarreta o direito natural à tréplica, em homenagem ao contraditório e à ampla defesa.” (NUCCI, 2011a, p. 204). Segue, ainda, esse mesmo autor, explicando que:
[...] discordamos da visão de quem procura interpretar os tempos da réplica e da tréplica como períodos autônomos e independentes, de sorte que, se o promotor não for à réplica, possa a defesa fazer uso da tréplica de qualquer jeito. Ora, o debate no júri obedece a uma lógica dialética. Manifesta-se a acusação. Após, rebatendo, fala a defesa. Se, e somente se, houver necessidade de esclarecimentos da acusação, em relação ao que expressou a defesa, vale-se, então, da réplica. Se esta for usada, o diálogo chama à tréplica. Porém, finda a manifestação defensiva, inexistente a réplica, com qual razão surge o direito à tréplica? Afinal, treplicar significa responder a uma réplica. Ausente esta, inexiste, por óbvio, o direito à contra-argumentação. (NUCCI, 2011a, p. 858).
Apesar do interessante raciocínio dos autores supracitados, percebe-se, ainda, um exame raso pela doutrina sobre esse tema. Explico! É comum em muitos doutrinadores, ao se depararem com algum ponto de vista novo ou que vai totalmente de encontro ao paradigma vigente rejeitá-lo completamente. Do mesmo modo, um dos graves problemas para a evolução de um determinado campo do saber é o repouso dogmático. Quando não se estuda mais e não se questiona as “tradições” que com o passar do tempo se tornam “preceitos absolutos”.
No caso em tela, os defensores da vinculação entre tréplica e réplica estruturam-se na ideia de uma “ordem dialética”. Com a devida venia, talvez para esses autores a questão somente fosse resolvida se houvesse uma reclassificação com outro nome para os dois momentos de falas que cada parte tem em plenário.
O fundamental é compreender que a adoção dessa “ordem dialética” não é um princípio peculiar ao do júri. Ao menos não o vislumbramos reiterado no art. 5º, XXXVIII, da Constituição Federal. No caso concreto, essa “ordem dialética” representa mais um resquício de práticas inquisitoriais, ainda tão arraigadas no sistema contemporâneo e na forma de pensar de muitos daqueles que atuam no processo penal.
Não obstante uma lógica puramente formal mostrar a impossibilidade do uso da tréplica sem o uso da réplica, não haveria, por outro lado, incompatibilidade em considerar como autônomos esses momentos (réplica e tréplica) sob uma dimensão material. Destacamos, ainda, o entendimento do autor Aury Lopes Jr. que também questiona à vinculação entre tréplica e réplica, in verbis:
Contudo, em que pese ser majoritário o entendimento, questionamos: Por que não pode haver tréplica sem réplica? Qual a base legal desta “tradição” do júri brasileiro, de que somente haverá tréplica se o Ministério Público decidir ir para réplica? Deixar ao poder discricionário do acusador não é uma quebra da igualdade? Uma fragilização do contraditório? Não viola a garantia constitucional da “plenitude de defesa”? A despeito de majoritário entendimento em sentido diverso, pensamos que há uma violação inequívoca do devido processo. (LOPES JR., 2014, p. 1056).
Mais a mais, no rastro de uma interpretação adequada, questiona-se: onde está previsto no CPP que o direito à tréplica é vinculado ao uso da réplica pela acusação? Em ponto algum. Uma leitura menos preguiçosa já seria suficiente para fazer notar que não se deve relativizar o direito da plenitude de defesa do réu a partir de uma pseudomenor ofensa a uma estrutura dos diálogos em debate.
Na esteira da proposição dada pelo artigo 476, § 4º, do CPP, identificam-se os períodos de réplica e de tréplica como períodos autônomos e independentes. Isso quer dizer que além da acusação, a defesa também pode requerer a concessão de tempo complementar (tréplica) desde o início dos debates.
Nesse mesmo sentido, escreve com maestria Jader Marques:
Acontece que o § 4.º prevê que a acusação poderá replicar e a defesa (poderá) treplicar. Estaria a lei vinculando a tréplica à réplica? Muitos dizem que sim. Respeito, mas não me convence. Repita-se o que diz o § 4.º: “A acusação poderá replicar e a defesa treplicar, sendo admitida a reinquirição de testemunha já ouvida em plenário”.
Se o juiz questiona o promotor quanto ao desejo de usar a faculdade da réplica e a resposta é negativa, o que impediria o magistrado de questionar o defensor quanto à faculdade de ir à tréplica? Nada. (MARQUES, 2016, p. 1).
Outro aspecto de importância envolve o Projeto de Lei da Câmara nº 5295, de 2009, em tramitação na Câmara dos Deputados, que acabaria com qualquer discussão, pois busca modificar o § 4º do art. 476 do CPP, permitindo a acusação replicar e a defesa treplicar, independentemente da utilização ou não do tempo destinado à acusação para réplica. Ao apresentar referido projeto de lei a Deputada Federal Dalva Figueiredo – PT/AP citou um trecho de artigo publicado pelo advogado Jader Maques, in “A Réplica e a Tréplica nos Debates do Tribunal do Júri – Revista IOB de Direito Penal e Processual Penal – 52 – Out-Nov/2008”, o qual também é referência sobre o tratamento dado pela literatura ao tema em estudo.
Sobre a modificação pretendida por esse projeto de lei, vamos além. A atual redação do § 4º do art. 476 já permite à defesa requerer o direito à tréplica, independentemente da réplica. Lembremos mais: a adoção da diferenciação (réplica e tréplica) possui um significado prático, sem dúvida, mas, sobretudo, há uma visão calcada na Política Criminal, impondo a necessidade de cercar a defesa do acusado de maiores garantias, devendo, por isso mesmo, a defesa ser a mais completa possível, como a dizer, plena.
Insta relembrar que o tribunal do júri assegura a participação popular direta de cidadãos leigos nas suas decisões de caráter jurisdicional. Por isso, é essencial que a defesa se valha de todos os instrumentos que puder. Não se trata aqui de confundir defesa plena com defesa ilimitada, nem mesmo não se defende, em hipótese nenhuma, o uso de métodos antiéticos ou ilegais. Ao contrário, sustenta-se o fiel cumprimento da lei e o respeito ao princípio da paridade de armas que deve reger o processo penal.
Nunca é demais lembrar que não há direitos absolutos e supremos no Direito, merecendo haver coexistência harmônica entre todos. Decerto, no plano material, há clara afronta ao princípio da paridade de armas, como nos dizeres de Marques esta questão “deve merecer um novo tratamento, pois, no plano material, o acusador poderá utilizar a faculdade da réplica como estratégia processual, apta a gerar prejuízo para a defesa do acusado e permitir o alcance do resultado condenatório.” (MARQUES, 2015, p. 7).
Aliás, essa artimanha não é muito rara nos julgamentos, muitos acusadores, em determinadas situações, deixam de ir à réplica quando verificam pelo teor dos debates que a defesa está guardando argumento para a tréplica. Daí emerge, como consequência, que a acusação poderá dispor do tempo, já que pode desde o início decidir pela continuidade ou pelo encerramento dos debates iniciais. Bem por isso, Marques (2016, p. 1) também faz uma importante observação sobre a lógica do processo penal de que a defesa deve falar por último:
O simples “não” da acusação à pergunta do juiz sobre o desejo de usar a réplica, simbolicamente, representa uma manifestação eloquente da postura do órgão acusador sobre o andamento dos trabalhos no Júri e representa, de certa maneira, uma burla à lógica do processo penal de que a defesa deve falar por último. Quando a acusação dispensa a réplica, calando a defesa, deixa marcado aos membros leigos do conselho de sentença que o processo está pronto para julgamento na visão de quem fez a imputação.
E o interesse da defesa, tem importância? O processo está pronto para julgamento na visão do defensor? (MARQUES, 2016, p. 1).
O autor arremata dizendo: “Há uma situação (indevida) de superioridade de quem acusa, incompatível com a ideia de um processo penal fundado na paridade de armas, na igualdade das partes, no equilíbrio das forças” (MARQUES, 2016, p. 1).
Também nesse diapasão acentua Aury Lopes Jr. (2014, p. 1056):
Sérios problemas terá o advogado de defesa se não for capaz de expor claramente suas teses na primeira fase dos debates, deixando o restante para a tréplica. Isso porque, se o acusador perceber essa falha e não optar por fazer a réplica, os debates serão encerrados e não haverá mais oportunidade para a defesa falar. (LOPES JR., 2014, p. 1056).
Nesse ponto, a defesa sempre deverá estar preparada para atuar com menos tempo de exposição aos jurados, pois só poderá contar inicialmente com o período destinado à primeira fala em plenário, sendo temerário já contar com o prosseguimento dos debates.
Mais do que nunca, ainda que o órgão acusatório não tenha ido à réplica, deve o defensor requerer a concessão do direito à tréplica quando for necessário mais tempo para continuar a exposição da sua tese (defesa plena). Caso o juiz presidente indefira o pedido, incumbe ao defensor fazer constar o cerceamento de defesa em ata e levar pela via recursal o debate aos tribunais superiores.
Vê-se que em todos os ramos do Direito, profissionais cismam em glorificar a legislação infraconstitucional, como se a Constituição estivesse num patamar inferior. Portanto, “de nada adianta a conquista histórica de uma Constituição limitadora dos poderes estatais e verdadeiramente democrática, se a aplicação é restrita.” (SILVA, 2010, p. 41).
A toda evidência, já está na hora dos exercitores do Direito adotarem com mais simpatia a tese da tréplica sem réplica. É, justamente, experimentando uma mudança de perspectiva que os profissionais do Direito podem rever seus paradigmas para questionar uma situação que seria aparentemente contraditória ou paradoxal.
Nesse passo, coaduno com a posição da corrente “ainda” minoritária da doutrina pátria. O direito à tréplica nos debates do tribunal do júri precisa ser consolidado como um legítimo direito do réu. “A atuação sob o manto da plenitude de defesa envolve o resguardo de posições francamente favoráveis ao réu. Não se pode, no Tribunal Popular, abrir mão desse incansável mister.” (NUCCI, 2011b, p. 164).
Finalmente, não resta dúvida que a plenitude de defesa ficaria mais bem ancorada no tribunal do júri se o direito à tréplica nos debates fosse um direito fundamental. Ora, não se pode admitir, ainda mais no Estado Democrático de Direito, que o uso do tempo complementar de debate pela defesa (nomeado pela lei como, tréplica) seja vinculado à exclusiva avaliação e vontade de quem acusa.
Ante todos os fundamentos expostos nos tópicos anteriores, sustentamos com toda a convicção que o direito à tréplica nos debates em plenário do tribunal do júri é um direito fundamental, decorrente, dentre outros fatores, da plenitude de defesa.
Desse modo, buscou-se com este trabalho contribuir para uma releitura do direito à tréplica nos debates do tribunal do júri mais acorde aos postulados do contraditório, da ampla defesa e da plenitude de defesa, principalmente quando se sabe que o CPP deve passar pelo filtro constitucional, haja vista o constituinte ter sido claro e extremamente garantidor em relação à defesa do acusado.
E por isso que se tem a clara noção de que nos debates do tribunal do júri a defesa poderá sempre treplicar, independentemente da utilização ou não do tempo destinado à acusação para réplica.
Pela tradição jurídica brasileira, a melhor solução que se apresenta para o presente caso seria a via legislativa, onde inclusive já há um projeto de lei em tramitação, mas enquanto tal medida não for concluída, caberá a dogmática o papel de discutir o tema, o que se espera ter contribuído por meio desse estudo.
Enfim, no presente trabalho, não se buscou esgotar o assunto sobre o qual nos propusemos discorrer, tendo a clara noção de que sua total aplicação está condicionada às decisões de nossos órgãos judiciais, de forma ainda a consolidar a jurisprudência e o entendimento em torno dele.
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Bacharel em Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais - PUC Minas. Pós-graduado em Ciências Criminais e em Direito Eleitoral pela PUC Minas. Pós-graduado em Direito Urbanístico e Ambiental pela PUC Minas. Oficial do Ministério Público do Estado de Minas Gerais.
Conforme a NBR 6023:2000 da Associacao Brasileira de Normas Técnicas (ABNT), este texto cientifico publicado em periódico eletrônico deve ser citado da seguinte forma: JADER MáXIMO DE ARAúJO, . Uma releitura do direito à tréplica nos debates do Tribunal do Júri Conteudo Juridico, Brasilia-DF: 27 set 2018, 05:00. Disponivel em: https://conteudojuridico.com.br/consulta/Artigos/52270/uma-releitura-do-direito-a-treplica-nos-debates-do-tribunal-do-juri. Acesso em: 23 dez 2024.
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